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Processo n.º 649/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. F... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 1999 e de 6 de Outubro de 1999.
No acórdão de 9 de Junho de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento a dois recursos interpostos pelo recorrente:
(a). um dos recursos foi interposto do acórdão do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Abrantes, que o condenou na pena única de 19 anos de prisão (17 de prisão, como autor de um crime de homicídio qualificado; 1 ano e 8 meses de prisão, como co-autor de um crime de ocultação e profanação de cadáver; e 1 ano e 6 meses de prisão, como autor de um crime de detenção de arma proibida);
(b). o outro recurso foi interposto de dois despachos ditados para a acta de folhas 1.152, relativa à sessão de julgamento realizada em 27 de Novembro de
1998, sendo que:
(b1). no primeiro desses despachos, a Juiz presidente do referido Tribunal Colectivo indeferiu um requerimento em que o mandatário do recorrente invocava a nulidade que, em seu entender, fora cometida, pelo facto de o arguido, depois de ter dito que não pretendia prestar declarações, ter sido mandado sair da sala de audiências enquanto os outros arguidos foram ouvidos; e, bem assim, com facto de, ao ser de novo introduzido na sala, a Juiz não o ter informado, ainda que resumidamente, do teor das declarações prestadas pelos outros arguidos;
(b2). no segundo despacho, a Juiz indeferiu o pedido de aclaração do primeiro despacho.
No acórdão de 6 de Outubro de 1999, o Supremo Tribunal de Justiça desatendeu a reclamação apresentada contra o acórdão de 9 de Junho de 1999, que, no entender do ora recorrente, enfermava da nulidade de omissão de pronúncia.
Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das seguintes normas:
(a). da norma constante do artigo 343º, n.º 4, do Código de Processo Penal,
'quando interpretada e aplicada' 'da forma que o fez o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que tal interpretação não assegura a plenitude das garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados';
(b). das normas constantes dos artigos 363º, 364º, 410º, 427º e 432º do mesmo Código, 'tal como foram interpretadas e aplicadas quer pelo acórdão da instância, quer por aquele Supremo Tribunal, por a respectiva leitura, individual ou integrada, os tornar materialmente inconstitucionais, por tal interpretação violar quer o disposto na 2ª parte do artigo 32º da Constituição da República e ainda o artigo 14º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos', pois 'aquele (alto) Tribunal, no seu já falado acórdão de 9 de Junho de 1999, entendeu não gozar de protecção constitucional o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto';
(c). da norma constante da alínea b) do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal, ' quando interpretado e aplicado no sentido que o fez o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja no de que a acusação pode ser passível de duas leituras, ‘corrigindo-se’ esta ambivalência em termos arbitrários, com base numa alegada ‘inaceitabilidade’ de uma das interpretações assacáveis a tal peça'.
O RECORRENTE concluiu como segue a alegação que apresentou neste Tribunal:
1. O Supremo Tribunal de Justiça, ao coonestar a interpretação e aplicação que a
1ª instância fez do disposto no n.º 4 do artigo 343º do Código de Processo Penal, tornou este normativo inconstitucional e, na verdade, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito,
2. diferentemente do entendimento sufragado pelas instâncias – instâncias, diz-se bem, pois o Supremo tribunal de Justiça, no sistema dito de revista alargada seria também um mero tribunal de instância – para que a referida norma se torne conforme ao programa constitucional, é mister lê-la, interpretá-la e aplicá-la de jeito a que a mesma dê um efectivo conhecimento – ainda que, naturalmente, sumário – ao arguido daquilo que se passou enquanto esteve ausente e, em concreto, das menções que foram feitas à sua pessoa e actuação e/ou comparticipação nos factos constantes da peça que fixe o objecto do processo. De resto,
3. a Meritíssima Juíza Presidente do Tribunal Colectivo, apesar de o vício ter sido, de imediato, suscitado, ao persistir no seu referido desenganado – da perspectiva jurídico-constitucional – entendimento, violou também o seu dever de lealdade processual ou, se se preferir, o princípio do fair trial, também ele consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República.
4. Como recentemente julgado por este Tribunal Constitucional, o sistema de revista alargada não se compagina com as exigências constitucionais, desde que o tribunal a quo não proceda ao exame crítico das provas produzidas
5. ónus decorrente de uma sadia concepção do dever de fundamentação das decisões judiciais, tal como decorrente quer do disposto no artigo 374º, n.º 2, no artigo
97º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal e no artigo 205º da Constituição da República. Ora,
6. por assim não ter feito o Tribunal de Círculo Judicial de Abrantes, no seu acórdão proferido nos autos e por não lho ter exprobado o Supremo Tribunal de Justiça, apesar de expressamente convocado para tal, resultou mal ferido constitucionalmente todo o chamado sistema de revista alargada
7. cuja pretensa amizade constitucional só poderia, justamente, julgar-se salvaguardada suposto o cumprimento iuxta modum de tal dever de motivação. Aliás,
8. ainda que assim não tivesse acontecido um tal sistema deveria considerar-se globalmente inconstitucional, por falta de densificação dele feita nas normas dos artigos 363º, 364º, 374º, 410º, 427º e 432º, todas do Código de Processo Penal. Com efeito,
9. este conjunto de normas, quando interpretado e aplicado nos termos correntes, viola não só o artigo 14º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, como o n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República. Finalmente,
10. a possibilidade de leitura correctiva, para efeitos interpretativos, da acusação, nos casos em que compita a esta peça fixar o objecto do processo, torna a alínea b) do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal materialmente inconstitucional, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República. Como assim,
11. reconhecendo V. Ex.ªs as acima denunciadas inconstitucionalidades, deve o presente recurso ser julgado procedente e, na consequência, revogado o acórdão recorrido, com as legais consequências.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em funções neste Tribunal concluiu a sua alegação do modo que segue:
1. Não tendo o recorrido suscitado, durante o processo, a questão da nulidade da acusação, por omissão dos elementos e especificações exigidas pelo artigo 283º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, é evidente que a decisão recorrida não fez nem podia ter feito, aplicação desta norma.
2. A decisão recorrida não interpretou nem aplicou a norma constante do artigo
343º, n.º 4, do Código de Processo Penal com o sentido especificado pelo recorrente nas conclusões da alegação, que delimitam inexoralmente o objecto do recurso.
3. Na verdade, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça apenas entendeu que estava precludida a questão consistente em determinar se a juiz presidente deu efectivo conhecimento ao arguido do que, de essencial, se passou na audiência durante a sua ausência, determinada pelo facto de o presidente ter mandado proceder à audição separada dos vários co-arguidos, em consequência de o defensor do ora recorrente não ter, nesse momento, questionado a suficiência da informação prestada no cumprimento de tal preceito legal, alegando desconformidade do teor da acta com o efectivamente ocorrido no decurso da audiência.
4. Deste modo, não tendo a decisão recorrida feito aplicação, nem da norma do artigo 283º, n.º 3, alínea b), nem da interpretação normativa especificada como inconstitucional pelo recorrente, nas conclusões da sua alegação, quanto ao artigo 343º, n.º 4, do Código de Processo Penal, não deverá, nesta medida, conhecer-se do objecto do recurso.
5. O regime de revista alargada, resultante das normas conjugadas dos artigos
363º, 410º, 427º e 432º do Código de Processo Penal, não viola o princípio constitucional das garantias de defesa, conforme foi julgado pelo Plenário deste Tribunal, pelo que, nesta medida, deverá ser julgado improcedente o recurso.
Como o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO, na sua alegação, sustentou que o Tribunal não deve tomar conhecimento do recurso, na parte em que este tem por objecto a norma constante do artigo 283º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal e a interpretação do artigo 343º, n.º 4, do mesmo Código, que o recorrente indicou como sendo inconstitucional nas conclusões da respectiva alegação, fundado em que o acórdão recorrido não aplicou aquela norma, nem esta interpretação normativa, foi o RECORRENTE ouvido sobre tal questão prévia. Este, porém, não respondeu.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A questão prévia do não conhecimento (parcial) do recurso: Como se referiu atrás, o Ministério Público sustenta que o Tribunal não deve tomar conhecimento do recurso, na parte em que este tem por objecto a norma constante do artigo 283º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal e a interpretação do artigo 343º, n.º 4, do mesmo Código, que o recorrente indicou como sendo inconstitucional nas conclusões da respectiva alegação. E isto, porque o acórdão recorrido não aplicou a norma constante do referido artigo
283º, n.º 3, alínea b), nem a do mencionado artigo 343º, n.º 4, com a interpretação que o recorrente considera inconstitucional.
Como vai ver-se, é como diz o Ministério Público.
Quanto ao artigo 283º, n.º 3, alínea b) – que prescreve que 'a acusação contém, sob pena de nulidade: b). a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada' -, é, desde logo, manifesto que o recorrente não suscitou a sua inconstitucionalidade antes de proferido o acórdão recorrido, de 9 de Junho de 1999, que julgou os recursos interpostos do acórdão da 1ª instância. Tal inconstitucionalidade suscitou-a apenas no requerimento em que arguiu a nulidade daquele aresto, como ele próprio refere no requerimento de recurso. Mas, dizer isto é sublinhar que o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de tal norma em momento processualmente adequado (ou seja, durante o processo), pois, como decorre da reiterada jurisprudência deste Tribunal, o requerimento de arguição de nulidades já não é, em princípio, adequado para o efeito. Acresce que, ainda que fosse caso de dispensar o recorrente do ónus da suscitação atempada da questão de constitucionalidade – e não é -, sempre haveria de concluir-se pelo não conhecimento do recurso, já que falta outro pressuposto do mesmo: na verdade, como sublinha o Ministério Público, o acórdão recorrido não aplicou, nem podia ter aplicado, aquele normativo, pois, não tendo o recorrente arguido a nulidade da acusação, por omissão dos elementos e especificações por ele exigidos (arguiu, sim, a nulidade do acórdão do Colectivo, com fundamento em que nele se tinha omitido pronúncia 'sobre circunstâncias de relevante importância aludidas no julgamento, algumas delas referidas na acusação'), não podia o Supremo Tribunal de Justiça fazer aplicação de tal preceito legal, uma vez que o mesmo só dessa nulidade trata. De resto, na base da interpretação, cuja constitucionalidade o recorrente questiona, do referido artigo 283º, n.º 3, alínea b): - diz que o acórdão recorrido admitiu a 'possibilidade de uma interpretação correctiva, para efeitos interpretativos, da acusação, nos casos em que compita a esta fixar o objecto do processo' -, está, verdadeiramente, uma interpretação de determinada passagem da acusação no seu confronto com a matéria de facto que foi objecto da pronúncia do Tribunal Colectivo: sustenta, na verdade, o recorrente que a acusação continha, ela própria, elementos para integração da figura do 'crime precipitado pela vítima'. O acórdão recorrido considerou, porém, inaceitável essa interpretação de que a acusação já pressupunha que a consumação do homicídio dependia da colaboração da vítima. Ora, a interpretação da acusação – e, obviamente, a sua relação com a matéria de facto que o Tribunal Colectivo julgou provada e não provada - não pode ser objecto do juízo valorativo deste Tribunal: o julgamento que a Constituição e a lei lhe cometem é sempre – e só - uma avaliação de normas jurídicas (ou da sua interpretação), ratione constitutionis. Só as normas jurídicas o Tribunal pode confrontar com a Constituição. E, para esse confronto, o Tribunal tem que partir da interpretação da lei feita pela decisão recorrida, e não de um qualquer sentido normativo capaz de suportar uma interpretação dos factos que essa mesma decisão recusa não obstante a insistência do recorrente.
Quanto ao artigo 343º, n.º 4, do Código de Processo Penal – que prescreve que,
'respondendo vários co-arguidos, o presidente determina se devem ser ouvidos na presença uns dos outros; em caso de audição separada, o presidente, uma vez todos os arguidos ouvidos e regressados à audiência, dá-lhes resumidamente conhecimento, sob pena de nulidade, do que se tiver passado na sua ausência' – também não foi aplicado com a interpretação que o recorrente reputa inconstitucional; e, por isso, também não pode conhecer-se do recurso, nessa parte.
O recorrente, no requerimento de interposição do recurso, disse que essa norma era inconstitucional 'quando interpretada e aplicada' 'da forma que o fez o Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que tal interpretação não assegura a plenitude das garantias de defesa, nos termos constitucionalmente consagrados'. Mas, nas conclusões da alegação (cf. conclusões B1 e B2), acabou por considerar violadora da Constituição uma interpretação segundo a qual o juiz, no caso de proceder à audição separada dos arguidos, está dispensado de dar 'um efectivo conhecimento – ainda que, naturalmente, sumário – ao arguido daquilo que se passou enquanto esteve ausente e, em concreto, das menções que foram feitas à sua pessoa e actuação e/ou comparticipação nos factos constantes da peça que fixe o objecto do processo'.
Só esta última interpretação da referida norma o recorrente submete, pois, à apreciação do Tribunal, já que é a única que enuncia nas conclusões da alegação. E isso, não obstante ele ter vindo a questionar nos autos a questão de saber se, respondendo vários co-arguidos, o presidente do tribunal colectivo pode alterar a sua ordem de audição – situação que, de resto, se não verificou no caso – e, bem assim, a de saber se a decisão de ouvir separadamente os vários co-arguidos no processo releva ou não de um poder discricionário do juiz – poder discricionário, obviamente, no sentido do artigo 156º, n.º 4, do Código de Processo Civil ('consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador') e do artigo 400º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal
('não é admissível recurso: de decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal') – questão, esta última, que, se o recorrente a não tivesse 'abandonado', nem sequer haveria utilidade em decidir, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça acabou por decidir todas as questões que o recorrente colocou. Por isso, aqui, só interessa considerar que, como já se disse, tal normativo não foi aplicado pelo acórdão recorrido com aquela interpretação. O Supremo Tribunal de Justiça, na verdade, não interpretou, nem aplicou, o referido artigo 343º, n.º 4, no sentido de que o juiz se pode dispensar de informar o arguido, que tenha mandado sair da sala, do essencial das declarações prestadas, na sua ausência, pelos seus co-arguidos. O que no acórdão recorrido se diz é que 'na acta consta a simples referência de que o arguido Carreteiro foi mandado entrar na sala e que foi informado, sumariamente, das declarações dos arguidos nos termos do artigo 343º, n.º 4, do Código de Processo Penal'. Acrescenta-se que 'não consta, nem poderia constar, o exacto teor da informação que a Senhora Presidente então lhe forneceu', e que 'é evidente que não pode agora dilucidar-se se tal informação foi ou não completa mas o certo é que, estando o arguido ali devidamente representado por ilustre advogado que assistiu a todos os actos e interrogatórios e ouviu todas as declarações prestadas pelos arguidos, sempre poderia requerer ao tribunal, se considerasse tal informação incompleta, que ela fosse integrada ou completada pelos elementos que considerasse essenciais'. E, depois de consignar que não consta da acta que o mandatário do arguido tal haja requerido, ponderou que 'não tem agora qualquer sentido pôr-se em causa o despacho da Meritíssima Presidente que considerou a informação dada, ainda que sumária, como observando o disposto no artigo 343º, n.º 4, do Código de Processo Penal'. Vale isto por dizer que o acórdão recorrido partiu, justamente, da interpretação que o recorrente considera compatível com a Constituição - ou seja: da interpretação segundo a qual o juiz, quando proceder à audiência separada dos arguidos, deve, uma vez regressados os mesmos à sala, informá-los resumidamente do que se tiver passado na sua ausência, nomeadamente do que os outros co-arguidos disseram. E acrescentou que, se, acaso, houve omissão ou insuficiência de informação, era na altura que o recorrente devia ter pedido
'que ela fosse integrada ou completada pelos elementos que considerasse essenciais'. Não o tendo feito, estava tal questão arrumada, pois 'é evidente que não pode agora dilucidar-se se tal informação foi ou não completa'. Não sendo de conhecer do recurso, na parte em que ele tem por objecto a norma constante do artigo 283º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal e a interpretação do artigo 343º, n.º 4, do mesmo Código, que o recorrente indicou como sendo inconstitucional nas conclusões da respectiva alegação, resta a questão de constitucionalidade atinente ao sistema de revista alargada. Antes de se passar a essa questão, impõe-se, porém, fazer algumas advertências.
4. Advertências: Sublinha-se, antes de mais, que - contrariamente à pretensão que o recorrente expressou no requerimento de interposição de recurso - o Tribunal não vai apreciar a constitucionalidade dos artigos 363º, 364º, 410º, 427º e 432º do Código de Processo Penal, 'tal como foram interpretados e aplicados [...] pelo acórdão da 1ª instância': desde logo, o acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância não é aqui recorrido; e, depois, alguns desses preceitos legais respeitam apenas à fase do recurso, e, por isso, só o Supremo Tribunal de Justiça – e não também o tribunal da 1ª instância – os podia aplicar.
Sublinha-se também que, mesmo supondo que o recorrente imputa a uma norma jurídica, e não ao acórdão proferido em 1.ª instância em si mesmo considerado, a violação do dever de lealdade processual, que diz ter-se verificado - o que é tudo menos claro –, o Tribunal também não vai conhecer dessa questão, pois aqui só está sob recurso o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, e não o proferido em 1ª instância.
Adverte-se ainda que os preceitos legais atrás referidos atinentes ao sistema de revista alargada não serão confrontados com o artigo 14º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que prescreve que 'qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei'.
É que este preceito jurídico-internacional, que foi recebido in foro domestico com a publicação, no suplemento à I série do Diário da República, n.º 133, de 12 de Junho de 1978, da Lei n.º 27/78, de 12 de Junho, que aprovou, para ratificação, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 (cf. artigo 8º, n.º 2, da Constituição), nada contém que se não contenha já no artigo 32º, n.º 1, da Constituição. Por isso, ele será aqui tomado em consideração apenas 'enquanto elemento coadjuvante da clarificação do sentido e alcance' do princípio das garantias de defesa, e não 'como padrão autónomo de um juízo de inconstitucionalidade' [cf., identicamente, os acórdãos nºs 440/87, 99/88, 149/88, 124/90, 186/92, 322/93 (publicados no Diário da República, II série, de 17 de Fevereiro de 1988, 22 de Agosto de 1988, 17 de Setembro de 1988, 8 de Fevereiro de 1991, 18 de Setembro de 1992 e 29 de Outubro de 1993, respectivamente) e n.º 597/99 (por publicar)].
Uma última advertência, para dizer que, na análise da questão de constitucionalidade atinente à revista alargada, o Tribunal não se pronunciará sobre os artigos 97º, n.º 4, e 374º do Código de Processo Penal, pois as normas constantes destes preceitos legais não constituem objecto do recurso. De facto, o recorrente não os indicou no respectivo requerimento de interposição. Indicou-os, é certo, nas conclusões da alegação, mas aí só é lícito ao recorrente restringir o objecto inicial do recurso tal como o definira naquele requerimento, e não também ampliá-lo (cf. artigo 684º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil).
5. A questão de constitucionalidade: O recorrente questiona a constitucionalidade do sistema de revista alargada, tal como a lei processual penal a regula, designadamente nos artigos 410º, n.º 2,
427º e 432º (conjugados com o artigo 363º) do Código e Processo Penal, argumentando, em síntese, que, 'face à nova redacção do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República, em matéria de asseguramento do direito ao recurso, as referidas normas, na versão anterior à da Lei n.º 59/88, de 28 de Agosto, e na interpretação e aplicação que delas fez o douto Tribunal recorrido, são manifestamente insuficientes com vista ao referido desiderato'.
Este Tribunal, no seu acórdão n.º 573/98 (publicado no Diário da República, II série, de 13 de Novembro de 1988), tirado em Plenário já depois da última revisão constitucional, voltou a debruçar-se sobre esta questão de constitucionalidade, tendo concluído, embora com vozes discordantes, que o referido sistema de recurso, tal como o ordenamento jurídico o modela, não é inconstitucional, por ser ainda remédio ou válvula de segurança suficiente contra erros grosseiros de julgamento.
É esta jurisprudência que há que aplicar no julgamento do caso, negando-se, em consequência, provimento ao recurso nesta parte. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). não tomar conhecimento do recurso, na parte em que ele tem por objecto a norma constante do artigo 283º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal e a interpretação do artigo 343º, n.º 4, do mesmo Código, que o recorrente indicou como sendo inconstitucional nas conclusões da respectiva alegação;
(b). fazer aplicação no caso da jurisprudência firmada no acórdão n.º 573/98
(publicado no Diário da República, II série, de 13 de Novembro de 1988), tirado em Plenário; e, em consequência, negar provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece;
(c). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Dezembro de 1999 Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida