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Processo n.º 42/98
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Bravo Serra) Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:
I. Relatório M... intentou no Tribunal do Trabalho de Almada contra o Estado Português – Ministério da Educação, acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando, por entre o mais, que fosse declarado nulo o despedimento de que foi alvo das funções de auxiliar de acção educativa que desempenhava na Escola Secundária da Amora, funções para as quais fora admitida ao abrigo de um contrato a termo com início em 2 de Fevereiro de 1991, contrato esse que fora prorrogado por duas vezes. Após a contestação, apresentada pelo Ministério Público como representante do Estado, foi, em 16 de Outubro de 1996, proferida sentença, a qual, julgando improcedente a acção, absolveu o réu dos pedidos contra ele deduzidos. Do assim decidido recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o Ministério Público dito na alegação que então produziu, em determinados passos:
' (...) A relação jurídica de emprego na Administração Pública constitui-se por nomeação e contrato de pessoal (art.ºs 5º do DL 184/89 e 3º do DL 427/89). O contrato de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo, regendo-se este último pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do DL 427/89 (art.º 7º do DL 184/89 e 14º do DL 427/89). Resulta destes normativos que a Administração Pública não pode admitir pessoal por outras formas que não as indicadas.
(...) Sendo assim, o Estado não tinha, nem tem competência para celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado (...).
(...) Por tudo isto, não se poderá admitir a aplicação a estes contratos do disposto no art.ºs 41º do DL 64-A/89. Mas também não lhes serão aplicáveis as disposições dos art.ºs 44º e 46º do mesmo diploma legal.
(...) Além disto, a proceder a tese da A. seria violado o disposto no art.º 47º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Este artigo explicita 'um direito de carácter pessoal, associado à liberdade de escolha de profissão, de acesso à função pública', compreendendo o direito a que este se opere em condições de igualdade e liberdade, mediante um procedimento justo de recrutamento. Trata-se aqui de um domínio pautado por uma acentuada vinculação da Administração.
(...) De facto, a admitir-se como válida esta reintegração, o que não se pode conceber, passariam a coexistir dois regimes de prestação de trabalho:
- Um regime de direito privado, através do contrato individual de trabalho e do contrato de prestação de serviços;
- Um regime de direito público, pela via da nomeação (funcionário) ou de contrato administrativo de provimento (caso em que a pessoa adquiria o estatuto de agente administrativo). Coexistência esta que surgiria à revelia de uma opção de política administrativa da Assembleia da República, que possui reserva relativa de competência em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública. (...). Por acórdão de 19 de Novembro de 1997, o Tribunal da Relação de Lisboa concedeu provimento ao recurso, condenando o Estado Português a 'reintegrar a A. ao seu serviço com efeitos desde a data do despedimento'. Deste acórdão vem interposto pelo Ministério Público, fundado na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, o vertente recurso de constitucionalidade, visando a apreciação da:
'inconstitucionalidade do n.º 3 do art.º 14º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7-12, por violação dos art.ºs 13º e 47º da Constituição da República, quando interpretado (...) no sentido de que os contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado, ou outras pessoas colectivas de direito público, são passíveis de conversão em contratos de trabalho sem termo'. Na sua alegação, o representante do Ministério Público em funções junto deste Tribunal concluiu do seguinte modo:
'1º – A interpretação normativa do n.º 3 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º
427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu ‘posto de trabalho’ – admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a título claramente imperativo, consta dos artigos
3º e 14º do citado diploma legal – viola o princípio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo
47º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º – Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via ‘sucedânea’ de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública – permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da ‘convertibilidade’ de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura – propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º – Não constitui violação do princípio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo n.º 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º – Termos em que deverá julgar-se procedente o recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em consonância com o atrás exposto.' Por seu lado, a recorrida não apresentou alegação. Corridos os vistos, e após mudança do relator por vencimento, cumpre decidir. II. Fundamentos A) Objecto do recurso O presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, visa a apreciação da conformidade com a Constituição da norma do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de permitir a conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado em contratos de trabalho por tempo indeterminado. Este Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública. E o artigo 14º deste diploma regula as modalidades e efeitos do contrato de pessoal, que pode revestir, nos termos do seu n.º 1, as modalidades de contrato administrativo de provimento (que confere ao particular outorgante a qualidade de agente administrativo) ou de contrato de trabalho a termo certo. Segundo o n.º 3 do artigo 14º do diploma referido:
'O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma.' Tal regime foi aprovado em desenvolvimento do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho (por sua vez aprovado no uso da autorização legislativa conferida, no que ora interessa, pela alínea c) do n.º 1 do artigo 15º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro), em particular, do previsto no seu artigo 9º, n.º 2, segundo o qual:
'O contrato referido no número anterior [contrato de trabalho a termo certo] obedece ao disposto na lei geral do trabalho sobre contratos de trabalho a termo, salvo no que respeita à renovação, a qual deve ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo.' A uma primeira leitura dos diplomas em causa nota-se logo que, entre as formas de constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública, se não prevê a que repouse na celebração de contratos laborais sem termo. Apenas se prevê a nomeação com vista ao preenchimento de um lugar do quadro, (assegurando, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência – cfr. artigo 4º, n.º 1), o contrato administrativo de provimento (que visa assegurar que uma pessoa não integrada nos quadros exerça, a título transitório e com carácter de subordinação, funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública – cfr. artigo 15º, n.º 1) e o contrato a termo certo. Por outro lado, existem condições específicas para a admissibilidade da celebração destes contratos a termo certo pela Administração Pública: pode ser celebrado em caso de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas através de contratos de provimento
(artigo 18º, n.º 1), ou (n.º 2) nos casos de substituição temporária de funcionário ou agente, de actividades sazonais, de desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços, e de aumento excepcional da actividade do serviço – sendo que a celebração de contratos de trabalho a termo certo carece sempre de ser comunicada ao Ministério das Finanças, e nos dois
últimos casos referidos, ainda de autorização por este Ministério (artigo 21º, n.ºs 1 e 2 do citado Decreto-Lei). No aresto ora sob sindicância entendeu-se que, não contendo o Decreto-Lei n.º
427/89 disposição idêntica à que se consagrava no n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 184/86, de 27 de Maio – segundo a qual os contratos a termo certo previstos nesse diploma, qualquer que fosse a sua duração, nunca se converteriam em contratos sem prazo (no mesmo sentido, o artigo 44º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, que procedeu à adaptação do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, sobre o regime geral de estruturação das carreiras da função pública, às carreiras de pessoal da administração local) –, e tendo em conta o prescrito no n.º 3 do seu artigo 14º, 'ao ser ultrapassado o limite de 3 anos' os contratos de trabalho a termo se devem considerar 'transformados' ou
'convertidos' em contratos sem termo, por aplicação da lei geral sobre contratos de trabalho a termo (ou seja, do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro). Segundo este artigo 47º (com a epígrafe 'conversão do contrato'), 'o contrato converte-se em contrato de trabalho sem termo se forem excedidos os prazos de duração fixados de acordo com o disposto no artigo 44º [em regra, três anos consecutivos; no caso da alínea e) do n.º 1 do artigo 41º, dois anos consecutivos], somando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação de trabalho.' Nesse mesmo acórdão acrescentou-se que permitir que o Estado 'depois de ter violado a lei ao celebrar indevidamente contratos a termo certo, ainda possa beneficiar desse seu comportamento culposo e ilegal, fazendo cessar, sem quaisquer consequências para o empregador e quando lhe aprouver, as relações de emprego aceites pelo trabalhador', seria 'consentir na violação sistemática pelos serviços estatais do direito à segurança no emprego consagrado no art.º
53º da C.R.P. e no atropelo do princípio da proibição dos despedimentos sem justa causa, estabelecido na mesma norma', para além de 'tratar o Estado em pé de clara desigualdade, em relação aos seus cidadãos – empregadores, como ele, em vínculos laborais de natureza privada – uma clara afronta ao artigo 13º da Lei Fundamental do País'. O recorrido acórdão da Relação de Lisboa veio, pois, interpretar a norma ínsita no n.º 3 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 427/89 por forma a permitir que a aplicação da lei geral sobre os contratos de trabalho a termo certo ditada por tal norma também inclua a 'convertibilidade' dos contratos em contratos sem termo prescrita por aquela lei geral, quando sejam ultrapassados os respectivos prazos máximos de duração (ou seja, o artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89). No presente recurso está, pois, em causa a norma que contém a remissão definidora do regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo Estado, para a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, contida no citado artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de se permitir a conversão do contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o Estado, em contrato de trabalho sem termo (por tempo indeterminado) – por aplicação, por virtude dessa remissão, do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro –, quando ultrapassados os respectivos limites máximos de duração total. Na verdade, no assinalado Decreto-Lei n.º 427/89 não existia disposição de onde resultasse, de forma directa, resposta à questão da possibilidade de o contrato a termo certo se 'transformar' ou 'converter' em contrato sem prazo, sendo que no seu artigo 20º se dispunha originariamente:
'1. O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses nas situações previstas nas alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 18º.
2. A renovação do contrato de trabalho a termo certo é obrigatoriamente comunicada por escrito ao contratado com a antecedência mínima de oito dias sobre o termo do prazo, sob pena de caducidade.' Por sua vez, no artigo 37º do mesmo diploma (sobre 'transição do pessoal em situação irregular') preceituava-se:
'1 – É contratado em regime de contrato administrativo de provimento o pessoal sem título jurídico adequado que à data de entrada em vigor do presente diploma conte mais de três anos de exercício de funções nos serviços e organismos referidos no artigo 2º, com sujeição à disciplina e hierarquia e com horário de trabalho.
2 – O pessoal que à data da entrada em vigor do presente diploma tenha prestado serviço nos termos do número anterior e possua menos de três anos de serviço ou não desempenhe funções em regime de tempo completo é contratado em regime de contrato de trabalho a termo certo, sem prejuízo de poder ser dispensado no prazo de 90 dias.
3 – O contrato administrativo de provimento previsto no n.º 1 faz-se na categoria de ingresso da carreira correspondente às funções desempenhadas, sem prejuízo das habilitações literárias legalmente exigidas.
4 – O prazo máximo de duração do contrato de trabalho a termo certo é contado a partir da data do seu início.
5 – O disposto no presente artigo não é aplicável ao pessoal nomeado definitivamente que exerça funções em situação irregular em outro serviço ou organismo.'
É certo que o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, já foi alterado várias vezes – pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro (que introduziu um limite máximo de duração do contrato de trabalho a termo), pelo Decreto-Lei n.º 175/95, de 21 de Julho e pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Junho (o Decreto-Lei n.º
409/91, de 17 de Outubro, procedeu à adaptação do Decreto-Lei n.º 427/89 à administração local autárquica). Designadamente, com a nova redacção deste preceito introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, de 17 de Outubro, passou-se a preceituar no artigo 20º:
'1. O contrato de trabalho a termo certo pode ser objecto de renovação, mas a sua duração total nunca poderá exceder um ano, salvo os celebrados ao abrigo da alínea c) do artigo 18º que se relacionem com projectos desenvolvidos com apoio internacional, os quais poderão ter a duração de dois anos.
2. O contrato de trabalho a termo certo só pode ser celebrado por prazo inferior a seis meses nas situações previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 18º, sendo de três meses o período máximo de duração dos contratos celebrados ao abrigo da alínea b).
3. A renovação do contrato de trabalho a termo certo é obrigatoriamente comunicada por escrito ao contratado com a antecedência mínima de oito dias sobre o termo do prazo, sob pena de caducidade.
4. Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de renovação.
5. Atingido o prazo máximo do contrato de trabalho a termo certo, não pode ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto como mesmo trabalhador antes de decorrido o prazo de seis meses.' E, por sua vez, o Decreto-Lei n.º 81-A/96, de 21 de Junho, considerando a situação dos trabalhadores contratados a termo, e mantendo a proibição geral de utilização de formas de vinculação precária, previu a prorrogação de contratos a termo certo que 'comprovadamente visem satisfazer necessidades permanentes dos serviços', bem como a celebração de contratos a termo certo com as pessoas que, em 10 de Janeiro de 1996, desempenhassem funções que correspondem a necessidades permanentes dos serviços, com subordinação hierárquica e horário completo, e que naquela data contassem mais de três anos de trabalho ininterruptos. Claramente, o próprio legislador pressupôs, pois, ao estabelecer este regime jurídico, que, após o prazo máximo de duração total dos contratos a termo certo não seriam convertidos ope legis em contratos sem termo, justamente por isso prevendo a possibilidade de nova contratação a termo certo das pessoas que atingissem três anos de trabalho ininterruptos. Caso contrário, tal nova contratação a termo certo para pessoas com tal tempo de trabalho com fundamento em contrato a termo certo não faria sentido (e embora o diploma, no artigo 9º, não deixasse de prever que o regime nele fixado não prevalecia sobre regimes mais favoráveis legalmente estabelecidos). Porém, apenas com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Junho, já referida, se procurou atalhar directamente a questão da conversão dos contratos de trabalho com o Estado a termo certo em contratos de trabalho sem termo, que está em discussão nos presentes autos. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 218/98 veio acrescentar um novo n.º 4 ao artigo
18º do Decreto-lei n.º 427/89, que visou justamente resolver o problema em causa no presente processo. Segundo tal n.º 4:
'O contrato de trabalho a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato de trabalho sem termo.' O presente recurso refere-se, todavia, a um caso anterior à entrada em vigor deste novo n.º 4 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 427/89. Ainda assim, não deixe de notar-se que a questão de constitucionalidade posta neste recurso – não se referindo embora directamente a esta nova norma, que não foi aplicada pelo tribunal a quo e nunca foi apreciada por este Tribunal – não pode deixar de contender também com uma eventual apreciação da conformidade constitucional do referido novo n.º 4 do artigo 18º do Decreto-Lei n.º 427/89. Pois se se concluir que a conversão em contrato de trabalho sem termo não é constitucionalmente imposta, e ainda que não seja proibida pela Lei Fundamental, nada haverá a objectar, por este lado, à constitucionalidade material da referida norma. E assim será também se vier a proceder a perspectiva do recorrente, para a qual a interpretação seguida no aresto recorrido – segundo a qual o artigo 14º, n.º
3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, determina a aplicação, por remissão, do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e, por conseguinte, a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho sem termo com o Estado – seria contrária à Constituição da República, a qual não só não imporá, como proíbe a constituição de relações de emprego público por conversão em contrato de trabalho sem termo. Verificando-se todos os requisitos do presente recurso de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – designadamente, tendo a inconstitucionalidade sido suscitada durante o processo e tendo a norma em causa sido aplicada na decisão recorrida
–, há, pois, que passar a apreciar a questão de constitucionalidade. B) Apreciação da questão de constitucionalidade a) Inexistência de imposição constitucional de conversão em contrato com o Estado por tempo indeterminado aa) Em resultado da garantia de segurança no emprego
É necessário apurar, antes do mais, se a Constituição impõe ao legislador que preveja um regime de conversão dos contratos de trabalho a termo celebrados com o Estado em contratos de trabalho sem termo – isto, quer por força do direito à segurança no emprego, quer por virtude da igualdade com o regime da generalidade dos contratos de trabalho, quando este preveja (como acontece entre nós) aquela conversão. A Constituição garante aos trabalhadores, no artigo 53º, a segurança no emprego, concretizando logo tal garantia pela proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Trata-se de um direito fundamental, previsto ao lado de outros direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, mas cuja importância é bem patente, desde logo, por ser justamente com a sua enunciação que o legislador constitucional decidiu abrir o respectivo capítulo. A partir da revisão constitucional de 1982, a 'segurança no emprego' deixou aliás de ser entendida apenas como incumbência do Estado, para passar a constituir um dos direitos, liberdades e garantias, 'o que não pode deixar de significar um acrescido reforço da segurança no emprego como expressão directa do direito ao trabalho.' (v. o Acórdão n.º 107/88, DR, I série, de 21 de Junho de 1988, e, recentemente, o Acórdão n.º 570/99, inédito). A garantia de segurança no emprego funda-se no reconhecimento do valor essencial do trabalho para a realização da pessoa e para a obtenção das condições de existência necessárias ao seu sustento e do seu agregado familiar. A falta de segurança no emprego pode constituir um obstáculo decisivo à realização pessoal e profissional do indivíduo, e à afirmação da sua dignidade enquanto trabalhador
– um obstáculo, poder-se-á dizer também, ao livre desenvolvimento da personalidade do trabalhador. Ora, a concretização da garantia de segurança no emprego por uma regra de direito objectivo importará, naturalmente, a necessidade de compressão, em certa medida, do campo da autonomia privada no domínio das relações laborais, uma vez que a livre actuação dessa autonomia poria em causa tal segurança. Enquanto contém um 'imperativo de tutela' ('Schutzgebot' – e não apenas 'direito de defesa'), a norma do artigo 53º impõe ao Estado um dever de protecção da segurança no emprego, a satisfazer, designadamente, com publicação de legislação que concretize tal garantia (sobre os 'deveres de protecção de direitos fundamentais', reconhecidos na doutrina e jurisprudência germânica e também já na nossa literatura, para exprimir o conteúdo dos encargos do Estado na sua função de protecção dos direitos fundamentais, cfr., entre nós, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, págs.
365, 374-5, 1122 e 1134-5, e Paulo Mota Pinto, 'O direito ao livre desenvolvimento da personalidade', in Portugal-Brasil, ano 2000, Coimbra, 1999, págs. 190 e segs.; na doutrina alemã, v.g. Josef Isensee, 'Das Grundrecht als Abwehrrecht und als staatliche Schutzpflicht', cit., in Josef Isensee/Paul Kirchhof, Handbuch des Staatsrechts, Band V – Allgemeine Grundrechtslehren, Heidelberg, 1992, § 111, n.º 83, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt a. M., 1986, págs. 410 e segs., Johannes Dietlein, Die Theorie von den grundrechtlichen Schutzpflichten, Berlin, 1992, Peter Unruh, Zur Dogmatik der grundrechtlichen Schutzpflichten, Berlin, 1996). Foi isto, aliás, que se deixou patente, a propósito da garantia de segurança no emprego, no Acórdão n.º 581/95 (DR, I série-A, de 22 de Janeiro de 1996):
'A Constituição, no artigo 53º, garante aos trabalhadores «a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho. E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do «direito ao lugar» do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do «equilíbrio de liberdades» que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento «se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro» (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, p. 178). A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo.' (itálico aditado) Ora, o problema da consistência da segurança no emprego tem justamente sido posto perante os termos e a amplitude de admissão pelo legislador de contratos de trabalho a termo certo, bem como em face do respectivo regime. O regime geral do contrato de trabalho a termo certo, e sua conversão em contrato de trabalho sem termo, encontra-se hoje previsto no Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro, que revogou o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro (para um panorama comparatístico e histórico, v. A. Menezes Cordeiro, Manual de direito do trabalho, Coimbra, 1991, págs. 617 e segs.). Após o 25 de Abril de 1974, o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, que regulou a cessação do contrato individual de trabalho 'considerando a necessidade de uniformizar os regimes muito diversos que, entretanto, e por força da contratação colectiva se foram criando', previra, no n.º 2 seu artigo
32º, a publicação de legislação complementar, nomeadamente sobre o contrato de trabalho a prazo. Assim, o Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro veio permitir 'a celebração de contratos de trabalho a prazo, desde que este seja certo', prevendo o n.º 1 do seu artigo 3º que 'o contrato de trabalho a prazo apenas poderá ser renovado até ao máximo de três anos, passando a ser considerado depois daquele limite como contrato sem prazo, contando-se a antiguidade desde a data do início do primeiro contrato', e ficando revogado o artigo 10º do regime jurídico do contrato individual do trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969. O sistema deste diploma de 1976 – cuja matriz essencial consistia na admissibilidade em geral dos contratos a prazo, desde que esse prazo fosse superior a seis meses, e na admissibilidade da mesma modalidade de contratos, com duração inferior a seis meses, quando o trabalho em causa fosse de 'natureza transitória' – deu, hoje, lugar ao sistema de normas do capítulo VII do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (rectificado por declaração publicada no DR, I série, 1º suplemento, de 31 de Maio de 1989). Este diploma, aprovado no uso da autorização concedida pela Lei n.º 107/88, de 17 de Setembro, introduziu um novo regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, em que a possibilidade de celebração destes deixou de estar limitada apenas pela negativa
(não ter como finalidade iludir as disposições que regulam o contrato sem termo), para se circunscrever, pela positiva, aos casos previstos no artigo 41º. Segundo o artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, por sua vez:
'O contrato converte-se em contrato sem termo se forem excedidos os prazos de duração fixados de acordo com o disposto no artigo 44º, contando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação de trabalho'. E as alterações ao Decreto-Lei n.º 64-A/89 – quer pelo Decreto-Lei n.º 403/91, de 16 de Outubro (que deu nova redacção ao artigo 55º, nos casos especiais de cessação do contrato de trabalho por revogação unilateral durante o período experimental, alterando a duração deste), quer pelo artigo 1º da Lei n.º 32/99, de 18 de Maio (que veio alterar o regime dos despedimentos colectivos, dando nova redacção aos artigos 17º, 18º, 23º, 25º e 31º,) quer ainda, mais recentemente, pela Lei n.º 118/99, de 11 de Agosto (que veio desenvolver e concretizar o regime geral das contra-ordenações laborais, alterando o artigo
60º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 em análise) – deixaram inalterada a norma do seu artigo 47º, que se encontra hoje em vigor nos termos supra transcritos. Esta prevê uma conversão ope legis – resultante automatica e obrigatoriamente da lei – do contrato de trabalho com termo certo em contrato de trabalho sem termo, em homenagem ao interesse na segurança e estabilidade do emprego, e considerando um certo grau de probabilidade, firmado na ultrapassagem dos respectivos limites máximos de duração total, de o contrato de trabalho a termo certo, admitido legalmente para acorrer a situações excepcionais e transitórias, estar a ser utilizado para prover a necessidades permanentes de trabalho. Como este Tribunal já decidiu (veja-se o citado Acórdão n.º 581/95), a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a termo, prevista na lei geral do trabalho, não é por si só violadora do direito à segurança no emprego, uma vez que se encontra vinculada a um conjunto de circunstâncias enumeradas pelo legislador (artigo 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), que, conjuntamente com outros traços do regime do contrato de trabalho a termo, exprimem a ideia de excepcionalidade desta forma de contratação (v., por exemplo, J. J. Abrantes, 'Breve apontamento sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a prazo', in idem, Direito do trabalho – ensaios, Lisboa, 1996, págs. 96 e 99, e Bernardo Lobo Xavier, Curso de direito do trabalho, Lisboa, 1992, pág. 468, que, embora referindo que 'a questão não é linear', salienta que a lei exige uma 'justificação substantiva adequada e típica para o contrato de trabalho a termo, que quase se poderia dizer que se transforma assim num contrato especial de trabalho'). A ideia geral rectora do respectivo regime jurídico é aqui a da limitação no tempo das actividades em causa – distinguindo-se (assim, Bernardo Lobo Xavier, ob. cit., págs. 468-9) casos de contrato a prazo com justificação objectiva
(ligada a uma característica do próprio posto de trabalho ou da actividade a prosseguir) e casos com fundamento subjectivo (contratação de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração, substituições temporárias). Como se disse no citado Acórdão n.º 581/95:
'Este método de enumeração de casos havê-lo-á ligado o legislador à ideia de excepcionalidade da contratação a termo, ideia que, em boa verdade, constitui um desiderato da garantia constitucional da segurança no emprego. Se o contrato a termo fosse admitido como regra, então a entidade empregadora optaria sistematicamente por essa forma, contornando a estabilidade programada no artigo
53.º da Constituição. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantia da segurança no emprego «perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse sujeita a prazos mais ou menos curtos, pois nesta situação o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo. O trabalho a prazo é por natureza precário, o que é contrário à segurança» (Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 289). A garantia constitucional da segurança no emprego significa, pois, que a relação de trabalho temporalmente indeterminada é a regra e o contrato a termo a excepção. Esta forma contratual há-de ter uma razão de ser objectiva. Também aqui a Constituição nos afasta dos paradigmas da liberdade contratual clássica.
3 – Mas a excepcionalidade do contrato a termo não se concretiza apenas numa técnica legislativa de enumeração de casos, de tipificação das situações que o admitem. Exige que essas situações tragam em si mesmas uma justificação e exige um sistema de normas teleologicamente orientado a limitar o recurso ao contrato a termo. Ali, o controlo de constitucionalidade leva à pergunta por um fundamento material dos casos enunciados no artigo 41.º, aqui, a uma análise do seu contexto significativo. E no contexto significativo, que é dado pelos demais preceitos do capítulo VII, relevam os seguintes momentos essenciais: o contrato a termo é escrito (artigo
42.º, n.º 1) e deve indicar o seu «motivo justificativo» ou, sendo celebrado a termo incerto, indicar «a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração [...]» [artigo 42.º, n.º 1, alínea e)]; se o contrato a termo certo é sujeito a renovação, «então não poderá efectuar-se para além de duas vezes e a sua duração terá por limite três anos consecutivos» (artigo 44.º, n.º 2); «até ao termo do contrato [a termo certo como a termo incerto], o trabalhador tem, em igualdade de condições, preferência na passagem ao quadro permanente, sempre que a entidade empregadora proceda a recrutamento externo para o exercício, com carácter permanente, de funções idênticas àquelas para que foi contratado» (artigo 54.º, n.º 1). E há ainda outros momentos normativos que concorrem para demover a entidade empregadora do recurso sistemático ao contrato a termo. Funcionam como garantias a posteriori ou garantias «periféricas» a favor da estabilidade do emprego. São elas: o direito do trabalhador a uma compensação por caducidade do contrato a termo certo (artigo 46º, n.º 3) e a termo incerto (artigo 50º, n.º 4) e a proibição de contratar a termo, para o mesmo posto de trabalho, um novo trabalhador, nos três meses que decorrem sobre a cessação do trabalho a termo com outro trabalhador, quando a cessação a este não é imputável (artigo 46º, n.º
4). Finalmente, o Decreto-Lei n.º 64-A/89 existe em articulação com o Decreto-Lei n.º 64-C/89, também de 27 de Fevereiro. Aqui se determina a concessão à entidade empregadora de apoio financeiro e dispensa de contribuições para a segurança social (artigo 9º), benefícios que se circunscrevem tão-só às situações de contrato sem termo e às situações em que o contrato a termo se transformou em contrato por tempo indeterminado (artigo 8º). O legislador chamara a atenção para esta articulação dos dois diplomas, ao propor-se, justamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 64-A/89, «salvaguardar a simultaneidade das respectivas vigências». Este complexo de regulação limita assim as possibilidades de recurso ao contrato a termo. E limita-as em especial no momento em que exige que a forma escrita inclua a justificação dos motivos – assim criando o material necessário a um controlo jurisdicional efectivo dos pressupostos – e no momento em que determina a nulidade da estipulação a termo fora da verificação desses pressupostos – assim criando uma consequência jurídica que não é a nulidade do contrato, mas a conversão desse contrato em contrato por tempo indeterminado.
(…)' Pode, pois, dizer-se que, quer pelos pressupostos a que liga a possibilidade da sua celebração, quer pelo regime jurídico que prevê para o contrato de trabalho a termo (incluindo, por exemplo, a indicação expressa no contrato do motivo justificativo e do termo – artigos 42º e 44º do Decreto-Lei nº 64-A/89 –, os limites à renovação e à duração total do contrato, a enunciação taxativa dos casos em que podem ser celebrados contratos com prazo inferior a seis meses, a admissibilidade de termo incerto apenas excepcionalmente, nos termos do artigo
48º, e outros mecanismos tendentes a desincentivar a contratação a prazo) o legislador procura limitar a insegurança no emprego que pode resultar do recurso a contratos de trabalho a termo certo e tenta prevenir a fraude ao regime do contrato de trabalho sem prazo que poderia resultar da estipulação do termo em contratos sucessivamente encadeados, tentando tornar esta forma de contratação excepcional. Como se salientou ainda no aresto que se vem citando,
'o legislador modela o contrato de trabalho sobre uma ponderação que sopesa a alternativa de limitá-lo no tempo (criando na entidade empregadora a convicção de inexistência de riscos) ou de o não proporcionar aos próprios interessados
(mantendo aquela convicção do risco e as consequências da liberdade de não contratar). Mas se a garantia de segurança no emprego está em relação com a efectividade do direito ao trabalho (Constituição da República Portuguesa, artigo 58º) e se a Constituição comete ao Estado a incumbência da realização de políticas de pleno emprego, em nome também da efectividade desse direito [Constituição da República Portuguesa, artigo 58., n.º 3, alínea a)], então não se pode dizer que é ilegítima aquela ponderação nem que são ultrapassados os limites de conformação que aí são postos ao legislador. Conformação que é restritiva, sem dúvida, se atendermos aos mandados de optimização das normas sobre direitos fundamentais. Mas que empreende uma ponderação justificada. Na verdade, o que está em análise
é a justificação de uma norma que, assentando numa pressuposta «menos-valia» da experiência profissional daqueles candidatos ao emprego, consagra uma opção de alargamento dos casos de contratação a termo. E não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar o âmbito mais vasto das prognoses legislativas que com esta política porventura se entrecruzem. Por isso que não são violados nem a garantia constitucional da segurança no emprego (Constituição da República Portuguesa, artigo 53º) nem o princípio da igualdade (Constituição da República Portuguesa, artigo 13º).' Ora, no presente recurso está justamente em causa o ponto do regime dos contratos de trabalho a termo que se traduz na sua conversão, obrigatória para o empregador, em contrato de trabalho sem termo, como sanção para a ultrapassagem dos limites à sua renovação fixados legalmente. Designadamente, importa apurar se a previsão de tal disciplina de conversão é indispensável para a compatibilidade dos contratos de trabalho a termo certo com a garantia de segurança no emprego. A conversão ope legis, automática e obrigatória para o empregador, vista como sanção para a ultrapassagem do limite legal à duração total dos contratos de trabalho a termo, importa, obviamente, uma derrogação à liberdade contratual do empregador, na sua vertente de liberdade de conclusão de contratos (de
'Abschlussfreiheit'). Limitação, esta, que, porém, se justifica pela tutela da segurança no emprego que a Constituição da República garante aos trabalhadores. A conversão em contrato sem termo resulta directamente da lei, dispensando-se a prova de qualquer vontade real ou hipotética das partes (v. A. Menezes Cordeiro, Manual de direito do trabalho, cit., pág. 639 – referindo, todavia, a possibilidade de aplicação do artigo 272º do Código Civil, em caso de comportamentos contrários à boa fé durante a pendência do termo). Trata-se de uma solução substitutiva da declaração de vontade do empregador na constituição da relação laboral sem termo, e ligada apenas à ultrapassagem do limite temporal máximo dos contratos a termo encadeados, sem exigir a prova concreta da necessidade futura do trabalhador para tarefas não transitórias, e conferindo a este uma posição de estabilidade idêntica à existente nos contratos de trabalho sem termo. A conversão apresenta-se, pois, como desvio à sanção normal para a contrariedade de um negócio jurídico a uma proibição legal (a uma norma legal imperativa, portanto), que consiste, como se sabe, na respectiva nulidade
(artigo 294º do Código Civil). Tal desvio compreende-se, porém, em ordem à satisfação da garantia da segurança no emprego. No entanto – e, pelo menos, segundo uma certa perspectiva –, tal 'conversão' não se apresenta como o único meio, ou, sequer, como disciplina indispensável, para o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger a segurança no emprego. Aliás, a necessidade de tal regime tende a diminuir quanto mais se acentuar a excepcionalidade do recurso à contratação a termo certo. E, mesmo para os contratos deste tipo que se celebrem, podem prever-se soluções legislativas sucedâneas desta conversão, dirigidas à protecção da segurança no emprego. Pode, assim, entender-se que a segurança no emprego deve levar à proibição ou à restrição apertada da celebração de contratos a termo certo, com uma regulamentação mais estrita dos pressupostos para a contratação a termo de trabalhadores, bem como a fixação de prazos de duração máxima destes contratos
(que no caso de contratos a termo certo com o Estado são até menores do que os previstos na lei geral do trabalho), ou de um seu regime especial de renovação. Por outro lado, poderá o legislador, por exemplo, prever a existência de um regime de indemnização dos trabalhadores com contrato a termo certo que ultrapasse os limites temporais legalmente estabelecidos, caso sofram danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente. Todas estas regulamentações se destinam a assegurar ao trabalhador segurança no emprego, sem passar necessariamente pela conversão do seu contrato em contrato de trabalho sem termo. O direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, pois, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança. E, portanto, não poderá reconhecer-se uma imposição constitucional de um regime de conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como forma de cumprimento do dever de protecção da segurança no emprego, a cargo do Estado. Mesmo, porém, quem tenha dificuldade em acompanhar a conclusão exposta no ponto anterior para a generalidade dos contratos de trabalho – e tenda a entender, pois, que na Constituição da República se funda uma imposição de conversão ope legis dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, após a ultrapassagem dos respectivos limites temporais máximos, como regime indispensável para assegurar a segurança no emprego –, poderá seguramente concordar que não resulta da Constituição da República tal imposição de um regime de conversão obrigatória para os contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado. E isto, quer pelas diferenças gerais que há que reconhecer entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica laboral de direito privado, quer, designadamente, pela necessidade de compatibilizar o regime da primeira com exigências constitucionais relativas especificamente ao acesso aos empregos públicos, como a resultante do artigo 47º, n.º 2, da Constituição. Não podem, em primeiro lugar, negar-se as diferenças de regime jurídico entre a relação jurídica de emprego público e privado, mesmo quando aquela não se funda num acto administrativo de nomeação de funcionário, ou num contrato de provimento, mas antes num verdadeiro contrato de trabalho celebrado com o Estado. A especificidade da relação jurídica de emprego público (que se define na doutrina como 'o vínculo complexo pelo qual um dos sujeitos – o particular – se obriga a desempenhar, de forma profissionalizada e sob a autoridade e direcção da Administração Pública, funções próprias e permanentes da pessoa colectiva com a qual se relaciona, mediante contrapartidas de natureza pecuniária e social e o reconhecimento de um conjunto de direitos associados a uma maior estabilidade de emprego' – assim Paulo Veiga Moura, Função púbica – regime jurídico, direitos e deveres dos funcionários e agentes, Coimbra, 1999, pág. 56) resulta, antes do mais, do facto de ela se estabelecer entre um particular e o Estado, estando tal relação colimada à satisfação das necessidade de pessoal da Administração para prossecução do interesse público (v. já a distinção dos diversos elementos da relação jurídica de emprego público e da relação jurídica de emprego privado em João Alfaia, Conceitos fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público, Coimbra, 1985, págs. 24 e segs.). Como resultado da sua orientação para a satisfação do interesse público e da sua integração num corpo ao serviço do Estado, os trabalhadores da função pública estão sujeitos a um regime jurídico próprio, substancialmente diferente do regime jurídico que disciplina os trabalhadores do sector privado. Podem apontar-se, a título exemplificativo, algumas diferenças. Assim, a Constituição proíbe no seu artigo 269º, n.º 4, 'a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei', pelo que, ao contrário do que sucede no sector privado, o trabalhador do sector público – que, no exercício das suas funções, se encontra exclusivamente ao serviço do interesse público (n.º 1 do referido artigo 269º) – não é livre de, enquanto tal, disponibilizar o seu trabalho ao serviço de outrem. Paralelamente, o legislador deve (n.º 5 do mesmo artigo) definir o sistema de
'incompatibilidades entre o exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades' (existem, pois, mais limitações ao exercício de uma profissão na 'função pública' do que no sector privado, para o qual a Constituição unicamente permite que se estabeleçam 'as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade' – artigo 47º, 1, in fine). Além disso, os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são 'responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos'
(artigo 271º, n.º 1 da Constituição), específica responsabilidade esta que se liga directamente com a existência de uma hierarquia administrativa com um dever de obediência, e que apenas cessa nas condições previstas pelo n.º 3 do mencionado artigo 271º. No recrutamento e selecção dos trabalhadores para o sector público e para o sector privado existem igualmente diferenças, destacando-se a que decorre de o preenchimento de um lugar do quadro de pessoal de um qualquer organismo público resultar de um acto de nomeação, e de o artigo 47º, n.º 2 da Constituição assegurar 'o acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso' (cujo processo encontra hoje disciplina legal no Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de Julho). As diferentes regras de recrutamento impõem, assim, que o Estado defina um procedimento justo de selecção dos seus trabalhadores, em princípio de acordo com as capacidades e os méritos de cada candidato (referindo um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra,1993, pág. 265). Registe-se ainda que é o relevo público das funções exercidas pelos
'funcionários públicos' que justifica a publicação no Diário da República de alguns actos relativos à sua situação profissional, que só a partir desta começam a produzir efeitos. No que diz respeito à extinção da relação jurídica de emprego com a Administração Pública, a principal diferença emerge da sua maior estabilidade, porquanto todas as formas de extinção hão-de estar previstas na lei, mais especificamente nos artigos 28º a 30º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro. Neste sentido, salienta-se (Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público. Movimentos fractais. Diferença e repetição, Coimbra, 1999, pág.
63) que 'a cessação da relação jurídica de trabalho por ‘extinção de postos de trabalho por causas objectivas de ordem estrutural, tecnológica ou conjuntural’, prevista no Direito privado do trabalho (...) não cabe na função pública, em que a extinção, restruturação de serviços não se repercute, de regra, sobre a manutenção da relação de trabalho'. Finalmente, compete, em princípio, aos tribunais administrativos, e não aos tribunais de trabalho, apreciar e julgar os litígios emergentes das relações de emprego de direito público. E diga-se, ainda, que, enquanto no sector privado existem naturalmente grandes diferenças salariais – que decorrem naturalmente das regras da concorrência e da autonomia privada –, no sector público, a retribuição do trabalho é, para cada categoria e carreira, legalmente fixada, correspondendo sempre os suplementos salariais a situações tipificadas de progressão na carreira. A especificidade da relação jurídica de emprego público, perante as relações laborais de direito privado, tem, aliás, já aflorado por diversas vezes na jurisprudência do Tribunal Constitucional – admitindo-se, porém, naquela, igualmente a celebração de contratos de trabalho a termo certo. Assim, já no Acórdão n.º 340/92 (DR, II série, de 17 de Novembro de 1992) se salientara que a liberdade de a Administração Pública estabelecer as respectivas formas de organização e meios pelos quais actua inclui a possibilidade de celebração de contratos a prazo. Como se pode ler nesse aresto:
'(...)
É sabida a particular dificuldade que anda associada à definição do conceito de função pública, dada a diversidade de sentidos com que a expressão é utilizada e considerando a pluralidade de critérios defendidos para a sua caracterização material. Porém, seja qual for o entendimento adoptado e muitos têm sido propostos (cfr. Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª. ed., pp.
669 e ss., Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. IV, pp 410 e ss., João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, vol. I, Coimbra, 1985, pp. 17 e ss.), o sentido mais específico do conceito reporta-se ao conjunto de funcionários (empregados ou trabalhadores) vinculados a pessoas colectivas de direito público por relações jurídicas de emprego a tempo completo e com carácter de permanência. A Administração Pública, enquanto actividade, é levada a cabo, directa ou indirectamente, por estruturas e organizações permanentes que asseguram de modo regular e contínuo a satisfação das necessidades colectivas. A função pública, enquanto organização humana, faz executar e executa as tarefas próprias daquela estrutura orgânica assegurando-lhe a necessária estabilidade, permanência e efectividade. Ora, se existem funções e tarefas administrativas cujo desempenho pressupõe um carácter profissional e permanente no seu exercício outras há que se compatibilizam com um estatuto precário e de duração limitada. A Administração, tal como se refere na resposta do Governo, é livre para estabelecer as respectivas formas de organização ou os meios pelos quais se hão-de satisfazer as necessidades que constituem a sua razão de existir. Simplesmente, esta liberdade não pode ser entendida no sentido de, a propósito das formas de provimento dos funcionários públicos, conduzir a uma supressão infundamentada dos seus vínculos de efectividade e permanência envolvendo a sua substituição por formas de contratação precárias, transitórias e sem qualquer expectativa de continuidade profissional. Em comentário ao artigo 269º da Constituição, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2º vol., pp. 438, manifestaram o entendimento de que:
'Não é constitucionalmente obrigatório que todos os trabalhadores e agentes do Estado e demais entidades públicas pertençam à função pública propriamente dita e possuam o respectivo regime. Ao confiar à Assembleia da República a definição das «bases do regime e âmbito da função pública» (artigo 168º – 1/u), a Constituição deixa claramente para a lei a delimitação do seu âmbito objectivo e subjectivo, podendo excluí-lo, com maior ou menor amplitude, em relação a certas entidades ou serviços ou em relação a determinadas categorias de agentes ou trabalhadores'. Todavia, esta liberdade de delimitação subjectiva e objectiva não pode ser interpretada em termos de conduzir a uma generalizada substituição de estruturas e orgânicas administrativas dotadas de quadros permanentes de pessoal por outras apenas preenchidas com agentes não efectivos nem profissionalizados. Tudo dependerá da particular natureza e dimensão dos serviços, do conjunto dos fins e atribuições que lhes estão confiados e do plano que ocupam na realização das actividades do Estado.' Por sua vez, no Acórdão n.º 345/93 (DR, II Série, de 11 de Agosto de 1993) – que não julgou inconstitucional a norma do artigo 469º, §1º, alínea c), do Código Administrativo, enquanto interpretada no sentido de ser aplicável a 'contratos de provimento além do quadro' – tratou-se da aplicação da garantia de segurança no emprego aos trabalhadores da função pública, referindo-se, como uma das especificidades dos contratos de trabalho a prazo celebrados com a Administração Pública, a inexistência de conversão em contrato sem prazo. Argumentou-se, pois, com tal traço de regime, sem se ter considerado tal especificidade violadora do direito à segurança no emprego. Assim, após uma descrição do regime do artigo 469º do Código Administrativo – revogado pelo Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, que procedeu à adaptação do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho (sobre o regime geral de estruturação das carreiras da função pública), às carreiras de pessoal da administração local, e em cujo artigo 44º se previa que o contrato a termo certo, qualquer que fosse a duração nele estabelecida, nunca se poderia converter em contrato sem prazo e caducaria tacita e automaticamente no termo do prazo estabelecido, sem conferir direito a qualquer indemnização – e do regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública definido pelo Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro (com particular ênfase no contrato de trabalho a termo certo), salientou-se:
'(...) O princípio da segurança no emprego tem expressa consagração no artigo 53º da Lei Fundamental que garante aos trabalhadores a segurança no emprego e proíbe os despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos. No âmbito desta previsão normativa devem ter-se por incluídos os 'trabalhadores da Administração Pública', pese embora o particular estatuto funcional de que desfrutam, no qual se compreende um conjunto próprio de direitos, regalias, deveres e responsabilidades, e lhes empresta um figurino especial face à relação de emprego típica das relações laborais comuns, de raiz privatista. Simplesmente, nem todos os 'trabalhadores da Administração Pública' (acepção muito ampla e despida de rigor conceitual, utilizada do artigo 269º da Constituição) beneficiam do estatuto específico dos funcionários públicos
(stricto sensu), entendidos estes como 'agentes administrativos providos por nomeação vitalícia voluntariamente aceite ou por contrato indefinidamente renovável, para servir por tempo completo em determinado lugar criado por lei com carácter permanente, segundo o regime legal próprio da função pública' na definição proposta por Marcello Caetano, ob. cit., pp. 609 e 610. Haverá assim que distinguir entre aqueles agentes que exercem a sua actividade como uma profissão certa e permanente e aqueles outros que apenas executam uma relação contratual a título precário e acidental, justificando-se plenamente que a lei estabeleça, consoante os casos, diferentes condições de segurança e da estabilidade na respectiva relação de trabalho. Os funcionários públicos (stricto sensu) gozam do direito ao lugar, o que significa que, em regra, só possam dele ser privados mediante processo criminal ou disciplinar. Apenas certos factos, aqueles que revistam especial gravidade caracterizada por lei, e apurados em tais processos, são susceptíveis de constituir 'justa causa de despedimento' e poder, por isso, determinar a cessação do vínculo adquirido pelo funcionário aquando do seu ingresso nos quadros permanentes da administração. Ao contrário, os agentes não funcionários, mais concretamente, no que aqui importa, os agentes contratados além do quadro, com provimento precário e temporalmente transitório (a permanência efectiva e a estabilidade são requisitos próprios dos provimentos definitivos em lugares dos quadros), achavam-se condicionados, à data da aprovação da deliberação impugnada, pelo facto de o contrato poder ser denunciado sempre que a sua continuação não conviesse à entidade administrativa e poder ser rescindido quando a prestação que formava o seu objecto não pudesse ser cumprida. Nestas situações, os contratos administrativos de provimento assumiam-se como contratos a prazo certo, sem que a tanto obstasse a sua prorrogabilidade tácita por períodos sucessivos de um ano se entretanto não fossem denunciados. Com efeito, o contrato de trabalho a prazo, então regulado no Decreto-Lei n.º
781/76 (depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) antes de se poder converter em contrato sem prazo (contrato individual de trabalho) findos que fossem três anos de sucessivas renovações, regia-se em termos paralelos aos do contrato administrativo de provimento, no respeitante à denúncia como forma de cessação do contrato. A circunstância de este último não se converter, após o decurso de um certo lapso temporal, em contrato administrativo sem prazo, resulta da especificidade e da peculiar natureza de que se revestem as relações de trabalho na Administração Pública. Aliás, na actualidade, os contratos a termo certo celebrados pela Administração Local (artigo 44º do Decreto-Lei n.º 247/87), qualquer que seja a duração neles estabelecida, nunca podem converter-se em contratos sem prazo e caducam tacita e automaticamente no termo do prazo estabelecido. Não se vê assim qualquer impedimento a que o regime do contrato administrativo de provimento, além do quadro, contemple como forma de cessação contratual a denúncia invocada por parte da entidade administrativa, quando o mesmo instrumento de extinção da relação laboral se achava previsto na ordem laboral privada. E não pode ser invocado em sentido contrário o princípio constitucional da segurança no emprego. Este princípio, com efeito, não pode ser entendido em termos de significar para os ‘trabalhadores da função pública’ abrangidos por contratos desta natureza, a transformação de vínculos laborais precários e transitórios (assim contratualmente definidos e assumidos), destinados à execução de tarefas e actividades não permanentes da administração, em vínculos de efectividade permanente, como se decorressem de provimentos efectivos e definitivos em lugares dos quadros. A relação laboral estabelecida naqueles contratos dispõe da duração de um ano, e durante este período o princípio constitucional garante ao trabalhador segurança no emprego em conformidade com os exactos termos contratuais. A circunstância de a norma sob exame admitir prorrogações sucessivas do prazo inicial de um ano, não detém a virtualidade de alargar a protecção concedida por aquele princípio para além dos novos períodos de execução contratual que venham a ser efectivamente acordados. Embora de modo implícito, este Tribunal adoptou entendimento similar ao que vem de ser exposto, nos acórdãos n.ºs 154/86, 285/92 e 340/92, Diário da República, respectivamente, I série, de 12 de Junho de 1986, I série-A, de 17 de Agosto de
1992 e II série, de 17 de Novembro de 1992. Afastada a violação do artigo 53º da Constituição, respeitante ao quadro próprio dos direitos, liberdades e garantias, deixa de ter sentido a apreciação da norma controvertida à luz dos outros preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.' Mais recentemente (e apenas a título de exemplo), no Acórdão n.º 12/99 este Tribunal afirmou que a previsão de uma taxatividade de formas de constituição da relação de emprego na função pública – com exclusão, designadamente, da celebração de contratos de trabalho sem prazo – não viola o direito à segurança no emprego nem o princípio da igualdade. Assim, escreveu-se nesse aresto, depois de se descrever sumariamente o regime previsto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro:
'(...) Destes preceitos legais [dos artigos 3º, 14º, 18º a 21º do Decreto-Lei n.º
427/89, em desenvolvimento dos artigos 4º a 12º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho] referidos resulta não só um regime de contratação restrito ao contrato de trabalho a termo certo, o qual não confere a qualidade de agente administrativo e cuja regulamentação específica é ainda mais apertada do que a prevista no regime geral do contrato de trabalho para esta modalidade, como também a proibição expressa de celebrar outro tipo de contratos com carácter subordinado, designadamente, de contratos sem prazo. Com este particular regime, viola-se o princípio do Estado de direito democrático ou o princípio da igualdade?
9. – A Administração Pública, enquanto actividade é assegurada, directa ou indirectamente, por estruturas e organizações permanentes que realizam de modo regular e contínuo a satisfação das necessidade colectivas, cabendo à função pública, enquanto organização humana executar as tarefas próprias daquela estrutura orgânica conferindo-lhe a necessária estabilidade, permanência e efectividade. Assim, a função pública, enquanto conjunto de funcionários
(empregados ou trabalhadores) vinculados a pessoas colectivas de direito público por relações jurídicas de emprego procura realizar a prossecução do interesse público – finalidade que a Administração Pública visa prosseguir (artigo 266º, n.º1, da CRP). Porém, se existem funções e tarefas administrativas que pressupõem para a sua realização eficaz uma relação de carácter profissional e permanente outras existem que são ou podem ser mais eficazmente asseguradas através de um estatuto precário e temporalmente delimitado. A Administração dispõe da faculdade de escolher, nos termos da lei, as modalidades de organização ou os meios pelos quais se hão-de satisfazer as necessidades que constituem a sua razão de existir; mas, estando a Administração Pública subordinada à Constituição e à lei, tal faculdade não pode conduzir à arbitrariedade nem poderá levar a uma substituição generalizada dos vínculos de permanência e efectividade por contratações precárias. Assim, tendo o Tribunal já decidido que a existência de contratos de trabalho com prazo certo não viola o princípio da segurança no emprego constante do artigo 53º da Constituição (veja-se o Acórdão n.º 581/95, in Diário da República, Iª Série – A, de 22 de Janeiro de 1996) e admitindo que inexiste uma unificação entre o contrato de trabalho e a relação de emprego público (cf. Liberal Fernandes, A autonomia Colectiva dos Trabalhadores da Administração…, Coimbra Editora, pág. 112), tendo em atenção a faculdade do legislador de organizar a Administração Pública acima referida, é manifesto que o regime atrás descrito não viola o princípio do Estado de Direito democrático, quer na vertente do princípio da certeza e segurança jurídicas quer na do princípio da confiança. Na verdade, a interpretação feita das normas dos artigos 14º e 43º não é uma interpretação injusta ou arbitrária, pois aplicou as disposições legais vigentes pela forma que entendeu mais correcta, de acordo com a previsibilidade do regime fixado. Não existe também qualquer violação do princípio da igualdade porquanto o Tribunal Constitucional vem entendendo que este princípio entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – desde logo 'diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas' ou 'desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional' (neste sentido, o Acórdão n.º 302/97, in Diário da República, IIª Série, de 18 de Junho de 1997 e demais jurisprudência aí citada). Ora, é justamente a especificidade da relação laboral constituída entre particulares e o Estado (sobre esta v. João Caupers, 'Situação jurídica comparada dos trabalhadores da Administração Pública e dos trabalhadores abrangidos pela legislação reguladora do contrato individual de trabalho', Revista de direito e de estudos sociais, 1989, nº 1/2, págs. 243 e segs., Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., esp. págs. 38 e segs. e 122 e segs., e idem, 'Contratos de trabalho a termo certo e contratos de prestação de serviço na administração pública – situações irregulares –
«reintegração», in Questões Laborais, 1995, págs. 168 e segs., Paulo V. Moura, Função pública, cit., págs. 52 e segs.) que permite afirmar que, ainda que a garantia de segurança no emprego impusesse em geral um regime de conversão obrigatória em contrato de trabalho sem termo após a ultrapassagem do limite de duração total dos contratos a termo legalmente consagrado, tal solução não é constitucionalmente imposta para os contratos de trabalho celebrados pelo Estado. E isto, ainda que se entenda que a garantia de segurança no emprego vale igualmente para o domínio do emprego público (v. os Acórdãos n.ºs 154/86, 285/92 e 233/97, in DR, II série, de 12 de Junho de 1986, 17 de Agosto de 1992 e 12 de Maio de 1997). Ou mesmo, sem que, para chegar a tal conclusão, seja necessário defender que o direito à segurança no emprego previsto no artigo 53º da Constituição se restringe aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho sem termo – e embora não possa deixar de se considerar relevante para a apreciação de um regime que não comporte a conversão legal de contratos a termo em contratos por tempo indeterminado o facto de o trabalhador, ao celebrar aquele contrato, poder saber já de antemão que este está sujeito a um prazo, e que, em caso de ultrapassagem de sua duração máxima, a lei não prevê a conversão em contrato de trabalho sem termo. Não se julga, na verdade, que o regime da conversão de contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado seja indispensável para, abstraindo da restante disciplina dos pressupostos de recrutamento e do regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Estado, poder afirmar a compatibilidade dessa forma de contratação com o princípio da segurança no emprego. Em primeiro lugar, cumpre destacar que o Decreto-Lei n.º 427/89 – tal como o Decreto-Lei n.º 64-A/89 – não deixou igualmente de ligar a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a determinados pressupostos, substanciais e formais, que deverão levar a poder qualificar-se o recurso a tal forma de contratação pela Administração Pública como excepcional (e o excesso em tal recurso como um fenómeno 'patológico', não correspondente ao modelo que o legislador pretende para a relação de emprego público). Como se viu, tais contratos apenas podem ser celebrados para acorrer a necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas através de contratos de provimento, nos termos artigo 18º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
427/89, ou nos casos previstos no n.º 2 desta norma (substituição temporária de funcionário ou agente; actividades sazonais; desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços; aumento excepcional da actividade do serviço), e a celebração de contratos de trabalho a termo certo carece de ser comunicada ao Ministério das Finanças, e, em certos casos, ainda de autorização por este Ministério (artigo 21º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma). Depois, tal como no domínio do direito privado, o legislador fixou um limite máximo de duração total dos contratos de trabalho a termo, com vista a reforçar a proibição de recurso a esta forma de contratação para assegurar necessidades permanentes de serviço. Tal disposição sublinha ainda o carácter excepcional que o legislador imprime aos contratos de trabalho a termo certo, e visa, pois, proteger a segurança no emprego, para além do interesse (também o interesse financeiro) do próprio Estado. Este carácter excepcional é acentuado, ainda, pela previsão de responsabilidade para a violação das normas que regulam a celebração de contratos a termo – já na sua redacção originária o artigo 43º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 427/89 dispunha que:
'Os funcionários e agentes que autorizem, informem favoravelmente ou omitam informação relativamente à admissão ou permanência de pessoal em contravenção com o disposto no presente diploma são solidariamente responsáveis pela reposição das quantias pagas, para além da responsabilidade civil e disciplinar que ao caso couber.' Não deixe, aliás, de notar-se que o limite máximo de duração dos contratos de trabalho a termo não era, para os contratos celebrados por particulares e para contratos concluídos pelo Estado, o mesmo: enquanto para os primeiros o limite é em regra de três anos (e só excepcionalmente de dois anos), no segundo caso o limite máximo de duração é de um ano, e só excepcionalmente mais longo, de dois anos – cfr. os artigos 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, e 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, a partir da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, em cuja vigência se verificou, no caso dos autos, a ultrapassagem da duração máxima legal dos contratos da termo (apenas a partir com a redacção do artigo 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho foram estes prazos máximos de duração total do contrato de trabalho a termo celebrado com o Estado alargados para dois e três anos). Aliás, a partir da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, o legislador, prevendo a possibilidade de renovação sucessiva, com encadeamento de contratos de trabalho a termo certo, não se limitou a prever uma duração total máxima específica para os sucessivos contratos de trabalho a termo certo (com a nova redacção introduzida no artigo 20º, n.º 1), mas previu igualmente, no n.º 5 do artigo 20º, que, atingido esse limite máximo de duração, não poderia ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto com o mesmo trabalhador antes de decorrido o prazo de seis meses. A sanção da conversão em contrato de trabalho sem termo aparece, assim, ligada pela lei geral do trabalho ao não cumprimento da proibição de renovação do contrato para além de um determinado período de tempo. Ora, compreende-se que tal sanção seja prevista na lei que regula as relações privadas de trabalho, por ser possível que a celebração sucessiva de contratos de trabalho a termo encadeados (v., sobre estes, por exemplo, A. Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, I, 8ª ed., Coimbra, 1993, págs. 279-80) seja utilizada pelos empregadores para defraudar a proibição de despedimentos sem justa causa, reservando-se sempre a possibilidade de terminar o contrato no final de cada prazo. Acresce que tal sanção apenas limitará interesses privados do empregador que violou a proibição legal de recurso a contratos de trabalho a termo para além do respectivo limite legal de duração total. Se o empregador está a utilizar contratos de trabalho a termo certo para além da duração máxima legalmente permitida – e, portanto, provavelmente para satisfação de necessidades permanentes de trabalho –, a sanção de tal possível tentativa de fraude à lei com a conversão em contratos de trabalho sem termo afigura-se razoável. Diversa se apresenta a situação no caso de contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado. Aqui, afigura-se legítimo presumir, em primeiro lugar, que o empregador não se orientará exclusivamente por objectivos económicos, e que, por conseguinte, não tenderá a incorrer tão frequentemente na tentação de lançar mão de contratos de trabalho a termo com intuito de defraudar a segurança que geralmente garante aos seus funcionários. É, na verdade, este o padrão de comportamento que se deve esperar do Estado, com respeito das leis que ele próprio aprovou – enquanto o interesse, normalmente puramente económico, que tipicamente move o empregador poderá levar mais frequentemente a situações de recurso a contratos de trabalho com termo para defraudar a proibição dos despedimentos sem justa causa. A este respeito, não se poderá deixar conduzir a determinação da solução juridicamente adequada, em lugar de por uma adequada análise e ponderação dos interesses em jogo, por considerações, mais ou menos apoiadas em elementos de facto, sobre a frequência (ou maior ou menor frequência comparativa) de situações de irregularidade (e da efectivação de responsabilidade dos titulares de cargos públicos que as promoveram) com recurso a contratos de trabalho a termo certo pelo Estado para satisfação de necessidades permanentes da Administração – ou, muito menos, por um raciocínio ad absurdum ou de presunção de intenções de fraude à lei por parte da Administração Pública. Além disto, diversamente do que acontece no domínio do direito privado, quando tal violação da lei ocorrer, a sanção da conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado não atinge apenas interesses privados, do empregador – os interesses em causa são aqui igualmente interesses públicos, contendendo, designadamente, com a garantia de igualdade de acesso à função pública e com o princípio do acesso por via de concurso (artigo 47º, n.º 2, da Constituição), de acordo com um procedimento justo de recrutamento e selecção, estruturado segundo o princípio da capacidade e do mérito. Regras, estas, cujo fundamento, como se verá a seguir, ultrapassa em muito o puro interesse do particular candidato, ou, mesmo, o interesse na eficiência da Administração. Acresce que, diversamente do que acontece na lei geral do trabalho, tal sanção de conversão em contratos de trabalho sem termo teria como consequência, no domínio da relação laboral com a Administração Pública, o aparecimento de um novo enquadramento jurídico (de uma nova forma de constituição e de um novo regime jurídico) para a relação jurídica de emprego público – o contrato de trabalho com a Administração Pública por tempo indeterminado, ao lado da nomeação para o quadro e do contrato de provimento. Isto, ao contrário do que acontece no domínio da lei geral de trabalho, em que a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado se resume à recondução de tais relações laborais ao seu modelo-regra (o contrato de trabalho sem termo), que o legislador pretende maioritário (pois que o contrato a termo é excepcional). Compreende-se, pois, que a sanção da conversão do contrato em contrato sem termo com o Estado não se afigure como a mais adequada, diversamente do que acontece com o comum das relações laborais de direito privado. Diga-se, aliás, que uma progressiva aproximação de regimes jurídicos entre trabalhadores da Administração Pública e trabalhadores sujeitos ao regime laboral comum, ou uma 'unificação constitucional do trabalho dependente' (v. a referência a esta e à 'laboralização' do estatuto dos trabalhadores do Estado em Francisco Liberal Fernandes, Autonomia colectiva dos trabalhadores da Administração. Crise do modelo clássico de emprego público, Coimbra, 1995, págs.
121 e segs.), se procedente, não pode encobrir a diversidade de situações retratada – decorrente de ser também diverso o panorama dos interesses e dos direitos fundamentais em causa na constituição de relações laborais privadas e na de relações de emprego público. Isto, sendo certo que tal argumento unificatório do regime jurídico tende a provar demais, por em variados aspectos os trabalhadores do Estado gozarem de uma segurança (por exemplo, quanto à uniformidade de vencimento ou garantia de manutenção do posto de trabalho) e de benefícios que não são (nem, em muitos casos, podem ser) reconhecidos aos trabalhadores comuns. Se a isto se juntar ainda a consideração de outras sanções para a irregularidade em causa – como que 'sucedâneas' da conversão, mas incluindo, por exemplo, a responsabilidade disciplinar e civil dos titulares de órgãos do Estado que violem a proibição legal de recurso a contratos de trabalho a termo fora dos termos legalmente previstos (incluindo o seu limite legal máximo de duração, tratando-se, aqui, como se trata sem dúvida, de uma disposição legal destinada a proteger a segurança no emprego, e cuja violação importará, pois, responsabilidade civil) –, por forma a dissuadir o Estado, seus órgãos e agentes, de recorrer abusivamente a esta forma de contratação, poder-se-á concluir que a inexistência da conversão automática e obrigatória dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho por tempo indeterminado com o Estado, após a ultrapassagem dos limites de duração máxima daqueles, não viola o princípio da segurança no emprego (foi, aliás, como se disse, este o regime que vigorou nos termos do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 184/86, de 27 de Maio, no mesmo sentido dispondo o artigo 44º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, que adaptou do Decreto-Lei n.º 248/85, de 15 de Julho, sobre o regime geral de estruturação das carreiras da função pública, às carreiras de pessoal da administração local). Importa ainda, porém, apurar se, a ser consagrada tal conversão na lei geral do trabalho, a sua não aplicação aos contratos celebrados pela Administração Pública viola o princípio da igualdade. bb) Como decorrência do princípio da igualdade Será, na verdade, que o princípio da igualdade impõe a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pela Administração Pública do regime da conversão em contratos de trabalho sem termo previsto na lei geral do trabalho, para os contratos de trabalho celebrados por particulares? Se a resposta a esta questão for positiva, resultará imediatamente também positiva a resposta ao problema de saber se tal conversão em contrato de trabalho sem termo é constitucionalmente admissível (que é o problema posto no presente recurso). Pois se a conversão em contrato de trabalho sem termo for constitucionalmente imposta não pode deixar de ser constitucionalmente admissível (não se vê que possa sem contradição ser constitucionalmente imposto o que não é constitucionalmente também admissível). Em caso de resposta negativa a esta questão, continua, porém, a suscitar-se o problema de saber se, não sendo tal regime de conversão necessário, por força do princípio da igualdade, todavia é possível, ou, pelo contrário, constitucionalmente proibido ou vedado. Sendo certo que é esta, em rigor, a questão de constitucionalidade cuja apreciação está em causa no presente processo (pois tal conversão foi afirmada pela decisão recorrida). E sendo certo, igualmente, que, se a conversão em contratos de trabalho sem termo for proibida pela Lei Fundamental não pode, obviamente, ter-se por imposta (o que é proibido não pode, sem contradição lógico-deôntica, ser imposto). Como se escreveu no Acórdão nº. 425/87 deste tribunal (in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 10º vol., págs. 451 e segs.):
'O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1º vol., 2ª ed., Coimbra, 1984, pp. 149 e segs.). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo do controlo. Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada. Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria.' Ora, pode, antes do mais, duvidar-se da legitimidade de uma comparação parcial, isto é, de um determinado ponto do regime jurídico dos contratos de trabalho celebrados entre particulares e dos constitutivos da relação jurídica de emprego público.
É que o regime jurídico destas duas realidades não deixa de se apresentar como um todo, no qual se podem descortinar ora determinadas vantagens ou benefícios, possíveis apenas numa delas, ora desvantagens, resultantes do facto de os interesses em causa, seja na constituição, seja no exercício, seja na extinção da respectiva relação jurídica laboral, serem diversos. Tentar abstrair deste todo, para analisar apenas um determinado ponto de regime, por forma a qualificá-lo como desvantajoso e o fulminar com inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, não se afigura aceitável. Como se salientou recentemente no Acórdão n.º 555/99 (e, em sentido semelhante, ainda mais recentemente, no Acórdão n.º 663/99, ambos inéditos), em relação à comparação de pontos parciais do estatuto ou do regime jurídico da relação de emprego público (no caso, de funcionários civis e militares)
'o carácter tendencialmente fechado e totalizante do quadro normativo que definiu o estatuto (...) levanta um decisivo obstáculo a que se considere exigível e decorrente da observância do princípio da igualdade a 'extensão' de um determinado direito (...).
É que, se a tendencial estanquicidade e a coerência própria do estatuto (...) impedem que dele se isole um certo direito para, suposta uma aparente similitude de situações, se impor, por força do princípio da igualdade, um tratamento igual
(...), também não parece legítimo que aquele mesmo princípio vincule o legislador ordinário (...). Sem excluir juízos legítimos de oportunidade, a concessão de direitos no quadro do estatuto do pessoal militar [no caso, no quadro da relação de emprego público] obedece a uma lógica própria, no balanceamento e equilíbrio de direitos e deveres específicos, que em princípio poderia ser comprometida se nesse quadro se inscrevessem outros direitos apenas com o fundamento de outros quadros de diferente estatuto os comportarem e não haver razões para, no caso concreto, em si mesmo considerado, não serem também atribuídos (...).' Acresce, decisivamente, o que se disse já sobre a especificidade da relação jurídica de emprego público – em particular, no que toca à sua orientação para a satisfação do interesse público e à natureza e intensidade dos interesses a ponderar na regulamentação do regime da sua constituição – em relação à generalidade das relações de direito privado, e que leva a que uma distinção de regime no que toca à conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo (e, portanto, à possibilidade de manutenção por tempo indeterminado de relações de emprego com o Estado com fundamento num contrato de trabalho) não se afigure desprovida de fundamento razoável e constitucionalmente relevante. A propósito desta diversidade, relembre-se, apenas, que a conversão em contratos de trabalho sem termo conduziria, como se disse, no domínio da relação laboral com a Administração Pública, ao aparecimento de uma nova forma de constituição da relação jurídica de emprego público, diversamente do que acontece no domínio da lei geral de trabalho. E note-se ainda – para alguns decisivamente, porventura – que a criação da relação jurídica de emprego público se encontra submetida, pela própria Constituição da República, a condições específicas, expressas em particular, no seu artigo 47º, n.º 2 (v. também Ana Fernanda Neves, 'Contratos de trabalho a termo certo...', cit., págs. 178-9, e A. Nunes de Carvalho, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Novembro de 1994, Revista de direito e de estudos sociais, 1995, n.º 4, nota 7). Ora, não constitui violação do princípio da igualdade a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes também específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum quanto às sanções para o não cumprimento dos limites legais à duração de contratos de trabalho a termo, desde que adequados ao cumprimento de tais condições formuladas pelo n.º
2 do artigo 47º da Constituição. Importa, pois, passar a apurar o sentido dessas exigências ao acesso à função pública, constantes do artigo 47º, n.º 2, da Constituição da República – averiguando, em particular, se delas há-de resultar também a proibição constitucional de acesso à função pública pela conversão automática e obrigatória de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado (e não, pois, tão-só a não imposição de tal solução). b) Violação do artigo 47º, n.º 2, da Constituição – igualdade no acesso à função pública e regra do concurso Segundo o artigo 47º, n.º 2, da Constituição da República, 'todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso'. O princípio da igualdade no acesso à função pública é, antes do mais, uma concretização do significado do princípio geral da igualdade no domínio do acesso aos empregos públicos – neste ponto, portanto, 'não tem sentido significativo diverso do princípio geral da igualdade' (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, cit., pág. 265, anot. X ao artigo 47º). Todavia, esta norma não consagra apenas uma concretização para o regime do acesso à função pública do princípio da igualdade enquanto regra de direito objectivo. O princípio de direito objectivo aparece aqui como integrando um direito subjectivo – um direito de igualdade. É um dos casos – a título de exemplo, cfr. também os artigos 36º, n.ºs 1 e 4, 50º, n.º 1, 59º, n.º 1, alínea a), 74º, n.º 1, 76º, n.º 1 –, em que a Constituição explicitamente enuncia um direito subjectivo visto como um 'direito de igualdade' (assim, G. Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits.). Pode, assim falar-se – como o faz a doutrina germânica a propósito do artigo 33, n.º 2, da Lei Fundamental (v., por exemplo, Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland,
20ª ed., Heidelberg, 1999, n.º 437; entre nós, v. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, cit., pág. 394) –, de um 'direito especial de igualdade' ('spezielles Gleichheitsrecht') no acesso à função pública. O importante significado deste direito subjectivo resulta claramente, não só da sua associação à liberdade de escolha de profissão, mas também de a Constituição da República o consagrar no capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias pessoais – assim, já o direito previsto no artigo 50º, n.º 1, de acesso, em condições de igualdade, a cargos públicos se apresenta como um direito político, uma expressão do direito de participação na vida pública. Esta diferenciação tornou-se, aliás, clara a partir da revisão constitucional de
1982: enquanto no artigo 48º, n.º 4, do texto original da Constituição (sobre este, v. J.L. Pereira Coutinho, 'A relação de emprego público na Constituição. Algumas notas', in Estudos sobre a Constituição, III, págs. 689 e segs.), se previa, no âmbito da participação na vida pública, um direito de acesso às funções públicas, a partir daquela revisão este foi desdobrado num preceito sobre o direito de acesso a cargos públicos (o artigo 50º, n.º 1), no capítulo dos direitos, liberdades e garantias de participação política, e noutro sobre o acesso à função pública (o artigo 47º, n.º 2), associado à liberdade de profissão. Hoje, portanto, enquanto o direito previsto neste artigo 47º, n.º 2, é expressão do direito ao trabalho e da liberdade de escolha de profissão (um direito pessoal, portanto), o direito previsto no artigo 50º, n.º 1, é expressão do direito de participação na vida pública, maxime política – ou (para utilizar uma categorização já clássica) um direito integrante do status activus civitatis (v. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, tomo IV: Direitos fundamentais,
2ª ed., Coimbra, 1993, págs. 86-7, G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 271). No já citado Acórdão n.º 340/92 (citado recentemente, num caso materialmente semelhante, no Acórdão 526/99, inédito), este Tribunal referiu-se ao sentido do artigo 47º, n.º 2, da Constituição:
'Em conformidade com este preceito, 'todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso', o que vale por dizer que o direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade é um verdadeiro direito subjectivo pessoal, não estando o exercício de funções públicas sujeito a requisitos materialmente distintos daqueles que condicionam em geral, a liberdade de profissão. O direito de acesso à função pública em condições de igualdade e liberdade há-de, no essencial, compreender a seguinte dimensão: a) não ser proibido de aceder à função pública em geral, ou a uma determinada função pública em particular; b) poder candidatar-se aos lugares postos a concurso, desde que preenchidos os requisitos necessários; c) Não ser preterido por outrem com condições inferiores' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág.
265). Na perspectiva do direito subjectivo salienta-se, aliás, que, apesar de a Constituição apenas se referir expressamente ao direito de acesso à função pública – jus ad officium –, se inclui igualmente nele o direito de ser mantido nas funções públicas – jus in officio –, bem como o direito à progressão na carreira respectiva (quanto a este aspecto, v. recentemente o Acórdão n.º
355/99; na doutrina, Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.). O fundamento do 'direito especial de igualdade' previsto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, não se limita, porém, ao dos critérios gerais do artigo 13º, n.º 1, sendo antes, qualificado em relação ao destes, e ancorando-se na especificidade do problema do acesso à função pública. Deve, assim, pôr-se em relevo a existência de um fundamento objectivo para tal direito de acesso à função pública em condições de igualdade, como garantia da democraticidade e transparência da Administração Pública. A igualdade e liberdade no acesso à função pública, e a previsão da regra do concurso, não visam simplesmente o interesse do titular do direito de acesso, mas sim propiciar a satisfação de um interesse institucional, da própria Administração Pública, na promoção da sua capacidade funcional e de prestação
(assim, para o artigo 33º, II, da Lei Fundamental alemã, por exemplo Gertrude Lübbe-Wolff, in Grundgesetz-Kommentar, org. por Horst Dreier, Tübingen, 1996, vol. II, anot. 32 ao art. 33). E visa igualmente assegurar um interesse de transparência e democraticidade na composição da função pública. Para além da dimensão de direito subjectivo, o n.º 2 do artigo 47º contém, pois, uma dimensão objectiva, com um fundamento institucional, enquanto tal regra de igualdade e liberdade no acesso à função pública vai dirigida, não só a promover a eficácia da Administração Pública, como também a tornar transparentes e a assegurar condições de igualdade material e de liberdade na composição do corpo de pessoal da função pública – ou seja, uma garantia que se prende, quer com a eficácia, quer com os próprios fundamentos da composição do corpo da função pública, e, portanto, da organização da Administração Pública, e que é condição da sua democraticidade. Quanto ao seu fundamento, tal garantia não é, pois, exclusivamente determinada por interesses dos particulares que pretendem aceder à função pública, mas antes por um interesse público fundamental na transparência da função pública e na sua imparcialidade. Evita-se, com tais regras de acesso à função pública, que esta seja influenciada na sua composição (e, por conseguinte, tendencialmente na sua actuação) por um grupo ou sector – político ou ideológico, económico ou social, religioso, etc. –, com quebra das suas condições de imparcialidade. Nesta dimensão, pode dizer-se que a garantia de igualdade e liberdade no acesso à função pública é mesmo uma garantia institucional fundamental num Estado de Direito democrático. A igualdade e liberdade no acesso aos empregos públicos constitui, pois, princípio fundamental da definição da composição da Administração Pública num estado democrático. A igualdade nesse acesso, com remissão para critérios de mérito e capacidade ou para a existência, em regra, de um concurso, encontra-se consagrada em várias constituições europeias – é o que acontece, por exemplo, nas constituições espanhola (artigo 103º, n.º 3 – princípio do mérito e da capacidade), italiana (artigo 97º, n.º 3 – regra do concurso) e alemã (artigo
33º, n.º 2, da Lei Fundamental). Por vezes, a igualdade aparece associada a um princípio de escolha segundo a capacidade funcional ou de prestação, referido na doutrina alemã como o 'princípio da selecção dos melhores para o serviço público' ('Prinzip der Bestenauslese für den öffentlichen Dienst' – Gertrude Lübbe-Wolff, ob. cit.). Em França, o princípio de igualdade no acesso aos empregos públicos é destacado por Éliane Ayoub (La fonction publique en vingt principes, Paris, 1994, págs.
137 e segs.) como 'um princípio fundamental da função pública', vendo o Conseil d'État francês a sua fonte no artigo 6º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (segundo o qual 'sendo todos os cidadãos iguais aos olhos da lei, têm igualmente acesso a todas as dignidades, postos e empregos públicos segundo a sua capacidade, e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos'), e não oferecendo hoje dúvidas a sua consagração a nível constitucional em França. Este princípio imporia um sistema de selecção baseado na capacidade dos candidatos, quer se trate de recrutamento de agentes públicos, quer de funcionários. E, embora tal princípio não requeira que o recrutamento seja realizado através de um concurso com provas, este procedimento é visto como o mais democrático e o mais apto a revelar as capacidades dos candidatos. Este princípio veda, por outro lado, as discriminações injustificadas, sendo proscritas aquelas que têm a sua fonte nas origens sociais ou raciais dos candidatos, nas suas convicções políticas ou religiosas ou no seu sexo. Mas este princípio não proíbe, segundo a decisão de 14 de Janeiro de 1983 do Conseil Constitutionnel francês, que 'as regras de recrutamento destinadas a permitir a apreciação das aptidões e das qualidades para entrada numa escola de formação e num corpo de funcionários sejam diferenciadas, para dar conta da variedade, tanto dos méritos a tomar em consideração como das necessidades do serviço público' – dois critérios, estes, que não são alternativos mas deveriam andar associados para apreciar a legitimidade da discriminação (v. maior desenvolvimento em Véronique Fabre-Albert, 'Le principe d'égal accès aux emplois publics dans la jurisprudence constitutionnelle', in Revue de droit public,
1992, págs. 425-41). Na Alemanha, o artigo 33º, n.º 2, da Lei fundamental contém a enunciação da igualdade dos cidadãos alemães no acesso a qualquer função pública, segundo a sua aptidão, qualificações e méritos profissionais. Desta norma deduz-se, além de um direito de igualdade, um direito a um procedimento justo de selecção, bem como proibições de fundamentação e justificação da escolha que não se baseiem nos critérios referidos (assim, por exemplo, Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Grundrechte. Staatsrecht II, 14ªed., Heidelberg, 1998, n.ºs 473 e segs.). O princípio da igualdade no acesso aos empregos públicos foi invocado, por exemplo, a propósito da 'Lei sobre contratos de trabalho a termo com pessoal científico de escolas superiores e instituições de investigação de 14 de Junho
1985', tendo o Bundesverfassungsgericht concluído pela inexistência de inconstitucionalidade desse diploma (decisão 'Wissenschaftliches Personal', in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 94, pág. 268). E com este princípio tem também sido confrontado, por exemplo, o regime que permite o despedimento de funcionários da ex-R.D.A. com invocação de inadequação para o serviço público resultante, por exemplo, da ligação à polícia secreta do anterior regime – v. a decisão 'Sonderkündigung', in Entscheidungen..., cit., vol. 92, pág. 140 –, sem que se tenha julgado inconstitucional a consideração dessa circunstância (bem como, em geral, da 'fidelidade à Constituição') na apreciação daquela adequação (v., por exemplo G. Lübbe-Wolff, cit., n.º 44). E em Itália, por sua vez, o concurso, regra geral no acesso as empregos públicos consagrada no parágrafo 3º do artigo 97º da Constituição italiana – regra que não é absoluta porquanto o mesmo parágrafo prevê que o legislador possa, em certos casos e segundo critérios de discricionariedade legislativa, derrogá-la –
é considerado (Gabriele Pescatore, Francesco Felicetti, Giuseppe Marziale e Carmelo Sgroi, in Costituzione e leggi sul processo costituzionale e sui referendum, Milão, 1992, pág. 97) 'um mecanismo de selecção técnica e neutral dos mais eficazes, o melhor método para o recrutamento dos sujeitos chamados a exercer funções em condições de imparcialidade e ao serviço exclusivo da Nação', visando a sua previsão constitucional assegurar 'que na Administração Pública sejam admitidas pessoas que demonstrem convenientemente a sua competência para exercer e desenvolver as funções que são por lei cometidas a quem deve trabalhar para a Administração'. A consagração da regra do concurso no texto da Constituição italiana teve o significado de 'estabelecer em forma solene que não se pode ingressar na Administração Pública através de trâmites de favorecimento'
(Vezio Crisafulli e Livio Paladin, in Commemntario breve alla costituzione, Padova, 1990, pág. 97), por esta via se garantindo no acesso aos empregos públicos 'a imparcialidade, bem como o bom andamento da Administração, sendo tal meio [o concurso] normalmente considerado ‘imparcial e objectivo’, até porque rodeado de garantias de procedimento e de selecção dos mais capazes e meritórios'. E mesmo as excepções à regra concursal não fogem ao controlo da sua ‘congruência e razoabilidade’ relativamente ao fim a atingir e ao interesse a satisfazer
(Acórdão da Corte Costituzionale n.º 81/1983), admitindo o Tribunal Constitucional italiano apenas as excepções que sejam impostas pela salvaguarda de outros valores e princípios constitucionais 'de modo a não contrariar o bom andamento e a imparcialidade com situações de privilégio e diferenciações injustificadas' (Acórdão n.º 40/1986). Entre nós, retira-se do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º 556/99). Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cfr., recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36º, alínea c), da Lei nº 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do Tribunal de Contas em concurso curricular, não considerava o exercício durante três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47º, n.º 2, não proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente, em valores com relevância constitucional – como exemplos pode referir-se a preferência no recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir-se se do princípio consagrado no artigo 47º, n.º 2, resulta, como concretização dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra, de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se pode conceder-se preferência a candidatos devido a características diversas das suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado. Seja como for, pode dizer-se que a previsão da regra do concurso, associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública, funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos candidatos (de 'princípio da prestação' fala a doutrina alemã – v., por ex.,
Walter Leisner, 'Das Leistungsprinzip', in idem, Beamtentum, Berlim, 1995, págs.
273 e segs. –, sendo certo, contudo, que o respectivo texto constitucional é, como vimos, explicitamente mais exigente). E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits., anot. XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e segs.). Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4). No presente recurso importa, justamente, apurar se logo este princípio da igualdade de acesso à função pública – incluindo também a regra do concurso – contido no artigo 47º, n.º 2 da Constituição não seria violado pela admissão do surgimento de vínculos laborais com a Administração Pública por tempo indeterminado através da conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo com o Estado. Para responder a esta questão, importa analisar juridicamente a situação hipoteticamente consequente à aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o Estado do regime da conversão em contrato de trabalho sem termo. Tal aplicação efectuar-se-ia, segundo o aresto recorrido, por virtude da remissão do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, em apreço, para a lei geral reguladora dos contratos de trabalho a termo. Ora, como se disse, enquanto no domínio das relações laborais de direito privado a aplicação de tal regime de conversão, previsto no artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, tem como consequência a restauração, in casu, do modelo preferencial das relações laborais – ou seja, o do contrato de trabalho por tempo indeterminado –, no contexto da relação jurídica de emprego público a situação apresenta-se bem diversa.
É que não existe qualquer previsão legal de contratos de trabalho com o Estado por tempo indeterminado, pelo que, desde logo, tal conversão teria como consequência necessária a contradição da taxatividade legal das vias de acesso à função pública, através de um novo modo de acesso, de forma definitiva e tendencialmente perpétua. O regime de tal relação subsequente à conversão dos contratos a termo de pessoal irregularmente contratado – com base num processo de selecção precário e sumário
(cfr. o artigo 19º do Decreto-Lei n.º 427/89) –, com consolidação da relação de emprego, afigura-se pouco claro, designadamente, por não se encontrar directamente previsto na lei. Haveria, assim, provavelmente, uma lacuna a preencher (assim, por exemplo, quanto à atribuição da qualidade de agente administrativo – cfr. o artigo 14º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 427/89), podendo levantar-se, aliás, o problema de saber se tal surgimento de uma situação de coexistência de regimes jurídicos de prestação de trabalho para o Estado, à revelia de uma opção parlamentar correspondente, seria compatível com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista hoje no artigo 165º, n.º 1, alínea t), da Constituição, em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública (problema, este, suscitado pelo Ministério Público nas suas alegações, seguindo Ana Fernanda Neves,
'Contratos de trabalho a termo certo...', cit., pág. 177). Poderá discutir-se, é certo, qual seria o regime dos trabalhadores vinculados ao Estado por contrato de trabalho sem termo, e, em particular, se seriam ou não agentes da Administração. Certo é, porém, que, independentemente do exacto recorte do conceito de 'função pública' constitucionalmente consagrado, não pode o regime de acesso previsto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição (com as suas notas de igualdade e liberdade e o princípio do concurso) deixar de valer igualmente para o acesso a tal lugar de trabalhador do Estado vinculado por contrato de trabalho sem termo. Tal trabalhador desempenharia uma actividade subordinada de trabalho, ao serviço da Administração, com um carácter tendencialmente permanente ou definitivo. E não se vê por que não hão-de valer para o acesso a tal posição, pelo menos com igual razão, as mesmas regras previstas na Constituição para o acesso à função pública em geral, sendo-lhe inteiramente aplicáveis os fundamentos que determinam a consagração constitucional destas regras. Assim, seja como for quanto aos específicos contornos do regime jurídico resultante da pretendida 'conversão' (e mesmo independentemente da afirmação do carácter estritamente taxativo das formas de contratação de pessoal na Administração Pública, onde não se inclui o contrato de trabalho sem termo, como nota estrutural e essencial do sistema constitucional da função pública), o que importa neste contexto é, mais do que a determinação e a qualificação da relação subsequente à conversão de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura, o confronto do próprio processo de admissão de um novo trabalhador sem termo na função pública, à luz das regras constitucionais que regem o acesso a esta. Ora, ao criar inovatoriamente, e sem previsão legal expressa, uma via
'sucedânea' de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública, a aplicação do regime da conversão possibilita que um trabalhador contratado apenas para certo período, se torne trabalhador do Estado sem termo, passando, pois, a gozar, pelo menos, da protecção conferida aos restantes trabalhadores vinculados por contratos por tempo indeterminado. Assim, uma pessoa que foi seleccionada com base num processo sumário – cuja precariedade (cfr. o artigo 19º do Decreto-Lei n.º 427/89) está naturalmente em relação com a própria limitação temporal do vínculo a que se destinava – adquire uma posição definitiva e, mesmo, tendencialmente perpétua. Por esta via, porém, não se vê como não possa ser prejudicado o 'direito de igualdade' no acesso de que são titulares outras pessoas, potenciais candidatos a um lugar definitivo, sem termo, mas não interessados num contrato a termo certo. Na realidade, poderão existir candidatos a um posto de trabalho sem termo que não podem beneficiar da forma de acesso à função pública em causa, por conversão de um contrato de trabalho a termo (eventualmente mesmo indivíduos que pura e simplesmente desistiram de tentar ser seleccionados para um contrato de trabalho a termo, justamente pela razão de que não estavam interessados num contrato temporalmente limitado, mas apenas na obtenção de um posto de trabalho sem termo, e que agora não têm possibilidade de aceder a esse posto). E nem a eventual promoção de um concurso de selecção para a contratação a termo teria adiantado a estes potenciais candidatos – pois, obviamente, não podiam saber que poderiam vir a obter um lugar definitivo. Ficariam, assim, com a conversão em contrato de trabalho sem termo, lesados no seu direito de acesso à função pública em condições de igualdade. Por último, e decisivamente, com o surgimento de tal nova categoria de trabalhadores para o Estado por tempo indeterminado, os quadros de pessoal poderiam posteriormente vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido. Isto, portanto, com possível ofensa dos interesses de transparência e de imparcialidade na composição do corpo de trabalhadores, que a regra do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, justamente visa assegurar. Logo por isto não seria de admitir a possibilidade de conversão em causa. A lesão do princípio da igualdade no acesso à função pública não é, aliás, justificada pelo argumento de que, tratando-se de pessoas que já trabalharam para o Estado, embora a termo, poderiam (ou, mesmo, deveriam) ser beneficiadas. Na verdade, o problema está justamente em saber se a circunstância de um trabalhador ter estado a desempenhar funções ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, embora por duração superior à legalmente permitida (e independentemente do modo de selecção para este contrato, que é, como se disse, irrelevante), é, por si só, bastante para permitir que tal trabalhador possa vir a ser automatica e obrigatoriamente preferido a outros, com acesso a uma posição definitiva, de trabalhador por tempo indeterminado. Em face dos interesses que fundamentam a consagração do princípio da igualdade no acesso à função pública – que, como se viu, transcendem os interesses do particular candidato – não pode considerar-se tal circunstância, só por si, bastante para fundamentar um privilégio na contratação pelo Estado. Não pode, pois, dizer-se que tal preferência, nos termos descritos, seja compatível com a regra da igualdade no acesso à função pública. Tal como não se afigura admissível considerar as referidas lesões da igualdade no acesso à função pública (e, em particular, do respectivo direito de igualdade) justificadas por uma 'concordância prática' com o valor da segurança no emprego
– ao qual, como se disse, o legislador procurou prover por outra via. Acresce, aliás, que também não se pode dizer que a substituição de um concurso para o acesso à função pública pela conversão de um contrato de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado seja compatível com o disposto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, na parte em que firma o princípio do acesso por via de concurso. A interpretação do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, em questão, ao admitir a 'convertibilidade' dos contratos celebrados a termo em contratos sem termo, por recurso à regra consagrada no artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, colidiria, na verdade, com o princípio constante daquela norma constitucional, já que, por essa via, se iriam constituir situações laborais definitivas, sem qualquer precedência de concurso. Como se disse, a prescrição constitucional da regra do concurso como regime-regra de acesso à função pública – e, como se disse, para acesso a um lugar fundado em contrato de trabalho por tempo indeterminado há-de valer, com as mesmas razões, idêntica regra (sendo tal posição de considerar, ou de equiparar, para o efeito, a 'função pública') – fundamenta-se na própria ideia de igualdade nesse acesso, pois o concurso é o procedimento de selecção que oferece maiores garantias de transparência e fiabilidade na avaliação dos candidatos. Justamente por isso, também o concurso se há-de estruturar procedimentalmente de forma justa, e há-de ser decidido por critérios substancialmente relevantes – em regra, as capacidades, méritos e prestações dos candidatos. Visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar-se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, tirar-se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública. Ora, a forma de acesso à função pública pela conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, para além de violar o princípio da igualdade estabelecido no artigo
47º, n.º 2, da Constituição. Não deve, pois, ter-se por admissível. Nem se diga que tal postergação se filia num comportamento da Administração, que se serviu de pessoal contratado a prazo por um lapso de tempo superior ao legalmente previsto, pelo que a violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas numa actuação da Administração. Na verdade, há que distinguir entre o comportamento ilegal, que é proibido e pode desencadear sanções disciplinares e civis para os seus autores, e a violação de preceitos, legais e constitucionais, que, em homenagem aos interesses de outros candidatos e ao interesse público na transparência na composição do corpo de trabalhadores do Estado, disciplinam a constituição da relação jurídica de emprego público. Aliás, tal postergação do concurso – cuja regra constitui um verdadeiro princípio ou base geral da constituição da relação de emprego público – abriria a porta à possibilidade de verdadeiras fraudes no acesso à função pública: para conseguir que uma pessoa fosse preferida a outros candidatos bastaria, na realidade, celebrar com ela um contrato de trabalho a termo certo e, renovando-o, ultrapassar a duração máxima legalmente estabelecida (um ou dois anos). Ora, tal possibilidade de fraude não deve ser reconhecida pela ordem jurídica, que justamente com a consagração do princípio constitucional da igualdade no acesso à função pública, em regra por concurso, a pretendeu evitar – não deixando de prever a possibilidade de outras sanções para a irregularidade, diversas da conversão (como será o caso da responsabilidade civil do titular do
órgão público que violou a lei). c) Conclusão Pode, pois, concluir-se que não só a Constituição da República não impõe – nem pela garantia da segurança no emprego, nem por força do princípio da igualdade – a aplicação aos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado de um regime de conversão ope legis em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como tal conversão, e a correspondente forma de acesso à função pública se revelariam violadoras da regra da igualdade nesse acesso e do princípio do concurso, consagrados no artigo 47º, n.º 2, da Constituição. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo; b. Em consequência, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 21 de Dezembro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Artur Maurício Bravo Serra (vencido, de harmonia com a declaração de voto junta) DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendendo que a norma em causa, tal como foi interpretada e aplicada na decisão sob censura, não se mostra feridente da Constituição, votei vencido quanto à decisão que se tomou no presente aresto a que esta declaração se encontra apendiculada, cumprindo-me enunciar, embora brevitatis causa, as razões da minha discordância.
Muito embora se não possa asseverar que, constitucionalmente, o regime da «função pública» aponte para a perpetuidade do exercício de funções na Administração por banda dos respectivos trabalhadores, isso não significa que a garantia da segurança no emprego postulada pelo artigo 53º da Lei Fundamental lhes não seja aplicável, pelo que, para se usarem algumas das palavras do Acórdão deste Tribunal nº 285/92 (in Diário da República, 1ª Série-A, de 17 de Agosto de 1992), no plano daquela garantia constitucional, eles dela beneficiam de idêntico modo do 'que usufruem os trabalhadores submetidos ao contrato individual de trabalho', não obstando a essa conclusão 'numa primeira análise, a especial relação estatutária' que os envolve.
Sendo embora certo que a contratação a termo de trabalhadores por parte da Administração Pública tem por finalidade legal unicamente a de ocorrer a necessidades pontuais e não permanentes de serviço, menos certo não é que se assiste e tem assistido a que aquela Administração se tem servido do labor desempenhado por tais trabalhadores por períodos muito dilatados, o que, ao fim e ao resto, vem conduzir a que licitamente se possa concluir que aquela finalidade não tem sido, em bom rigor, a iluminante da celebração e perduração de inúmeros contratos celebrados com variados trabalhadores em vários serviços da aludida Administração.
Por isso, uma tal prática poderia, desde logo e no limite, por um raciocínio ad absurdum, conduzir a que, a proceder a tese sustentada pelo recorrente e que, afinal e em direitas contas, foi a acolhida no presente aresto, a Administração pudesse, fundada tão só num argumento de ocorrência daquelas necessidades (e que, porventura, poderia não corresponder à realidade), começar a desempenhar assinalável parte das sua funções pelo recurso a meios humanos meramente vinculados por contratos de trabalho a termo certo, ficando, desta arte, com o poder de, ad libitum, dispensar qualquer trabalhador. Nessa hipótese, possível seria a satisfação de uma abundante fatia das incumbências da Administração por parte de um acentuado número de meios humanos aos quais, minimamente, não era concedida a garantia que deflui do artigo 53º da Constituição, sendo que não foi o próprio Estado que, ciente que estava das carências dos lugares dos seus quadros e da manutenção no tempo das necessidades dos serviços - que implicariam o aumento daqueles quadros -, curou de prover quanto a esse aumento.
E nem se diga que se não deve transpor para o contrato de que nos ocupamos a consideração de que no âmbito laboral privado, a «conversão» dos contratos a termo certo em contratos sem prazo, decorridos que sejam determinadas prorrogações daqueles, deve ser perspectivada como uma sanção pelo uso de artifício da entidade patronal que se «serviu» daqueles contratos e da respectiva manutenção para além do prazo legalmente estabelecido para, provavelmente, prover à satisfação de necessidades permanentes de serviço. É que, na realidade das coisas, não se vê como se possa, por um lado, inferir no sentido de haver um provimento de satisfação de necessidades permanentes de serviço quando uma entidade patronal privada excede o período máximo de renovação dos contratos de trabalho a termo e, por outro, que uma tal inferência já não seja cabida quando a Administração se vai também servir dessa renovação, múltiplas vezes muito para além daquele período máximo que se encontra estatuído para o regime privatístico do contrato de trabalho a termo.
É também certo que a «conversão» de que nos ocupamos não pode ser visualizada como o único ou, sequer, o meio indispensável para se assegurar a garantia decorrente do artigo 53º da Constituição; simplesmente, no que tange ao regime dos contratos celebrados a termo certo pela Administração, o que se torna indubitável é que nenhum outro meio dele se extrai e de onde, principalmente na vertente do trabalhador, se possa considerar como servindo, actuando ou funcionando ao jeito de um óbice à sua insegurança no emprego.
Tendo em conta a progressiva aproximação do regime dos
«trabalhadores da função pública» com o regime laboral comum privatístico, uma interpretação normativa contrária à defendida no acórdão recorrido, se não representa uma desigualdade constitucionalmente censurável, não deixa, pelo menos, de se apresentar como uma dissemelhança eivada de injustiça, quando é certo que o Estado - no exercício do seu poder legiferante e em que não pode deixar de ter em conta comandos constitucionais tão relevantes como os tocantes a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores - vem impor que nas relações laborais privadas, passados que sejam três anos, os contratos a termo celebrados sem interrupção se «convertam» em contratos sem termo.
Não está em causa, como é evidente, questionar a compatibilidade constitucional da celebração, no âmbito da Administração Pública, de contratos a termo certo; o que está, isso sim, é saber se, à míngua de qualquer meio que, no respectivo regime, possa ser surpreendido como obstaculante da insegurança no emprego decorrente da possibilidade de, em qualquer altura, ser cessado esse contrato após terem ocorrido variadas prorrogações dele, a interpretação que veio a ser perfilhada na decisão impugnada, de um lado, é asseguradora da garantia proclamada pelo artigo 53º da Constituição e, de outro, se essa mesma interpretação vai violar a Lei Fundamental.
Não se afigura que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, a interpretação normativa acolhida no acórdão em crise viesse a constituir infracção ao nº 2 do artigo 47º da Constituição.
De facto, e não se deixando de anotar os problemas (de que, por entre outros, dão conta Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Anotada, 3ª edição, 264) que se podem levantar acerca do conceito de função pública ali utilizado, não deixa de se sublinhar que a via de concurso como meio de acesso àquela função não é algo imperativamente consagrado na Lei Fundamental, e isso pela singela razão segundo a qual o que naquela disposição se prescreve é que tal via deve, em regra, ser utilizada e não que a regra do concurso é a única utilizável.
Depois, e seja como for, se se admitir que naquele conceito de função pública cabe o exercício de qualquer actividade ao serviço de uma pessoa colectiva pública qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório (para se usarem as palavras dos autores citados), então há que reconhecer que, se se postergou o concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal em condições idênticas à da recorrida, isso deveu-se, afinal, a um comportamento da Administração, que desse pessoal se serviu por um lapso de tempo não diminuto (e pelo menos com mais de três prorrogações). A violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas, em rectas contas, numa actuação da Administração que, servindo-se de preceitos permissivos da contratação a termo certo com vista à satisfação de necessidades temporárias, sazonais e excepcionais, os foi utilizar para um desenvolvimento das suas normais actividades.
Ainda depois, não se pode passar em claro que, mesmo no âmbito da celebração de contratos a termo certo, a oferta de emprego não deixa de ser objecto de publicitação a ela, pois, os demais interessados se podendo candidatar, e que o pessoal a contratar deve ser adequadamente habilitado e qualificado para o desempenho de funções (cfr. artº 19º do Decreto-Lei nº
427/89), pelo que, neste particular, se não lobrigam, a nível substancial, quaisquer abissais diferenças no que concerne à orientação e satisfação do interesse público, à natureza e intensidade dos interesses a ponderar e o direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção quanto aos
«trabalhadores da função pública» comparativamente com os trabalhadores do sector privado.
Mas, e ainda que se entendesse que a interpretação normativa acolhida no acórdão sub specie violava a via do concurso, não seria porventura dispiciendo, efectuar-se uma ponderação de valores ou um raciocínio de concordância prática entre a eventual violação do desiderato constitucional de vinculação da Administração em prejuízo da discricionariedade quanto ao recrutamento e selecção do pessoal (como forma de assegurar neste e nesta igualdade e transparência) e a garantia implicada pelo artigo 53º da Constituição, em termos de preponderância desta última.
Por último, não parece colher uma argumentação fundada em que a
«conversão» dos contratos a termo certo, ultrapassado que fosse determinado período em que os mesmos foram objecto de prorrogação, iria consequenciar uma contradição com a «taxatividade» legal das vias de acesso à função pública.
É que não só essa «taxatividade» não decorre do Diploma Básico, como ainda, a entender-se que a norma ínsita no nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei, no ponto em que remete para a lei geral sobre os contratos de trabalho, teve a adequada cobertura parlamentar, então uma interpretação que, fundada nessa lei geral - e porque nada se retira das palavras de qualquer dos normativos vertidos naquele diploma que aponte para se vedar a «conversão» dos contratos a termo certo - admitisse tal «conversão», ainda se moveria adequadamente dentro da opção parlamentar consistente na remissão para a mencionada lei geral. Maria Fernanda Palma (vencida, pelo essencial das razões expendidas pelo Conselheiro Bravo Serra e apoiando igualmente, a declaração de voto do Conselheiro Luís Nunes de Almeida) Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Declaração de voto
Votei vencido, por acompanhar, no essencial, as razões expressas na sua declaração de voto pelo primitivo relator, Exmº Consº Bravo Serra, mantendo, assim, a linha de orientação que já resultava dos votos de vencido que exarei no Acórdão nº 340/92 e no Acórdão nº 345/93.
Acrescento apenas que algumas afirmações constantes do acórdão ora votado atingem, a meu ver, de forma particularmente aguda o conteúdo essencial da garantia constitucional da segurança no emprego. Assim acontece, designadamente, quando aí se considera que «o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, pois, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança», sendo suficiente «um regime de indemnização» condicionado à existência de «danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente». Um tal entendimento, para além de reduzir a segurança no emprego a uma vertente meramente económica e de não explicar qual o meio legal a que a trabalhadora, in casu, poderia recorrer (sem o que a sua segurança no emprego foi irremissivelmente postergada), permite, pela largueza da sua permissividade, a futura adopção de soluções legislativas em que a referida segurança no emprego venha a ser pura e simplesmente substituída por um mero sucedâneo indemnizatório
– e isto, não só no que respeita aos contratos a termo certo, como também em relação aos contratos sem termo.
E não se invoque, em sentido oposto, «o facto de o trabalhador, ao celebrar aquele contrato, poder saber já de antemão que este está sujeito a um prazo, e que, em caso de ultrapassagem da sua duração máxima, a lei não prevê a conversão em contrato de trabalho sem termo». É que um argumento de tal natureza provará tudo o que se pretenda: se a lei previr um despedimento ad nutum, também se não poderia, então, invocar a segurança no emprego, porque o trabalhador, ao celebrar o contrato, sabia que poderia vir a ser despedido a qualquer momento.
Finalmente, assinale-se que a forma absoluta como se sublinha no acórdão que qualquer conversão automática de contratos a termo certo em contratos de contrato por tempo indeterminado, no âmbito da Administração Pública, seria constitucionalmente inadmissível, parece inviabilizar – mesmo ao legislador – a solução de uma situação de flagrante injustiça, cujo único responsável é o próprio Estado, o que conflituará com os próprios princípios do Estado de direito democrático, consignado no artigo 2º da Constituição. Maria Helena Brito ( vencida, pelos fundamentos constantes da declaração de voto do Exmº Conselheiro Bravo Serra) Messias Bento (vencido nos termos da declaração de voto que junto) Declaração de voto:
Entendi que não é inconstitucional a interpretação do artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, adoptada pelo acórdão recorrido, segundo a qual os contratos a termo certo celebrados com o Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos a termo. Entendo, com o acórdão nº 345/93 (Diário da República, II série, de 11 de Agosto de 1993), que o direito à segurança no emprego, relativamente aos trabalhadores da Administração Pública contratados a prazo, apenas significa que, durante o período de duração do contrato e das respectivas prorrogações, eles não podem ser despedidos a não ser por justa causa. A garantia de segurança no emprego não significa, assim, que esses trabalhadores tenham o direito de ver os seus
'vínculos laborais precários e transitórios', 'destinados à execução de tarefas e actividades não permanentes', transformados 'em vínculos de efectividade permanente'. Simplesmente, se a Administração deixa esgotar todos os prazos de duração do contrato sem lhe pôr termo, é porque a contratação desse pessoal se não destinou
à 'execução de tarefas e actividades não permanentes'. É, por isso, irrazoável que a Administração possa, depois, incondicionadamente, rescindir tal contrato. Uma norma legal que o consinta traduz um arbítrio legislativo, ferindo, por isso, os cânones de justiça ínsitos na ideia de Estado de Direito. Até porque, tendo o trabalhador investido as suas esperanças no vínculo laboral decorrente do contrato firmado com o Estado – vínculo que este foi deixando subsistir como se de um vínculo definitivo se tratasse –, uma rescisão abrupta do contrato num momento em que já nada indicava que tal fosse acontecer fere, obviamente, as regras da boa fé, que devem pautar o relacionamento da Administração com os seus trabalhadores. Tal significa, de algum modo, admitir que, para o Estado, não valha a proibição do venire contra factum proprium – instituto que, nos dizeres de BAPTISTA MACHADO, releva como 'concretização do princípio ético-jurídico da boa fé' e se orienta para a 'tutela da confiança engendrada na interacção comunicativa' (cf. Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 117º e 118º, páginas 229 e seguintes e 101 e seguintes, respectivamente). Vale isto por dizer que uma tal norma legal atinge a confiança que os trabalhadores da Administração Pública devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.
Por último, não vejo que as especificidades da relação jurídica de emprego público, designadamente as exigências feitas pela regra da igualdade no acesso à função pública, e pelo princípio do concurso, repudiem a solução propugnada: desde logo, porque tais especificidades e exigências têm que compatibilizar-se com os imperativos de justiça a que atrás aludi. Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Bravo Serra) José Manuel Cardoso da Costa