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Procº nº 371/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 12 de Junho de 2000 (fls. 461 a 464 dos autos) lavrou o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. M... (posteriormente habilitada por A...) e marido, J..., intentaram perante o Tribunal Cível da comarca de Lisboa e contra AB... e M..., acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando que os réus fossem condenados a findar com o uso, como laboratório industrial de betão, de uma fracção de um determinado prédio urbano, que identificaram, e a pagar aos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de Esc.
5.000.000$00.
Por sentença proferida em 16 de Junho de 1998 pelo Juiz do 6º Juízo Cível de Lisboa foi a acção julgada improcedente, o que motivou os autores a dela apelarem para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Junho de 1999, concedeu, em parte, provimento ao recurso, absolvendo a segunda ré e condenando a primeira - a ré AB... - a findar de imediato e totalmente o uso, como laboratório industrial de betão, da fracção em causa, e a pagar ao autor a quantia de Esc. 750.000$00 e outrotanto aos herdeiros da primitiva autora.
Do assim decidido pediu a segunda ré revista e, na alegação formulada pelos autores, este, a dado passo, concluíram:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
7º Ainda que não se concluísse logo por aí a improcedência do recurso, nos termos do nº 1 do artº 684º-A do CPC, os ora recorridos impugnam, subsidiariamente, a improcedência na instância ‘a quo’ da então alegada violação pela ora recorrente do disposto na al. c) nº 2 do artº 1.422º C.C., porquanto, aquela actividade, sendo uma parte do processo de produção industrial de betão, não cabe no conceito de loja, destinado à fracção ocupada pela recorrente.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22 de Fevereiro de
2000, concedeu a revista, absolvendo a ré Apeb do pedido.
Notificados desse aresto, os autores vieram, no que ora releva, arguir a sua nulidade por omissão de pronúncia, dizendo, a este respeito, que o mesmo ‘omitiu pronunciar-se sobre uma questão colocada por estes, ao abrigo do nº 1 do artº 684º-A do Cod. Proc. Civil’, e que seria, justamente, a matéria constante da acima transcrita «conclusão» 7ª da sua alegação formulada aquando do recurso de revista, pelo que teria sido cometida a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artº 668º do aludido corpo de leis, sendo que no requerimento consubstanciador da arguição não suscitaram qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental, quer por parte da norma ínsita no nº 1 do artº 684º-A, quer por parte de um qualquer seu sentido interpretativo.
Essa arguição foi desatendida por acórdão de 4 de Abril de 2000, nele se podendo ler:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Os recorrentes carecem de razão já que não requereram nos termos do artº 684-A do C.P.C. que este Supremo Tribunal se pronunciasse sobre o fundamento em que decaíram na 1ª instância e na Relação, tendo-se limitado a
‘impugnar’ a improcedência de uma sua alegação no Tribunal ‘a quo’.
............................................................................................................................................................................................................................................’
É deste último aresto que, pelos autores, vem interposto, estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso para o Tribunal Constitucional e por intermédio do qual pretendem a apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artº 684º-A do Código de Processo Civil na interpretação segundo a qual se ‘exclui um critério de interpretação funcional do preceito, adequado à sua finalidade garantística do direito à justiça material por parte dos recorridos’.
Segundo os impugnantes, a interpretação dada àquela norma por banda do acórdão pretendido recorrer violaria os números 2 e 3 do artigo 18º e o nº 1 do artigo 20º, ambos da Constituição, ‘pois, desproporcionada e desrazoavelmente, extinguiu o direito à ampliação do objecto do recurso, por parte dos recorridos, peticionado inequivocamente naquela 7ª conclusão’.
Por fim, os recorrentes aduziram que lhes não foi possível colocar antes esta questão de inconstitucionalidade, ‘porquanto era totalmente imprevisível a interpretação ora em causa’, acrescentando que, ‘logo por aí, impediu estes de, quando arguida a sua nulidade, terem suscitado a questão da inconstitucionalidade ora em causa - visto não se poder antever que a conclusão
7ª, tivesse sido entendida como ‘impugnação’, pois que tal sentido e compreensão são anómalos’.
Por despacho proferido em 3 de Maio de 2000 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal foi o recurso admitido.
2. Não obstante tal despacho, porque este não vincula este Tribunal
(cfr. nº 2 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como decorre do relato acima efectuado, bem ou mal - e esta é uma questão que é totalmente alheia aos poderes cognitivos deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa -, o Alto Tribunal a quo entendeu que o que se continha na «conclusão» 7ª da alegação formulada pelos ora recorrentes na revista pedida pela ora recorrida AB... quanto ao acórdão prolatado no Tribunal da Relação de Lisboa, não traduzia um pedido de conhecimento de um fundamento da acção em que os mesmos ora recorrentes decaíram.
Significa isto o seguinte:- o Supremo Tribunal de Justiça deu à
«conclusão» 7ª da alegação formulada pelos autores na revista pedida pela ré AB... o sentido de que aqueles, com o que aí escreveram, o que quiseram dizer que foi não tinha razão de ser o não atendimento que a Relação de Lisboa deu ao que, anteriormente ao acórdão ali lavrado, tinha sido esgrimido pelos ora recorrentes e então recorridos; ao conferir este sentido, e como é claro, seguir-se- -ia, de um ponto de vista lógico, a prossecução de um raciocínio segundo o qual não seria possível entender-se que o contido naquela «conclusão»
7ª consubstanciava um pedido de apreciação de um dos fundamentos que, anteriormente, tinham sido utilizado pelos ora recorrentes e que tinha (ou também tinha) conduzido a terem tido ganho de causa aquando da apelação.
E foi em face desse entendimento conferido ao que se escrevera na peça processual em causa (entendimento que, como é óbvio e se disse já, não pode ser objecto de censura por este órgão de administração de justiça), que o acórdão sub iudicio, ponderando o estatuído no nº 1 do artº 684º-A do Código de Processo Civil, não tratou (ou, ao menos, não tratou ex professo) essa questão, e isso porque, de harmonia com o que se prescreve em tal normativo, [n]o caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
E, sequentemente, não veio o Supremo Tribunal de Justiça a dar àquela norma um qualquer sentido interpretativo tal como o ora questionado pelos ora recorrentes.
Sendo isto assim, como é, o que, em boa verdade, no presente caso é contestado é o entendimento que, pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi dado ao que os ora recorrentes escreveram na já referida «conclusão» 7ª da alegação produzida na revista, entendimento esse acerca do qual não cabe a este Tribunal curar, designadamente para saber se foi ou não perfilhado com base numa errónea apreciação do conteúdo do escrito nessa «conclusão».
3. Em face do exposto, e por se não postar aqui uma situação em que tenha havido, por parte do Supremo Tribunal a quo, a aplicação de norma a quem foi dada uma interpretação que, na óptica dos ora recorrentes, a tornaria conflituante com a Lei Fundamental, haverá de se concluir pela falta de um dos requisitos a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pelo que se não toma conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
É da transcrita decisão sumária que, pelos recorrentes, vem deduzida a presente reclamação, aduzindo, em síntese, que no caso em análise, o Supremo Tribunal de Justiça deu, de forma tácita, ao preceito constante do nº 1 do artº
684º-A do Código de Processo Civil uma interpretação de acordo com a qual era exigido aos mesmos recorrentes (ali recorridos) 'um outro ónus (que não indica)' que eles não teriam cumprido, com o que seriam frontalmente violados 'os princípios fundamentais da proporcionalidade e do acesso à justiça - e o próprio processo equitativo'.
De seu lado, a AB..., respondendo à reclamação, propugnou pelo respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. Torna-se claro a sem razão dos ora reclamantes.
Na verdade, tal como se acentuou na decisão sumária ora em análise, o Supremo Tribunal de Justiça (mal ou bem, não interessa aqui, quanto mais não seja por isso se situar fora dos poderes cognitivos deste Tribunal) entendeu que o que fora escrito pelos então recorridos na «conclusão» 7ª da sua alegação produzida no recurso de revista não podia ser considerado como um pedido de conhecimento de um fundamento da acção em que aqueles então recorridos decaíram.
Sendo assim, claro é que o aludido Alto Tribunal, quanto àquele particular, não estava a efectuar qualquer raciocínio tendente a alcançar o sentido jurídico do preceito constante do nº 1 do artº 684º-A do Código de Processo Civil. O que estava era a conferir determinado sentido àquilo que foi escrito pelos então recorridos na sua alegação, para concluir, quanto ao ponto, que os mesmos, de todo, não estavam a solicitar ao Supremo Tribunal de Justiça que levasse a efeito a apreciação de um dos fundamentos da acção em que os ora recorrentes tinham decaído.
E, a ser assim, não estava a exigir qualquer outro ónus que não o que se extrai literalmente do mencionado preceito.
Neste contexto, é despropositada a referência ao que foi explanado no Acórdão deste Tribunal nº 275/99 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 13 de Julho de 1999), já que, no caso sub specie, se não coloca uma questão de interpretação normativa. As referências à doutrina consagrada naquele aresto só seriam curiais se estivesse em causa uma situação em que, pelo Alto Tribunal a quo, fosse dado um certo entendimento ao preceito ínsito no nº 1 do artº 684º-A do diploma adjectivo civil que porventura se mostrasse inadmissivelmente limitativo ou injustificado das possibilidades de defesa em processo penal. Ora, como se viu, o que se passou in casu não foi uma qualquer interpretação normativa, mas sim a conferência de um dado sentido a expressões utilizadas pelos ora recorridos na alegação que produziram no recurso de revista.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa