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Procº nº 308/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 30 de Maio de 2000 (fls. 324 a 330 dos autos) lavrou o relator decisão sumária do seguinte teor:-
'1. Por sentença proferida em 17 de Março de 1998 pela Juíza do 1º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, foi julgada improcedente a acção, seguindo a forma de processo ordinário, que J... e mulher, V..., e M... intentaram contra o Estado e Companhia das Lezírias, SA, acção essa na qual os autores solicitaram a condenação dos réus a reconhecerem que os primeiros eram titulares de certo número de acções nominativas da Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, S.A.R.L..
Tendo dessa sentença apelado os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, por acórdão proferido em 8 de Julho de 1999, julgou improcedente a apelação, o que motivou os autores a do assim decidido pedirem revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Na alegação que produziram, os autores vieram apresentar as seguintes
«conclusões»:-
‘1ª - Os factos que a douta decisão da primeira instância deu como provados não permitem a conclusão de que a COMPANHIA exercesse qualquer outra actividade além da exploração agrícola, pecuária e florestal das suas propriedades.
2ª - A regulamentação instituída pelo Dec-Lei nº. 628/75,de 14 de Novembro, que nacionalizou a COMPANHIA, mostra que o legislador a encarou como uma empresa agrícola, totalmente inserida na actividade agrícola, sujeita a tutela administrativa e política do Ministro da Agricultura e com o seu funcionamento dirigido à execução da política então prosseguida no sector agrícola - a reforma agrária.
3ª - Os argumentos contrários à natureza exclusivamente agrícola da COMPANHIA que se pretendem retirar do preâmbulo do Dec-Lei nº. 123/78 não são admissíveis, por surgirem numa data muito posterior à nacionalização, não podendo tomar-se o conteúdo deste diploma como expressão póstuma do pensamento do legislador de 1975.
4ª - A legislação vigente em matéria de reforma agrária à data da nacionalização da COMPANHIA incluia esta no âmbito da sua previsão.
5ª - Os relatórios e contas dos exercícios da COMPANHIA que se encontram juntos ao processo e cujo teor foi dado como reproduzido entre a matéria de facto provada não aludem a qualquer actividade que não seja a agricultura.
6ª - É nesses relatórios e contas que deve procurar-se o conhecimento da actividade da COMPANHIA, conforme dispõe o art. 29º do Código Comercial.
7ª - O princípio da acessoriedade, consagrado no art. 230º §§ 1º e 2º do Código Comercial, impede que quaisquer actividades definidas como afins ou colaterais possam servir de critério de definição do objecto de uma sociedade.
8ª - Aliás, o objecto consagrado nos estatutos de uma sociedade apenas define a virtualidade e não a realidade desta.
9ª - O único património da COMPANHIA composto por bens não afectos à exploração agrícola era constituído por uma carteira de títulos cujas receitas totais correspondiam a cerca de 1,2% das receitas totais daquela sociedade.
10ª- Nessa carteira compreendiam-se acções da própria COMPANHIA, representando 15% do respectivo capital, e acções de uma sociedade dedicada à transformação de produtos agrícolas.
11ª- À ínfima expressão da carteira acresce que, não existindo qualquer actividade lucrativa com tais títulos, a sua pura fruição é insusceptível de caracterizar a actividade da COMPANHIA, visto que a mera fruição de um bem não pode constituir, nos termos do art. 980º do Código Civil, objecto de uma sociedade.
12ª- A admitir-se a ocorrência, na COMPANHIA, de especificidades, manifestadas em supostas actividades não agrícolas e na detenção de uma carteira de títulos, que seriam o motivo da nacionalização, deveríamos concluir:
a) que o legislador, que nacionalizara a COMPANHIA pelas suas actividades não agrícolas, confiou a sua tutela ao Ministro da Agricultura com o objectivo de prosseguir os fins da reforma agrária;
b) que o mesmo legislador, já dono de todo o sector financeiro e de parte significativa do sector industrial do País desde Março de 1975, teria nacionalizado a COMPANHIA para se apoderar das suas acções.
13ª- Tal admissão conduziria à conclusão de que o legislador tinha utilizado uma expressão, para o seu pensamento, em tudo oposta a este e que tinha consagrado as soluções menos acertadas para os objectivos que se propunha prosseguir, o que constitui interpretação vedada pelo art. 9º nos. 2 e 3 do Código Civil.
14ª- A COMPANHIA e os seus accionistas estavam, à data da Nacionalização e com respeito às sociedades donas de património fundiário afecto
à exploração agrícola e respectivos titulares, numa situação em todos os aspectos idêntica.
15ª- Tal identidade de situações foi quebrada pelo Dec-Lei nº.628/75, que decretou a nacionalização da COMPANHIA.
16ª- Não havia entre a COMPANHIA e as suas congéneres qualquer diferença que justificasse a diferença de tratamento, pelo que a mesma COMPANHIA - e com ela os seus accionistas - foram alvo de uma discriminação arbitrária e injustificada.
17ª- Tal discriminação constitui violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 5º § 2º da constituição Política de 1933, mantida em vigor pelo art. 1. da Lei Constitucional nº. 3/74 de 14 de Maio.
18ª- O mesmo princípio está actualmente consagrado no art.
13º da Constituição.
19ª- O art. 1º do Dec-Lei nº. 628/75 é, por conseguinte, materialmente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da igualdade.
20ª- A douta sentença da primeira instância, violou por conseguinte, os preceitos constitucionais citados nas duas conclusões antecedentes, ao negar a inconstitucionalidade arguida pelas AA.
21ª- Ao imputar ao autor do acto legislativo em causa - o Dec-Lei nº.628/75 - objectivos enunciados num diploma de 1978 e contrários à regulamentação instituída nesse acto, a douta sentença violou o disposto nos nºs. 2 e 3 do art. 9º do Código Civil.
22ª- A indagação da actividade da COMPANHIA através do conteúdo dos seus estatutos, em detrimento do conteúdo dos relatórios e contas dos seus exercícios, constitui violação do disposto no art. 29º do Código Comercial.
23ª- A consideração das actividades afins ou colaterais para definir a actividade da COMPANHIA constitui violação do princípio da acessoriedade, consagrado no art. 230º §§ 1º e 2º do Código Comercial.
24ª- A consideração de bens mantidos em mera fruição para definir a actividade de uma sociedade viola o disposto no art. 980º do Código Civil.
25ª- Deveria, assim, ter sido concedido provimento à apelação.
26ª- O douto acordão recorrido, ao manter a sentença da primeira instância, violou as disposições legais citadas nas conclusões precedentes, pelo que deve ser concedida a revista e revogado o acordão recorrido, julgando-se a acção procedente, por provada, com todas as consequências legais.’.
Por acórdão de 6 de Abril de 2000 o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista.
Pode ler-se nesse aresto e para o que ora releva,:-
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Como se referiu, uma só questão há para decidir: se a nacionalização foi declarada em termos que violaram o princípio constitucional da igualdade (na tese dos recorrentes), ou se não se deu tal violação, como decidiram as instâncias.
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Concretamente, sobre a nacionalização da Companhia das Lezírias, já o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da não inconstitucionalidade, em recurso interposto, aliás, por quem não é parte no presente processo - decisão que se encontra nos autos, por fotocópia.
E foi publicada em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 35, página 403.
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Considerou o acórdão ser evidente não ter havido violação do princípio da igualdade,
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O que merece, também, a nossa concordância.
......................................................................................................................................................................................................................................................... a Constituição aprovada em 6 de Abril de 1976 e entrada em vigor no dia 25 daquele mês assumiu, expressamente, a existência de nacionalizações, assumiu, também expressamente, que elas deviam manter-se e assumiu, mais, que seriam irreversíveis.
Legitimou-as, se tal tivesse sido necessário.
O que não foi afectado pela revisão ocorrida em 1982.
Com a revisão de 1989, afastou-se a irreversibilidade das nacionalizações.
Passou a ser admitida uma evolução diferente da prevista, para elas, até então.
Mas isso não foi devido à verificação, na ocasião, de qualquer inconstitucionalidade.
As nacionalizações não viram, em nada, beliscados nem o seu reconhecimento constitucional, nem a continuação da sua existência jurídica.
Houve, apenas, uma nova opção, de natureza política, sobre o seu futuro.
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A Constituição, mantendo a existência de nacionalizações (e sua consequente legitimação), afastou a sua irreversibilidade e admitiu, expressamente, que poderia passar a haver privatizações.
É o que resulta, necessariamente, dos artigos 85º nº. 1 e 296º.
Nacionalizações e reprivatizações foram opções de natureza política.
Assumidas, como o foram, em sede da Constituição todas as nacionalizações, porque os preceitos referidos se reportam a todas, tem-se por insustentável continuar a argumentar contra esta, nos termos do recurso em apreço.
Até já houve reprivatização.
A ter sido discutível, se o era, alguma delas, a Constituição legitimou todo o processo adoptado, sem qualquer excepção.
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É deste aresto que os autores vêm recorrer para o Tribunal Constitucional, fazendo-o ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, tendo dito no requerimento corporizador da interposição do recurso:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são as que integram o Dec-Lei nº 628/75, de 13 de Novembro, designadamente o seu artigo 1º.
O princípio constitucional que os Recorrentes consideram violado é o da igualdade, consagrado no artº 13º da Constituição.
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelos Recorrentes na petição inicial da acção, bem como nas suas alegações de recurso de apelação e de revista.’
O recurso foi admitido por despacho proferido em 2 de Maio de 2000 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não se põe em causa que os ora impugnantes, antes da prolação do acórdão intentado recorrer, questionaram, do ponto de vista da sua compatibilidade constitucional, a norma constante do artº 1º do Decreto-Lei nº
628/8[75], de 13 de Novembro (cfr. «conclusão» 19ª da alegação da solicitada revista).
De outro lado, o que, em rectas contas, foi objecto de apreciação por parte do Supremo Tribunal de Justiça no aresto sub iudicio foi a conformidade constitucional dessa mesma norma, sendo que os demais normativos constantes daquele diploma não foram objecto de aplicação do acórdão ora sob censura.
Assim, e ponderando até a asserção, constante do requerimento de interposição de recurso onde se diz 'designadamente o seu artigo 1º', haverá que considerar que o objecto da vertente impugnação é constituído, e tão só, pela norma ínsita no mencionado artº 1º do Decreto-Lei nº 628/75.
3. Neste contexto, e tendo em conta que a questão que os ora recorrentes equacionam foi já objecto de análise por banda deste Tribunal no seu Acórdão nº 1167/96 (publicado na 2ª Série do Diário da República, de 7 de Fevereiro de 1997), em termos que merecem a total concordância do ora relator, haverá de concluir que uma tal questão é de perspectivar como «simples» para os efeitos do disposto no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e, por isso, justificadora da vertente decisão sumária.
4. De facto, no aludido Acórdão nº 1167/96 discreteou-se assim, para se alcançar um juízo de não enfermidade constitucional por banda do normativo em apreço:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ B A alegada inconstitucionalidade material do artigo 1º do Decreto-Lei nº 628/75, por violação do princípio da igualdade
14. A recorrente sustentou que as normas contidas nos nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 628/75 contrariam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição. Alegou, para chegar a tal conclusão, uma essencial identidade entre a Companhia das Lezírias do Tejo e Sado e as demais empresas agrícolas em actividade à data da nacionalização. E essa identidade não teria sido observada pelo legislador, que não contemplou os accionistas com a garantia de propriedade de uma determinada área de terreno.
Esta desigualdade teria resultado de se ter estabelecido no anexo 3 do Decreto-Lei nº 203-C/75, de 15 de Abril, que, em caso de nacionalização ou expropriação de prédios rústicos, os atingidos beneficiariam, precisamente, da garantia de propriedade de uma certa área. Tal garantia viria a ser observada pelo Decreto-Lei nº 407-A/75, de 30 de Julho (no respeitante a nacionalizações), e pela Lei nº 77/77, de 29 de Setembro (quanto a expropriações).
15. As normas constantes do artigo 1º do Decreto-Lei nº 628/75 foram editadas antes da entrada em vigor da Constituição de 1976. Isso não obsta, todavia, a que a sua constitucionalidade (material) seja aferida ante o disposto no artigo 13º da Constituição.
Na verdade, independentemente de a Constituição de 1933 contemplar o princípio da igualdade (artigo 5º, § 2º), e de esse princípio nunca ter deixado de vigorar na ordem jurídica portuguesa, por força do disposto no artigo 1º da Lei Constitucional nº 3/74, de 14 de Maio, o que está em causa é uma situação de inconstitucionalidade superveniente (cf. Jorge Miranda, ob.cit., pp. 424-5, e Gomes Canotilho, ob.cit., pp. 1109-10).
16. O princípio da igualdade não obsta a que o legislador trate diferentemente as situações jurídicas. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações da mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano material, a igualdade traduz-se na especificação das características constitutivas de cada categoria essencial (cf. Perelman, ‘Égalité et valeurs’, L'égalité, 1971, p. 319 e ss.).
A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais
[cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88, 186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp.
383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente; cf., igualmente, Jorge Miranda, ob.cit., Tomo IV, 2ª ed., 1993, p. 213 e ss., Gomes Canotilho, ob.cit., pp. 564-5, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob.cit., p. 125 e ss.].
17. No caso sub judicio, é indispensável apurar se a diferenciação de tratamento decretada para a Companhia das Lezírias pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 628/75 está desprovida de fundamento racional - isto é, se deve ter-se como arbitrária.
Tal desigualdade de tratamento pode ser encarada em duas perspectivas:
a) Os accionistas da Companhia das Lezírias foram discriminados, por não beneficiarem do direito de reserva relativamente aos prédios rústicos de que a Companhia era proprietária;
b) A Companhia das Lezírias foi, ela própria, discriminada por ter sido a única sociedade anónima a ser nacionalizada.
18. No que respeita à primeira questão, é evidente que não há violação do princípio da igualdade. Na verdade, não são equiparáveis as situações jurídicas dos accionistas de uma sociedade anónima nacionalizada, enquanto tais, e dos titulares de direitos reais sobre prédios nacionalizados ou expropriados. Os accionistas da sociedade anónima, independentemente do seu número, nunca foram titulares de direitos reais sobre os prédios rústicos integrados no património social.
Assim, não se pode afirmar, invocando o princípio da igualdade, que aos accionistas da Companhia das Lezírias deveria ser reconhecido o direito de reserva, tal como sucedeu quanto aos titulares de direitos reais sobre prédios rústicos nacionalizados ou expropriados: estes foram reinvestidos em direitos que anteriormente já detinham; aqueles eram, exclusivamente, titulares de acções.
19. A segunda questão respeita à própria legitimidade da nacionalização da sociedade anónima. O que se inquire é se não haverá violação do princípio da igualdade, uma vez que outras sociedades agrícolas apenas viram nacionalizados ou expropriados os respectivos prédios rústicos.
Quanto a este ponto, importa averiguar se a Companhia das Lezírias apresentava peculiaridades que justificassem um tratamento diferenciado. Ora, as circunstâncias de a Companhia das Lezírias possuir um património composto por prédios rústicos e urbanos, se não dedicar apenas à agricultura (cf. o artigo 3º dos estatutos publicados no Diário do Governo, II Série, de 16 de Junho de 1971) e desempenhar uma função decisiva no desenvolvimento regional (como se referiu no preâmbulo do Decreto-Lei nº 123/78, de 15 de Novembro) ilustram as peculiaridades que justificam um tratamento diferenciado.
Desta sorte, a nacionalização da Companhia das Lezírias, decretada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 628/75, não viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição. Tal nacionalização é justificável racionalmente e correspondeu a uma medida que viria a ser legitimada no âmbito da Constituição de 1976, tendo o legislador constituinte estabelecido mesmo a sua irreversibilidade (artigos 82º, nº 1, e 83º, nº 1, da versão originária da Constituição de 1976).
...........................................................................................................................................................................................................................................'
5. A corte argumentativa levada a efeito pelo Acórdão de que parte acima se encontra parcialmente transcrita e o juízo de não inconstitucionalidade dela decorrente têm, como acima se disse, plena concordância por parte do ora relator.
Assim, e no seguimento das considerações feitas no transcrito aresto, conclui-se aqui que a norma vertida no artº 1º do Decreto-Lei nº 628/75 não padece de inconstitucionalidade, designadamente por ofensa do princípio da igualdade.
Consequentemente, nega-se provimento ao recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
2. Desta decisão vieram os recorrentes reclamar para a conferência, esgrimindo, em síntese, por um lado, que a questão dos autos não foi ainda objecto de apreciação por este Tribunal - consequentemente não se podendo ela perspectivar como «simples» - por isso que, no caso, a matéria de facto é diferente da que foi dada por assente no Acórdão nº 1167/96, uma vez que no vertente processo 'não foi dada como provada matéria que permite qualificar a actividade da Companhia das Lezírias como puramente agrícola' e, por outro, independentemente dessa situação, que a questão da desigualdade de tratamento, na vertente da discriminação dos accionistas da dita Companhia, foi equacionada em relação a accionistas de 'demais sociedades donas de património fundiário afecto à actividade agrícola', 'visto que todos esses sócios e accionistas vieram a gozar do direito de reserva sobre os prédios das sociedades de que eram sócios e accionistas'
Ouvidos sobre a reclamação vieram responder o Ministério Público, como representante do Estado e a Companhia das Lezírias, S.A., propugnando ambos pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
3. Assim, e quanto ao seu primeiro fundamento, é óbvio que o objecto do recurso em apreço é constituído pela norma constante do artº 1º do Decreto-Lei nº 628/75, de 13 de Novembro, que prescreve:-
1. É declarada nacionalizada a partir da data da publicação deste diploma a sociedade agrícola civil, sob a forma de sociedade anónima de responsabilidade limitada, Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, S.A.R.L..
2. A nacionalização prevista no n.º 1 é feita sem prejuízo do direito de os actuais titulares de acções representativas do capital privado serem indemnizados.
Ora, sendo a estatuição da nacionalização corporizada em tal norma incidente em concreto sobre pessoa colectiva que nela se acha bem determinada,
óbvio é que na apreciação da compatibilidade constitucional de tal norma não interessará saber qual a matéria de facto que eventualmente seja (ou deva ter sido) dada no tocante à qualificação da actividade prosseguida pela Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, S.A.R.L., como puramente agrícola.
Na verdade, não seria da circunstância de num determinado processo se dar por provado que aquela sociedade só prosseguia uma actividade meramente ou puramente agrícola que havia de resultar a «desnacionalização» determinada por aquela norma, ou que ficava sem conteúdo o disposto no nº 2 do mesmo artigo.
Por outra banda, de notar é, neste ponto, que a norma determinante da nacionalização da Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, S.A.R.L. (o nº 1 do transcrito artº 1º do Decreto-Lei nº 628/75), consta de um diploma legal editado antes da entrada em vigor da Constituição de 1976 e que, quanto à nacionalização em si, esgotou a sua eficácia temporal antes daquela entrada em vigor (cfr., neste particular, o que ficou dito no Acórdão deste Tribunal nº 377/2000, ainda inédito, maxime no seu ponto 3).
E, por isso, quer no Acórdão nº 1167/96, quer da decisão sumária em apreciação, se não deu, como se não poderia dar neste particular, qualquer relevância à matéria que foi ou devia ter sido dada pelos tribunais de onde emergiram os recursos de constitucionalidade.
3.1. Pelo que concerne ao outro fundamento agora carreado à reclamação, se bem se atentar no que foi referido no mencionado Acórdão nº
1167/96, fácil é descortinar que no mesmo se contém uma corte argumentativa que permite infirmar o que os ora reclamantes consideram como uma perspectiva diversa - quanto àquilo que entendem como revelando desigualdade de tratamento - com que encararam esta problemática, ou seja, no âmbito da comparação entre os accionistas da Companhia das Lezírias do Tejo e Sado, S.A.R.L., e os accionistas de todas as demais sociedades donas de património fundiário.
Na realidade, não se deixou de acentuar naquele aresto que, estando em causa uma sociedade que apresentava determinadas peculiaridades que a diferenciavam de outras sociedades, era justificada a diferenciação de tratamento. Mas, se assim é, claro se torna que, tratando-se de accionistas de um sociedade de tal espécie, há justificação racional para a adopção de um tratamento diverso do que porventura foi, por outros diplomas legais, conferido aos accionistas de sociedades proprietárias de património fundiário, e isto, como é óbvio, a aceitar-se, quer a existência desses diplomas, quer que os mesmos regerem de modo diverso a situação desses accionistas.
Daí que, tendo em conta a argumentação constante do Acórdão nº
1167/96 e que levou à decisão no mesmo ínsita, a questão a decidir no vertente recurso pudesse ser considerada como «simples» e, por isso, justificativa da prolação da decisão sumária ora reclamada.
4. Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se os reclamantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa