Imprimir acórdão
Processo n.º 595/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. A. instaurou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, ação contra IEP – Instituto de Estradas de Portugal, pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento de que fora alvo, e que, consequentemente, fosse o Instituto condenado, i.a., a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe o que mensalmente processava a seu favor mediante transferência bancária.
Alegava, fundamentalmente, que a entidade empregadora havia lesado o seu direito à ocupação efetiva, visto que se recusara a dar-lhe por escrito ordens relativas ao exercício das funções que, conforme o acordado no contrato individual de trabalho, eram as suas (as de diretor do departamento de recursos humanos). Respondeu o Instituto de Estradas de Portugal, afirmando que, a partir de certa altura, A. faltara consecutivamente ao serviço, não comunicando antecipadamente qualquer falta.
O Tribunal de Trabalho de Lisboa, se bem que considerando parcialmente procedente o pedido apresentado (condenando a ré num dos pedidos feitos pelo autor, cuja identificação é agora irrelevante), não declarou ilícito o despedimento.
Apelou então A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a ré interposto também recurso subordinado para o mesmo Tribunal.
A Relação, decidindo, revogou a sentença recorrida na parte em que esta atendera parcialmente ao pedido apresentado por A.. Quanto ao resto – e, principalmente, quando à ilicitude do despedimento –, manteve o que fora decidido pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.
Interpôs então o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas respetivas alegações, sustentou que dos artigos 1.º, 2º, 20.º, nº4 e 59.º, nº1, alínea b) da Constituição da República – que consagram os princípios da dignidade da pessoa humana e da máxima efetivação dos direitos fundamentais; do processo equitativo e da ocupação efetiva do trabalhador “em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal” – decorria uma conceptualização do Direito do Trabalho que repudiaria, em termos do ónus da prova da ocupação efetiva do trabalhador, a conceção civilista constante, fundamentalmente, dos artigos 516.º do Código do Processo Civil e 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil. Por estes motivos, concluía, seria inconstitucional, por violação dos princípios já referidos, a leitura das regras relativas ao ónus da prova, feita pelo acórdão recorrido, visto que esse ónus caberia, in casu e por imposição constitucional, à entidade empregadora.
2. Por acórdão proferido a 13 de abril de 2011, o Supremo, depois de ter analisado as normas de direito infraconstitucional relativas ao ónus da prova, e de ter concluído que, face a elas, cabia inequivocamente ao autor da ação – que nela alegara estar em situação de inatividade profissional por nenhuma tarefa lhe ter sido distribuída – o ónus de provar a invocada facticidade, por esta incluir facto pretensamente constitutivo do direito que se pretenderia fazer valer em juízo, passou a examinar a questão de constitucionalidade que lhe havia sido colocada. E, quanto a esta, concluiu do seguinte modo:
“Alega o recorrente que o regime civilista do ónus da prova – constante, fundamentalmente, do art.º 516º do Código de Processo Civil e dos art.ºs 342º, 343º e 344º do Código Civil – é, face à conceptualização constitucional do Direito do trabalho (com direta e necessária transposição para o direito processual laboral), materialmente inconstitucional, por contender com o disposto na Constituição e com os princípios nela consignados, designadamente: a) com o art.º 1º (enquanto nele se consagra o “princípio da dignidade da pessoa humana”); b) com o art.º 20º, n.º 4, enquanto nele se consagra o “princípio da judicialidade” – na vertente de “processo equitativo” (base de um verdadeiro direito de justiça, no sentido de um processo justo em que seja garantida a igualdade social na relação laboral); c) com o art.º 59º, n.º 1, b), enquanto contempla, entre os direitos dos trabalhadores, o direito à ocupação efetiva, em “condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal”.
Ora, pelos raciocínios que já se expenderam a propósito da questão anteriormente analisada, entende-se que as disposições constitucionais citadas pelo recorrente não implicam um regime de ónus de prova diferente do que resulta da lei civil ordinária, de resto o único que o nosso ordenamento jurídico consagra.
Por outro lado, os princípios da dignidade humana e do processo equitativo são princípios que se aplicam com o mesmo alcance quer em relação ao trabalhador quer em relação ao empregador, sob pena de violação de um outro principio constitucional, que é o princípio da igualdade (art.º 13º da Constituição da República), pelo que não se pode aceitar que os primeiros, quando invocados pelo trabalhador, lhe possam comportar o beneficio da inversão da prova, designadamente na situação do mesmo trabalhador invocar que o empregador lhe negou a ocupação efetiva.
Acresce que a lei fundamental consagra, de facto, o direito do trabalhador à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal do trabalhador [art.º 59º/1/b)], o que passa, entre o mais, pelo direito de ocupação efetiva.
Porém, a consagração constitucional deste direito não pode ter consequência de desobrigar o trabalhador de fazer a prova da sua violação por parte da entidade empregadora e de dever ser esta a ter de fazer a prova do contrário.
Como é de fácil entendimento, se sempre que alguém invocasse a violação por outrem de um direito tutelado por um princípio consagrado na Constituição estivesse dispensado de efetuar a respetiva prova, por dever ser o pretenso violador a fazer prova do contrário, estaríamos em face de uma total subversão do regime geral do ónus da prova, até porque todos os direitos, de forma direita ou indireta, estão a coberto de princípios constitucionais.
Do que se conclui que o ónus da prova – constante dos artigos 342º, 343º e 344º do Código Civil e art.º 516º do Código de Processo Civil – não é materialmente inconstitucional, designadamente em face do que se estabelece artigos 1º, 2º, 20º, n.º 4 e 59º, n.º 1, b), da Constituição da República”.
3. Desta decisão interpôs A. recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC).
Sustentava, no respetivo requerimento de interposição, a inconstitucionalidade material dos artigos 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil, bem como do artigo 516.º do Código de Processo Civil, “na interpretação e aplicação que deles foi feita (isto é: a aplicação do regime civilista do ónus da prova em direito processual laboral, fazendo impender sobre o trabalhador impugnante do seu despedimento o ónus da prova da violação do seu direito à ocupação efetiva)”, por lesão dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da CRP), da máxima efetivação dos direitos fundamentais (artigo 2.º), da judicialidade, na vertente de processo equitativo, no sentido de um processo justo em que seja garantida a igualdade social na relação laboral (artigo 20.º, nº4), e do direito à ocupação efetiva do trabalhador, decorrente do artigo 59.º, nº1, alínea b) da CRP.
4. Admitido o recurso no Tribunal, nele apresentaram alegações A., recorrente, e EP – Estradas de Portugal (que ocupou a posição processual do primitivo IEP- Instituto de Estradas de Portugal), na qualidade de recorrida.
Retomou o primeiro a tese da inconstitucionalidade, já sustentada nas alegações perante o Supremo Tribunal, dizendo quanto a ela, e fundamentalmente, o seguinte: que todo o Direito do Trabalho é perpassado pelo fim de conservar a igualdade substancial dos sujeitos envolvidos na relação jus-laboral; que o Tribunal Constitucional reconhece, em jurisprudência firmada, o dever de ocupação efetiva do trabalhador por parte da entidade patronal como decorrência do disposto no artigo 59.º, nº1 alínea b) da Constituição; que, face ao peso dos valores constitucionais em presença na matéria – reequilíbrio da desigualdade substancial de forças no âmbito das relações laborais; dignidade pessoal do trabalhador; máxima efetivação dos direitos fundamentais; conceito de processo justo, ou equitativo, em matéria laboral; dever de ocupação efetiva do trabalhador – o ónus da prova, tendo sido alegada por este último violação do seu direito à ocupação efetiva, deverá, por imposição constitucional, impender sobre a entidade patronal. Ou, tal como consta de uma das conclusões das alegações apresentadas: “[f]ace ao disposto na Constituição e aos princípios nela consignados [artigos 1.º, 2º., 20.º, nº4 e 59.º, nº1, alínea b)], a conceptualização do Direito do Trabalho – com direta e necessária transposição para o direito processual laboral – repudia, em termos de ónus da prova da ocupação efetiva do trabalhador, a conceção civilista, constante, fundamentalmente, dos artigos 516.º do Código de Processo Civil, e dos artigos 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil.”
Contra-alegou, na qualidade de recorrida, B., S.A. Recordou, antes do mais, que a questão essencial que tinha estado em discussão nas instâncias era, em seu entender, a da licitude ou ilicitude do despedimento do autor da ação; e que, perante ela, o problema da ocupação efetiva do trabalhador emergia à evidência como uma questão lateral, artificialmente enfatizada pelo recorrente junto do Tribunal Constitucional. Questão essa que, a seu ver, nenhum fundamento teria, pois que não decorreria dos princípios constitucionais invocados qualquer efeito automático de inversão do ónus da prova em processo jus-laboral, mesmo que se entendesse – como o faria consensualmente a jurisprudência e a doutrina – que a ocupação efetiva do trabalhador correspondia a um dever do empregador, e ainda que se discutisse, em processo perante um tribunal, a questão de saber se esse dever teria sido ou não cumprido.
Importa apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. Quem invoca um direito em juízo deve fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega ter. É esta a regra geral do nosso ordenamento em matéria de repartição do ónus da prova, regra geral essa que pode ser excecionada quando o legislador assim o determinar (artigos 342.º a 244.º do Código Civil). Caso haja dúvidas – sobre a realidade de um facto e sobre a questão de saber sobre quem impende o encargo de a provar – a dúvida resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 516.º do Código de Processo Civil).
Sustenta o recorrente no presente processo que todo este regime, emergente do Código Civil e do Código de Processo Civil, não deve valer para o processo jus-laboral, sobretudo quando – como, em sem entender, ocorreu no caso concreto – se discute fundamentalmente em juízo a questão de saber se foi ou não violado o direito do trabalhador à ocupação efetiva. A tese apresentada é a de que, nestas circunstâncias, se inverte necessariamente o ónus da prova do facto constitutivo do direito, cabendo tal ónus não a quem invoca o direito (o trabalhador) mas a quem está perante ele obrigado (a entidade patronal).
De acordo com o recorrente, a inversão do ónus da prova ocorre nestas circunstâncias por imperativos constitucionais. Antes do mais, por ser o direito à ocupação efetiva um direito fundamental, decorrente do direito ao trabalho segundo o artigo 58.º [e 59.º, nº1, alínea b)] da Constituição; mas, para além disso, por ser o “trabalho” um valor dotado em geral de uma especial proteção jurídico-constitucional.
Assim, e nos termos da tese apresentada, o alcance da necessária igualdade substancial dos sujeitos da relação juslaboral que a CRP pretende garantir é tal que dele decorre uma injunção especial para a conformação do processo justo no domínio laboral. O princípio da máxima efetivação dos direitos fundamentais, ínsito no princípio geral do Estado de direito (artigo 2.º), obriga a que se entenda que, quando se discute em juízo a questão de saber se foi ou não violado o direito do trabalhador à ocupação efetiva, impende sobre a parte facticamente mais forte da relação (a entidade patronal) o ónus de provar a ocorrência do facto constitutivo do direito. A inversão do regime geral, “civilístico”, sobre a repartição do ónus da prova decorre portanto neste caso, e de acordo com o recorrente, da própria Constituição, sem necessidade de lei e independentemente de lei.
6. Nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 129.º do Código de Trabalho é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho. Sendo esta, de acordo com a própria epígrafe do artigo, uma das garantias do trabalhador, dela se conclui que se não põe em causa a existência de um direito daquele último à ocupação efetiva.
Durante algum tempo, e como em geral é sabido, discutiu-se na doutrina a questão de saber se existiria ou não este direito no ordenamento jurídico português (para uma recensão da discussão, com a visão diferente que em relação a ela tinha já a jurisprudência, veja-se a fundamentação do Acórdão nº 951/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Face à atual redação do artigo 129.º do Código de Trabalho a discussão fica selada. Não restam dúvidas de que o direito existe, sendo conferido desde logo aos trabalhadores pela lei ordinária.
Questão diferente, e não encerrada, é no entanto a de saber se a esse direito se pode atribuir (não obstante se encontrar a sua explícita sede formal apenas na lei) o estatuto substancial de direito fundamental, constitucionalmente tutelado.
De acordo com uma certa corrente doutrinária, o direito a exercer efetivamente a atividade correspondente ao posto de trabalho incluir-se-á, a par da liberdade de procurar trabalho e do direito de igualdade no acesso a cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais, no âmbito de proteção da norma que consagra, na CRP, o direito ao trabalho (neste sentido, a anotação ao artigo 58.º da CRP: J.J. Gomes Canotilho/ Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, 2007, Vol. I, p. 764).
Assim, e nos termos desta doutrina, não obstante este último direito vir textualmente consagrado no capítulo da Constituição referente aos “direitos económicos, sociais, e culturais”, na sua complexa estrutura não deixarão de estar incluídas posições jurídico-subjetivas próximas das liberdades, porque dotadas da dimensão negativa ou defensiva que caracteriza estas últimas. O direito do trabalhador à ocupação efetiva, enquanto posição jurídico-subjetiva ainda inserta no âmbito geral de proteção do direito ao trabalho, será disso mesmo uma ilustração clara (Constituição da República Anotada, loc. cit.), pelo que não poderá negar-se-lhe a condição de posição jusfundamental, ou de direito constitucionalmente tutelado.
Não se discute que haja direitos fundamentais que possam decorrer implicitamente do texto da Constituição, por nele se encontrarem sem no entanto nele deterem uma sede formal explícita. Isto mesmo concluiu já o Tribunal, quando entendeu que o direito ao mínimo de sobrevivência condigna emergia, enquanto direito fundamental, da leitura conjunta dos artigos 1.º e 63.º da CRP (Acórdão nº 509/2002). Isto mesmo conclui em geral a doutrina, quando se refere à existência de normas [implícitas] de direitos fundamentais que, no texto da constituição, aparecem como normas adstritas ou subordinadas a outras normas (Zugeordnete Grundrechtsnormen: Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, suhrkamp, 1986, p. 57). Do mesmo modo, não se discute que no âmbito de proteção das normas de direitos sociais se encontrem dimensões subjetivas com estrutura idêntica à das liberdades. A jurisprudência do Tribunal tem acentuado com tal constância a conclusão (por exemplo: Acórdãos nºs 372/91, 581/95, 683/99 e 632/2008) que não vale a pena agora a ela voltar.
Mas nada disto implica que se aceite, sem mais, a tese defendida pelo recorrente no presente recurso: em bom rigor, o fundamento de tal tese pode ser discutido independentemente da resolução da questão de saber se o direito à ocupação efetiva do trabalhador detém, no ordenamento jurídico português, o estatuto de direito fundamental.
7. Com efeito, a tese da inconstitucionalidade, que o recorrente defende, não aparece só sustentada na ideia segundo a qual o artigo 58.º da CRP, ao consagrar o direito ao trabalho, consagra implicitamente o direito do trabalhador à ocupação efetiva; para além disso, e como já se viu, alega o recorrente que o valor “trabalho” é de tal modo protegido pela Constituição que por força dela se opera uma inversão do ónus da prova em processo jus-laboral, nomeadamente quando, como é o caso, se discute nesse processo a questão de saber se foi ou não violada a garantia conferida ao trabalhador pelo artigo 129.º, nº1, alínea b) do Código de Trabalho.
Não restam dúvidas que a CRP protege especialmente o trabalho e a condição de quem o exerce. É o que decorre, pelo menos, dos seus artigos 53.º a 59.º A atividade de quem trabalha não é por isso estreitamente concebida pela ordem constitucional como um mero instrumento de sobrevivência económica. É, mais do que isso, valorada como pressuposto de afirmação da dignidade das pessoas e da sua autonomia, em conformidade com o disposto nos artigos 1.º e 2.º do texto constitucional. Assim, ainda que a garantia conferida ao trabalhador pelo artigo 129.º, nº1, alínea b) do Código de Trabalho possa encontrar um fundamento próprio na lógica interna do contrato de trabalho – nomeadamente, no princípio da boa-fé contratual –, não restam dúvidas que essa mesma garantia tem um certo respaldo na ordem constitucional. Precisamente porque o trabalho é, para esta ordem, um valor, a dignidade de quem trabalha, a que se refere especialmente a alínea b) do nº 1 do artigo 59.º da CRP, encontra uma refração clara na garantia que a lei ordinária dá ao trabalhador, segundo a qual este último não ficará à mercê da inatividade que seja injustificadamente imposta pela entidade patronal.
No entanto, tal não basta para que se conclua que, por força da Constituição, o processo justo no domínio jus-laboral, em que se discuta a violação desta garantia, é necessariamente aquele em que se invertem as regras gerais – ditas “civilísticas” – relativas ao ónus da prova.
Como alega acertadamente o recorrente, o sistema dos direitos fundamentais detém uma unidade de sentido, que se organiza em torno da ideia da dignidade das pessoas. Ora, precisamente por assim ser, não cabe ao intérprete da Constituição estabelecer hierarquias abstratas e rígidas entre os vários valores ou bens jurídicos que nesse sistema são protegidos. E a verdade é que o trabalho não é o único valor tutelado pelo sistema; a par dele surgem vários outros, todos eles determinantes da ordem infraconstitucional, como por exemplo a integridade das pessoas (artigo 25.º), a liberdade de pensamento, de expressão e de criação artística (artigos 41.º, 42.º e 43º) ou a intimidade da vida privada (artigo 26.º). Se em relação a todos estes bens, constitucionalmente tutelados, se seguisse a tese defendida pelo recorrente – segundo a qual, por força da proteção constitucional desses mesmos bens, nos processos em que se invocasse a violação de um direito ainda eles atinente se operaria automaticamente uma inversão do ónus da prova – a conformação das regras de processo tornar-se-ia dificilmente compatível com as exigências de segurança jurídica que os princípios contidos no artigo 2.º e 20.º da CRP exigem. Nenhum motivo há para que se conclua que o valor ou bem “trabalho” merece, quanto a este ponto, um tratamento preferencial ou excecional. É certo que as relações laborais são marcadas pela especial vulnerabilidade de um dos seus sujeitos; como é certo, também, que é intenção da ordem constitucional proteger nessa relação a parte mais frágil. No entanto, tal não chega para que o intérprete possa afirmar que, por causa disso, o valor “trabalho” ocupa no sistema de bens jus-fundamentais uma posição hierárquica tal, em relação a outros bens, que por si só justifique a inversão dos princípios gerais do ónus da prova em processos jus-laborais. Esta inversão poderá vir a ser decidida, como o indica a parte final do nº 1 do artigo 344.º do Código Civil, pelo legislador ordinário, que assim ponderará como conciliar diferentes bens constitucionais que eventualmente conflituam – em identificadas circunstâncias – entre si. Mas nada na Lei fundamental permite concluir que tal inversão do ónus da prova se dá, nos processos jus-laborais, independentemente da lei, e apenas por força da proteção que a ordem constitucional dispensa ao trabalho e à condição do trabalhador.
III – Decisão
Nestes termos, o Tribunal decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma decorrente dos artigos 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil, bem como do artigo 516.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual o regime do ónus da prova se aplica em direito processual laboral, fazendo impender sobre o trabalhador, nomeadamente, o encargo de provar a violação do seu direito à ocupação efetiva; e, consequentemente,
b) Não conceder provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida quanto ao juízo sobre a questão de constitucionalidade,
c) Condenar o recorrente em custas, fixando-se as mesmas em vinte e cinco (25) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 1 de outubro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Ana Guerra Martins – Vítor Gomes – Rui Manuel Moura Ramos.