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Processo n.º 405/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. AA e mulher vieram interpor recurso para este Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (2ª Subsecção) de 17 de Novembro de
1998, 'por entender que o douto acórdão violou o art. 25º n.º 1 L.P.T.A., que se encontra em desconformidade com o art. 268º n.º 4 C.R.P.'. Considerando que a 'questão que importa decidir é determinar se o acto recorrido
– deliberação de 16.07.96 da Câmara Municipal de Tábua que, segundo o recorrente, teria aprovado o projecto arquitectónico em causa e a licença de construção – é ou não um acto recorrível', o Acórdão ora recorrido discorreu sobre a matéria nestes termos:
'Com a revisão constitucional operada pela Lei 1/89 de 8 de Julho o art.º 268 n.º 4 da C.R.P. veio estabelecer ser garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesassem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos. A fórmula constitucional, cuja justificação se prendeu com a necessidade de alargar o âmbito da recorribilidade contenciosa dos actos administrativos, não veio, porém e posteriormente a ser interpretada no sentido de que qualquer acto lesivo de interesses ou direitos legalmente protegidos seria, de imediato, recorrível. Acentuaram, por exemplo, Gomes Canotilho e Vital Moreira (C.R.P., 3ª edição, pág. 939) que o acto lesivo recorrível teria que ser um acto administrativo com idoneidade para produzir efeitos imediatamente lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos. Outros acentuaram, (Vieira de Andrade e Acórdão da 1ª secção do Tribunal Constitucional n.º 499/96, P. 383/93, de 20.3. l996), que a recorribilidade dos actos lesivos não dispensava a obrigatoriedade de impugnação hierárquica necessária. De todo o modo a garantia constitucional constante do art.º 268º n.º
4 da C.R.P. prende-se, na sua essência, com a necessidade de garantir uma garantia judicial efectiva, permitindo que os interessados possam reagir contenciosamente contra os actos que lesem os seus direitos, sem prejuízo, porém, de que só actos administrativos que produzam efeitos autónomos e imediatos, sejam desde logo, contenciosamente impugnáveis. O que pressupõe, desde logo, que os actos em causa sejam actos administrativos como ‘medida ou prescrição unilateral da Administração que produz directa, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros’
(Esteves de Oliveira, C.P.A., 2ª edição, pág. 550) ou na definição do C.P.A.
‘decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta’. O Decreto-Lei 445/91 de 20 de Novembro, posteriormente alterado parcialmente pelos D.L. 250/94 de 15 de Outubro, Lei 29/92 de 5 de Setembro e Lei 26/96 de 1 de Agosto, aprovou o regime de licenciamento de obras particulares. Segundo o artigo 1º n.º 2 do D.L. 445/91 o licenciamento engloba a totalidade da obra a executar, e a deliberação da câmara municipal sobre o pedido de licenciamento ‘incorpora a aprovação de todos os projectos apresentados’ (artigo
19º, n.º 3 do D.L. 445/91 de 20 de Novembro). Ainda segundo o n.º 2 do art.º 1º do D.L. 445/91 de 20 de Novembro, não pode ter início qualquer tipo de trabalho, da obra a executar, sem a aprovação do projecto de arquitectura. O que significa que aprovado o projecto de arquitectura o requerente do licenciamento pode, legitimamente, iniciar os trabalhos relativos a obra não licenciada. Esta faculdade de iniciar os trabalhos respeitantes à obra pretendida construir, não significa porém que o requerente do licenciamento que viu aprovado o projecto de arquitectura tenha qualquer direito a ver aprovada a obra final, ainda que execute as obras de acordo com o projecto de arquitectura apresentado. Efectivamente, se assim fosse, não faria sentido afirmar, como consta do n.º 3 do art.º 19º do D.L.
445/9l que a deliberação final incorporava a aprovação de todos os projectos apresentados. Sendo, embora, as decisões de aprovação do projecto de arquitectura e do projecto de especialidades efectuadas em momentos distintos, nada impede, designadamente, que em face dos projectos de especialidades apresentados, a resolução final que licencia a construção possa ter que alterar os parâmetros anteriormente aprovados para o projecto de arquitectura. O que tudo significa que com a aprovação do projecto de arquitectura, nem o particular interessado fica com o direito de construir a edificação cujo projecto de arquitectura foi aprovado, nem os interessados a quem a aprovação desse projecto de arquitectura possa eventualmente lesar, ficam, desde logo, com a possibilidade de atacar contenciosamente tal acto. É que, quanto ao requerente da obra, o mesmo com o projecto de arquitectura aprovado apenas fica com a faculdade de iniciar os trabalhos aprovados; quanto aos eventuais prejudicados com a aprovação do projecto de arquitectura, a lesão directa e imediata dos seus interesses e direitos legalmente protegidos só se vem a verificar, quando, através da deliberação final sobre todos os projectos apresentados e consequente licenciamento da construção, a Câmara Municipal, através do alvará de construção e licenciamento, reconhece a legalidade da construção a edificar. Com tal decisão a Câmara não só produz efeitos concreta, directa e individualmente, em relação ao requerente da obra, como estabelece efeitos vinculativos para os contra-interessados que, a partir daí, se não reagirem contenciosamente contra tal decisão, ficam prejudicados imediata e definitivamente. No caso ‘sub judice’ o ora recorrente viu ter sido aprovada em reunião de
16.07.1996 o projecto de arquitectura da obra em causa. Tendo apresentado reclamação dessa aprovação em 30.9.96 veio a verificar-se que a Câmara Municipal de Tábua em 11.10.1996 deliberou deferir os projectos de especialidade e emitiu o alvará de construção, licenciando a obra em 14.10.1996, nele se referindo, expressamente, que a obra respeitava o P.D.M.. Deste modo, o acto de aprovação do projecto de arquitectura, inserido no procedimento que levou à emissão do alvará de licenciamento e construção, não revestiu, perante este acto final, autonomia funcional, nem teve desde logo, eficácia lesiva e imediata na esfera jurídica do recorrente. O acto que aprovou o projecto de arquitectura, foi, assim e apenas, um acto potencialmente lesivo dos interesses do recorrente, que só viu ser lesados efectiva e imediatamente os seus interesses com o licenciamento da obra. Este último acto é que acabou por definir, concreta e individualmente, a situação jurídica do requerente da obra, afirmando a legalidade da obra para com o P.D.M. e foi igualmente este último acto que tem idoneidade para produzir efeitos jurídicos lesivos imediatos em relação ao ora recorrente.' Em consequência, concluiu-se no Acórdão que:
'garantido que estava ao recorrente, para efectiva tutela dos seus direitos e interesses o recurso contencioso contra a decisão efectivamente lesiva dos seus direitos e interesses, o recurso contencioso interposto contra o acto recorrido, que não tem as características de lesividade, imediata e directa e autonomia funcional, só poderia ter sido rejeitado, como o foi, pela decisão recorrida, que, como tal não violou o invocado artigo 268º n.º 4 da C.R.P.'
2. Em alegações que apresentaram neste Tribunal, concluíram assim os recorrentes:
'1) O art. 268º n.º 4 C.R.P., ao garantir aos administrados a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, veio reforçar e aumentar as garantias de defesa dos particulares contra os actos de Administração Pública, que antes da revisão constitucional operada em 1989 encontravam-se bastante limitados.
2) Constitui entendimento pacífico na doutrina que existem actos administrativos que, apesar de não constituírem a última palavra da Administração Pública na sequência do procedimento administrativo, são de per si idóneos, desde que executados de modo a lesar a esfera jurídica dos administrados, possuindo tais actos os requisitos da noção de acto administrativo que nos é dada pelo art.
120º C.P.A.
3) Ao opinar que a nova fórmula constitucional não veio a ser interpretada no sentido de que qualquer acto lesivo de interesses ou direitos legalmente protegidos seria de imediato recorrível, o Tribunal a quo mais não fez do que uma interpretação restritiva do art. 268º n.º 4 da C.R.P., desaconselhável quando estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos.
4) O art. 268º n.º 4 C.R.P., ao prever a impugnação por parte dos particulares de quaisquer actos administrativos que os lesem, coloca a tónica da recorribilidade ao nível da lesão das posições subjectivas dos particulares, entendendo-se por lesão a violação de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica. Neste sentido, cfr. Santos Botelho, in op. cit., pp. 19 e ss.
5) Em primeiro lugar, os actos a que se refere o preceito constitucional em apreço, é que se trate de um verdadeiro acto administrativo, isto é, das decisões dos órgãos da Administração Pública que, ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos numa situação individual e concreta (cfr. art.
120º C.P.A.).
6) Fazendo uma interpretação extensiva desse mesmo preceito constitucional, a garantia de recurso contencioso estende-se ‘(...) aos actos preparatórios ou um acto administrativo ainda em formação são idóneos para produzir efeitos imediatamente lesivos e, por conseguinte, efeitos externos, então esses actos preparatórios têm já efeitos próprios de uma acto administrativo, sendo susceptíveis de impugnação contenciosa' – Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 939).
7) De acordo com o ensinamento dos Ilustres Constitucionalistas, a aprovação de um projecto de arquitectura num procedimento urbano, mesmo antes da sua aprovação, é um acto contenciosamente impugnável, se a obra causar danos aos proprietários dos prédios vizinhos, danos esses que lesem direitos ou interesses protegidos destes. Isto porque os arts. 1º n.º 2 e 18º D.L. n.º 445/91, de 22/11 permitem ao dono da obra iniciar a execução mesmo antes da Câmara Municipal ter emitido a respectiva licença de construção, e tal obra poder causar danos, quer sobre o(s) prédio(s) vizinho(s), quer na esfera jurídica do(s) proprietário(s) desse mesmo(s) prédio(s).
8) Para efeitos de recurso contencioso de actos administrativos a que se refere o art. 268º n.º 4 C.R.P., ao equiparar-se actos idóneos para produzir efeitos lesivos na esfera jurídica dos particulares com actos definitivos e executórios a que se refere o art. 25º n.º 1 L.P.T.A., isto é, aqueles que traduzem a última palavra da Administração Pública na sequência de um procedimento administrativo, está-se a limitar as garantias de defesa dos particulares contra os actos da Administração, e, por conseguinte, a violar o disposto no art. 268º n.º 4 C.R.P.
9) No caso sub judice, o art. 25º n.º 1 L.P.T.ª, tal como foi interpretado e aplicado no Tribunal a quo, é inconstitucional, porque viola o disposto no art.
268º n.º 4 C.R.P., tendo em conta o conceito de inconstitucionalidade que é dado pelo art 277º n.º 1 C.R.P., o que o torna inválido, uma vez que, nos termos do art. 3º n.º 3 C.R.P., a validade das leis depende da sua conformidade com a Constituição.' Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Preliminarmente, entende-se que não deve deixar-se de tomar de conhecimento do presente recurso por os recorrentes imputarem também à própria decisão recorrida a inconstitucionalidade impugnada – o que fazem no seu requerimento de interposição de recurso ('o douto acórdão violou o artigo 25º n.º 1 da L.P.T.A., que se encontra em desconformidade com o art. 268º n.º 4 C.R.P.' – sublinhado aditado). Na verdade, a forma como suscitaram a questão de constitucionalidade durante o processo deixou transparecer a imputação da inconstitucionalidade à própria norma do n.º 1 do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Nesses termos deve igualmente ser entendido o requerimento de recurso, no qual se refere, ainda, além da violação do artigo 25º n.º 1, da citada Lei, que este
'se encontra em desconformidade com o artigo 268º, n.º 4, da Constituição da República.'
4. Diga-se ainda, porém, que pode duvidar-se de que a decisão a proferir no presente processo se possa projectar utilmente na satisfação dos interesses dos recorrentes – embora, por outro lado, tal não acarrete necessariamente inutilidade superveniente do presente recurso, pois a decisão pode influir na apreciação da questão de fundo relativa ao acto de aprovação do projecto de arquitectura. Na verdade, posteriormente à aprovação do projecto de arquitectura que foi – infrutiferamente, diga-se – impugnada contenciosamente, sobreveio a aprovação dos projectos apresentados, consubstanciada na deliberação final a que se refere o n.º 3 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, bem como o licenciamento da construção. Com essa deliberação final e o consequente licenciamento, constituíram-se direitos a favor do beneficiário, que não serão sustidos por uma reapreciação contenciosa de uma decisão prévia ou preliminar, como o é a da aprovação do projecto de arquitectura. Mas sendo assim, então a decisão da questão de constitucionalidade suscitada – a da necessária recorribilidade ou não da deliberação de aprovação do projecto de arquitectura – deixa de bastar aos recorrentes, tão logo se profere deliberação de aprovação dos projectos de especialidade e se emite o alvará de construção. A partir desse momento, os recorrentes só obterão a satisfação dos seus interesses impugnando estes últimos actos, sendo a impugnação de qualquer dos actos prévios, só por si e desacompanhada da impugnação deste acto final, insusceptível de alterar a situação dos recorrentes e dos recorridos. Poderá duvidar-se, pois, de que a decisão que o Tribunal profira, mesmo que favorável aos recorrentes, se projecte utilmente sobre o interesse destes, embora tal decisão seja, de toda a forma, relevante para a apreciação da questão da recorribilidade do acto de aprovação do projecto de arquitectura, pelo que se manterá o interesse quanto a este.
5. Cumpre notar que a questão posta no presente recurso não é nova, tendo já o Tribunal Constitucional entendido, quanto as actos administrativos meramente preparatórios (designados tradicionalmente como horizontalmente e materialmente não definitivos), e, como tal, insusceptíveis de recurso contencioso, que a mesma norma do artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho
(LPTA), não é inconstitucional. Fê-lo nos Acórdãos n.ºs 9/95 e 115/96
(publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 22 de Março de
1995 e de 6 de Maio de 1996). Há que reiterar no presente recurso de constitucionalidade a orientação então seguida, que, como também já se decidiu, não é, aliás, infirmada pelas alterações introduzidas no texto do artigo 268º, n.º 4, da Constituição, pela revisão constitucional de 1997. Após a Lei Constitucional n.º 1/97, este artigo 268º, n.º 4 reconhece o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, incluindo, nomeadamente, a impugnação de quaisquer actos administrativos que lesem os administrados, independentemente da sua forma. Tal norma contém uma garantia de protecção jurisdicional de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Dela decorre, designadamente, a
'inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares', bem como um dever de configuração adequada dos instrumentos de tutela judicial já existentes (assim, J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra, 1998, pág. 457). Todavia, da consagração desta garantia de protecção jurisdicional, dirigida à protecção dos particulares através dos tribunais, e deste direito de impugnação dos actos administrativos lesivos, não tem de decorrer a impossibilidade de condicionamento, pelo legislador, de tal recurso contencioso à existência de uma necessidade concreta de protecção judicial do particular – ou, o que é o mesmo, não decorre uma obrigatória impugnabilidade jurisdicional imediata de todos os actos, ainda que mediatamente lesivos, independentemente de se tratar de um acto que traduza a última palavra da Administração. Neste sentido pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 676/98
(inédito), pela não inconstitucionalidade da norma do artigo 25º, n.º 1, da Lei de Proce sso nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de considerar irrecorríveis contenciosamente as resoluções da Caixa Geral de Aposentações que decidam, desfavoravelmente às pretensões dos interessados, os pedidos de contagem prévia de tempo de serviço para efeitos de aposentação, precisamente por se ter aí considerado tratar-se de um acto horizontalmente não definitivo – na sequência dos citados Acórdãos n.ºs 9/95 e 115/96. Aliás, há mesmo quem defenda que da eventual adopção pelo legislador ordinário de um conceito estrito de acto administrativo não resulta a inviabilização, ou, sequer, a inadequação da tutela dos direitos e interesses dos particulares, 'já que, ao contrário do que acontecia antes, não é necessária (nem conveniente) a sua ampliação para propiciar ao particular uma protecção judicial, visto que os cidadãos têm sempre direito a uma tutela judicial efectiva por via das acções administrativas, que lhes podem oferecer mais vantagens que o recurso contencioso – J.C. Vieira de Andrade, A justiça administrativa (Lições), Coimbra, 1999, pág. 99. Apenas se requer que exista, para propiciar ao particular uma protecção judicial, uma efectiva e definitiva lesão dos seus interesses. Como se pode ler no citado Acórdão n.º 9/95:
'[...] O sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é, portanto, este: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direitos ou interesses apenas potencial.'
6. Pois bem: no caso concreto, o que, justamente, acontece é que o acto de que se interpôs recurso contencioso de anulação não representa a última palavra da Administração na matéria, produzindo efeitos preparatórios próprios de um acto procedimental que podem ser modificados através do acto conclusivo do procedimento. Um acto administrativo como o do presente caso – de aprovação de um projecto de arquitectura –, inserido num procedimento que conduz à emissão de outro acto administrativo final (o alvará de licenciamento e construção), enquanto acto funcionalmente não autónomo porque susceptível de ser alterado, não deve ser destacado do procedimento administrativo, pois não se reveste de autonomia quanto a eventuais efeitos lesivos. O acto administrativo em que culmina o procedimento administrativo é que lesa directamente o particular, consumindo, pela afirmação da legalidade das obras a efectuar, os efeitos produzidos pelo anterior acto – não sendo, aliás, exacto, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, que com a aprovação do projecto de arquitectura o particular possa iniciar imediatamente as obras A reacção contra uma lesão eventualmente resultante do acto de aprovação do projecto de arquitectura (pelo começo das obras por parte do requerente), não tem pois, por força da norma constitucional, que poder efectivar-se imediatamente através do recurso aos tribunais, antes sendo legítima – pelo menos, após o acto administrativo final – a exigência pelo legislador de que tal reacção seja dirigida contra o acto em que vem a culminar o procedimento administrativo.
É certo que a natureza do acto de aprovação do projecto de arquitectura é discutida. No sentido de que o acto de aprovação do projecto de arquitectura 'é um acto preliminar, que tem apenas uma função instrumental e pré-ordenada à produção do acto final-principal, definidor e constitutivo do licenciamento da obra' (...)
'esgotando-se nessa vocação auxiliar, com ausência de autonomia principal para, por si próprio e desde logo, ter eficácia lesiva e imediata na esfera jurídica dos contra-interessados no licenciamento' (não podendo, portanto, ser contenciosamente impugnado) vai a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (as citações são do Acórdão da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Maio de 1998 proferido no Proc. n.º 43 497 e que transcrevia neste ponto um anterior acórdão do mesmo Tribunal de 21 de Março de
1996, tirado no recurso n.º 39 097, referindo ainda, no mesmo sentido, os Acórdãos de 9 de Maio de 1996, proferido no recurso n.º 40 100, e de 10 de Abril de 1997, referente ao recurso n.º 39 573. Na doutrina, considera-se (assim, em anotação ao acórdão primeiro indicado, Fernanda Paula Oliveira, in Cadernos de Justiça Administrativa n.º 13, Janeiro/Fevereiro de 1999, pp. 51-57), por exemplo, que as aprovações de projectos de arquitectura consubstanciam antes actos prévios, na medida em que se pronunciam, 'sobre um conjunto de condições de um modo final e vinculativo para a Administração, embora não possuam efeitos permissivos, pelo que o respectivo destinatário não pode ainda, ao abrigo deste, exercer o direito.' Esta posição, porém, não deixa de culminar em conclusão idêntica à da jurisprudência administrativa quanto à impossibilidade de os contra-interessados impugnarem contenciosamente o acto de aprovação do projecto de arquitectura, com fundamento em que, produzindo embora 'efeitos jurídicos externos, a verdade é que esses efeitos se limitam ao requerente da licença de construção, pelo que tal acto não tem eficácia imediata e, por isso, lesiva da esfera jurídica dos contra-interessados no licenciamento.' Segundo uma outra posição (João Gomes Alves, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 17, Setembro/Outubro de 1999, pp. 13-16, em anotação ao já supra referenciado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Maio de 1998), o acto de aprovação do projecto de arquitectura é lesivo, embora só seja 'eficaz com a emissão da respectiva licença de construção, em virtude do disposto no n.º
3 do artigo 20º do citado Decreto-Lei n.º 445/91, do teor seguinte:
'A deliberação de deferimento do pedido de licenciamento consubstancia a licença de construção e incorpora a aprovação de todos os projectos apresentados.' O acto em causa estaria, assim, 'sujeito a uma fase integrativa de eficácia, pelo que só a partir da emissão da respectiva licença é que produz os seus efeitos e, consequentemente, poderá ser impugnado pelos contra-interessados vizinhos.' Ora, logo o reconhecimento desta 'eficácia diferida por disposição legal' para o acto de aprovação do projecto de arquitectura explica que o seu controlo jurisdicional, ainda que admissivelmente contemplado no artigo 286º, n.º 4, da Constituição (e no artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo) não seja necessariamente imposto por ele (mesmo quem o defende não deixa, aliás, de reconhecer de pronto algumas dificuldades, relacionadas com contagem do prazo para reacção, e a possível duplicação de reacções contra o acto prévio e contra o acto final), em termos de o legislador não poder prever apenas o recurso contra o acto final de licenciamento, sem violação da Constituição. Como se disse, entende-se a tutela jurisdicional efectiva dos administrados não resulta, nem inviabilizada – nem, sequer, ilegitimamente restringida – pela exigência legal que impõe que o acto administrativo impugnado defina, com carácter definitivo, a situação jurídica do interessado. Trata-se, é certo, de um condicionamento, mas de um condicionamento que o legislador pode impor, por não ser excessivo, do direito de recurso contencioso, sendo certo que, podendo recorrer-se contenciosamente desse acto definitivo, não se viola a garantia constitucional de impugnação contenciosa dos actos administrativos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrada agora no artigo 268º, n.º 4 da Lei Fundamental. A exigência legal poderá, na perspectiva do legislador, justificar-se eventualmente pela conveniência em evitar a autonomização para efeitos de reacção judicial de 'todo e qualquer acto que não esteja a concretizar lesões, todo o acto que no procedimento serve apenas actos de primeira grandeza' (Rogério E. Soares, 'O acto administrativo' in Scientia Iuridica, tomo XXXIX, 1990, pág. 32). E não se apresenta como violadora da garantia constitucional de tutela dos direitos e interesses legítimos dos particulares, ou da garantia de tutela judicial efectiva, sempre salvaguardada a possibilidade de reacção contra o acto conclusivo do procedimento. Remetendo para os fundamentos invocados nos citados Acórdãos n.ºs 9/95, 115/96
676/98, há, pois, que negar provimento ao presente recurso. III. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a norma do artigo 25º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, interpretada no sentido de não admitir recurso contencioso contra o acto de aprovação do projecto de arquitectura; b. Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita; c. Condenar os recorrentes em custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto aposta no Acórdão nº 115/96, de 6 de Maio de 96) Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto aposta no acórdão nº 9/95 – DR. II Série, nº 69, de 22 de Março de 1995) José Manuel Cardoso da Costa