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Proc.nº 180/00
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. – JS e mulher, MS vieram interpor recurso contencioso de anulação da resolução de 12 de Agosto de 1994, pela qual o Governo Regional da Madeira indeferiu o pedido de reversão formulado pelos requerentes relativamente à expropriação da parte sobrante de um prédio expropriado pelo Governo Regional para a execução da obra de construção das estradas regionais nºs 106 e 101, troço Cruz de Carvalho- Lombada, primeira fase, saída oeste do Funchal, e que não chegou a ser aplicado ao fim determinante da expropriação.
De facto, realizada a expropriação amigável de um prédio dos requerentes, estes, em fins de Janeiro ou princípios de Fevereiro de 1994, verificaram que a entidade expropriante iniciara a construção de um novo edifício para o Laboratório Regional de Engenharia Civil, em parte dos prédios expropriados. Requereram, então, ao abrigo do artigo 5º, do novo Código das Expropriações – Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro – a reversão de parte do prédio expropriado, que não chegou a ser aplicada ao fim da expropriação.
O Governo Regional da Madeira opôs-se ao requerido, tendo indeferido o pedido de reversão.
O Supremo Tribunal Administrativo (STA), por decisão de
25 de Novembro de 1997, resolveu negar provimento ao recurso, mantendo a validade do acto impugnado.
Fundamentou assim o acórdão do STA a decisão tomada, na parte relativa ao mérito do pedido:
'A questão de fundo, fundamental, a decidir, depende do regime aplicável às
'parcelas sobrantes' de prédio expropriado e relativamente ao qual foi efectuada a destinação do prédio pelo fim visado no acto expropriativo. E, aqui é importante Ter em atenção que, sendo a relação expropriativa iniciada com o acto de declaração de utilidade pública, essa relação fica sujeita a uma verdadeira condição resolutiva aposta ao acto de expropriação, que se traduz na necessidade dos bens serem aplicados ao fim público justificativo da expropriação. Mas a relação jurídica expropriativa, como relação de trato sucessivo, só é abrangida pelo D.L. 438/91, de 9 de Dezembro e, como tal susceptível de fazer operar o direito de reversão, nos termos daquele Decreto-Lei, se se protrair para além do início de vigência do Decreto-Lei 438/91, de 9 de Dezembro. No caso em apreciação, o que se verificou, porém, foi que os bens expropriados foram destinados ao fim expropriativo (construção de estradas regionais), tendo-se verificado, para além disso, que houve uma parcela 'sobrante' de 6.000 m2, resultante da junção das parcelas sobrantes dos terrenos objecto dos autos de expropriação amigável que foram aproveitadas para instalação do Laboratório Regional de Engenharia Civil. Só que essa ulterior 'destinação' das partes sobrantes foi decidida em 16.01. 1991, muito antes da entrada em vigor do D.L.
438/91, de 9 de Dezembro e de acordo com o nº5 do artigo 7º do D.L. 845/76, de
11 de Dezembro, que permitia que realizada a obra para que foi declarada a utilidade pública de expropriação, as parcelas sobrantes poderiam ser afectadas a outros fins de utilidade pública. Ora, tendo a afectação dos imóveis expropriados sido efectuada em função dos fins mencionados na declaração de utilidade pública, na vigência do citado D.L. 845/76, a relação expropriativa consumou-se, totalmente, com a destinação dos prédios aos fins em causa no domínio daquela lei e de acordo com o regime então vigente. Pelo que não se tendo protraído tal situação para além do início da vigência do D.L. 438/91 e tendo já decorrido todos os seus efeitos no domínio do D.L.845/76, de 12 de Dezembro, é aplicável o princípio geral da aplicação da lei nova apenas para o futuro, com ressalva dos efeitos já produzidos no domínio da vigência da lei anterior (art.º 12º, nº1, do C. Civil). Tal situação é diferente e tem um tratamento distinto daqueles outros casos em que, por omissão da entidade expropriativa as parcelas expropriadas se mantêm sem utilização aos fins expropriativos ou a quaisquer outros e em relação às quais os tribunais têm considerado que a lei nova se aplica às situações que perduram à data da entrada em vigor do D.L. 438/91, de 9 de Novembro, com a aplicabilidade, a tais casos, do dispositivo constante do n.º 1 do artigo 5º daquele diploma legal.'
2. – Não se conformando com esta decisão, os requerentes interpuseram recurso para o Pleno da Secção do STA que, por decisão de 19 de Janeiro de 2000, resolveu conceder provimento ao recurso jurisdicional revogando o acórdão recorrido, anulando a resolução de 12 de Agosto de 1994 do Governo Regional da Madeira.
Para assim decidir, o Pleno do STA começou por delimitar a questão controvertida pela forma seguinte: 'o facto jurídico constitutivo do questionado direito de reversão a que os recorrentes se arrimam é a afectação das parcelas sobrantes dos prédios expropriados para construir as estradas regionais nºs 101 e 106, troço Cruz de Carvalho – Lombada – saída oeste do Funchal – 1ª fase – e da ligação do Caminho de São Martinho ao Caminho do Esmeraldo, incluindo o acesso à G.A.G.2., à construção do Laboratório Regional de Engenharia Civil, ou seja, a um fim público diverso do determinante da sua expropriação, para o qual se tornaram desnecessárias'.
Assim sendo, o acórdão recorrido parte do facto provado na secção de que tal afectação resultou do despacho do Secretário Regional do Equipamento Social de 16/01/91, anterior à entrada em vigor do Código das Expropriações de 91, pelo que, tratando-se, no entender do acórdão, de um facto instantâneo, temporalmente limitado, tal código não lhe pode ser aplicado sob pena de retroactividade. Segundo o Pleno, o acórdão da secção decidiu bem ao eleger como norma reguladora do caso o art.º 7º, nº5 do Código da Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 12 de Dezembro.
A decisão recorrida afronta, por último, a questão da inconstitucionalidade do art.º 7º, nº5 do Código das Expropriações aplicado na decisão da secção e que os recorrentes consideram que viola os artigos 2º, 62º e
268º, nº3, da Constituição da República Portuguesa.
A este respeito, escreveu-se na decisão recorrida:
'É de excluir in limine que o mesmo viole o citado nº3 do art.º 268º, já que este se refere à obrigatoriedade de fundamentação dos actos administrativos, quando afectem direitos e interesses legalmente protegidos, e da sua notificação aos interessados, regulamentação a que aquele é totalmente alheio. Mas já se nos afigura que o dito normativo, enquanto exclui de todo o direito de reversão nos casos nele previstos, afronta o disposto no art.º 62º, nº1, da Constituição, que garante a todos o direito de propriedade privada, configurando-o como um direito económico de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, submetido ao regime do artigo 18.º. A garantia da propriedade privada implica, com efeito, o reconhecimento do direito de reversão a favor dos proprietários expropriados se os bens não forem utilizados ou aplicados ao fim justificativo da expropriação dentro de um prazo razoável – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed. pág.336. Ora bem, o n.º5 do art.º 7º posterga esta garantia em homenagem a outra ou outras utilidades públicas diversas daquela que legitimou a expropriação e que acompanha esta mesma para além da sua consumação quando até por razões de transparência constitucional é essencial que, logo no momento da expropriação, se saiba qual a utilidade pública concreta que a justifica, nisto radicando a razão de ser da exigência da declaração de utilidade pública. Por outro lado, constitui sem dúvida um grave entorse constitucional, a admissão sem limite, permitida pelo preceito, duma mutação ou conversão superveniente da utilidade concreta, sem que haja lugar a uma nova ponderação do interesse público específico com o direito de propriedade privada, ponderação esta requerida no instante da expropriação, e que é necessária para se aferir da imprescindibilidade do sacrifício deste direito para a realização dum interesse público, no caso, diverso do que determinou a expropriação. A mais disto, o n.º 5, além de contemplar situações em que a utilidade pública concreta já se encontra totalmente preenchida, cessando desta forma o fundamento do sacrifício do direito de propriedade, autoriza a substituição da entidade que pode invocar a utilidade pública concreta sucedânea, como no caso acontece, o que reforça a ideia de sacrifício intolerável do direito de propriedade privada.
E, com esta fundamentação, o acórdão recorrido recusou aplicar a norma do artigo 7º, n.º5 do Código das Expropriações , aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 12 de Dezembro.
3. - É desta decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade quer pelo Ministério Público, quer pela Região Autónoma da Madeira.
O Ministério Público, nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:
'1 - O direito de reversão é uma exigência constitucional, fundada no artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, em função da qual deverá 'caducar' – a requerimento do interessado – a extinção ou compressão do direito de propriedade, sempre que se haja frustrado a realização do concreto fim de utilidade pública que funcionava como 'causa' do acto expropriativo.
2 – A tutela constitucional da propriedade não implica, porém, que – consumado plenamente o fim da expropriação – o destino de eventuais 'parcelas sobrantes' – e a sua legitima afectação a quaisquer fins de utilidade pública – dependa de nova declaração de utilidade pública.
3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada.'
Pelo seu lado, o Governo Regional da Madeira também apresentou alegações mas, não tendo formulado conclusões foi convidado a apresentá-las, o que veio a fazer, tendo concluído as alegações pela forma seguinte:
1. O Acórdão do Pleno da 1ª Secção do STA, de 19/01/2000, proferida a fls. Recusou a aplicação da norma do nº 5, do artº 7º do Código das Expropriações de
1976, aprovado pelo Dec-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do artº 62º, nº1, da Lei Fundamental, que o Acórdão recorrido violou.
2. Acontece, porém, que a norma sobre a qual dúvidas se levantam acerca da sua inconstitucionalidade, não colide com a tutela constitucional da propriedade privada, consagrada no artº 62º, nº 1, da Lei Fundamental, que o Acórdão recorrido violou.
3. É inegável que o direito de propriedade privada implica o reconhecimento do direito de reversão a favor dos expropriados, simplesmente o direito de os proprietários poderem recuperar a propriedade de bens expropriados, funcionando como cláusula resolutiva, só tem razão de ser no caso em que tais bens não tenham efectivamente sido afectos à realização do fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação.
4. Na verdade, o direito de reversão, visando, por um lado, reprimir a inércia da entidade expropriante, e, por outro, o desvirtuamento do objectivo da expropriação, só se compreende nas hipóteses de não afectação dos bens expropriados aos fins da expropriação ou de alteração do fim expropriativo.
5. Ora, tais hipóteses nada têm a ver nem são excluídas pelo nº5 do artº 7º do C.E. de 1976, (Dec-Lei) nº 845/76, de 11/12) razão pela qual a não aplicação do direito de reversão ali previsto não viola o artº 62º, nº1 da Constituição da República Portuguesa.
6. Afinal de contas, no nº5 do artº 7º do Dec-Lei nº845/76, de 11 de Dezembro, não está em causa, nem a afectação do bem expropriado ao fim de utilidade pública que determinou a expropriação, nem sequer a sua afectação a outro fim de utilidade pública que determinou a expropriação, nem sequer a sua afectação a outro fim de utilidade pública, que não o inicialmente declarado.
7. Está em causa tão só a afectação de uma parcela sobrante do bem expropriado a outro fim de utilidade pública, sendo que o imóvel, no seu todo, foi afecto ao fim de utilidade pública que determinou a expropriação.
8. Desta forma, porque o bem expropriado foi efectivamente aplicado à realização do fim de utilidade pública que determinou a sua expropriação, não faz sentido invocar a existência, neste caso, de direito de reversão relativamente às parcelas sobrantes que, apesar de tudo, foram aplicadas a outro fim de utilidade pública, para com isso inferir, como infere o Acórdão recorrido, 'que o dito normativo [artº 7º, nº5 do CE de 76], enquanto exclui de todo o direito de reversão nos casos nele previstos, afronta o disposto no artº
62º, nº1 da Constituição...'.
9. Na verdade, consumado que foi o fim da expropriação, ocupando-se para isso a maior parte do bem expropriado, será absurdo exigir nova declaração de utilidade pública para que se possa afectar uma mera parcela sobrante a outro fim, a outro fim, igualmente de utilidade pública, pois que, o expropriado foi ressarcido da totalidade do seu valor, não o podendo, nem devendo ser, duplicadamente.
10. Por isso, tal não traz ao expropriado quaisquer garantias, direitos, vantagens ou compensações, mais, que já não tenha auferido, e apenas constituiria uma duplicação burocrática, administrativa e judicial, totalmente ao arrepio da simplificação administrativa, e da economia de meios, tão insistentemente reclamada e exigida.
11. Daí que se considere manifestamente excessivo, porque próprio de uma concepção ultraliberal, ultrapassada e sem qualquer acolhimento constitucional, ao atribuir-se carácter absoluto ao direito de propriedade, entender-se que meras parcelas sobrantes não pudessem ser supervenientemente afectas a diferente fim de utilidade pública, sem que se proceda a nova declaração de expropriação, sendo certo que poderiam ficar abandonadas, sem qualquer aproveitamento e os recorridos jamais formularam pedido de reversão antes de consumada a sua utilização pública.
12. Acresce que, ao contrário do referido no Acórdão recorrido, a entidade expropriante é apenas uma - o Governo Regional - e é ele que dá o uso de utilidade pública à parcela sobrante, embora por delegação, como não podia deixar de ser, na Secretaria Regional do Equipamento Social. Pelo exposto, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão recorrido, como é de direito e JUSTIÇA.'
Também os ora recorridos JS e mulher, MS produziram as pertinentes alegações, em que defendem a manutenção do julgado, mas sem formularem conclusões.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTOS
4. – O objecto do presente recurso de constitucionalidade é a apreciação da conformidade à lei fundamental da norma constante do nº5 do artigo 7º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, norma esta cuja aplicação foi recusada nos autos pela decisão recorrida com fundamento na sua inconstitucionalidade.
A norma questionada tem a seguinte redacção:
'Artigo 7º
1º. [...].
5. Realizada a obra para que foi declarada a utilidade pública da expropriação e sobejando parcelas de terreno, poderão as mesmas ser afectadas a outros fins de utilidade pública, ainda que tais fins devam ser prosseguidos por entidade diversa do expropriante, mediante a devida compensação em dinheiro ou em espécie.'
Nos termos da decisão recorrida, a norma referida contende com o preceituado no artigo 62º da Constituição na medida em que, estando a utilidade pública concreta satisfeita e, tendo por isso cessado o fundamento do sacrifício do direito de propriedade, a norma autoriza as parcelas sobejantes possam ser afectadas a outros fins de utilidade pública, mesmo com substituição da entidade expropriante, ressalvando todavia o pagamento da
'devida compensação em dinheiro'.
Será assim?
O artigo 62º da Constituição estabelece que 'a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição (n.º1). A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (n.º2)'. O direito de propriedade privada é, assim, um direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias pelo menos enquanto direito de cada um não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública, e em tal caso, mediante o pagamento de uma indemnização justa.
Segundo Alves Correia (in 'A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999' – Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 132º, pág.
294), 'do elenco das garantias específicas do expropriado perante o acto expropriativo fazem parte, além da indemnização – que é, simultaneamente, um pressuposto de legitimidade e uma garantia fundamental do expropriado -, a caducidade do acto de declaração de utilidade pública e a reversão dos bens expropriados'.
Esta afirmação reporta-se ao Código das Expropriações
(CE) de 1999. Com efeito, no código (CE) de 1976, o nº1 do artigo 7º não admite a reversão sempre que a entidade expropriante seja uma entidade pública, a não ser no caso de o expropriado ser uma autarquia local. Mas, já o nº2 do preceito admitia a reversão quando a entidade expropriada for de direito privado e os bens expropriados não tiverem sido aplicados ao fim que determinou a expropriação e ainda no caso de ter cessado a aplicação àquele fim.
No caso em que a lei prevê a reversão, estabelece-se um prazo de um ano para o exercício de tal faculdade, prazo este contado da verificação do facto originador da reversão (nº3), independentemente da data em que o interessado teve conhecimento de tal facto.
O CE de 1976 não admite o direito de reversão quando por lei ou por contrato os bens deverem ser integrados no domínio público do Estado ou das autarquias locais, ou ainda quando lhe for dado outro destino de utilidade pública (nº 4).
No que se refere às parcelas sobrantes, o CE de 1976 permite que as mesmas possam ser afectadas a outros fins de utilidade pública, mesmo que prosseguidos por entidade diversa, prevendo-se todavia a ‘devida compensação’ para tal 're-expropriação'. Porém, se tais parcelas não puderem ter tal destino nem constituir uma unidade económica independente, a lei prevê a sua incorporação nos prédios confinantes por venda ou o seu aproveitamento por qualquer outra forma (nºs 5 e 6, do artigo 7º).
O direito de reversão consiste no poder conferido ao primitivo proprietário de readquirir o bem expropriado, no caso de se verificarem certos pressupostos (não aplicação dos bens expropriados aos fins de utilidade pública que determinaram a expropriação; cessação da aplicação dos bens a esse fim).
O CE de 1976 regula nos artigos 102º e seguintes o procedimento específico para a efectivação do direito de reversão, que se inicia por um requerimento do expropriado à entidade que declarou a utilidade pública da expropriação através da entidade expropriante, com recurso para o STA da decisão que vier a ser proferida.
O direito de reversão encontra o seu fundamento na garantia constitucional do direito de propriedade privada, consagrado no artigo
62º, nº1 da Constituição. Assim o afirmou o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 827/96 (in 'Diário da República', IIª Série, de 4 de Março de 1998) e assim é aceite pela doutrina (neste sentido, Alves Correia, in 'A Jurisprudência do Tribunal Constitucional...', atrás citado, pág. 295),
Escreve este autor: 'É que, configurando-se a expropriação como uma compressão da garantia constitucional do direito de propriedade, na sua dimensão de garantia individual, justificada pela necessidade de afectação de um bem objecto de propriedade privada a um fim de interesse ou utilidade pública, é natural que aquela garantia recupere a sua especial força jurídica, em face do desaparecimento da razão de ser daquele acto ablativo (cf. O artigo 62º, nº2, da Constituição), decorrente da não aplicação do bem ao fim específico que o determinou ou da cessação da aplicação a esse fim, atribuindo ao expropriado o direito de reaquisição do bem de que tinha sido
(desnecessariamente) privado.'(ibidem, pág. 295).
O acórdão nº 827/96 fez decorrer a inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 7º do Código das Expropriações de 1976 da garantia constitucional da propriedade privada constante do artigo 62º, nº1, da Constituição. Entendeu-se que, em caso de desvio da finalidade de utilidade pública, o não reconhecimento pela lei do direito de reversão, no caso de os expropriados serem sujeitos jurídicos privados e o expropriante pessoa jurídica de direito público, viola aquela garantia constitucional.
5. – No caso em apreço – e independentemente do entendimento sobre a natureza do direito de reversão – o fim de utilidade pública a que se destinava a expropriação foi plenamente realizado, não tendo havido desvios de tal finalidade.
Porém, a entidade expropriante após a realização da obra, constatou que a junção de diversas parcelas sobrantes lhe permitia a realização de outra obra pública: a instalação de um novo edifício para o Laboratório Regional de Engenharia Civil. E, assim, o Secretário Regional do Equipamento exarou um despacho determinando a afectação da parcela sobrante
àquela instalação invocando para o efeito o nº3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº
845/76, de 11 de Dezembro (isto é, estar excedido o prazo de um ano para requerer a reversão), norma esta cuja (in)constitucionalidade não vem suscitada no presente recurso.
A questão a resolver consiste pois na validade constitucional da norma que permite que a parte sobrante de um prédio expropriado seja afectado a outro fim de utilidade pública, mesmo que deva ser prosseguido por diversa entidade, mediante a devida compensação em dinheiro ou em espécie.
É claro que uma tal norma se impedir o exercício do direito de reversão dos bens expropriados que porventura ainda pudesse ser validamente exercido, não pode deixar de constituir, nessa estrita medida, uma compressão da garantia constitucional do direito de propriedade constitucionalmente consagrada.
Só que essa compressão tem como fundamento uma outra razão de interesse público que, constitucionalmente, justifica a ablação do próprio direito de propriedade. Com efeito, no caso em apreço, a afectação da parte sobrante a outro fim de interesse público, como é, por exemplo, a construção de um edifício para instalar um serviço público regional, justifica a compressão do direito de propriedade consistente na não concessão do direito de reversão.
A norma em causa não implica, portanto, uma restrição ou eliminação arbitrária ou materialmente desrazoável do direito de reversão, pelo que não contende com o artigo 62º da Constituição.
III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a. não julgar inconstitucional a norma do nº5 do artigo 7º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 845/76, de 11 de Dezembro, enquanto permite que, realizada a obra para que foi declarada a expropriação, as partes sobrantes possam ser afectadas a outros fins de utilidade pública; b. em consequência, conceder provimento ao recurso de constitucionalidade, determinando que a decisão recorrida seja reformulada de acordo o presente julgamento de constitucionalidade. Lisboa, 30 de Janeiro de 2001 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa