Imprimir acórdão
Proc. nº 794/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. R... interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Reforma Educativa de 8 de Julho de 1991. Tal despacho manteve a decisão de reprovação do recorrente no 9º ano de escolaridade.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 9 de Junho de
1994, rejeitou o recurso por extemporaneidade.
R... interpôs recurso do acórdão de 9 de Junho de 1994 para o Pleno da Secção que, por acórdão de 20 de Março de 1997, concedeu provimento ao recurso. Na sequência do acórdão de 20 de Março de 1997 foi proferido o acórdão de 20 de Maio de 1998 que, concedendo provimento ao recurso, anulou o acto recorrido. Para tanto, o Supremo Tribunal Administrativo julgou inconstitucional o Despacho 43/SERE/88 (regulamento ao abrigo do qual foi praticado o acto recorrido), por violação do artigo 115º, nº 7, da Constituição, em virtude de o mesmo não invocar o diploma legal no qual se terá baseado.
2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório do acórdão de
20 de Maio de 1998, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas regulamentares do Despacho
43/SERE/88.
Junto do Tribunal Constitucional o Ministério Público apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1º - O despacho nº 43/SERE/88, de 16 de Setembro de 1988, incorpora um regulamento externo, já que molda, entre outras matéria, o procedimento de impugnação das decisões do conselho de turma e do conselho pedagógico acerca da avaliação do aproveitamento escolar no ensino oficial, produzindo, deste modo, direita incidência na situação jurídica dos alunos perante a Administração escolar.
2º - Não constando de tal regulamento a mínima referência à respectiva lei habilitante, padece o mesmo de inconstitucionalidade formal, por preterição do nº 7 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa, na redacção então em vigor.
3º - Termos em que deverá confirmar-se o juizo de inconstitucionadade formal constante da decisão recorrida.
O recorrido não contra-alegou.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
4. O Despacho 43/SERE/88 (D.R., II Série, de 30 de Setembro de 1988) introduziu alterações no sistema de avaliação, tornando-o 'mais equilibrado na sua coerência interna e mais adequado e equitativo para os alunos a quem pretende servir', procedendo, concomitantemente, à organização e sistematização de
'legislação dispersa sobre a avaliação do aproveitamento escolar no ensino preparatório e nos diferentes cursos do ensino secundário'.
As normas questionadas no recurso interposto perante o Supremo Tribunal Administrativo são as contidas nos artigo 12º e 13º do referido despacho. Essas normas versam sobre a revisão das decisões tomadas pelo conselho de turma e sobre o procedimento das reclamações das deliberações tomadas pelo conselho pedagógico dirigidas ao presidente do conselho directivo. É o seguinte o seu conteúdo:
12 Revisão das decisões do conselho de turma
12.1. - Após a afixação das pautas referentes ao 3º período lectivo, o encarregado de educação ou o próprio aluno, quando maior de 18 anos, poderá requerer a revisão das decisões do conselho de turma.
12.2. - Os pedidos de revisão serão apresentados em requerimento dirigido ao presidente do conselho directivo no prazo de três dias úteis a contar da data da afixação da pauta com resultados da frequência, podendo o requerimento ser acompanhado dos documentos considerados pertinentes.
12.3. - Os requerimentos concebidos depois de expirado o prazo fixado no ponto anterior, serão liminarmente indeferidos.
12.4. - O presidente do conselho directivo deverá, no prazo de cinco dias úteis após a recepção do requerimento, convocar, para apreciação do pedido, uma reunião extraordinária do conselho de turma.
12.5. - O conselho de turma, reunido extraordinariamente, apreciará o pedido e decidirá sobre o mesmo, elaborando um relatório pormenorizado, que fará parte integrante da acta da reunião.
12.6. - Nos casos em que o conselho de turma mantenha a sua decisão, o presidente do conselho directivo enviará ao conselho pedagógico o processo aberto pelo pedido de revisão, instruíndo-o com os seguintes documentos: a. Requerimento do encarregado de educação (ou do aluno), previsto em
12.1, e documentos apresentados com o mesmo; b. Fotocópia da acta da reunião extraordinária do conselho de turma; c. Fotocópias das actas das reuniões do conselho de turma correspondentes aos três momentos de avaliação; d. Relatório do director de turma onde constem os contactos havidos com o encarregado de educação ao longo do ano; e. Relatório do professor da disciplina visada na reclamação, justificativo da classificação proposta no final do 3º período e do qual constem todos os elementos de avaliação do aluno recolhidos ao longo do ano lectivo; f. Ficha de avaliação do aluno relativa aos três momentos de avaliação. l2.7. - O conselho pedagógico apreciará o processo, decidindo. A fundamentação da decisão integrará o processo.
12.8. - O presidente do conselho directivo respeitará a decisão do conselho pedagógico.
12.9. - Ao interessado deverá, em carta registada com aviso de recepção, ser dado conhecimento, pelo presidente do conselho directivo, da decisão e da respectiva fundamentação.
13 Reclamação
13.1. - Da decisão tomada poderá haver ainda reclamação, dirigida ao presidente do conselho directivo, desde que fundamentada apenas em vício existente no processo ou em comportamento susceptível de enquadrar qualquer ilícito disciplinar.
13.2. - A reclamação será, obrigatoriamente, entregue na escola no prazo de cinco dias a contar da data da comunicação do presidente do conselho directivo ao encarregado de educação.
13.3. - O presidente do conselho directivo apreciará e decidirá da reclamação, tendo em conta o parecer fundamentado do inspector pedagógico.
13.4. - No caso de indeferimento da reclamação torna-se definitiva a decisão reclamada.
13.5. - No caso de deferimento, o presidente do conselho directivo promoverá as diligências necessárias à reposição da legalidade e poderá determinar abertura de processo disciplinar.
Estes preceitos regulam o direito de recurso dos estudantes do ensino preparatório e secundário relativamente à avaliação efectuada nas provas por si prestadas. Tal matéria e o modo como é regulada nada têm a ver com a organização interna da Administração escolar, referindo-se, directamente, aos direitos e condições do respectivo exercício de que são titulares os estudantes, enquanto cidadãos, perante os actos administrativos inerentes à avaliação de aproveitamento de que são destinatários. Com efeito, os estudantes posicionam-se perante a Escola como titulares do direito ao ensino (incluindo este a avaliação através das provas por si prestadas). Os estudantes, participantes no sistema educativo, não são meras peças do próprio sistema escolar sendo fundamentalmente cidadãos utentes desse mesmo sistema e nessa medida destinatários da execução de uma dada política de ensino e das tramitações necessárias à concretização dos objectivos legalmente definidos.
Assim, os resultados de tarefas de avaliação que correspondem ao exercício de uma actividade administrativa por parte da Escola incidem sobre eles como em geral uma actividade administrativa incide sobre os administrados.
Deste modo, o despacho sub judicio tem uma eficácia externa e a sua natureza pressupõe uma 'eficácia bilateral' (cf., sobre a natureza externa dos regulamentos, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 319/94 - D.R., II Série, de 3 de Agosto de 1994; Afonso Queiró, 'Teoria dos regulamentos', Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVIII, nºs 1, 2, 3 e 4, pp. 5 e ss.; e Coutinho de Abreu, Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da legalidade, 1987, p. 99).
5. Nos termos do artigo 115º, nº 7, da Constituição (na versão anterior à Revisão de 1997), os regulamentos devem indicar expressamente as leis que regulamentam ou que definem a competência para a sua emissão (princípio da precedência de lei). Contudo, no preâmbulo, bem como no articulado do Despacho
43/SERE/88, não é feita qualquer referência à lei habilitante. Tal omissão origina a ausência de um elemento constitucionalmente exigido.
O Tribunal Constitucional, em casos idênticos ao dos presentes autos, tem julgado formalmente inconstitucionais, por violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição, os regulamentos externos que não indicam expressamente a lei que visam regulamentar ou que define a competência para a sua emissão (cf., entre outros, o Acórdão nº 319/94, D.R., II Série, de 3 de Agosto de 1994).
Sendo o despacho ora impugnado um regulamento externo e não contendo a menção ao diploma legal habilitante, há pois que concluir pela sua inconstitucionalidade formal, por violação do disposto no nº 7 do artigo 115º da Constituição. III Decisão
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitu-cionais as normas regulamentares contidas no Despacho 43/SERE/88, publicado no D.R., II Série, de 30 de Setembro de 1988, por violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição (na versão emergente da Revisão Constitucional de 1982, correspondente ao actual artigo 112º, nº 8), confirmando, consequentemente, o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida e negando provimento ao recurso.
Lisboa, 30 de Junho de 1999. Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida