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Processo n.º 557/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel Mesquita
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal de Relação de Coimbra, em 13 de Junho de 2012 (fls. 460 a 466).
2. Pela Decisão Sumária n.º 378/2012, de 6 de Agosto, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls 770), com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
3. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º (cfr. primeiro parágrafo do requerimento, a fls. 476); a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – n.º 6 do artigo 215.º do Código de Processo Penal com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. n.ºs 1, 11 e 12, 20 e 31 do requerimento, a fls., respetivamente, 476, 480, 482 e 486); a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – artigos 28.º, n.º 4, 27.º, n.ºs 2 e 5, 202.º e 203.º da Constituição (cfr. pontos 1, 14, 20, 28 e 30 e 31 do requerimento, a fls., respetivamente 477, 480, 482, 485 e 486); e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – pronúncia, após notificação pelo Tribunal Judicial de Mangualde, «(…) acerca de um entendimento que foi junto aos autos, vindo da Relação de Coimbra e, depois, quando notificado do recurso interposto pelo Ministério Público (…)» (cfr . n.º 32 do requerimento, a fls. 486).
4. Contudo, da análise dos autos decorre que o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
5. Com efeito o recorrente, quer na sua resposta ao requerimento da Exma. Magistrada do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde de interposição de recurso do despacho do Mmo. Juiz para o Tribunal da Relação de Coimbra e à motivação do mesmo recurso, apresentada nos termos do artigo 413.º, n.º 1, do CPP (resposta do recorrente de 13/04/2012, a fls. 16 e ss.), quer, depois, na sua resposta ao parecer do Ministério Público de 23/04/2012, apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP (resposta do recorrente de 3/05/2012, a fls. 449 a 455), cingiu-se a afirmar, de modo genérico, que a interpretação do n.º 6 do artigo 215.º do CPP preconizada pelo Ministério Público – e que viria a ser acolhida pelo Tribunal da Relação de Coimbra na sua decisão de 13/6/2012 que concedeu provimento ao recurso daquele – é «inconstitucional» ou implicaria «violação grosseira da nossa constituição».
5.1 Na sua primeira resposta, de 13/04/2012, o recorrente escreveu (cfr. fls. 21 e 22):
«(…) 20 - Não pode ver-se contra o elemento literal e a ratio do preceito, na rejeição do recurso, uma confirmação para fins do art. 215.º, n.º 6, do CPP, sob pena de uma errada e inconstitucional interpretação do referido preceito legal, entendimento que a ser acolhido por V. Exas. é inconstitucional.
21 - Deste modo, não se pode, de forma alguma, falar em confirmação da decisão condenatória, pelo que, no nosso entender não está preenchido o pressuposto do art.º 215.º n.º 6 do CPP, não devendo por isso, ser elevado o prazo máximo da prisão preventiva para o meio da pena, sob pena de violação grosseira da nossa constituição.(…)
23 - Pelo que, deve ser mantido o Douto Despacho do Mmo. Juiz, e em consequência não fazer operar o art. 215.º n.º 6 do CPP, porque a aplicação do mesmo, no caso concreto, mostra-se ilegal e inconstitucional.».
E, nas respectivas Conclusões, reiterou (cfr. fls. 24 e 25):
«(…)H - Não pode ver-se contra o elemento literal e a ratio do preceito, na rejeição do recurso, uma confirmação para fins do art. 215.º, n.º 6, do CPP, sob pena de uma errada e inconstitucional interpretação do referido preceito legal, entendimento que a ser acolhido por V. Exas. é inconstitucional.
I - Deste modo, não se pode, de forma alguma, falar em confirmação da decisão condenatória, pelo que, no nosso entender não está preenchido o pressuposto do art.º 215.º n.º 6 do CPP, não devendo por isso, ser elevado o prazo máximo da prisão preventiva para o meio da pena, sob pena de violação grosseira da nossa constituição. (…)
J - Pelo que, deve ser mantido o Douto Despacho do Mmo. Juiz, e em consequência não fazer operar o art. 215.º n.º 6 do CPP, porque a aplicação do mesmo, no caso concreto, mostra-se ilegal e inconstitucional.».
5.2. Na sua segunda resposta, de 3/05/2012, o recorrente escreveu também (cfr. fls. 454 e 455):
«(…) 17 - Não pode ver-se contra o elemento literal e a ratio do preceito, na rejeição do recurso, uma confirmação para fins do art. 215.º, nº 6, do CPP, sob pena de uma errada e inconstitucional interpretação do referido preceito legal, entendimento que a ser acolhido por V. Exas. é inconstitucional.
18 - Deste modo, não se pode, de forma alguma, falar em confirmação da decisão condenatória, pelo que, no nosso entender não está preenchido o pressuposto do art.º 215.º n.º 6 do CPP, não devendo por isso, ser elevado o prazo máximo da prisão preventiva para o meio da pena, sob pena de violação grosseira da nossa constituição. (…)
21 - Pelo que, deve ser mantido o Douto Despacho do Mmo. Juiz, e em consequência não fazer operar o art. 215.º n.º 6 do CPP, porque a aplicação do mesmo, no caso concreto, mostra-se ilegal e inconstitucional. (…)».
6. O recorrente, nas suas duas peças processuais prévias supra referidas não apresentou, assim, qualquer fundamentação quanto à questão da inconstitucionalidade que invoca: nem indicou, em concreto, quais as normas ou princípios da Constituição que, no seu entendimento, seriam violados – caso o Tribunal da Relação de Coimbra viesse a conceder provimento ao recurso do Ministério Público –, nem indicou as razões porque considerava ser «inconstitucional» ou configurar «violação grosseira da nossa constituição» a interpretação da norma (o artigo 215.º, n.º 6, do CPP) sustentada pelo Ministério Público, ou seja, não indicou qualquer argumentação susceptível de autonomizar a questão de constitucionalidade que convocasse o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a apreciá-la.
7. Assim, não tendo o recorrente cumprido o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, não pode conhecer-se do objeto do recurso.».
3. Vem agora o recorrente reclamar da referida Decisão Sumária n.º 378/2012 para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo78.º-A da LTC, requerendo, a final, que a reclamação seja atendida e, em consequência, se tome conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 1. A razão invocada pela Douta Decisão sumária, objeto da presente reclamação, para recusar o conhecimento do recurso fundamenta-se no alegado incumprimento, por parte do recorrente, do ónus imposto pelo art.º 72, n.º 2, da LTC.
2. Importará lembrar, que a presente discussão iniciou-se com um recurso interposto pelo Ministério Público, e o ora recorrente só foi chamado a responder, querendo, nos termos do art. 413.º n.º 1 e 417.º n.º 2, ambos do Código de Processo Penal.
3. No âmbito desse recurso, interposto pelo Ministério Público, este pede que seja aplicada a prorrogação do prazo de prisão preventiva ao arguido, a que alude o art. 215.º n.º 6 do CPP.
4. Nas nossas respostas, sempre defendemos que este entendimento não podia ser acolhido por não ser a situação dos presentes autos. Até à Decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, nada fazia prever que tal inconstitucionalidade fosse cometida.
5. O ora reclamante, apenas por mera hipótese académica, referiu que se tal entendimento fosse acolhido seria inconstitucional, no entanto até aquele momento nada fazia prever que o mesmo fosse acolhido. Mas não só,
6. Dispõe o art. 72.º n.º 2 da LTC refere o seguinte: 'Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer.' (negrito da nossa responsabilidade)
7. A questão central é exatamente essa, estava o Tribunal da Relação de Coimbra obrigado a conhecer dessa inconstitucionalidade em momento anterior?
8. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a resposta é claramente que não.
9. As respostas a que aludem os artigos 413.º n.º 1 e 417.º n.º 2 do Código de Processo Penal não vinculam o Tribunal de recurso, nem o mesmo tem de proferir decisão relativamente às questões que aí são suscitadas.
10. O Tribunal de recurso apenas está vinculado a responder às questões suscitadas nos recursos interpostos, sob pena de falta de pronúncia, o que não é o caso. Tratando-se de mera resposta a recursos interpostos, o Tribunal não está obrigado a delas conhecer. Pelo que,
11. O ora reclamante teria sim de suscitar de modo processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade, após a decisão surpresa do Tribunal da Relação de Coimbra, perante o Tribunal Constitucional, o que sucedeu, tendo cumprido todos os formalismos legais.
12. Voltamos a frisar, os alegados vícios de inconstitucionalidade só se verificaram nessa decisão da Relação, que se assumiu como insólita, inesperada, anómala e absolutamente imprevisível.
13. A violação da Constituição é assim efetuada em primeira linha pelo Acórdão da Relação de Coimbra.
14. Antes de tal Decisão ter sido proferido, exatamente quando apresentou a sua resposta à motivação do MP, não podia o ora recorrente ter invocado a inconstitucionalidade de um complexo normativo interpretado com relação a despacho... inexistente na altura! Mesmo, por mera hipótese académica, a nossa resposta também não obrigava a Relação a pronunciar-se sobre a mesma.
15. Assim se podendo concluir que não tem fundamento a asserção da Douta Decisão Sumária, ora objeto de reclamação, segundo a qual o ora recorrente teria tido a oportunidade de suscitar as questões de constitucionalidade em momento anterior.
16. Deve pois ter-se por verificado o requisito legal de admissão do recurso previsto no art. 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, aqui se dando como reproduzido o teor do requerimento de interposição do recurso apresentado no Tribunal da Relação de Coimbra. (…)».
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado da reclamação do recorrente, concluiu, na sua resposta, que «a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 378/12, que determinou a sua apresentação» (cfr. 17.º), com os fundamentos seguintes:
« 1º
Pela Decisão Sumária 378/12, de 6 de Agosto (cfr. fls. 781-787 dos autos), a Ilustre Conselheira Relatora concluiu, no presente caso: “decide-se não conhecer do objecto do presente recurso”.
2º
Reporta-se, a mesma Decisão Sumária, ao recurso de inconstitucionalidade oportunamente interposto (cfr. fls. 476-487, 490-501 dos autos), para este Tribunal Constitucional, pelo recorrente, A., do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de Junho de 2012 (cfr. fls. 460-466 dos autos).
3º
Este acórdão considerou, a concluir (cfr. fls. 465-466 dos autos), “que formal e materialmente, no caso dos autos”, a decisão-sumária anterior da mesma Relação, de 9 de Fevereiro de 2011 (cfr. fls. 359-375 dos autos), que havia rejeitado o recurso do acórdão de 1ª instância, interposto pelo mesmo arguido, “constitui decisão confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do art. 215º do Código de Processo Penal.
Nestes termos decide-se conceder provimento ao recurso determinando a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que, considerando, no caso, que a decisão de rejeição do recurso, pelo tribunal da relação, constitui decisão confirmatória da decisão do tribunal de 1ª instância nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 215º do Código de Processo Penal, determine o prazo da prisão preventiva em conformidade.”
4º
Considerou, a Ilustre Conselheira deste Tribunal Constitucional, na Decisão Sumária 378/12, ora reclamada (cfr. fls. 784-785 dos autos) (destaques do signatário):
“3. Do teor do requerimento de interposição de recurso apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam: a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º (cfr. primeiro parágrafo do requerimento, a fls. 476); a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – n.º 6 do artigo 215.º do Código de Processo Penal com a interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra (cfr. n.ºs 1, 11 e 12, 20 e 31 do requerimento, a fls., respetivamente, 476, 480, 482 e 486); a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – artigos 28.º, n.º 4, 27.º, n.ºs 2 e 5, 202.º e 203.º da Constituição (cfr. pontos 1, 14, 20, 28 e 30 e 31 do requerimento, a fls., respetivamente 477, 480, 482, 485 e 486); e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – pronúncia, após notificação pelo Tribunal Judicial de Mangualde, «(…) acerca de um entendimento que foi junto aos autos, vindo da Relação de Coimbra e, depois, quando notificado do recurso interposto pelo Ministério Público (…)» (cfr . n.º 32 do requerimento, a fls. 486).
4. Contudo, da análise dos autos decorre que o recorrente não suscitou a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
5. Com efeito o recorrente, quer na sua resposta ao requerimento da Exma. Magistrada do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde de interposição de recurso do despacho do Mmo. Juiz para o Tribunal da Relação de Coimbra e à motivação do mesmo recurso, apresentada nos termos do artigo 413.º, n.º 1, do CPP (resposta do recorrente de 13/04/2012, a fls. 16 e ss.), quer, depois, na sua resposta ao parecer do Ministério Público de 23/04/2012, apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP (resposta do recorrente de 3/05/2012, a fls. 449 a 455), cingiu-se a afirmar, de modo genérico, que a interpretação do n.º 6 do artigo 215.º do CPP preconizada pelo Ministério Público – e que viria a ser acolhida pelo Tribunal da Relação de Coimbra na sua decisão de 13/6/2012 que concedeu provimento ao recurso daquele – é «inconstitucional» ou implicaria «violação grosseira da nossa constituição».
5º
Um pouco mais adiante, refere, ainda, a mesma Ilustre Conselheira Relatora (cfr. fls 786-787 dos autos) (destaques do signatário):
“6. O recorrente, nas suas duas peças processuais prévias supra referidas não apresentou, assim, qualquer fundamentação quanto à questão da inconstitucionalidade que invoca: nem indicou, em concreto, quais as normas ou princípios da Constituição que, no seu entendimento, seriam violados – caso o Tribunal da Relação de Coimbra viesse a conceder provimento ao recurso do Ministério Público –, nem indicou as razões porque considerava ser «inconstitucional» ou configurar «violação grosseira da nossa constituição» a interpretação da norma (o artigo 215.º, n.º 6, do CPP) sustentada pelo Ministério Público, ou seja, não indicou qualquer argumentação susceptível de autonomizar a questão de constitucionalidade que convocasse o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a apreciá-la.
7. Assim, não tendo o recorrente cumprido o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, não pode conhecer-se do objeto do recurso.”
6º
Ora, crê-se que a Ilustre Conselheira Relatora decidiu bem, no caso dos presentes autos.
É, com efeito, jurisprudência constante, deste Tribunal Constitucional, que a admissibilidade do recurso, formulado ao abrigo da alínea b), do nº 1, do art. 70º da LTC, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários, tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequando perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente (cfr. a este propósito, Acórdãos 269/94, 352/94, 367/94, 560/94, 155/95, 192/00, 199/98, 618/98, 710/04).
Faltando um destes requisitos, designadamente a possibilidade, para o tribunal a quo, de poder apreciar a questão de constitucionalidade ulteriormente submetida ao Tribunal Constitucional, o recurso não pode ser conhecido.
7º
Assim, o recurso de constitucionalidade deve integrar uma dimensão normativa, não servindo, apenas, para colocar em causa a bondade da decisão impugnada.
Como referido a este propósito, por exemplo, no Acórdão 633/08 (destaques do signatário):
“Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - e sobre o sentido de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição, revista e actualizada, pp. 40 e 72), razão pela qual as partes, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das normas, não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental, impendendo sobre elas um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade constitucional.
Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […]».
8º
Por outro lado, este Tribunal Constitucional também tem, reiteradamente, afirmado, que o recorrente tem o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Como se disse, por exemplo, no Acórdão n.º 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p.1118.) “tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental”.
9º
Acresce, que este Tribunal Constitucional tem igualmente entendido, como se constata, por exemplo, da leitura do Acórdão 710/04, de 21 de Dezembro, que a questão de constitucionalidade carece de ser prévia e devidamente suscitada perante o tribunal a quo, de modo a permitir a este que, sobre ela, se pronuncie (destaques do signatário):
“9.2. No presente caso, é manifesto que se não pode considerar que uma questão de constitucionalidade normativa tenha sido “suscitada, pelo recorrente, de modo processualmente adequado, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida”, conforme exige o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional.
Com efeito, na referência que à problemática é feita nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, os recorrentes limitam-se a afirmar que a interpretação - que, em caso algum identificam - dada pelo tribunal aos artigos Código de Processo Penal que questionam, “inquina essas normas de inconstitucionalidade por contender com o estatuído com o art.º 32º da CRP.” Ora, uma tal forma de proceder é manifestamente insuficiente para que se possa considerar cumprido o ónus, que impende sobre o recorrente, de, caso pretenda vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, suscitar previamente, perante o tribunal recorrido, de modo processualmente adequado, uma questão de constitucionalidade normativa que por este possa vir a ser apreciada.
Na verdade, este pressuposto de admissibilidade do recurso só é, em regra, de considerar preenchido quando o interessado, pelo menos, identifica a norma que reputa de inconstitucional, menciona a norma ou princípio constitucional que considera infringido e justifica, ainda que de forma sumária, mas de modo claro e preciso, as razões que, no plano constitucional, invalidam a norma e impõem a sua “não aplicação” pelo tribunal da causa, ao abrigo do disposto no artigo 204ºda Constituição. O que, de todo em todo, não aconteceu no presente caso.
E nem se diga que basta que, apesar de uma hipotética deficiência da colocação da questão de constitucionalidade por parte do(s) recorrente(s), o tribunal a quo se tenha efectivamente ocupado dela e assumido que a tinha como objecto de pronúncia obrigatória. Não basta. Por um lado, porque o tribunal a quo poderá estar confrontado com uma questão de inconstitucionalidade da decisão judicial sobre a qual não pode deixar de se pronunciar, sem, que tal suscitação da questão abra o recurso para o Tribunal Constitucional; por outro lado, porque, no nosso sistema de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal como se encontra constitucional e legalmente desenhado, não é admissível substituir o ónus de suscitação atempada de uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão por uma qualquer pronúncia que este, por qualquer imaginável razão, venha a produzir.”
10º
Por outro lado, como afirmado, por exemplo, na Decisão Sumária 514/10, de 9 de Dezembro (destaques do signatário):
“Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
A suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade implica, no plano formal, que o recorrente tenha cumprido perante o tribunal recorrido o ónus de clara, precisa e expressa delimitação e especificação da questão de constitucionalidade que posteriormente vem a colocar ao Tribunal Constitucional, em termos de vincular o tribunal recorrido ao seu conhecimento.
E se o recorrente entende que certo preceito não é inconstitucional “em si mesmo”, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma clara e perceptível implica o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais.
Neste sentido, escreveu-se no acórdão n.º 269/94 (acessível na Internet em www.tribunalconstitucional.pt):
“Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que - como já se disse - tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.”
11º
Refere, o arguido, em defesa da sua posição, na reclamação para a conferência, que apresentou perante este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 799 dos autos) (destaques do signatário):
“2. Importará lembrar, que a presente discussão iniciou-se com um recurso interposto pelo Ministério Público, e o ora recorrente só foi chamado a responder, querendo, nos termos do art. 413º nº 1 e 417º nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
3. No âmbito desse recurso, interposto pelo Ministério Público, este pede que seja aplicada a prorrogação do prazo de prisão preventiva ao arguido, a que alude o art. 215º nº 6 do CPP.
4. Nas nossas respostas, sempre defendemos que este entendimento não podia ser acolhido por não ser a situação dos presentes autos. Até à Decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, nada fazia prever que tal inconstitucionalidade fosse cometida.
5. O ora reclamante, apenas por mera hipótese académica, referiu que se tal entendimento fosse acolhido seria inconstitucional, no entanto até àquele momento nada fazia prever que o mesmo fosse acolhido.”
12º
Acrescenta, por outro lado, o ora reclamante, um pouco mais adiante (cfr. fls. 800 dos autos) (destaques do signatário):
“7. A questão central é exactamente essa, estava o Tribunal da Relação de Coimbra obrigado a conhecer dessa inconstitucionalidade em momento anterior?
8. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, a resposta é claramente que não.
9. As respostas a que aludem os artigos 413º nº 1 e 417 nº 2 do Código de Processo Penal não vinculam o Tribunal de recurso, nem o mesmo tem de proferir decisão relativamente às questões que aí são suscitadas.
10. O Tribunal de recurso apenas está vinculado a responder às questões suscitadas nos recursos interpostos, sob pena de falta de pronúncia, o que não é o caso. Tratando-se de mera resposta a recursos interpostos, o Tribunal não está obrigado a delas conhecer. Pelo que,
11. O ora reclamante teria sim de suscitar de modo processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade, após a decisão surpresa do Tribunal da Relação de Coimbra, perante o Tribunal Constitucional, o que sucedeu, tendo cumprido todos os formalismos legais.
12. Voltamos a frisar, os alegados vícios de inconstitucionalidade só se verificaram nessa decisão da Relação, que se assumiu como insólita, inesperada, anómala e absolutamente imprevisível.”
13º
Não tem, porém, o reclamante, nenhuma razão na sua argumentação.
Desde logo, quanto ao pretenso carácter insólito, inesperado, anómalo e absolutamente imprevisível do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de Junho de 2012, é jurisprudência assente, deste Tribunal Constitucional (cfr. por exemplo, Decisão Sumária 314/12, de 18 de Junho) (destaques do signatário):
“Segundo os recorrentes, esta questão de constitucionalidade foi suscitada no requerimento em que pediram a reforma do aludido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, porque não dispuseram de “oportunidade processual” para suscitar a questão anteriormente, por não lhes ser exigível que antevissem a possibilidade de rejeição do recurso, em face da nova lei aplicável aos autos, em matéria de valor das ações.
Conforme vem entendendo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o recurso previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, isto é, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LCT).
A questão de inconstitucionalidade deve ser suscitada antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre tal questão, na medida em que o recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal recorrido sobre a questão de inconstitucionalidade que é objeto do recurso.
Só em casos muito particulares – em que o recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar tal questão antes de ser proferida a decisão recorrida, ou tendo tido essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de inconstitucionalidade, ou em que, por força de preceito específico, o poder jurisdicional não se tivesse esgotado com a prolação da decisão final – é que será admissível o recurso de constitucionalidade sem que sobre esta questão tenha havido uma anterior decisão do tribunal recorrido. (…)
Os Recorrentes alegam que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça constitui “decisão-surpresa”, razão pela qual apenas suscitaram a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal a quo no requerimento em que requereram a reforma de tal acórdão.
É certo que um dos casos em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido exceções ao princípio ou regra que obriga a suscitar a questão de inconstitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida, prende-se com as situações em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de ser proferida a decisão recorrida por se tratar de “decisão-surpresa”, de conteúdo insólito ou imprevisível, tornando inexigível a prévia suscitação de tal questão, antes de a parte ser confrontada com o teor da decisão proferida.
Contudo, importa salientar que a jurisprudência constitucional vem fazendo um interpretação assaz exigente e rigorosa desta exceção, só a admitindo nos casos – absolutamente excecionais ou anómalos – em que o recorrente é efetivamente confrontado com uma concreta aplicação ou interpretação normativa de todo imprevisível e inesperada, não lhe sendo razoavelmente exigível impor a antecipação de que o tribunal iria optar pela convocação ou interpretação da norma.
Assim, conforme vem sendo afirmando pelo Tribunal Constitucional, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses.
Cabe, pois, às partes a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontarem atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas, não bastando a invocação de mera “surpresa subjetiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos.”
14º
Ora, o Réu, como ele próprio reconhece, foi expressamente confrontado, através do recurso interposto pelo Ministério Público, com a interpretação normativa, que acabou por ser acolhida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente ao art. 215º, nº 6 do CPP.
Aliás, para ser exacto, como decorre da Decisão Sumária 378/12, ora reclamada, o Réu foi confrontado, por duas vezes, com a posição do Ministério Público relativa ao mesmo preceito legal, a ela se referindo, quer na sua resposta de 13/04/2012, quer na resposta de 3/05/2012 (cfr. fls. 785 dos autos).
15º
Cabia-lhe, pois, na sua resposta ao mesmo recurso, satisfazer “o ónus de analisar as diversas possibilidades interpretativas, suscetíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhe adotar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica, ponderando a estratégia e orientação processuais mais adequadas à salvaguarda dos seus direitos e interesses”.
Por outro lado, cabia-lhe, ainda, “a formulação de um juízo de prognose, analisando e ponderando antecipadamente as várias hipóteses de enquadramento normativo do pleito e de interpretação razoável das normas convocáveis para a sua dirimição, de modo a confrontar atempadamente o tribunal com as inconstitucionalidades que – na sua ótica – poderão inquinar tais normas ou interpretações normativas, não bastando a invocação de mera “surpresa subjetiva” da parte com a aplicação normativa realizada nos autos”.
16º
Só desta forma estaria em condições de confrontar o Tribunal da Relação de Coimbra – tribunal recorrido – com a questão de constitucionalidade que pretendia colocar, ulteriormente, a este Tribunal Constitucional, de molde a permitir, àquele tribunal superior, pronunciar-se sobre tal questão.
E o Tribunal da Relação de Coimbra, naturalmente, não poderia eximir-se á respectiva apreciação, sob pena de omissão de pronúncia.
O Réu não agiu, pois, quanto a este aspecto, com a diligência devida na prossecução dos seus interesses, o que compromete, irremediavelmente, o sucesso do seu recurso para este Tribunal Constitucional.
Assim, sibi imputet … (…)».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O recorrente reclama para a conferência da Decisão Sumária n.º 378/2012, de 6 de Agosto, por discordar do já decidido quanto ao conhecimento do objeto do recurso interposto para este Tribunal.
5.1 Discorda o reclamante do não conhecimento do objeto do recurso com fundamento na exigência legal de suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, de modo processualmente adequado, junto do tribunal a quo – no caso em apreço o Tribunal da Relação de Coimbra – por entender que a decisão deste foi uma «decisão surpresa» e «absolutamente imprevisível», pelo que só teria de suscitar de modo processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade após a decisão daquele Tribunal e não antes de esta existir (cfr. n.ºs 11 a 15 e n.ºs 4 e 5 da reclamação).
5.2 Discorda ainda o reclamante do não conhecimento do objeto do recurso com o referido fundamento por entender, «por mera hipótese académica», que o Tribunal da Relação de Coimbra não estaria, em qualquer caso, obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade por as respostas, do ora reclamante, apresentadas nos termos dos artigos 413.º, n.º 1, e 417.º, n.º 2, do CPP, não obrigarem o Tribunal de recurso – no caso o Tribunal da Relação de Coimbra – a delas conhecer (cfr. n.ºs 7, 8, 9, 10 e 14, último parágrafo, da reclamação).
6. Não assiste razão ao reclamante.
6.1 Não se está, no caso em apreço, diante de uma decisão-surpresa, suscetível de dispensar o reclamante do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido.
Contrariamente ao que alega o reclamante, este não podia deixar de antever a possibilidade de aplicação ao caso da interpretação normativa preconizada pelo Ministério Público, isto é, não podia ignorar a possibilidade de o Tribunal da Relação de Coimbra vir a acolher, como acolheu no seu acórdão de 13/06/2012, o entendimento do Ministério Público segundo o qual a decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra que não admitiu o recurso, do acórdão condenatório de 1.ª instância, apresentado pelo arguido é uma decisão de confirmação do acórdão condenatório para efeitos de permitir o alargamento do prazo máximo de prisão preventiva nos termos do n.º 6 do artigo 215.º do CPP.
E não podia deixar de antever tal possibilidade porque o reclamante, como aliás reconhece expressamente na sua reclamação para a conferência (cfr. n.ºs 4 e 5 da reclamação), nas suas duas respostas (ao Ministério Público) – e, assim, mesmo antes da decisão do Tribunal a quo –, sempre defendeu que aquele entendimento não podia ser acolhido e, se fosse acolhido, seria inconstitucional. A concreta aplicação normativa pelo Tribunal a quo não podia ser, ao contrário do que alega o reclamante, imprevisível e inesperada.
Além disso, tendo o reclamante respondido, em duas ocasiões, ao Ministério Público – resposta ao requerimento da Exma. Magistrada do Ministério Público junto do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde de interposição de recurso do despacho do Mmo. Juiz para o Tribunal da Relação de Coimbra e à motivação do mesmo recurso, apresentada nos termos do artigo 413.º, n.º 1, do CPP (resposta do recorrente de 13/04/2012, a fls. 16 e ss.) e resposta ao parecer do Ministério Público de 23/04/2012, apresentada nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP (resposta do recorrente de 3/05/2012, a fls. 449 e ss.), ambas antes da prolação da decisão recorrida –, teve mais do que uma oportunidade processual de suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de ser proferida a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra em sede de recurso – e era-lhe exigido que a suscitasse de modo adequado, para que aquele Tribunal dela pudesse ter conhecido.
De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, e conforme refere o Ilustre representante do Ministério Público junto deste Tribunal na sua resposta ao reclamante (cfr. 14.º, penúltimo e último parágrafos e 15.º):
«(…) não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). (…)» (Acórdão n.º 479/89, II, 7, disponível, tal como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt).
E conforme se afirma no Acórdão n.º 148/2008 (II) deste Tribunal:
«Conforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade compreende, salvo casos excepcionais que no caso se não verificam, a exigência de que os recorrentes efectuem um juízo de prognose relativamente à aplicação de determinada norma; um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado; o ónus de perspectivar as várias hipóteses razoáveis de selecção e interpretação do direito potencialmente aplicável (neste sentido, cf. Acórdãos nºs 678/99, 573/2003 e 188/2007 (…)).».
Em suma, não assiste razão ao reclamante porque, como sublinha o representante do Ministério Público junto deste Tribunal (cfr. 14.º), foi confrontado, por duas vezes, com o entendimento do Ministério Público relativo ao artigo 215.º, n.º 6, do CPP – entendimento diferente do plasmado na decisão de 1.ª instância e o qual era menos favorável ao arguido – e, por duas vezes, em 13/04/2012 e em 3/05/2012 , respondeu ao Ministério Público, pelo que nem podia ignorar aquele entendimento, nem podia deixar de antever, na medida em que nele assentava o objeto do recurso interposto pelo Ministério Público, que o mesmo entendimento pudesse vir a ser acolhido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
6.2 A argumentação do reclamante atinente à «hipótese académica» segundo a qual o Tribunal a quo não estaria obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade por as suas duas respostas apresentadas nos termos dos artigos 413.º, n.º 1 e 417.º, n.º 2, do CPP, não obrigarem o Tribunal da Relação de Coimbra a delas conhecer também não procede.
Certo é que o reclamante – podendo e devendo tê-lo feito nas suas duas intervenções processuais de resposta ao Ministério Público – não suscitou a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, como impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Conforme jurisprudência constante deste Tribunal também reiterada pelo Ilustre representante do Ministério Público junto deste Tribunal (cfr. 10.º, último parágrafo):
«Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (…) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma), que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringidos.» (Acórdão n.º 269/94, II, 7).
Não tendo o reclamante suscitado a questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa preconizada pelo Ministério Público de modo processualmente adequado de modo a permitir que o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, antes de esgotado o seu poder jurisdicional, soubesse que tinha uma questão jurídico-constitucional para decidir (vide, entre outros, os Acórdãos n.º 269/94, II, 7, e n.º 630/08, 3), não lhe assiste legitimidade para recorrer para este Tribunal.
6.3 Termos em que se impõe confirmar a decisão de não conhecimento do objeto do recurso.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a Decisão Sumária n.º 378/2012, de 6 de Agosto de 2012.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 25 de setembro de 2012.- Maria José Rangel de Mesquita – Fernando Vaz Ventura – Rui Manuel Moura Ramos.