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Proc. nº 322/94
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1 – M... (ora recorrente) interpôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa recurso contencioso do despacho do Director dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Aposentações (ora recorrido), de 30 de Abril de 1994, que lhe fixou a pensão definitiva em 272.700$00.
2 - O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de 27 de Novembro de 1992, considerou-se territorialmente incompetente para conhecer da questão e ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo do Porto.
3 – Já nesse Tribunal a recorrente apresentou alegações, que concluiu da seguinte forma:
'1ª) Atento o exposto, a única interpretação que, em boa técnica jurídica, se adequa e não contende com o texto do art. 27º/1 do DL nº 409/89 é aquela que compreende o «período de condicionamento» como vigente até ao ano de 1992, pelo que;
2ª) À recorrente deve ser reconhecido o direito a perceber pensão de aposentação calculada pela remuneração correspondente ao escalão imediatamente superior ao por si ocupado durante aquele mencionado período (10º escalão), sob pena de,
3ª) Sufragando-se o entendimento da Recorrida, o aludido preceito legal resultar ferido de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição do arbítrio'.
4 – A entidade recorrida, por sua vez, disse a concluir as alegações que apresentou:
'1ª - A expressão «período de condicionamento», contida no nº 1 do artigo 27º do DL nº 409/89, de 18 de Novembro, tem o mesmo significado com que foi utilizada na generalidade dos estatutos remuneratórios estabelecidos em desenvolvimento dos princípios instituídos pelo DL nº 184/89, de 2 de Junho, isto é, condicionamento da progressão nos escalões da nova estrutura de carreira;
2ª - No âmbito do DL nº 409/89, o período de condicionamento da progressão terminou em 31 de Dezembro de 1990, nos termos do nº 2 do art. 23º deste diploma;
3ª - As regras de transição para o novo sistema retributivo estabelecidas no DL nº 409/89 encontram-se fixadas nos artigos 14º a 20º deste diploma em termos que não admitem, em caso algum, que o escalão de integração seja superior ao 7º.
4ª - Por força do disposto no estatuto aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28 de Abril, e na Portaria nº 1218/90, de 19 de Dezembro, a ora recorrente progrediu ao 8º escalão em 1 de janeiro de 1991.
5º - assim, à data do facto determinante da sua aposentação, a Recorrente encontrava-se posicionada, no activo, em escalão superior ao fixado para o período de condicionamento, razão pela qual não podia beneficiar do regime excepcional estabelecido no art. 27º do DL nº 409/89.
6ª - Aliás, conforme prescreve expressamente o art. 129º do estatuto aprovado pelo DL nº 139-A/90, de 28 de Abril, a sua progressão ao 10º escalão nunca poderia ocorrer antes de 1992, sendo certo que, nos termos do nº 1 do art. 6º do mesmo diploma, o disposto no referido Estatuto prevalece sobre quaisquer normas, gerais ou especiais.
7ª - A decisão recorrida traduz, pois, a correcta interpretação e aplicação da lei e não está ferida de quaisquer vícios.
8ª - A posição que a autoridade recorrida vem expendendo sobre o assunto encontra-se apoiada pelo Supremo Tribunal administrativo, tendo começado a firmar-se jurisprudência, citando-se, entre outros, os acórdãos da 1ª Secção (1ª Subsecção) nºs 31420, de 11 de Março de 1993 (...) e 31424, de 1 de Abril de
1993 (...)'.
5 – O Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, por decisão de 26 de Outubro de 1993, decidiu negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter o acto recorrido.
6 – Inconformada com o teor desta decisão a recorrente agravou para o Supremo Tribunal Administrativo. Nas conclusões que então apresentou sustentou, a concluir:
'1ª) A interpretação conjugada do DL nº 409/89, do DL nº 139-A/90 e da Portaria nº 1218/90, diplomas que constituem entre si um todo legislativo, conduz ao entendimento do «período de condicionamento» referido no art. 27º, nº 1, do DL nº 409/89 como sendo o período compreendido entre 01/10/89 e 31/12/91.
2ª) A interpretação que, da dita norma legal, se faz na douta decisão recorrida não se conforma com o comando constitucional constante do art. 13º da CRP pelo, que, com esse entendimento, o art. 27º/1 do Dl nº 409/89 resultaria ferido de inconstitucionalidade.
3ª) A interpretação indicada na conclusão 1ª) supra é aquela que melhor se adequa aos imperativos constitucionais, pelo que, nem que seja por via de uma interpretação correctiva, sempre o seu sentido deverá prevalecer sobre o entendimento constante da douta decisão recorrida'.
7 – Igualmente notificada para alegar a entidade recorrida remeteu, em síntese, para o teor das alegações que já havia apresentado junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto.
8 – O Supremo Tribunal Administrativo, por decisão de 3 de Maio de 1994, decidiu negar provimento ao recurso. Sobre a alegada inconstitucionalidade do artigo
27º, nº 1 do Decreto-Lei nº 409/89, ponderou aquele Tribunal:
'Pretende a recorrente que a interpretação por ela dada ao art. 27º nº 1 do DL
409/89 é a que melhor se adapta aos princípios constitucionais. Certo é, porém, que a interpretação conforme à Constituição não dispensa a prévia observância dos critérios consignados no art. 9º do Código Civil: e, como se demonstrou, para além da letra da disposição o seu espírito e o seu enquadramento sistemático, não deixam margem para outro sentido que eventualmente melhor se ajustasse à Constituição. Por outro lado, sendo correcta a interpretação dada ao preceito, não se vê que ele ofenda a CRP. Com efeito, a circunstância de a recorrente ter atingido o limite de idade em
1991 – o que não lhe permitiu, face ao regime legal vigente ascender ao 10º escalão (só possível em 1992) – é mera contingência insusceptível de por em causa a inconstitucionalidade da norma. Assegurada uma clara melhoria do sistema retributivo do pessoal docente – de que a recorrente também beneficiou – e estabelecido um período transitório em que ponderosas razões de ordem orçamental aconselharam uma progressão faseada nos escalões então criados, inevitável seria sempre que circunstâncias pessoais
(como é o caso de se atingir, entretanto, o limite de idade) implicassem uma diferença nos benefícios (que sempre o foram) colhidos pelo pessoal docente abrangido pelo novo sistema. Levada ao absurdo a argumentação da recorrente, teria de se concluir que o novo sistema seria inconstitucional por nele não poder ser contemplado pessoal que tivesse atingido o limite de idade antes da entrada em vigor desse novo sistema
– e isto, parafraseando a recorrente, só por se ter nascido dois ou três anos antes... Resta acrescentar que a pretensão da recorrente é que levaria a desigualdades arbitrárias, permitindo que, em 1991, um docente se aposentasse no 10º escalão, quando, no activo, só o poderia atingir em 1992'.
9 - É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente ver apreciada, nos termos do respectivo requerimento de interposição, a constitucionalidade da norma legal vertida no artigo 27º, nº 1 do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida.
10 – Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1ª) A norma legal vertida no artigo 27º, nº 1 do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, integra-se num todo legislativo constituído por aquele Decreto-Lei, pelo «Estatuto da Carreira Docente» e pela Portaria nº 1218/90, destinado a regulamentar a nova estruturação da Carreira Docente e o respectivo estatuto remuneratório.
2ª) A faculdade de, ocorrendo a aposentação em data anterior a 31/12/91, a competente pensão de aposentação ser calculada com base na remuneração correspondente ao escalão superior ao fixado para o docente aposentado durante o período de condicionamento, destinava-se a corrigir as desigualdades geradas pelo regime transitório estabelecido no DL nº 409/89, em função do qual os Docentes com maior antiguidade e que se encontravam no topo da anterior Carreira se viram integrados em escalões intermédios da nova carreira, juntamente com Docentes menos habilitados e inferior tempo de serviço.
3ª) Para além do referido artigo 27º/1 do DL nº 408/89, também o artigo 129º do
«Estatuto da Carreira Docente» e a Portaria nº 1218/90 vieram estabelecer medidas correctivas das desigualdades apontadas na conclusão precedente, designadamente permitindo a faculdade de a pensão de aposentação ser calculada com base no escalão seguinte, mesmo para as aposentações ocorridas no ano de
1992.
4ª) Em face da interpretação emprestada no douto acórdão recorrido ao artigo
27º/1 do DL nº 408/89, esta norma exclui da faculdade de aposentação por remuneração correspondente ao escalão superior as aposentações ocorridas durante o ano de 1991 – como é o caso da recorrente – mas admite tal faculdade para as aposentações ocorridas no ano de 1990 e, através da Portaria nº 1218/90, também para as aposentações ocorridas no ano de 1992.
5ª) Deste modo, e mediante tal interpretação, o artigo 27º/1 do DL nº 408/89 estabelece um diferenciado regime de acesso aos escalões superiores da carreira para Docentes que foram igualmente prejudicados pela aplicação do regime transitório estatuído naquele diploma legal, a todos tendo penalizado, na fase transitória, e só a alguns beneficiando, na fase definitiva.
6ª) Para mais, e porque se traduz na omissão de uma medida correctiva das desigualdades apontadas na conclusão 2ª) supra, a interpretação pelo douto acórdão recorrido emprestada ao preceito legal em questão contribui para perpetuar no tempo as referidas desigualdades, sem que haja qualquer razão justificativa para a diferenciação no tratamento dispensado a situações que em tudo são equivalentes.
7ª) Viola, pois, a norma contida no artigo 27º/1 do DL nº 408/89, atenta a interpretação que dela é feita no douto Acórdão recorrido, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, nas suas vertentes do Direito a Tratamento Desigual, da Proporcionalidade de actuação e da Proibição do Arbítrio'.
11 – Igualmente notificada para alegar a entidade recorrida veio sustentar, em síntese, que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, designadamente no que se refere ao juízo de constitucionalidade que nele se formulou.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
12 – O correcto entendimento da questão de constitucionalidade que vem colocada
à consideração deste Tribunal exige que se considere a norma do artigo 27º nº 1 do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, enquanto inserida no contexto mais alargado do novo sistema de carreiras docentes e respectivo estatuto remuneratório instituído a partir de 1989.
É, pois, por aqui que começaremos. Com o objectivo declarado de «criar condições à Administração para recrutar, manter e desenvolver os recursos humanos necessários à consecução das suas missões» o Governo fez publicar o Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho, diploma que definiu um conjunto de princípios gerais aplicáveis em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal. Ai se estabelecia, designadamente, um novo regime retributivo da função pública, no âmbito do qual a remuneração base se determinaria por referência a um índice correspondente à categoria e escalão em que o funcionário se encontrasse posicionado. Na sua sequência foi depois publicado o Decreto-Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro, que substituiu a anterior tabela de letras de vencimento por escalas indiciárias, correspondendo a remuneração base mensal de uma categoria e escalão a determinado índice. No mesmo diploma (art. 28º) remeteu-se para legislação própria a fixação das escalas salariais de alguns corpos especiais, entre os quais se incluíam as carreiras docentes (art. 16º, nºs 1 e 2 al. d) do Decreto-Lei nº 184/89).
É então que surge o Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro - diploma em que se insere a norma cuja constitucionalidade vem questionada -, que tem por objecto, nos termos do seu artigo 1º, aprovar a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e estabelecer as normas relativas ao seu estatuto remuneratório. O novo regime resultante Decreto-Lei nº 409/89 pode sintetizar-se – como, bem, fez a decisão recorrida, que seguimos de muito perto neste ponto – nos seguintes aspectos essenciais: i) passou a existir uma única carreira com 10 escalões (módulos de tempo de serviço docente a que correspondem na respectiva escala indiciária posições salariais hierarquizadas), dentro da qual existem diversos níveis remuneratórios
(cada uma das posições remuneratórias criadas no âmbito de um mesmo escalão
(arts. 4º, 8º e 12º); ii) a progressão de um para o outro escalão faz-se por decurso de tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes, por avaliação de desempenho e pela frequência com aproveitamento de módulos de formação (art. 9º, nº 1); iii) o acesso ao 8º escalão depende da aprovação em processo de candidatura, no decurso do 6º ou 7º escalões, em termos a regulamentar por portaria do Ministério da Educação (art. 10º, nº 1); iv) os docentes que não se candidatassem ou não viessem a ser admitidos até ao termo do 7º escalão progrediriam neste automaticamente, por níveis remuneratórios, após três anos no nível anterior (art. 8º, nº 3). No que respeita às regras de transição do anterior para o novo regime, importa aqui especialmente destacar as seguintes: i) o pessoal docente do nível de qualificação mais elevado (nível 1) e da última fase (6ª fase) transitaria para o nível remuneratório mais elevado do último escalão então imediatamente acessível, o 7o escalão (art. 24º, nº 1); ii) a progressão nos escalões ocorreria apenas a partir de 1 de Janeiro de 1991, estando, até lá, sujeita a um período de condicionamento (art. 23º, nº 2); Porém, nas situações de condicionamento na progressão das carreiras a que se refere o artigo 23º, nº 2 (a que imediatamente supra fizemos referência) o legislador facultou a aposentação em condições mais favoráveis do que as que resultariam da aplicação directa da lei, permitindo que o docente se aposentasse pelo escalão imediatamente superior ao que resultava do condicionamento, na condição de que a ele pudesse aceder pelas regras dinâmicas de progressão na carreira.
É neste contexto que surge a norma cuja constitucionalidade ora é questionada, o artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 408/89, de 18 de Novembro, que dispõe da seguinte forma:
Artigo 27º
(Regime de aposentação excepcional)
1 – Os docentes que, por limite de idade ou por sua iniciativa, se aposentarem até 31 de Dezembro de 1991, terão a sua pensão calculada sobre a remuneração correspondente ao escalão seguinte ao fixado para o período de condicionamento, desde que o docente a ele já se pudesse candidatar ou aceder, de acordo com as normas dinâmicas da carreira docente.
Posteriormente ao Decreto-Lei nº 409/89, foi publicado o Decreto-Lei nº
139-A/90, de 28 de Abril, que aprovou o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básicos e Secundário. Com relevo para os autos importa referir o artigo 129º, nº 3, que dispõe como segue: Artigo 129º Dispensa de candidatura
1 – (...)
2 – (...)
3 – Os professores dos ensinos preparatório e secundário que, à data da transição para a nova estrutura da carreira, possuam 29 ou mais anos de serviço docente ou equiparado são dispensados da candidatura, progredindo ao 9º escalão em 1991 ou em 1992, consoante tenham ou não realizado com sucesso as provas de exame de Estado previstas no Decreto nº 36 508, de 17 de Setembro de 1947, e legislação subsequente.
4 – (...)
Definido, nas suas linhas essenciais, o quadro legal com relevo para os autos em vigor no momento do despacho do Director dos Serviços de Previdência da Caixa Geral de Aposentações (ora recorrido), que fixou a pensão definitiva da recorrente, bem como no momento em que foi proferida a decisão recorrida, importa agora determinar a interpretação normativa do artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 408/89, de 18 de Novembro, efectivamente aplicada pela decisão recorrida e que, ao menos na perspectiva da recorrente, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade. Importa, em suma, o que faremos de seguida, delimitar com rigor o objecto do recurso.
13 – Em virtude da aplicação à recorrente do regime previsto no artigo 129º, nº
3, do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, a que supra já fizemos referência, a mesma acedeu, em 1 de Janeiro de 1991, ao 9º escalão, uma vez que
à data da transição para a nova estrutura da carreira docente possuía já mais de
29 anos de serviço docente e tinha realizado com sucesso as provas de exame de Estado a que se faz referência naquele preceito. Assim, à data em que atingiu o limite de idade para a aposentação, em 1 de Fevereiro de 1991, já se encontrava posicionada em escalão superior (no 9º escalão) ao que lhe tinha sido fixado para o período de condicionamento a que se refere o artigo 23º, nº 2, do Decreto-Lei nº 409/89 (7º escalão). Em face dessa situação entendeu-se na decisão recorrida que não era de aplicar ao caso o regime previsto no artigo 27º do Decreto-Lei nº 409/89, por essa aplicação não se mostrar favorável à recorrente, uma vez que da sua aplicação resultaria que a recorrente veria a sua pensão de aposentação calculada sobre a remuneração correspondente ao 8º escalão (o escalão seguinte ao fixado para o período de condicionamento a que se refere o artigo 23º, nº 2) quando de facto ela já se encontrava posicionada, à data em que atingiu o limite de idade, no 9º escalão, por força da aplicação do regime entretanto instituído pelo artigo
129º, nº 3, do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril. Tal decisão de não aplicação à recorrente do regime previsto no artigo 27º do Decreto-Lei nº 409/89 assentou num determinado entendimento do significado da expressão «período de condicionamento» utilizada nesse preceito. Entendeu a decisão recorrida, na sequência da jurisprudência pacífica do STA, que quando aquele preceito se refere ao «período de condicionamento» pretende referir-se ao período de condicionamento nos escalões a que se refere o artigo 23º, nº 2, que terminou em 31 de Dezembro 1990. Está assim identificada a norma cuja constitucionalidade vem questionada pela recorrente:
É inconstitucional, designadamente por violação do princípio da igualdade, a norma do artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, quando interpretada no sentido de que o período de condicionamento a que nela se faz referência terminou em 31 de Dezembro de 1990 ? Na tese sustentada pela recorrente nas instâncias, o «período de condicionamento» a que se refere o artigo 27º, nº 1, terminou apenas em 31 de Dezembro 1991, caso em que à data em que a recorrente atingiu o limite de idade
(1 de Fevereiro de 1991) tal período ainda não tinha terminado, estando por isso em condições de beneficiar do regime previsto naquele artigo 27º, nº 1 - ver a sua pensão de aposentação calculada sobre a remuneração correspondente ao escalão seguinte (o 10º escalão) àquele em que a recorrente se encontrava à data em que atingiu o limite de idade para a aposentação (9º escalão) -. Importa, finalmente, ainda no contexto da delimitação do objecto do recurso, clarificar o seguinte. Em primeiro lugar que não cumpre ao Tribunal Constitucional tomar posição na querela que se suscitou entre a recorrente e a recorrida, optando por uma das possíveis interpretações do preceito em análise. Ao Tribunal Constitucional cumpre apenas apreciar e decidir se a norma que se extrai desse preceito, na interpretação por que efectivamente optou a decisão recorrida - segundo a qual o período de condicionamento a que nela se faz referência terminou em 31 de Dezembro de 1990 - está ou não de acordo com a Constituição, designadamente com o princípio da igualdade invocado pela recorrente. Em segundo lugar que em causa está só a norma do artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 409/89, e o regime que nela se estatuí, e não todo o Decreto-Lei nº 409/89 ou, de forma ainda mais ampla, todo o novo sistema de carreiras docentes e respectivo estatuto remuneratório instituído a partir de 1989. Em causa está, em suma, a apreciação de eventuais desigualdades, violadoras do preceituado no artigo 13º da Constituição, que sejam uma decorrência de quanto se estatui naquele artigo 27º, nº 1, e não eventuais desigualdades geradas por outras regras ou normas do novo regime. Delimitado, nestes termos, o objecto do recurso, resta finalmente decidir da constitucionalidade da norma que vem questionada pela recorrente.
15 - Alega a recorrente que a norma que se extrai do artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 409/89, na interpretação por que optou a decisão recorrida, é violadora do princípio da igualdade. Vejamos, em síntese, porquê. Concretamente alega a recorrente que tal norma 'exclui da faculdade de aposentação por remuneração correspondente ao escalão superior as aposentações ocorridas durante o ano de 1991 – como é o caso da recorrente – mas admite tal faculdade para as aposentações ocorridas no ano de 1990 e, através da Portaria nº 1218/90, também para as aposentações ocorridas no ano de 1992' (conclusão 4ª das alegações de recurso). Deste modo, ainda na perspectiva da recorrente,
'mediante tal interpretação, o artigo 27º/1 do DL nº 408/89 estabelece um diferenciado regime de acesso aos escalões superiores da carreira para docente que foram igualmente prejudicados pela aplicação do regime transitório estatuído naquele diploma legal, a todos penalizando, na fase transitória, e só a alguns beneficiando, na fase definitiva' (conclusão 5ª das alegações de recurso). O que dizer acerca desta tese ? Tem o Tribunal Constitucional afirmado, reiteradamente (veja-se, por último, o Acórdão nº 191/98, in Diário da República, II Série, de 24 de Julho de 1998), na esteira do que referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., I vol., p. 149, anotação IV), que o princípio da igualdade na ordem constitucional portuguesa, na dimensão da proibição do arbítrio - a dimensão do princípio da igualdade que agora pode estar em causa - constitui um limite externo da liberdade de conformação ou decisão dos poderes públicos, exigindo positivamente um tratamento igual de situações iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes. Em consequência, tem sido afirmado que existe infracção ao princípio da igualdade, nesta dimensão, quando os limites externos da 'discricionaridade legislativa' são violados, o que acontece quando a diferença de tratamento não se funda num adequado suporte material. O princípio da igualdade não proíbe, em absoluto, o estabelecimento de distinções, mas apenas daquelas que não tenham um fundamento razoável, objectivo e racional. Em síntese, pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva, nesta dimensão, do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamentação material bastante para a distinção, isto é, de razoabilidade e de consonância com o sistema jurídico (nesse sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1983, pp. 125 e ss, e Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 44/84, 231/94, 34/96 e 225/97, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 11 de junho e 28 de Abril de 1984, 29 de Abril de
1996 e 26 de Junho de 1997). Sendo este o sentido decisivo do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio, o artigo 27º, nº 1, Decreto-Lei nº 408/89, viola, nessa dimensão, aquele princípio ? Entendemos que não.
16 - O objectivo subjacente ao regime instituído pelo artigo 27º, nº 1, do Decreto-Lei nº 408/89, foi o de evitar que, por força do período de condicionamento na progressão dos escalões, os docentes que, por limite de idade ou por sua iniciativa se aposentassem até 31 de Dezembro de 1991, viessem a ser prejudicados pelo referido congelamento na progressão dos escalões ao verem a sua pensão calculada sobre a remuneração correspondente ao escalão que lhes tinha sido fixado para o referido período de condicionamento. Com esse objectivo facultou o legislador aos docentes - a todos os docentes - que à data da aposentação estivessem ainda posicionados - por força da vigência até 31 de Dezembro de 1990, do referido período de condicionamento - no escalão que lhes coube de acordo com as regras estabelecidas para o período de transição, a possibilidade de verem a sua pensão calculada sobre a remuneração correspondente ao escalão seguinte ao fixado para o período de condicionamento, desde que a ele já se pudessem candidatar ou aceder, de acordo com as normas dinâmicas da carreira docente. Dessa forma se eliminava – ou, pelo menos, mitigava – a desvantagem decorrente da vigência do período de condicionamento. Entendeu, porém, a decisão recorrida, por força da interpretação que fez do referido preceito, que tal faculdade já não era de aplicar aos docentes que, como é o caso da recorrente, à data da aposentação já não se encontrassem posicionados no escalão que lhe foi fixado para o período de condicionamento. Assim, a distinção que, na perspectiva da decisão recorrida, há que fazer - e que esta efectivamente fez, baseada numa determinada interpretação normativa daquele artigo 27º, nº1 -, não é entre docentes que se tenham aposentado em
1990, 1991, ou 1992 (como sugere a recorrente) mas entre docentes que na data da aposentação (desde que ocorrida até 31 de Dezembro de 1991) ainda estejam ou já não estejam posicionados no escalão que lhe foi fixado para o período de condicionamento previsto no artigo 23º, nº 2, do Decreto-Lei nº 409/89. Cabe então perguntar: a distinção que, na interpretação por que optou a decisão recorrida, há que fazer entre docentes que à data da aposentação ainda estejam ou já não estejam posicionados no escalão que lhe foi fixado para o período de condicionamento - para efeitos de concessão ou não da faculdade de aposentação por um escalão superior - é discriminatória ou arbitrária em termos de ter de se considerar que viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição? Manifestamente que não. A distinção pressuposta pela decisão recorrida, baseada numa determinada interpretação normativa do artigo 27º, nº1, não é puramente arbitrária ou discriminatória, assentando pelo contrário num critério material de distinção entre os dois tipos de situações capaz de inviabilizar a alegada violação do princípio da igualdade. É que, por força do preceituado no artigo 129º, nº 3, do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, a recorrente subiu, em 1 de Janeiro de
1991, do 7º para o 9º escalão, vendo por isso compensada, através de uma outra via ou mecanismo legislativo, ao menos em parte, o prejuízo decorrente da vigência do período de condicionamento. Essa circunstância torna a situação em que se encontrava a recorrente no momento em que atingiu a idade para a aposentação substancialmente diferente daquela que, na perspectiva da decisão recorrida, justifica a aplicação do «benefício» concedido pelo artigo 27º, nº 1; a saber: o docente ainda se encontrar por força do período de condicionamento, no momento em que atingiu a idade para a aposentação, colocado no escalão que lhe havia sido atribuído para o período de transição. Por outro lado – como, bem, sustenta a decisão recorrida – a circunstância de a recorrente ter atingido o limite de idade em 1991 – o que não lhe permitiu, face ao regime legal vigente, ascender ao 10º escalão (só possível em 1992) – 'é mera contingência insusceptível de pôr em causa a constitucionalidade da norma'. Como, bem, se demonstra na decisão recorrida 'assegurada uma clara melhoria do sistema retributivo do pessoal docente – de que a recorrente também beneficiou – e estabelecido um período transitório em que ponderosas razões de ordem orçamental aconselharam uma progressão faseada nos escalões então criados, inevitável seria sempre que circunstâncias pessoais (como é o caso de se atingir, entretanto, o limite de idade) implicassem uma diferença nos benefícios
(que sempre o foram) colhidos pelo pessoal docente abrangido pelo novo sistema. Levada ao absurdo a argumentação da recorrente, teria de se concluir que o novo sistema seria inconstitucional por nele não poder ser contemplado pessoal que tivesse atingido o limite de idade antes da entrada em vigor desse novo sistema
– e isto, parafraseando a recorrente, só por se ter nascido dois ou três anos antes...'. Por tudo o exposto, entendemos que a norma do artigo 27º, nº 1, do Decreto-lei nº 409/89, quando interpretada nos termos em que o fez a decisão recorrida, não encerra uma distinção arbitrária ou discricionária, violadora do princípio da igualdade. III - Decisão Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto ao juízo de constitucionalidade que nela se formulou. Lisboa, 23 de Junho de 1999- José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento Luís Nunes de Almeida