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Processo. n.º 344/12
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e outros, foi aquele condenado, por acórdão da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, na pena única de 17 anos de prisão. Interposto recurso, não foi o mesmo admitido naquela Vara, por extemporâneo. Deduzida reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi esta deferida com a consequente admissão do recurso. Posteriormente, porém, foi proferida, pelo relator no Tribunal da Relação de Lisboa, decisão sumária de rejeição do recurso, com fundamento em extemporaneidade. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), não foi o mesmo admitido. Interposta reclamação, foi esta, por despacho do Vice-Presidente do STJ, de 12 de abril de 2012, indeferida.
2. Desta decisão foi interposto recurso para este Tribunal, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), através de um extenso requerimento, em cuja parte relevante se pode ler:
“[...] A) ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, na redação da Lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro, declarando a inconstitucionalidade da interpretação da alínea c) do número 1 do artigo 400.º do CPP em conjugação com o artigo 417.º n.º 8 do CPP, na interpretação normativa que indefere recurso apresentado com manifesta violação das leges arti por parte do mandatário do arguido, por violação do direito constitucional a uma defesa «concreta e efetiva» e não «teórica e ilusória» tal como consagrado no artigo 32.º da CRP, bem como no artigo 6.º n.º 1 e n.º 3 alíneas b) e c) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem bem como o direito ao recurso expressamente incluído entre as garantias de defesa em matéria penal no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa bem como no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que estabelece o Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal.
B) ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, na redação da Lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro, declarando a inconstitucionalidade das normas dos artigos 400.º, n.º 1, alínea c) e 417.º n.º 8, ambos do CPP, interpretadas no sentido de não haver recurso para o STJ de decisão sumária de indeferimento da Relação que considera intempestivo o recurso que não tendo sido admitido na 1.ª instância, foi admitido na sequência de reclamação apresentada no Tribunal da Relação, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP .
C) ao abrigo do disposto no art. 70.º , n.º 1, alínea g), da Lei n.º 28/82, na redação da Lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro, pois a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação interposta julgando inadmissível o recurso interposto pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça aplica interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1 alínea c) já anteriormente julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º417/2012, do Tribunal Constitucional, de 6 de março de 2012 que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão.
D) ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, na redação da Lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro, declarando a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando seja requerida a correção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP por violar o direito ao recurso expressamente incluído entre as garantias de defesa em matéria penal no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa bem como no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais que estabelece o Direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal.
E) ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º1, alínea g), da Lei n.º 28/82, na redação da Lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro, pois a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação interposta julgando inadmissível o recurso interposto pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça aplica interpretação normativa do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, já anteriormente julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/2010, de 12 de janeiro de 2010 que «julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa, a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão.» [...]”.
4. Na sequência, foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, decisão sumária de não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o respetivo teor:
“[…] Em relação à questão de constitucionalidade colocada na alínea A) supra transcrita, importa referir que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como ratio decidendi, o artigo 400º, nº 1, alínea c), em conjugação com o artigo 417º, n.º 8, ambos do Código de Processo Penal, no sentido questionado pelo recorrente. Isto é, em parte alguma da decisão recorrida se considera que tenha havido “manifesta violação das leges arti por parte do mandatário do arguido”. Assim sendo, como indubitavelmente o é, está vedado a este Tribunal, nos termos dos artigos 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, tomar conhecimento do objeto do recurso nesta parte.
[…] Elenca o recorrente, no rol de inconstitucionalidades imputadas à decisão recorrida no requerimento de interposição do presente recurso [alíneas D) e E)], que a decisão do STJ, ao considerar que o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando seja requerida a correção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP, aplicou interpretação normativa já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 16/2010, de 12 de janeiro. Paralelamente, sustenta ainda que a mesma decisão recorrida aplicou o artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º1 do CPP, com uma interpretação violadora dos artigos 32.º, n.º1 da CRP e 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Sucede, porém, que, uma vez mais, a decisão recorrida – proferida, em sede de reclamação, pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça – em momento algum se debruçou sobre tal questão, não tendo aplicado o disposto no artigo 380º do CPP, pois que se limitou a decidir, por via do regime instituído nos artigos 400º, n.1, 405º, 417º, n.ºs 6 e 8 e 432º, n.º 1, b) do CPP. Neste particular, o próprio recorrente afirma que é “a decisão sumária de indeferimento” (ou seja, a decisão proferida pelo relator, no Tribunal da Relação de Lisboa) que “veicula interpretação inconstitucional do artigo 380.º do CPP, segundo a qual o pedido de correção de uma decisão, não suspende o prazo para interpor recurso dessa mesma decisão”, não tendo o despacho ora recorrido aplicado, como ratio decidendi, a norma ou interpretação normativa referida pelo recorrente. Tanto basta para que esteja vedado a este Tribunal tomar conhecimento do objeto do recurso também nesta parte.
[…] Sustenta o recorrente que a decisão ora recorrida aplicou norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, designadamente no Acórdão n.º 417/2012, reportando-se à alínea c) do artigo 400º do CPP [Alínea C) supra]. […] Ao contrário do defendido pelo recorrente, a norma em questão não foi julgada inconstitucional por este Tribunal na interpretação ora discutida, pois que no citado Acórdão n.º 417/12 se decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão” (sublinhado aditado). Como se afirmou em múltiplos acórdãos por exemplo no n.º 568/08, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), a admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC pressupõe uma estrita e perfeita coincidência entre a norma ou interpretação normativa já precedentemente julgada inconstitucional e a norma (ou uma interpretação dela) efetivamente aplicada pelo tribunal “a quo”. Ora, no caso dos autos, o que está em causa não é um acórdão do Tribunal da Relação, mas sim um despacho proferido pelo relator - decisão de natureza diversa e passível de objeto de reclamação para a conferência. Tanto basta para que se não verifique a identidade legalmente exigida para a admissibilidade de um recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC e, consequentemente, para que se não possa conhecer do recurso também nesta parte. Acresce, aliás, que se verifica ainda uma outra diferença que inviabiliza aquela identidade: no Acórdão n.º 417/2012, discutiu-se um acórdão do Tribunal da Relação que, sem prévia audição do recorrente, rejeitou o recurso por extemporâneo. Ora, no caso presente, o arguido havia já tido oportunidade de se pronunciar sobre a mesma exata questão, quando reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão da 1ª Instância que rejeitara o recurso. Logo, quando o relator proferiu decisão sumária não pode afirmar-se que o arguido nunca havia sido ouvido sobre tal questão.
[…] Nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, se se entender que a questão a decidir é manifestamente infundada, o relator profere decisão sumária. É, neste ponto, o caso. Entende o recorrente que ao negar-se a possibilidade de recurso da decisão sumária proferida pelo relator, que rejeita o recurso por extemporâneo, saem violadas as garantias de defesa consagradas no n.º 1 do artigo 32º da CRP. Na ótica do recorrente, tal entendimento viola a Constituição por determinar a preclusão do direito constitucional a uma defesa concreta e efetiva. Aceitar tal tese, porém, significaria que o legislador estaria constitucionalmente obrigado a garantir o recurso direto de uma decisão sumária de um relator num tribunal da relação para o STJ, pelo que a exigência da prévia interposição de uma reclamação para a conferência de tal decisão seria violadora da Constituição. Acontece, porém, que em ponto algum da Constituição se prescreve tal recurso direto, sem que, anteriormente, tenha havido uma reclamação para a conferência. Tanto basta para que se considere manifestamente infundada a questão de constitucionalidade ora suscitada.
[…] Assim, sem necessidade de maiores considerações, torna-se evidente que não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso no que toca às questões suscitadas nas alíneas A), C), D, e E) do requerimento de interposição de recurso, pelo que dele se não pode conhecer, sendo que a questão indicada na alínea B) se mostra manifestamente infundada.
5. Inconformado, o recorrente reclama para a Conferência, afirmando, para o que ora releva, o seguinte:
“[...] Ora não pode deixar de se considerar que a manifesta violação das leges arti por parte do anterior mandatário do arguido não só decorre dos autos como está admitida pela decisão sumária n.º 254/2012.
[…] é exatamente o facto de o anterior mandatário do arguido ter interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão sumária de indeferimento proferida pelo Tribunal da Relação (…) que consubstancia «manifesta violação das leges arti».
E é esta manifesta violação das leges arti que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (…) admite expressamente nos termos supra transcritos ao evidenciar o desrespeito pela norma contida no artigo 417.º, n.º 8, do CPP.
[…] Sempre teria este Tribunal Constitucional de levar em consideração que a decisão recorrida, proferida em sede de reclamação pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça parte nos seus pressupostos de interpretação inconstitucional do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição do recurso continua a correr, a partir do termo inicial fixado no artigo 411.º, mesmo quando seja requerida a correção da sentença ao abrigo do artigo 380.º do CPP.
[…] Seria um ónus excessivo a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma processualmente adequada numa situação em que esta evidencia a violação das leges arti.
[…] sempre terá de se considerar que a diferença entre um Acórdão do Tribunal da Relação e um despacho proferido pelo relator é irrelevante para o que diz respeito à garantia de sindicabilidade de decisão que condena o arguido numa pena de prisão superior a 8 anos.
[…] É de ponderar a intensidade lesiva/ofensiva da decisão que, na interpretação sindicada, não admite recurso para o supremo Tribunal de Justiça e, por outro, a circunstância de o arguido não ter tido a oportunidade de ver a bondade da decisão de primeira instância apreciada por um tribunal superior.
[…] Ora, se não pode admitir-se a insindicabilidade da decisão da relação que rejeita, por intempestivo, sem contraditório, o recurso interposto de decisão da primeira instância que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a 8 anos de prisão em nome de um processo penal célere e eficaz, o direito de defesa do arguido impõe, pois, que, pelo menos nos casos em que o Supremo teria competência, a final, para conhecer do mérito do recurso, se reconheça ao arguido o direito de ver por esta instância reapreciada a decisão da relação que rejeitou, por intempestivo, o recurso interposto da decisão condenatória da primeira instância que foi por esta última admitido.
[…] o que a expressa consagração constitucional do direito do arguido ao recurso quer significar e garantir é, nuclearmente o direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a sentença final condenatória contra si proferida (princípio do duplo grau de jurisdição).
[…] Não defende o arguido ora reclamante que toda e qualquer decisão sumária de um relator num Tribunal da Relação tenha de ser por imposição constitucional recorrível para o STJ. Antes pelo contrário, considera que a decisão sumária de indeferimento da Relação (que considera intempestivo recurso que, não tendo sido admitido na 1ª instância, foi posteriormente admitido na sequência de reclamação apresentada no Tribunal da Relação), em caso em que o arguido não viu efetivamente a decisão judicial de 1ª instância que o condena numa pena de prisão de 17 anos reapreciada por um tribunal superior, nem quanto à matéria de direito, nem quanto à matéria de facto, terá de ser recorrível para o STJ sob pena de violação do direito ao recurso, tal como previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP.”
6. Notificado, o Ministério Público reclamado sustentou, remetendo para o decidido nos Acórdãos n.ºs 198/2011 e 264/2011, que, tendo o requerimento de reclamação para a conferência dado entrada neste Tribunal por via eletrónica e devendo considerar-se que tal forma de prática do ato processual não é admissível em processos pendentes no Tribunal Constitucional, da mesma se não deve tomar conhecimento.
7. Notificado para se pronunciar quanto à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, o reclamante respondeu que:
“[…] no que não cabe no objeto da Portaria n.º 114/2008, de 6 de fevereiro, sempre teremos de considerar que está em vigor a Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, que regula a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico.
Por outro lado, não podemos olvidar que o documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita: n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril.
Quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada certificada por uma entidade certificadora, o documento eletrónico com o conteúdo referido no número anterior tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de agosto com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/2003, de 3 de abril.
Isto mesmo considerou o STJ no seu Acórdão de 18 de janeiro de 2011 [..] como podemos ler: […] «A razão da forma da notificação, através de correio eletrónico, ter sido subtraída do dispositivo do art.º 150.º do CPC, resulta de se considerar essa referência escusada, por tal se mencionar no sistema informático CITIUS, para onde remete a disposição do CPC. Eliminar do sistema a notificação por correio eletrónico seria incompreensível e contraditório, sabendo-se que o intuito do legislador é caminhar no sentido da desmaterialização […]»
Esta jurisprudência é a mais correta e atualista, única possível, não podendo vingar a posição sustentada pelo Ilustre Procurador Geral Adjunto.
De resto, é impensável que o Tribunal Constitucional, mesmo referindo o seu endereço de e-mail na notificação enviada ao ora respondente pudesse vir a considerar que o envio através de e-mail com assinatura digital e MDDE não é legalmente admissível.”
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos
8. Antes de mais, importa conhecer da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, atento o facto de o reclamante ter remetido a presente reclamação para a conferência através de correio eletrónico. Nesta matéria, o Tribunal Constitucional decidiu já, nos Acórdãos n.ºs 198/2011 e 264/2011, que o correio eletrónico não constitui, face às normas atualmente em vigor, forma prevista para prática de ato processual em juízo. Nesse sentido, aqueles arestos conheceram dos argumentos que o reclamante também aqui expendeu. Desde logo, afirmou-se no Acórdão n.º 198/2011 que “O artigo 150º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, estatui que os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A, ou seja, através do sistema informático CITIUS (artigo 4.º da Portaria n.º 114/2008, de 6 de fevereiro). Acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito que os atos processuais também podem ser apresentados por entrega na secretaria judicial, remessa pelo correio, sob registo, ou envio através de telecópia. Face à redação vigente deste artigo, entrada em vigor no dia 7 de fevereiro de 2008, aplicando-se imediatamente aos processos pendentes nesta data, por força do estatuído nos artigos 30.º, n.º 1, da Portaria n.º 114/2008 e 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, é manifesto que “entrega na secretaria judicial” significa entrega em mão, “entrega direta”, na secretaria do tribunal (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil I, Almedina, 2004, p. 157). Indo neste sentido a redação anterior do artigo 150.º que previa no n.º 1, alínea d), o envio por correio eletrónico, com aposição de assinatura eletrónica avançada, como uma outra forma de apresentação a juízo de ato processual, a par da entrega na secretaria judicial. Ora, foi esta forma de apresentação, envio por correio eletrónico, que a lei deixou de prever, tendo sido até expressamente revogada a Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, que regulava a forma de apresentação a juízo dos atos processuais enviados através de correio eletrónico (artigo 27.º, alínea a), da Portaria n.º 114/2008). Pelo que, o envio de peça processual por correio eletrónico, forma não prevista numa lei que define taxativamente as formas de apresentação a juízo de ato processual, é razão bastante para não se conhecer do objeto do recurso interposto” (sublinhado acrescentado).
Por sua vez, no Acórdão n.º 264/2011, a propósito do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o ora reclamante invoca e que também naqueles autos foi aludido, afirmou-se que “a decisão em causa (Processo 4520/07.8TBRG.G1S1) incide sobre a forma de notificação entre mandatários através do sistema CITIUS, concluindo que «da própria aplicação do sistema CITIUS, resulta que a notificação entre mandatários se pode realizar através de correio electrónico». O que não é, manifestamente, transponível para os presentes autos.”
Ora, sendo claro que, com a expressa revogação da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, a lei deixou de prever o envio de peças processuais por correio electrónico, há que constatar que nenhum facto que porventura possa ser invocado tem a virtualidade de alterar a lei. E porque, na generalidade, todos os argumentos desenvolvidos pelo ora reclamante foram expressamente conhecidos e considerados naquelas duas decisões, sempre seria possível concluir no sentido do não conhecimento do objeto da presente reclamação.
9. Mas mesmo que assim se não entenda e se admita a prática do ato através de correio eletrónico, sempre se dirá que o reclamante não aduz, na reclamação ora apresentada, qualquer argumento que permita abalar os fundamentos da decisão sumária de que reclama. Pelo contrário, limita-se a repetir o que já afirmara no requerimento de recurso apresentado e que foi ponderado na decisão sumária reclamada.
9.1. Assim, o reclamante considera que a violação das leges arti por parte do anterior mandatário do arguido decorre dos autos e está mesmo admitida pela decisão sumária objeto da presente reclamação, quando do texto de tal decisão resulta exatamente o oposto, pois que aí se considerou que em lado algum dos autos se concluiu ter existido tal tipo de violação – na verdade, quem assim o conclui é o próprio reclamante, não a decisão recorrida (e muito menos a reclamada).
9.2. O reclamante insiste igualmente que o Tribunal já havia julgado inconstitucional a interpretação normativa do artigo 380º do CPP questionada, bem como que o STJ aplicou norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal, quando se expressou de forma clara na decisão reclamada que “em momento algum se debruçou sobre tal questão, não tendo aplicado o disposto no artigo 380º do CPP, pois que se limitou a decidir, por via do regime instituído nos artigos 400º, n.1, 405º, 417º, n.ºs 6 e 8 e 432º, n.º 1, b) do CPP”, e que “a norma em questão [artigo 400.º, c) do CPP] não foi julgada inconstitucional por este Tribunal na interpretação ora discutida, pois que no citado Acórdão n.º 417/12 se decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão”, sendo ainda que, no Acórdão n.º 417/2012, se discutiu um acórdão do Tribunal da Relação que, sem prévia audição do recorrente, rejeitou o recurso por extemporâneo, ao passo que nos presentes autos o arguido já fora ouvido sobre tal questão quando reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa da decisão da 1ª Instância que rejeitara o recurso.
9.3. Por fim, continua o reclamante a equiparar um acórdão do Tribunal da Relação, diretamente sindicável por via de recurso, a uma decisão sumária de indeferimento do relator do mesmo Tribunal, para o qual a lei prevê um meio prévio e específico de reação: a reclamação para a conferência. Mais uma vez, fá-lo repristinando a argumentação que foi rebatida na decisão sumária ora reclamada e cujos fundamentos mantêm inteira validade.
9.4. Por fim, quanto à questão de mérito apreciada na decisão reclamada, nenhum argumento novo foi apresentado, merecendo a mesma inteira confirmação.
Assim, torna-se evidente que, conforme se julgou na decisão reclamada, por um lado não estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso e, por outro, no que toca à questão de mérito de que se conheceu nada se adianta que possa infirmar o juízo efetuado.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 5 de julho de 2012 - Gil Galvão -Carlos Pamplona de Oliveira -Rui Manuel de Moura Ramos