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Proc.º n.º 717/99.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. MGP, S.A., notificada do Acórdão nº 356/2000, proferido nestes autos em 5 de Julho de 2000, veio, por intermédio de extenso requerimento de 36 páginas, arguir a respectiva nulidade.
Para tanto, em síntese, sustentou que, como se alcançaria da alegação que produziu, e ficaria sintetizado nas «conclusões» 1ª, 2ª, 3ª, 4ª,
5ª, 10ª, 17ª, 18ª e 20ª aí formuladas, a recorrente teria equacionado uma questão de inconstitucionalidade que consistiria, justamente, na questão de saber se o princípio da tutela jurisdicional efectiva não exigiria a possibilidade de admissão de recurso de actos posteriores confirmativos desde que estivessem em causa casos especiais ou excepcionais aliados às ideias de clareza e segurança, designadamente quando a preclusão do direito de recorrer não fosse estatuída clara ou expressamente por determinada norma, antes derivando de determinada construção doutrinária ou jurisprudencial, que até teria mudado de orientação; não obstante um tal equacionamento, o aresto ora arguido de nulo não se teria pronunciado sobre essa questão.
Assim sendo, continua a arguente, o arguido acórdão 'não apreciou, afinal, verdadeiramente a norma, ou melhor, o segmento normativo daquele preceito do ETAF [a norma da alínea a) do nº 1 do artº 62º do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril] aplicado pela decisão recorrida do STA', já que aquele Supremo Tribunal, 'ao estabelecer posteriormente a orientação jurisprudencial nova e concluir que, afinal de contas, o art. 62º, nº 1, al. A), do ETAF revogou o esquema derivado dos arts. 69º do DL nº 517-F'/79 e 139º e 140º do DRegulam nº
55/80, e dos posteriores arts. do CódRegComercial, afirmando, desse jeito, que a via única de acesso à justiça tributária no caso era a daquele primeiro preceito, emitiu na prática uma norma com alcance de restrição retroactiva do direito de acesso à justiça tributária'.
Concluiu assim a recorrente o seu requerimento de arguição de nulidade:-
'Não tendo sido apreciada minimamente esta questão colocada, quanto ao recorte constitucional da noção de ‘acto lesivo’ - e contenciosamente recorrível -
(no caso de actos confirmativos de actos anteriores cuja possibilidade de impugnação imediata não fosse, ao tempo da sua prática, nada evidente nem clara, antes negada pela Administração e na altura pelos Tribunais competentes),
e que era o que estava em causa,
verifica-se um motivo de nulidade do Acórdão, nos termos conjugados dos arts. 668º 1 d) do CPC e 69º da LTC (Lei nº 28/82), devendo, consequentemente, essa questão ser conhecida e analisada e sobre ela recair uma pronúncia e a decisão sempre douta do Tribunal'.
Depois de um tal discretear, a recorrente explanou ainda no sentido de essa pseudo questão haver de ter uma solução de acordo com a qual se deveria
'julgar inconstitucional a norma do art. 62º nº 1 a) do ETAF quando interpretada no sentido de o recurso ou a impugnação judicial aí consagrados impossibilitar hoje automaticamente e de modo absoluto qualquer recurso de ‘actos confirmativos’, nomeadamente dos actos confirmativos das anteriores ‘liquidações de receita emolumentar’ cuja situação de impugnabilidade contenciosa não era clara na lei (nem na doutrina, nem na jurisprudência) ao tempo da sua prática, e que não foram impugnadas em Tribunal mas que foram recorridas logo graciosamente, de harmonia com o coevo entendimento oficializado das próprias autoridades da hierarquia administrativa em causa, e com o coetâneo entendimento dos Tribunais de 1ª instância competentes, -- devendo entender-se que tais
‘actos confirmativos’ especiais, pela especial constelação de circunstâncias em que apareceram, devem ser considerados como verdadeiros ‘actos lesivos’ (dentro da ‘noção constitucional de acto lesivo’) abrangidos pela garantia constitucional do recurso contencioso (art. 268º nº 4)'.
Ouvida a entidade recorrida, não veio a mesma a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. Convém, num primeiro passo, não passar em claro que - talqualmente se transcreveu no acórdão cuja nulidade se peticiona - no requerimento de interposição de recurso, a então impugnante e ora arguente intentou submeter ao juízo deste Tribunal a apreciação, para o que ora releva, da compatibilidade constitucional da norma do ' art. 62º, nº 1, al. a), do Dec.Lei 129/84 de 27/4, na interpretação que o Tribunal a quo aplicou para resolver a situação sub judice, segundo a qual, da liquidação emolumentar cabe
única e exclusivamente recurso imediato para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, ficando, em consequência, absolutamente precludida a hipótese de serem sindicados actos administrativos dos superiores hierárquicos, Director-Geral e Ministro, que indeferiram recursos hierárquicos tempestivamente deduzidos pelo particular', tendo concluído na sua alegação aqui produzida que deveria ser julgada inconstitucional a norma 'do art. 62º nº 1 alínea a) do ETAF
(...) quando interpretada(...) (...) no sentido de a possibilidade de recurso contencioso prevista contra actos confirmativos de actos primários de liquidação ainda não judicialmente impugnados, não abranger o caso em que os actos primários de liquidação de receita tributária provenham de órgãos do Estado não inseridos na DGI' ou 'quando interpretada no sentido de o recurso ou a impugnação judicial aí consagrados não abranger nunca os casos de recurso de
‘actos confirmativos’, nomeadamente actos de confirmação das ‘liquidações de receita emolumentar’ ainda não impugnadas em Tribunal mas recorridas (de imediato) graciosamente...'.
Nesse mesmo aresto, ao se interpretar o pedido disse-se, a dado passo:-
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No acórdão ora impugnado foi expressa a ideia de que o artº 121º, nº
1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais revogou as disposições especiais sobre as matérias objecto desse Estatuto, com excepção das ressalvas dele constantes, com isso se significando que se operou a revogação dos preceitos incluídos no artº 69º do Decreto-Lei nº 519-F/79, de 29 de Dezembro, e nos artigos 139º e 140º do Regulamento dos Serviços de Registo e do Notariado aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 55/80, de 8 de Outubro, motivo pelo qual o normativo sub iudicio se haveria de entender como impondo que passaria ‘logo a existir recurso imediato da liquidação dos emolumentos para os TT de 1ª instância no processo próprio, que é o da impugnação judicial prevista nos arts.
5º e 89º e ss do CPCI e, mais tarde, nos arts. 120º e ss do CPT’, sendo que a
‘norma do art. 62º/1/a) operava tanto a fixar a competência do tribunal como a indicar a forma do processo aplicável’.
É, pois, esta dimensão normativa que cumpre analisar, ou seja a interpretação da alínea a) do nº 1 do artº 62º do ETAF segundo a qual da liquidação dos emolumentos cabe única e exclusivamente recurso para o tribunal tributário de 1ª instância, assim ficando precludida a possibilidade de se sindicarem os actos administrativos proferidos pelos superiores hierárquicos que indeferiram os recursos graciosos interpostos daquele acto de liquidação.
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E, após a feitura dessa interpretação do pedido, passou o Acórdão nº
356/2000 (cfr. seus pontos 3. a 3.3.) a conceder tratamento à questão que - por via do raciocínio interpretativo que acabara de fazer - lhe fora colocada pela então recorrente, tratamento esse que veio a merecer um juízo de não incompatibilidade com a lei Fundamental.
Do relatado transparece que, de um lado, o problema que é agora posto pela arguente, maxime tendo em conta o pedido que formulou sobre o julgamento de inconstitucionalidade da norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artº
62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pedido esse que deduziu no requerimento de que agora curamos e que acima se deixou transcrito, não é, na perspectiva deste Tribunal, nem de perto, nem de longe, correspondente
àqueloutro que efectuou no requerimento de interposição de recurso e na alegação que produziu neste Tribunal.
De outro, resulta que, ainda que se concedesse (o que in casu se não concede, pois que essa situação não ocorre) que, de algum modo, havia determinada correspondência entre aquilo que a então recorrente tinha questionado e aquilo que agora pretende ter sido a questão que tinha colocado a este Tribunal e que haveria de resolver nos autos, então o que haveria de concluir era que este órgão de administração de justiça, ao interpretar o pedido da impugnante, teria eventualmente incorrido em erro que, como consequência, acarretaria um erro de julgamento. Isto é, a interpretação pelo Tribunal, designadamente de um pedido formulado por uma «parte», não pode deixar de ser considerado como algo inerente à actividade de julgar e, na hipótese de essa interpretação incorrer em erro, não será certamente por via da arguição de nulidade que será obtida a correcção do erro de julgamento.
Por fim, e tal como já se disse, o arguido acórdão levou a efeito o tratamento da questão de saber da conformidade com o Diploma Básico dos normativos que não impõem a recorribilidade dos designados «actos confirmativos».
Ora, embora se aceite que a recorrente, na sua alegação, não deixou de sublinhar que no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais se não vislumbrava norma de onde decorresse com clareza a inimpugnabilidade por via hierárquica dos actos como o então em causa, com possibilidade de, posteriormente, vir a ser contenciosamente impugnado o acto de indeferimento prolatado pelo superior hierárquico, e que os órgãos administrativos e jurisdicionais isso aceitavam, o que é certo é que entende o Tribunal que esse sublinhar não representa uma autónoma questão de inconstitucionalidade, antes constituindo um fundamento ou uma justificação daquilo que, na óptica da mesma recorrente, será a imposição constitucional da faculdade de recorrer de acto de indeferimento proferido pelo superior hierárquico referentemente à impugnação graciosa do acto de liquidação emolumentar.
E, como se sabe, o vício de omissão de pronúncia previsto na alínea d) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil não é invocável quando em causa estejam situações em que a decisão judicial se não pronuncia expressamente sobre argumentos ou justificações utilizadas pelas «partes», mas tão somente se a decisão for silente em relação a questões que tem por dever resolver.
Não se lobriga, pelo exposto, que o arguido acórdão tenha incorrido em nulidade, pelo que se indefere a reclamação.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 unidades de conta. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa