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Procº nº 1094/98
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Pelo Tribunal do Trabalho de Barcelos e contra S..., S.A., instaurou J... acção, seguindo a forma de processo ordinário, solicitando que fosse declarada a nulidade do despedimento que este último foi alvo por parte da ré, condenando-se esta a reintegrá-lo nos seus posto e local de trabalho e a pagar-lhe a quantia de Esc. 2.571.745$00, acrescida de juros, correspondente a retribuições vencidas a título de salário, subsídio de férias e de Natal, e a quantia referente a retribuições vincendas, a idêntico título, também acrescida de juros, até à data da proferenda sentença.
Por despacho saneador, lavrado em 15 de Novembro de 1995, muito embora fosse entendido que não era possível conhecer de qualquer dos pedidos, disse-se que já dispunham os autos de 'elementos bastantes para conhecer de alguns dos fundamentos do 1º pedido'.
E, assim, nomeadamente no tocante ao fundamento consistente em não ter a decisão de despedimento 'sido proferida no prazo de 30 dias depois da conclusão das diligencias probatórias, contrariando, assim, o que determina o nº
8 do artº 10º da LDCT' , foi esse fundamento tido por improcedente, 'mas só na medida em que se reporta a consequencia 'directa' de nulidade do processo disciplinar'.
Do assim decidido, e no que ao releva, recorreu o autor para o Tribunal da Relação do Porto e, tendo, por acórdão de 9 de Dezembro de 1997, sido negado provimento ao recurso, desse aresto pediu o mesmo autor revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação que, então, formulou, o autor disse, inter alia:-
'122 Ao considerar-se o referido prazo de 30 dias, previsto nº 8 do artº. 10º do cit. Dec.Lei, como meramente acelaratório e não de caducidade, bem como ao considerar-se que o seu incumprimento não produz, portanto, o efeito de extinguir o direito de praticar o acto, ou seja, a perda do direito de proferir decisão punitiva, e a inobservância daquele prazo sómente poderá relevar na apreciação da existência de justa causa de despedimento, está-se a permitir que a entidade patronal profira decisão quando muito bem entender, nem que demore meses ou anos e, assim, tal interpretação viola ou é susceptível de violar os citados preceitos constitucionais, artºs., 53, 58 e 59, e como tal é inconstitucional.
123 Em face do exposto, e uma vez que a decisão do despedimento do A. foi proferida fora do prazo legal de 30 dias o despedimento é ilícito por violação do disposto no nº 8 do artº. 10 e nº 1 alinea a) e nº 2 alinea c) do citado D.L. 64-A/89.
.................................................................................................................................................................................................. CONCLUSÕES
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30 Segundo a teoria dos que defendem que se trata de um mero prazo acelaratório tal significava legitimar que a entidade patronal pudesse manter o trabalhador durante vários dias, meses ou anos, na incerteza de ser despedido ou, manter-se o posto de trabalho, permitindo-se assim que o mesmo vivesse angustiado, e numa situação precária e indefenida durante o período de tempo que a entidade patronal muito bem entendesse. E, o trabalhador apenas podia impugnar judicialmente esta decisão, de eventual despedimento, óbviamente, depois de esta ter sido proferida – tendo de esperar meses ou anos!
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33 Tal situação é ilegítima e viola o direito constitucional da segurança do emprego e o direito à ocupação efectiva consagrado nos artºs. 53, 58 e 59 da Constituição Rep. Portuguesa e, consequentemente ao não considerar-se o referido prazo como de caducidade ou, que uma vez ultrapassado o referido prazo extinguiu-se o direito de praticar o acto, permitindo-se assim que a entidade patronal profira a decisão quando muito bem entender, tal interpretação viola ou
é susceptível de violar os cit. preceitos constitucionais e como tal é inconstitucional.'
Por acórdão de 28 de Outubro de 1998, foi a revista negada pelo Supremo Tribunal de Justiça
Por entre o mais, discreteou-se nesse aresto:-
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Entenderam as instâncias que o desrespeito do referido prazo de trinta dias, verificado no caso dos autos, não feria de nulidade o processo por se tratar de um prazo meramente aceleratório, nem conduziu à caducidade do procedimento disciplinar.
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E, na verdade, a natureza aceleratória de um tal prazo, afastando-se o carácter peremptório do mesmo, cujo desrespeito levaria à extinção do direito de praticar o acto, é a que encontra expressão no nº 3 do artº 12º da L. Desp.; aqui se preceitua que o processo de despedimento só pode ser declarado nulo
(sublinhado nosso) se ocorrerem as hipóteses das sua três alíneas, consignando-
-se na c), a única que interessa ao caso, o facto de a ‘decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, no termos do nºs 8 e
10º do artº 10º...’
O carácter taxativo dos fundamentos de nulidade do processo, e sabemos que só há nulidade onde a lei a declarar, e os termos daquela alínea c), onde claramente se aponta como nulidade a falta de documento escrito a registar a decisão de despedimento, não considerando a inobservância do prazo de 30 dias para ser proferida a decisão, não consentem que se perfilhe o entendimento do recorrente.
Consequentemente, não é sustentável que a situação configura nulidade insanável do processo, a ferir de ilicitude o despedimento, não valendo argumentar com as consequências que decorrem do facto de o trabalhador alvo de processo disciplinar não responder à nota de culpa (nº 4 do mesmo artº 10º) uma vez que estamos em domínios diversos, diversamente disciplinados
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Se é certo que a Ré retardou a prolação da decisão - lembremos que o A. e outros arguidos aguardavam julgamento em processo-crime por factos lesivos dos interesses da Ré -, o facto não se reflectiu na regularidade processual do despedimento (veja-se o que dispõe o nº 11 do artº 10º da L. Desp.) embora possa vir a relevar, como decidiram as instâncias, na apreciação da justa causa do despedimento.
Não se mostram violados o art. 12º nº 3 al. c) da L. Desp., nem os artºs 53º, 58º e 59º da Constituição.
Quanto ao artº 53º da Lei Fundamental, valem as considerações que atrás se expenderam.
Relativamente ao direito ao trabalho que todos têm (nº 1 do artº
58º), e que incumbe ao Estado assegurar (actual nº 2 do preceito), ele afirma-se como princípio, melhor ou pior concretizado em função do emprego que em cada momento a situação económica proporciona, sem que colida com a permissão de despedimentos com justa causa (artº 53º).
Quanto ao direito dos trabalhadores, que o nº 1 do artº 59º enumera, não vemos que a decisão de despedir o A. se mostre violadora de alguns daqueles direitos e da protecção que constitucionalmente lhes é assegurada
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É deste acórdão que, pelo autor J... e estribado na alínea b) do nº
1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vem interposto o vertente recurso, por intermédio do qual visa a apreciação da (in)constitucionalidade do
'nº 8 do artº 10º e nº 1 alínea a) e nº 3 alínea c), do artº 12, todos do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27/12, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto é, no sentido de que o prazo de 30 dias, previsto nº 8 do artº 10º do Decreto-Lei 64-A/89 de 27/02, é um prazo meramente acelaratório
(afastando-se o carácter peremptório do mesmo) não conduzindo o seu desrespeito
à extinção do direito de praticar o acto pela entidade patronal ou à nulidade do despedimento'.
2. Determinada a feitura de alegações, concluiu o recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
'1 A recorrida aos 21-01-92 comunicou ao recorrente que lhe foi instaurado um processo disciplinar e que ficava suspenso e, aos 26-11-92 enviou ao recorrente a nota de culpa, tendo este respondido a esta aos 04-12-92, não requerendo qualquer diligência probatória.
2 A partir deste momento, ou seja, da recepção por parte da recorrida da resposta do recorrente à nota de culpa estavam concluídas todas as diligências probatórias, pelo que, a partir dessa data (04-12-92) a recorrida dispunha de 30 dias para proferir a decisão (nº 8 do artº. 10 do D.L. 64-A/89 de 27-02.
3 A recorrida, aos 27-01-93, comunicou ao recorrente a decisão de suspender a tramitação dos autos disciplinares até à decisão que for proferida no processo criminal.
4 Aos 25-05-95, a recorrida proferiu a decisão no processo disciplinar movido ao recorrente e pelo qual aplicou-lhe a sanção de despedimento imediato com justa causa.
5 Refere o nº 8 do artº. 10 do D.L. 64-A/89 de 27-02
‘Nº 8 - Decorrido o prazo referido no número anterior, a entidade empregadora dispõe de 30 dias para proferir a decisão, que deve ser fundamentada e constar de documento escrito’.
6 A recorrida suspendeu o processo 54 dias depois da recepção da resposta à nota de culpa e proferiu a decisão 2 anos, 4 meses e 25 dias depois de concluídas todas as diligências probatórias.
7 A recorrida ao não proferir a decisão no referido prazo violou o nº 8 do artº. do D.L. 64-A/89 pelo que, o despedimento é ilícito e o processo é nulo ao abrigo da alinea a) do nº e alínea c) do nº 3 do artº. 2 do cit. D.L. 64-A/89.
8 Decidiu o Supremo Tribunal de Justiça do Douto Aordão recorrido que:
‘E, na verdade, a natureza aceleratória de um tal prazo, afastando-se o carácter peremptório do mesmo, cujo desrespeito levaria à extinção do direito de praticar o acto, é a que encontra expressão no nº 3 do artº 12º da L. Desp.; aqui se preceitua que o processo de despedimento só pode ser declarado nulo
(sublinhado nosso) se ocorrerem as hipóteses das sua três alíneas, consignando-
-se na c), a única que interessa ao caso, o facto de a ‘decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, no termos do nºs 8 e
10º do artº 10º...’
O carácter taxativo dos fundamentos de nulidade do processo, e sabemos que só há nulidade onde a lei a declarar, e os termos daquela alínea c), onde claramente se aponta como nulidade a falta de documento escrito a registar a decisão de despedimento, não considerando a inobservância do prazo de 30 dias para ser proferida a decisão, não consentem que se perfilhe o entendimento do recorrente’.
9 A todos é garantido o direito ao trabalho, bem como, a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa, e a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artºs. 18, 53, 58 e 59º todos da Const. Rep. Portuguesa).
10
‘Mas o âmbito de protecção do direito ao trabalho não fica por aí. Ele dispõe também de algumas importantes dimensões negativas ou de garantia, nomeadamente:
c) direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho, send proibida a manutenção arbitrária de trabalhador na inactividade (colocação na prateleira) ou a suspensão não justificada nos termos da lei;
d) direito a não ser privado do posto de trabalho alcançado (direito
à segurança no emprego), sendo proibidos designadamente os despedimentos sem justa causa (artº. 53º), proibição que se impõe directamente a terceiros.
11 Quer no nº 4, quer no nº 8 do artº. 10 do cit. D.L. 64-A/89, o legislador usou as mesmas expressões, daí que se não conceba como é que para o trabalhador se considera um prazo de caducidade ou peremptório cujo decurso de prazo extingue o direito de praticar o acto e para a entidade patronal um prazo meramente aceleratório.
12 Aliás, a palavra dispôr, significa:
‘Prescrever, determinar: o que a lei dispõe é o que se deve cumprir’.
‘Estar pronto ou resolvido’.
13 Os prazos de caducidade são períodos de tempo fixados pela lei para o exercício de certos direitos - período temporal dentro do qual o direito deve ser exercido, e decorrido o qual, portanto, se extingue se não for exercido.
14 Segundo a teoria dos que defendem que se trata de um prazo meramente aceleratório, tal significava legitimar que a entidade patronal pudesse manter o trabalhador durante vários dias ou anos, na incerteza de ser despedido ou manter-se o posto de trabalho. E, a ser assim, permitia-se que o trabalhador vivesse angustiado, e numa situação precária e indefenida durante o período de tempo que a entidade patronal muito bem entendesse!
15 O legislador, ao referir-se no nº 8 do artº. 10 do cit. D.L. que a entidade empregadora dispõe de 30 dias para proferir a decisão, está a fixar um prazo para o exercício dum direito, pelo que, se o mesmo não for cumprido, tal significa que o processo disciplinar é nulo, porque a decisão de despedimento e os seus fundamentos não constam de qualquer documento escrito proferido nesse prazo, nos termos dos nºs 8 a 10 do artigo 10º, tal como é referido na alínea c) do nº 3 do artº. 12.
16 A suspensão do processo disciplinar não pode considerar-se como tendo ficado a dever-se ao recorrente, pois que o prazo fixado na lei para a entidade patronal proferir a decisão não depende, nem pode depender, de qualquer acto de vontade do trabalhador-arguido, no processo disciplinar.
17 O processo disciplinar deve ser justo e as suas regras imperativas, de forma a evitar abusos de ambas as partes, mas, ao permitir-se que a decisão de despedimento se prolongue no tempo, indefinidamente, por mera conveniência e a belo prazer da entidade patronal está-se a criar um procedimento disciplinar injusto e arbitrário, não garantindo aos trabalhadores a segurança no emprego, com nítida violação dos citados preceitos constitucionais.
18 O Douto Acordão Recorrido ao considerar o referido prazo de 30 dias, previsto no nº 8 do artº. 10 do cit. Dec. Lei como meramente aceleratório (afastando-se o carácter peremptório do mesmo) não conduzindo o seu desrespeito à extinção do direito de praticar o acto pela entidade patronal ou à nulidade do despedimento, e a inobservância daquele prazo sómente poderá relevar na apreciação da existência de justa causa de despedimento, está-se a permitir que a entidade patronal profira a decisão quando muito bem entender, nem que demore meses ou anos e, assim, tal interpretação viola ou á susceptível de violar os citados preceitos constitucionais, artºs. 8. 53, 58 e 59 e como tal é, inconstitucional.
TERMOS em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência considerar-se que viola a Constituição da República Portuguesa nomeadamente os seus artºs 18, 53, 58 e 59, o nº 8 do artº. 10 do Decreto-Lei nº 64-A/89 de 27-02 na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Douto Acordão Recorrido, ao considerar-se que o prazo de
30 dias previsto neste preceito é meramente aceleratório (afastando-se o carácter peremptório do mesmo) não conduzindo o seu desrespeito à extinção do direito de praticar o acto pela entidade patronal ou á nulidade do despedimento, e a inobservância daquele prazo somente poderá relevar na apreciação da existência da justa causa de despedimento'.
Por seu turno, a recorrida concluiu a sua alegação do seguinte jeito:- A) Conforme resulta da doutrina (...) e da jurisprudência (...) o prazo de 30 dias previsto no artº 10º, nº 8, da LD, não é de caducidade, nem prescricional, mas meramente aceleratório, podendo apenas ter relevância no âmbito da apreciação da justa causa. B) Mas, como se acentua no douto Acordão recorrido, essa relevância, no âmbito de tal apreciação, apenas se verificará - como parece lógico e natural - ‘quando
(a inobservância do prazo) não seja, porém, provocada por acto de vontade do próprio aguido do processo disciplinar’. C) Ora, conforme decorre da ‘resposta à nota de culpa’ (fls. 37 a 39 e 160 do proc. disc.) foi o próprio A. quem expressamente requereu ‘ a suspensão do processo disciplinar até que o processo crime fosse decidido’ - (aliás, em consonância com o que requereram os demais arguidos, na expectativa de que o resultado do processo criminal os beneficiasse) - o que lhe foi concedido em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça. D) Efectivamente, o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Março de
1984 (in Ac. Dout. nº 271, 923-928) ensina que:
‘Quando o processo disciplinar recaia sobre infracção também punível em sede criminal, e aí esteja a ser investigada, pode a entidade patronal suspender o processo disciplinar e aguardar o resultado do procedimento criminal. E) Todavia, o processo disciplinar foi suspenso, por instâncias do próprio A., por acto da sua própria vontade, e com finalidade substancialmente útil - não dispondo o recorrente de qualquer legitimidade que lhe permita alegar que ‘a partir desse momento, ou seja, da recepção por parte da Ré da resposta (à nota de culpa) do A. estavam concluídas todas as diligências probatórias, pelo que, a partir desta data (04-12-92) a Ré dispunha de 30 dias para proferir decisão’. F) Além daquela data não estabelecer qualquer ‘dies a quo’, a partir do qual a Ré devesse proferir a decisão final do processo disciplinar, é, também certo que a eventual violação daquele prazo não preclude o direito de punir, porque o prazo consignado é meramente aceleratório. G) O cotejo, que o recorrente faz, entre o nº 4 do artº 10º do DL nº 64-A/89, e o nº 8 do mesmo artigo, desapoia manifestamente a sua própria tese, porque se um trabalhador não apresentar ‘resposta à nota de culpa’ não sofre quaisquer prejuízos relevantes, não ficando impedido de recorre aos tribunais e dispor da sua prova porque ‘é certo que só a prova em juizo é relevante’; e porque ‘em tribunal tudo se passa ‘ex novo’, o que torna o processo disciplinar-laboral num amontoado de declarações ou depoimentos ... sem qualquer validade probatória’
(cfr. Messias de Carvalho - Vitor Nunes de Almeida - Direito do Trabalho e Nulidade do Despedimento, 200).
Mas, a esta diferença substancial o recorrente convenientemente não alude. H) Por Acordão do Tribunal Colectivo do Circulo Judicial de Matosinhos, proferido no processo comum colectivo nº 4189/94, do 2º Juizo Criminal (nº de Círculo 505/94) transitado em julgado em 27/9/96, foi o recorrente condenado como autor de um crime de participação em associação criminosa p. p. pelo artº
287º, nºs 1 e 2, e de um crime de furto qualificado continuado, p. p. pelos artºs 30º, nº 2, 296º, 297º, nºs 1, alíneas a) e f) e 2, alínea h) e 299º, todos do Código Penal de 1982, nas penas respectivas de dezasseis e dezoito meses de prisão, em cumulo (artº 78º) na pena única de dois anos de prisão, com execução suspensa por três anos. I) O douto Acordão recorrido não violou qualquer preceito constitucional, nomeadamente os artºs 18º, 53º, 58º e 59º da Constituição da Republica Portuguesa, devendo ser inteiramente mantido.'
Cumpre decidir.
II
1. Como se extrai das transcritas «conclusões» da alegação de recurso do ora impugnante, limitou ele o mesmo unicamente à norma constante do nº 8 do artº 10º do Decreto-Lei nº 64-A/98, de 27 de Fevereiro [rectius, do nº 8 do artº 10º do Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo artº 1º do citado decreto-lei], na interpretação segundo a qual o prazo de trinta dias, em tal disposição consignado - contado a partir do prazo de cinco dias úteis no qual, findas as diligências probatórias, as comissão de trabalhadores ou associação sindical podem fazer juntar ao processo disciplinar o seu parecer fundamentado -, de que dispõe a entidade empregadora para proferir decisão fundamentada, não é um prazo peremptório que, decorrido que seja, faz caducar o direito de proferir tal decisão, relevando unicamente para efeitos de apreciação da justa causa de despedimento, antes se postando como um prazo meramente aceleratório do procedimento disciplinar.
Perante uma tal limitação, não curará este Tribunal da análise daqueloutras normas constantes do requerimento de interposição do recurso e referentes à alínea a) do nº 1 e à alínea c) do nº 3, um e outro do artº 12º do aludido Regime Jurídico.
2. Na tese sufragada pelo recorrente, a norma em apreço (ou seja, o nº 8 do artº 10º do Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo aprovado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 64-A/89, na interpretação acima mencionada) viola o disposto nos artigos 18º, 53º, 58º e 59º da Constituição.
Será assim?
Como se sabe, aquele artigo 53º prescreve a garantia dos trabalhadores à segurança no emprego e a proibição dos despedimentos por justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos, consignando-se no nº 1 do artigo
58º, como um dos direitos económicos, o direito ao trabalho, enquanto que no nº
1 do artigo 59º se elencam os direitos dos trabalhadores [à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, por forma a garantir-lhes uma existência condigna, devendo-se observar o princípio de que para trabalho igual salário - alínea a) -, à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, por forma a facultar a realização pessoal dos trabalhadores - alínea b) -, à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança - alínea c) -, ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas - alínea d) -, e à assistência material, quando os trabalhadores se encontrem involuntariamente na situação de desemprego - alínea e)].
A garantia consagrada no artigo 53º - a da segurança no emprego - constitui, seguramente, e para se usarem as palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 286, 287),
'uma expressão directa do direito ao trabalho' que, 'na sua vertente negativa', garante 'o direito de não ser privado dele'.
Isso não significa, porém, que, adquirido que seja um posto de trabalho, a Lei Fundamental imponha a proibição de a entidade empregadora não poder dele despojar o trabalhador. Efectivamente, o que se contém na proibição constitucional é um vedar de um «direito», detido pelas entidades empregadoras, a, por sua livre vontade, disporem das relações jurídico-laborais que as ligam aos seus trabalhadores.
Assim sendo, mister é que haja circunstâncias atendíveis e justificativas do poder de, por parte da entidade empregadora, findar a relação jurídico-laboral.
No caso, interessa, e só, volver a atenção para o despedimento com justa causa, não relevando aqui entrar na questão de saber se, face à proibição constitucional do despedimento com justa causa, só esta forma de finalização da relação jurídico-laboral é a permitida pelo Diploma Básico.
Por outro lado, é certo que não se equaciona aqui a questão de saber se determinada norma (ou interpretação normativa) pode conduzir à subsunção de situações de onde decorresse a sua inclusão no conceito de justa causa, situações essas que, contudo, não figuravam ou pressupunham um comportamento censurável por parte do trabalhador e revestido de gravidade bastante para levar
à conclusão de que a subsistência da relação jurídico-laboral era algo que, perante tal gravidade, não justificava a imposição à entidade empregadora do dever de manutenção dessa relação.
2. A garantia da segurança no emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa postulam, por entre o mais, por um lado, que a relação de trabalho se deva ver protegida contra a suspensão da prestação de trabalho e, por outro, que o procedimento disciplinar conducente ao despedimento seja um due process, devendo assegurar as garantias de defesa do trabalhador.
Mas significará isso que a protecção contra a suspensão da prestação de trabalho, consequência das estabilidade e segurança no emprego, que têm de ser características do próprio direito ao trabalho, deve ser perspectivada como algo de inultrapassável?
É evidente que não.
O direito dos trabalhadores a desempenharem o seu labor na e para entidade empregadora, enquanto se mantiver a relação de trabalho, não é incompatível com uma suspensão individual de um trabalhador. Ponto é que essa suspensão tenha por base uma causa legítima, como é a da suspensão em processo disciplinar movido por graves comportamentos do trabalhador e que, num prisma adequado de prognose, apontem para um desfecho desse processo no sentido da finalização da relação jurídico-laboral, o que o mesmo é dizer que essa suspensão se não anteveja como ilícita, que respeite um princípio de proporcionalidade, necessidade e adequação (princípios esses que, aliás, hão-de, também eles, informar as próprias causas - justas causas - de despedimento.
Concluindo-se, assim, que o despedimento com justa causa e a própria suspensão de exercício de trabalho na pendência de procedimento disciplinar não são situações vedadas constitucionalmente, designadamente pelos artigos 53º e
58º nº 1 do Diploma Básico, e que aquele procedimento deve obedecer aos acima assinalados princípios, a questão que se coloca é a de saber se a interpretação normativa sub specie constitucionis - isto é, a consideração de que a não prolação da decisão a proferir pela entidade empregadora no prazo de trinta dias decorridos após os cinco dias em que as comissões de trabalhadores ou as associações sindicais se podem pronunciar depois de efectuadas as diligências probatórias, não preclude o direito de tomar aquela decisão - vai afectar a garantia da segurança no emprego e os assinalados princípios que devem reger o procedimento disciplinar.
3. Na análise da presente questão, não nos podemos esquecer que o procedimento disciplinar em causa foi suspenso, pelo menos depois da resposta à nota de culpa, a fim de se aguardar a decisão a proferir em processo criminal instaurado também contra o ora recorrente e pelos factos que desencadearam o próprio procedimento disciplinar, suspensão essa decretada pela entidade empregadora, ora recorrida, a pedido do próprio recorrente, que, após uma primeira anulação da sentença proferida nesse processo crime pelo tribunal de 1ª instância, veio a reiterar o pedido de suspensão até que verificasse o desfecho de tais autos, por trânsito da decisão a proferir neles.
A asserção acima efectuada releva no presente caso, por isso que, devendo o procedimento disciplinar ser iluminado pelas características que já se assinalaram, não se anteveria como razoável, proporcionado, necessário e adequado que, num processo daquele jaez, após a realização de todas as diligências e depois de cumpridos todos os trâmites legais, a decisão, nomeadamente a punitiva - maxime quando esta fosse ou apontasse para o despedimento -, pudesse ser proferida, sem que para tanto houvesse qualquer fundamento real, num momento acentuadamente dilatado no tempo (e isto não obstante se reconhecer que doutrinária e jurisprudencialmente se tem entendido que o prazo prescrito no nº 8 do artº 10º do Regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo não deve ser visualizado como um prazo peremptório de exercício do poder decisório a tomar no processo disciplinar - cfr., verbi gratia, Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 508, Pedro Macedo, Poder Disciplinar Patronal, Almedina, 1990, 153, e acórdão da Relação de Coimbra, de
26 de Maio de 1992, na Colectânea de Jurisprudência, 1992, 3º Tomo, 160 e segs.).
É que, não interessará aqui sobremaneira equacionar a questão de saber qual seja, juridicamente, a melhor interpretação quanto à qualificação de tal prazo. Situando-nos, como nos situamos, num recurso visando a apreciação da conformidade constitucional de determinada norma, o problema que se coloca é o de saber, independentemente dessa qualificação, regida segundo os cânones da interpretação incidente sobre o direito infra-constitucional, qual o entendimento que não seja conflituante com a Lei Fundamental.
Neste contexto, se houver fundamento bastante, adequado e proporcionado que conduza à consideração segundo a qual as próprias situações visadas no procedimento disciplinar (a título exemplificativo citem--se situações de grande complexidade fáctica, ou de os factos que geraram a instauração de processo disciplinar também constituírem indícios de infracção penal que está a ser objecto de processo criminal) podem levar a que a exigência da proferenda decisão no prazo de trinta dias se poste como algo de irrazoável, então uma interpretação no sentido de aquele prazo ser perspectivável como meramente aceleratório do procedimento não se configura como contrária à Constituição.
E foi essa, ao fim e ao resto, a interpretação que veio a ser levada a efeito no aresto sob censura.
Na verdade, aí se consignou que '[s]e é certo que a Ré retardou a prolação da decisão - lembremos que o A. e outros arguidos aguardavam julgamento em processo-crime por factos lesivos do interesse da Ré', acrescentando que tal prolação podia vir a relevar na apreciação da justa causa do despedimento, consignação que, como se viu, foi antecedida da consideração de que, em face da matéria de facto que se deu como provada, a suspensão do procedimento disciplinar foi requerida pelo trabalhador.
Não se lobriga, desta arte, que a norma em apreciação, quando aplicada aos casos em que o procedimento disciplinar foi suspenso a pedido do trabalhador, a fim de se aguardar o desfecho de um processo criminal contra o mesmo instaurado pelos factos pelos quais aquele procedimento veio a ter lugar, seja violadora das disposições conjugadas dos artigos 18º, nº 2, 53º e 58º, nº
1, da Constituição, acrescentando-se que se não vê onde possa ela brigar com os direitos prescritos no nº 1 do artigo 59º da mesma Lei Fundamental.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 30 de Junho de 1999 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida