Imprimir acórdão
Processo nº 598/00
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1.1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente AD e recorrida a CD, SA, foi proferida, em 27 de Outubro último, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma legal, decisão sumária na qual não se tomou conhecimento do recurso.
1.2. - Foi esta do seguinte teor:
'AD, inconformado com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Junho de 2000, que, em conferência, confirmou o despacho do Conselheiro relator que não admitiu recurso de revista interposto por FC, AD e outros, em autos de reclamação de créditos instaurados por apenso ao processo de falência de FAA, S.A., em que é recorrida a CD, S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Defende o recorrente que suscitou durante o processo, no nº 15 da reclamação do despacho do Conselheiro-relator para a conferência, que este despacho, ao recusar conhecer do objecto do recurso, 'interpretou por forma inconstitucional o nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil, de forma que viola por forma flagrante os princípios da justiça e de proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de direito que decorre dos artigos 2º e 18º, nº 2, da CR', limitando-se o acórdão da conferência, objecto do presente recurso, 'a remeter para o despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, sem nada lhe acrescentar'. Compulsados os autos verifica-se que o ora recorrente, e demais trabalhadores daquela sociedade patrocinados judicialmente pelo mesmo mandatário, arguiram nulidade sujeita ao regime previsto no nº 1 do artigo 201ºdo Código de Processo Civil (CPC) e, como tal, a anulação de todos os actos subsequentes à prolação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29 de Janeiro de 1998 (fls. 886 e segs.), proferido no recurso de apelação da sentença de verificação e graduação de créditos lavrada no apenso de verificação do passivo da falência da FAA,S.A. Anulado, em consequência, o acórdão da Relação por despacho da Desembargadora Relatora, de 10 de Outubro de 1998 (fls. 922 e segs.), foi, por novo despacho, de 22 de Janeiro de 1999 (fls. 924), uma vez sanada a nulidade, dado como reproduzido aquele acórdão, na sua integralidade. Inconformados, os interessados, credores reclamantes, interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, 'notificados do despacho que dá por reproduzido o Acórdão de fls. 886 a 889 na sua integralidade, não se conformando com este'. No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro relator, por despacho de 3 de Fevereiro de 2000 (fls. 970), considerou que a decisão da Desembargadora relatora transitou em julgado, 'na medida com que do mesmo a parte prejudicada não requereu que sobre a matéria do despacho recaísse um acórdão – artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, sendo certo que sobre o acórdão que, então, veio a ser proferido é que a parte vencida podia interpor recurso'. Assim sendo, não admitiu o recurso. Notificados, o ora recorrente e outros vieram, nos termos do nº 1 do artigo 704º do CPC expor, em síntese, que se pretendeu recorrer do acórdão que o despacho de
10 de Outubro de 1998 deu por reproduzido e não propriamente deste despacho – cuja ambiguidade terá induzido em erro. No entanto, o Conselheiro relator, agora em 29 de Fevereiro de 2000, proferiu novo despacho, do seguinte teor (fls. 975):
‘Não conheço do presente recurso de revista interposto por FC e outros dado que o mesmo foi interposto do despacho do Sr. Juiz Desembargador relator conforme flui, sem margem para dúvidas, dos termos do requerimento de fls. 925
(novecentos e vinte e cinco), despacho este que transitou em julgado, na medida em que do mesmo a parte prejudicada não requereu que sob a matéria do mesmo recaísse um acórdão – art. 700º - nº 3, Cod. Proc. Civil, sendo certo que sobre o acórdão que, então, viesse a ser proferido é que a parte vencida podia interpor recurso. Daqui que não é admissível o presente recurso. Custas pelos recorrentes.’ Reclamaram os interessados para a conferência, ao abrigo do nº 3 do artigo 700º do CPC, e aí, após reafirmarem o seu ponto de vista, escreveram, nos nºs. 15 e
16 da respectiva peça processual, a culminá-la:
'15. Face a todo este circunstancialismo o não conhecimento do objecto do recurso, constituiria grave injustiça, violaria claramente os princípios da justiça e da proporcionalidade ínsitos na ideia de Estado de direito, que decorre dos artºs. 2 e 18 nº 2 da CR, constituiria, pois, grave inconstitucionalidade.
16. De forma tanto mais grave quanto o acórdão recorrido ao negar aos créditos dos trabalhadores os privilégios que a lei lhes confere, violou ele também o nº
3 do artº 59º da CR, que confere aos salários garantias especiais nos termos da Lei, inconstitucionalidade esta que aqui e agora se invoca para todos os efeitos.' O Supremo Tribunal de Justiça proferiu, então, o acórdão de 15 de Junho último, objecto do presente recurso de constitucionalidade, do seguinte teor:
‘No presente recurso de revista em que são recorrentes FC e outros e recorridos CD, S.A. e outros, foi proferido despacho a fls. 975, no sentido de não se conhecer do recurso. Perante o requerimento a solicitar que sobre a matéria do despacho, tendo ponderado o que consta do despacho, acorda-se em conferência o despacho do relator.’
2. - Entende-se ser caso de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por não se poder conhecer do objecto do recurso.
3. - Com efeito, a suscitação da questão de constitucionalidade é direccionada ao despacho reclamado, que viola flagrantemente normas e princípios constitucionais, no entender do recorrente. Ou seja, não se equaciona um problema de controlo normativo, como o exige o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade em causa, colocando-se, sim, um problema de discordância factual relativamente à decisão judicial, em si mesma considerada. E não se revela útil observar o disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei nº
28/82, no pressuposto de uma suscitação menos clara; de qualquer modo não se encontram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso porque (também) a norma do nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil não serviu de fundamento à decisão recorrida. Na verdade, determina a mesma a prévia audição pelas partes sempre que o relator entenda não dever conhecer-se do recurso (o que foi observado, no caso concreto). Ora, como se pode ler no despacho recorrido, essa norma não constituíu fundamento para o não conhecimento do recurso, que se baseou, sim, no facto de se considerar transitado o despacho recorrido, dado a parte não ter requerido que sobre ele recaísse acórdão, nos termos do nº 3 do artigo 700º do mesmo Código (não competindo, obviamente, a este Tribunal pronunciar-se a respeito do acerto dessa decisão).
4. - Em face do exposto, decide-se, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 (cinco) unidades de conta.'
2. - Inconformado, veio AD reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do citado artigo 78º-A.
Entende que a sua reclamação deve ser deferida, se bem que aceite não ter invocado com suficiência a norma do ordenamento infra-constitucional cuja interpretação questiona, justificando-se, desse modo, que para o efeito, seja convidado, ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, de modo a suprir os elementos em falta no seu requerimento de interposição de recurso.
Contesta, porém, que se esteja perante uma situação não subsumível ao controlo do recurso de constitucionalidade, por não se equacionar um problema de controlo normativo, antes sendo caso de mera divergência relativa
à decisão judicial, como tal considerada.
E, neste âmbito, objecta-se, nomeadamente:
a) ao invocar-se a inconstitucionalidade da interpretação dada pela decisão recorrida à norma do nº 1 do artigo 704º do CPC pretendeu-se dizer que 'o não conhecimento do recurso propriamente dito –
1ºsegmento do nº 1 do artigo 704º do C.P. Civil – é que representou uma interpretação violadora dos princípios constitucionais que no requerimento se especificaram';
b) assim, a leitura que a decisão sumária deu à equacionação do problema de constitucionalidade é 'parcelar', uma vez que só foi observado o que da última parte da norma consta, relativo à prévia audição das partes;
c) reconhece-se, sem embargo, que mais adequada teria sido a convocação do nº 1 do artigo 721º daquele Código – só complementarmente cabendo citar o primeiro segmento daquele nº 1 do artigo 714º, que também foi
'tocado'.
A recorrida, ouvida sobre a reclamação, nada disse.
3. - Cumpre decidir.
Não tem razão o reclamante.
Na verdade, e se bem se entende, pretende-se, agora, como que integrar substantivamente, concedendo-lhe um conteúdo normativo, a questão suscitada de inconstitucionalidade que – assim se entendeu na decisão sumária – mais não é do que a expressão da discordância factual relativamente à decisão judicial, tomada em si.
O certo é que mesmo que, se admitisse assistir razão ao reclamante, de qualquer modo não estariam reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, uma vez que a norma do nº 1 do artigo 704º do CPC não serviu de fundamento à decisão que não admitiu o recurso, baseada que foi, como se escreveu na decisão sumária, 'no facto de se considerar transitado o despacho recorrido, dado a parte não ter requerido que sobre ele recaísse acórdão, nos termos do nº 3 do artigo 700º do mesmo Código [...]'.
Não há, assim, nada mais a acrescentar relativamente ao que a decisão sumária se entendeu.
4. - Em face do exposto, decide-se:
a) indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso;
b) condenar o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida