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Processo nº 11/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - AD, procurador-geral adjunto no Tribunal de Contas, requereu, nos termos do artigo 76º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho – Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante LPTA –, a suspensão de eficácia do despacho nº 99/00, de 16 de Outubro de 2000, do Presidente do Tribunal de Contas, que, sob proposta da Comissão Permanente e ao abrigo do disposto nos artigos 74º, nº 1, alínea j) e 23º da Lei nº 98/97, de 26 de Agosto, nomeou juiz auxiliar desse Tribunal, em comissão de serviço por um ano, o licenciado LM, para suprir a vaga cativa do Conselheiro JS, na situação de licença sem vencimento por um ano.
Para o efeito, e em síntese, alegou encontrarem-se verificados os requisitos previstos naquele artigo 76º.
Assim, em sua tese, verifica-se o requisito da alínea a) do nº 1 do preceito, ou seja, que a execução do acto causa prejuízo de difícil reparação para o requerente e seus interesses.
Considerando que se trata de nomeação a termo certo, com a duração de um ano, e não a título definitivo, e que pretende ser nomeado juiz auxiliar nos precisos termos em que se mostra feita a nomeação impugnada, com o consequente exercício de funções pelo prazo que dessa nomeação resulta e os direitos, expectativas e demais consequências legais associadas a esse exercício, a preterição da pretensão do requerente não só se reflecte nos correspondentes efeitos remuneratórios, como no respectivo currículo, criando-lhe prejuízos graves e de difícil, senão impossível, reparação.
De igual modo, assinala-se o requisito da alínea b) do nº 1 do mesmo dispositivo, pois não se afigura que a suspensão do acto determine grave lesão do interesse público.
Finalmente, e no que toca ao requisito previsto na alínea c), não existem quaisquer indícios que sugiram a ilegalidade de interposição do recurso: a leitura que neste se faz das normas dos artigos 23º, nº 2, e 19º, nºs. 2 e 3, da Lei nº 98/97, é, não só plausível, como a única que está de acordo com a letra e o espírito dessas normas.
Pede-se, assim, em consonância, a suspensão da execução do acto.
2. - O Conselheiro relator ordenou o cumprimento do disposto no nº 3 do artigo 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais – Lei nº 21/85, de
30 de Julho, na redacção da Lei nº 143/99, de 31 de Agosto –, aplicável ex vi do artigo 20º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 98/97.
Notificado, o Presidente do Tribunal de Contas veio responder, pronunciando-se no sentido da improcedência do pedido.
No essencial, veio defender que a execução imediata do acto não é susceptível de causar ao requerente um prejuízo irreparável ou de difícil reparação, nos termos previstos no nº 1 do artigo 170º do EMJ. Com efeito, por um lado, não assume dificuldade a reconstituição da situação jurídica inerente ao direito aos vencimentos correspondentes ao estatuto de juiz conselheiro desde o acto impugnado, eventualmente anulado, até à nomeação do interessado, sendo meramente conjectural – e, assim, irrelevante – a alegação de que a decisão do recurso irá demorar mais do que o período para o qual o acto recorrido estende os seus efeitos (um ano); por outro lado, o eventual não enriquecimento do currículo do recorrente pelo não exercício do cargo não se conexiona com a execução ou não do acto de nomeação impugnado, antes decorrendo do acto de nomeação ou não de recorrente para aquele cargo, como tal não relevante para o fim pretendido.
Acresce que, mesmo que fossem de observar os requisitos de suspensão de eficácia previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 76º da LPTA – de resto, significando para o requerente um ónus agravado, na medida em que teria de os confrontar –, a decisão de suspensão de eficácia do acto determinaria grave lesão para o interesse público, nomeadamente porque não implicaria a automática nomeação de outro juiz auxiliar.
3. - O Plenário Geral do Tribunal de Contas, por acórdão de 6 de Novembro de 2000 (acórdão nº 2/2000 – P.G.), julgou improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo consubstanciador da nomeação do licenciado LM como juiz auxiliar daquele Tribunal e, consequentemente, indeferiu a requerida suspensão.
Neste aresto começa-se por equacionar a questão prévia consistente em o requerente ter fundamentado juridicamente a sua pretensão com a invocação directa da norma do artigo 76º, nº 1, da LPTA, que o magistrado recorrido contestou, ao sustentar a aplicabilidade, ao caso, da norma do artigo
107º, nº 1, do EMJ.
Foi este o entendimento sufragado, por se entender ser solução obrigatoriamente decorrente do citado artigo 20º, nºs. 3 e 4, da Lei nº
98/97, atendendo a que se trata de actos definitivos relativos ao concurso e nomeação de juízes para o Tribunal de Contas.
Considerou-se, a este propósito, só importar o requisito exigido pelo nº 1 do artigo 170º do EMJ, 'face à evidente irrelevância para o caso do que dispõem as alíneas [em especial b) e c)] do nº 1 do artigo 76º da LPTA'.
Com efeito, a nova redacção dada ao nº 1 do artigo 170º do EMJ pela Lei nº 143/99, de 31 de Agosto, prevê unicamente, para efeitos de eventual suspensão de eficácia do acto recorrido, que se considere, a requerimento do interessado, que a execução imediata do acto seja susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
4. - Inconformado, AR interpôs recurso do assim decidido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Alega ter sido surpreendido com a interpretação feita pelo Tribunal de Contas ao artigo 170º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, de modo a excluir a aplicação subsidiária da LPTA.
Formulou o seu requerimento inicial 'convicto de que o Tribunal o apreciaria com base nos requisitos e de acordo com a tramitação constantes dos artºs. 76º ss/ da LPTA, aprovada pelo DL 267/85, 16 JUL, regime inteiramente compatível com o disposto no artº 170º da Lei nº 21/85, 30 JUL., adiante designada EMJ, o qual sendo exíguo na regulamentação da matéria, necessariamente supõe e postula a aplicação subsidiária da LPTA, como expressamente previsto, relativamente aos recursos relativos ao recrutamento de juízes para o Tribunal de Contas, nos artºs. 20º, nº 3, da Lei nº 98/97, 26 AGO, e 178º EMJ. O requerente não poderia prever, em face dos indicados normativos, que o Tribunal viesse a excluir, como excluiu, a aplicação subsidiária da LPTA. Foi, por isso, literalmente surpreendido pela interpretação dada ao referido artº 170º pelo despacho de fls. 31, despacho de que tomou conhecimento com a notificação do Acórdão, sendo que o Plenário do Tribunal, apreciando e decidindo a suspensão com base apenas no requisito previsto no artº 170º, 1 EMJ manifestamente entendeu ratificar o entendimento do Exmo. Relator [...] O recorrente foi, com efeito, surpreendido por interpretação em torno do nº 1 do artº 170º que nunca admitiu como possível ou plausível e daí que só agora possa chamar à colação os aspectos de inconstitucionalidade ligados a tal interpretação e, por outro lado, seria descabido reclamar do Relator para o Plenário deste Tribunal relativamente a matérias de que o Plenário já conheceu em sentido contrário ao que o requerente sufraga, como se vê pelo Acórdão e por todo o contexto processual.'
A interpretação adoptada, no entendimento do recorrente, viola, pelo menos, as seguintes normas constitucionais:
'Artºs. 2º e 20º, 1, pois que por via da não aplicação subsidiária do artº 78º,
2 LPTA não teve lugar a audição do candidato afectado pelo pedido de suspensão violando-se dessa forma os princípios da igualdade de armas e do contraditório, inerentes a um Estado de Direito e ao acesso ao direito e à justiça, como aqueles normativos asseguram. Artº 13º, na medida em que decidindo o pedido de suspensão pela mera consideração do interesse do requerente em vez de conhecer dele por via da análise cumulativa dos requisitos previstos nas al. a), b), c) do nº 1 do artº
76º LPTA, o Tribunal de Contas, sem qualquer fundamento válido, dá aos candidatos a juízes um tratamento desigual por referência ao que é dado à generalidade dos cidadãos, o que se traduz em violação do princípio da igualdade. Artº 20º, 1 e 268º, 4, pois que estabelecendo como núcleo essencial a fundar a recusa da suspensão a inexistência de nexo de casualidade entre os danos invocados e a execução do acto, a análise que o Acórdão faz desse nexo, para concluir que ele inexiste, pura e a simplesmente redunda no não reconhecimento da suspensão de eficácia do acto recorrido como instrumento essencial do acesso ao direito e à justiça no âmbito do contencioso administrativo. Não reconhecimento que igualmente se filia no facto de o Acórdão não tomar em consideração os interesses do requerente tal como defendidos no recurso, como era mister que fizesse, por via da aplicação subsidiária do 2º segmento da al. a) do nº 1 do artº 76º, LPTA.'
5. - O Conselheiro relator, por despacho de 5 de Dezembro de
2000, indeferiu o requerimento de interposição do recurso 'porquanto se nos afigura manifestamente infundado, pois, tratando-se de recurso previsto na alínea b) do nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, não [se] suscitou tempestivamente a questão da constitucionalidade e, por outro lado, o recorrente carecer de legitimidade nos termos referidos'.
Defendeu-se, nesse lugar, inexistir surpresa na interpretação dada à norma aplicada na decisão recorrida – a do nº 1 do artigo
170º do EMJ – considerando a subsidiariedade de 1º grau reconhecida ao regime de recurso das deliberações do Conselho Superior da Magistratura pelo nº 4 do artigo 20º da Lei nº 98/97 – cuja inadequação constitucional não foi suscitada – funcionando, por força do artigo 178º daquele Estatuto, apenas em segunda linha, as normas da LPTA.
Como tal, entende-se não ser 'possível afirmar que se está perante uma interpretação inesperada de uma norma (artigo 170º, nº 1, do EMJ), que nem sequer se invocou no decurso do requerimento [...]', o que podia
[e devia] ser feito.
Acresce a falta de legitimidade do recorrente.
Na verdade, a não intervenção do candidato afectado pelo pedido de suspensão ('não teve lugar a audição do candidato afectado pelo pedido de suspensão violando-se dessa forma os princípios da igualdade das armas e do contraditório', nos termos alegados pelo recorrente) não lhe concede legitimidade para fazer valer-se de prejuízos eventualmente causados a terceiros e não próprios.
De igual modo não tem o recorrente legitimidade para suscitar a inconstitucionalidade relacionada com a não consideração dos requisitos de suspensão previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 76º da LPTA, pois 'não sai vencido mas beneficiado com tal decisão'.
Consigna-se, por fim, que, relativamente ao último fundamento do recurso, não se impugna qualquer norma mas a própria decisão judicial.
6. - Notificado, AD reclamou, em tempo, para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
Em síntese, defende que, atento o processamento seguido, a arguição da inconstitucionalidade da norma do artigo 170º, nº 1, do EMJ, foi tempestiva e processualmente adequada; que se encontra, actualmente, sanada a falta de intervenção no processo do candidato afectado pela suspensão; que sempre se assumirá como processualmente útil a decisão do Tribunal Constitucional que julgue o pedido de suspensão 'na consideração dos vários aspectos atendíveis, de acordo com o artigo 76º da LPTA'; finalmente, que está em causa a apreciação da aplicação da norma do artigo 170º, nº 1, em que a decisão se funda, na sua vertente de constitucionalidade, norma esse que é aquela em que o acórdão recorrido se baseia para apreciar os prejuízos do requerente e para excluir o nexo de causalidade, sendo certo que tal aplicação
'redunda, em última análise, no não reconhecimento, em contencioso anulatório, da providência de suspensão de eficácia dos actos recorridos em termos que as normas da Constituição invocadas não autorizam'.
Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, neles se pronunciou o competente magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82.
Cumpre decidir.
II
1. - A primeira questão de constitucionalidade que o interessado equacionou, relativa à não observância do disposto no nº 2 do artigo
78º da LPTA, perdeu a sua razão de ser.
Como o próprio reclamante reconhece, o eventual vício que resultaria da falta de oportuna audição do candidato afectado pelo pedido de suspensão mostra-se sanado, uma vez que, em momento posterior, reconhecida a falta, procedeu-se à adequada notificação.
2. - A segunda das questões levantadas tem a ver com a determinação do regime aplicável à suspensão de eficácia da decisão do Tribunal de Contas: se é o estabelecido no nº 1 do artigo 170º do EMJ, conferindo exclusiva relevância ao requisito da existência de 'prejuízo irreparável ou de difícil reparação', ou o decorrente do preceituado no nº 1 do artigo 76º da LPTA, que implica a verificação conjunta dos requisitos tipificados nas alíneas a), b) e c) desse normativo.
Esta questão, no entanto, não pode ser objecto de uma abordagem de 'mérito', não só porque esta não deverá ocorrer em sede de processo de reclamação, como por, obviamente, não competir ao Tribunal Constitucional sindicar a decisão do Tribunal de Contas, na medida em que, entre dois regimes, configurando-se um como 'geral' e outro como 'especial', entendeu ser de aplicar este último, no concreto caso.
Pode colocar-se, no entanto, o problema da legitimidade do recorrente que, na verdade, melhor se situa nos parâmetros da utilidade na apreciação da questão de constitucionalidade, atenta a natureza instrumental do recurso em causa, só possibilitando a apreciação pelo Tribunal Constitucional de decisão que, sobre a matéria de constitucionalidade, seja susceptível de se repercutir efectivamente no teor e sentido da decisão recorrida (neste sentido, por todos, o acórdão nº 272/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Junho de 1994).
É que, pressupondo o nº 1 do artigo 76º da LPTA, para a suspensão de eficácia pretendida, a verificação cumulativa dos requisitos constantes das alíneas a), b) e c), basta que não se verifique o primeiro desses pressupostos para deixar intocada a decisão.
Com efeito, seja pelo critério desta norma, seja pelo que foi acolhido, a inexistir prejuízo irreparável ou de difícil reparação, a suspensão é inviável e a decisão mantém-se incólume, não se vendo em que medida a opção pela aplicação do regime 'especial' do artigo 170º, nº 1, 'na perspectivação ‘globalizante’ dos demais requisitos (maxime da existência ou inexistência de grave lesão do interesse público) poderia inverter a [...] conclusão em que o Tribunal de Contas alicerçou, em termos efectivos, a rejeição do pedido formulado', como observa, no seu 'visto', o magistrado do Ministério Público.
Assim sendo, independentemente de se averiguar e decidir quanto à atempada suscitação de constitucionalidade – questão, porventura, dotada de alguma complexidade, considerando a configuração normativa dos preceitos em causa –, o certo é que, a inexistir (repete-se) aquele prejuízo, qualquer decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão subjacente seria inútil, uma vez que insusceptível de nela se repercutir.
3. - O desiderato alcançado implica, no entanto, que se entenda inexistir aquele prejuízo e, consequencialmente, que se responda em determinado sentido à questão, igualmente posta, relativa à verificação de nexo causal entre a execução do acto e os danos causados.
Esta não é, no entanto, uma questão de normatividade, susceptível de sindicância pelo Tribunal Constitucional: a análise feita pelo acórdão recorrido, no tocante ao nexo causal porventura existente entre certo facto e determinado dano, não respeita à constitucionalidade dos critérios normativos da decisão, como igualmente pondera o magistrado do Ministério Público na sua intervenção processual, antes se perfilando como uma 'concreta e casuística valoração de circunstâncias próprias e específicas de um caso concreto, em boa medida 'indissociáveis da matéria de facto e das «presunções naturais» em que se alicerça a conclusão do Tribunal'.
Ou seja, o que se pretende, nesta medida, extravasa o poder cognitivo do Tribunal Constitucional, uma vez que se discute a constitucionalidade da decisão judicial, em si, por discordância do seus pressupostos fácticos e do modo como se aplicou o direito ordinário para se alcançar o respectivo juízo decisório. Por outras palavras ainda, subentende-se, no caso vertente, um momento meramente aplicativo da norma, de casuística precipitação, e não uma afloração de critério jurídico, genérica e abstractamente concebido, denotativo de uma dada interpretação normativa, que seria passível de controlo jurídico-constitucional.
Tanto basta para que, como tal, o recurso seja manifestamente infundado – o que conduz, logicamente, a que o mesmo não deva ser admitido (nº 2 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
III
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 1 de Março de 2001 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida