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Proc. nº. 45/99
1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J..., sargento do Exército, interpôs no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do despacho proferido em 22 de Dezembro de 1997 pelo General Comandante da Logística, no uso de competência delegada pelo General Chefe do Estado Maior do Exército através do despacho nº. 3214/907, de 3 de Junho de 1997, publicado no Diário da República nº. 152, II Série, de 4 de Julho de 1997.
Com o referido recurso, pretendia o então recorrente obter a declaração da 'inexistência jurídica do acto, ou a sua nulidade por violação do conteúdo de direitos fundamentais da Constituição ou anulando-se o acto por violação de lei e falta de fundamentação e vício de forma por preterição de uma formalidade essencial', já que o despacho proferido pelo General Comandante da Logística lhe indeferira o 'pagamento de retroactivos na sequência do Dec-Lei
299/97 de 31 de Outubro'.
Por sentença de 25 de Novembro de 1998, o Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra concedeu provimento ao recurso, declarando a nulidade do acto recorrido, recusando a aplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 8º do Decreto-lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, por considerar que tal disposição legal violava o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
Da decisão recorreu o Ministério Público, ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea a) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro, para o Tribunal Constitucional, delimitando-se o recurso à recusa de aplicação do citado artigo
8º do Decreto-lei nº. 299/97, de 31 de Outubro.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal apresentou alegações, tendo concluído:
'1º - A norma constante do artigo 8º do Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, que se limita a prescrever acerca do início da vigência do regime criado neste diploma legal – traduzido na criação de um novo abono ou diferencial de remuneração, destinado a alterar e corrigir anomalias ao sistema retributivo dos militares dos diversos ramos das Forças Armadas, imputáveis ao Decreto-Lei nº. 80/95, de 22 de Abril – não viola o princípio constitucional da igualdade.
2º - Na verdade, nada na Lei Fundamental impõe que a inovatória criação de um novo abono deva retroagir à data da publicação do diploma legal, revogado pelo citado Decreto-Lei nº. 299/97, estando fora do objecto do presente recurso de constitucionalidade averiguar se as discriminações remuneratórias, imputadas ao Decreto-Lei nº. 80/95, afrontam ou não o referido princípio da igualdade.
3º - Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
O recorrido alegou, tendo terminado a alegação com as seguintes conclusões:
'1º Existe violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP pelo artigo 8º do D.L. 2999/97 de 31/10 ao fixar, arbitráriamente, a sua eficácia a partir de 1 de Julho de1997.
2º A manter-se o juízo de inconstitucionalidade da norma não há lugar à repristinação de normas revogadas (à contrário sensu do artigo 282º da CRP).
3º Só produzindo efeitos inter-partes cujas consequências são retiradas em execução de sentença.
4º Pronunciando-se apenas em sede fiscalização concreta, - nos termos do artigo
80º da Lei do Tribunal Constitucional, - não comportando uma interpretação
àcerca de uma norma que apenas se refere à eficácia ou vigência e não à relação substantiva.
5º Termos em que deverá ser considerado improcedente o presente recurso, mantendo-se os fundamentos e a decisão da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra.'
Cumpre decidir.
2. O objecto do presente recurso circunscreve-se à apreciação da
(in)constitucionalidade da norma constante do artigo 8º do Decreto-Lei nº.
299/97, de 31 de Outubro, desaplicada na sentença recorrida por ter sido considerada inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental.
Não está, portanto, em causa no âmbito do presente recurso apreciar quaisquer outras questões de inconstitucionalidade normativa fundadas em outras normas legais, designadamente as constantes do Decreto-Lei nº. 80/95, revogado pelo diploma ora em apreço.
De resto, nem o recorrido coloca qualquer outra questão de inconstitucionalidade no recurso contencioso decidido pela sentença ora impugnada.
A norma em apreço dispõe sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº. 299/97, nos seguintes termos:
'O presente diploma produz efeitos a partir de 1 de Julho de 1997'.
Com o Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, o Governo consagrou o direito ao percebimento de um 'diferencial de remuneração' aos primeiros-sargentos dos quadros permanentes da Marinha no activo, que auferissem remuneração inferior à de sargentos, também da Marinha, com menor antiguidade ou posto; determinou, ainda, nos casos de promoção de segundos-sargentos a primeiro-sargento, o posicionamento dos promovidos que percebessem remuneração já com a inclusão de diferenciais de remuneração no 1º escalão do posto de primeiro-ajudante, mantendo o diferencial no montante que excedesse o 1º escalão.
Atribuiu também o mesmo direito ao abono de diferencial aos primeiros sargentos do Exército e da Força Aérea, no activo, no caso de estes auferirem menor remuneração do que os primeiros-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade.
Por último, revogou, como se disse o DL nº. 80/95.
O Decreto-Lei nº. 80/95 viera corrigir 'a existência de anomalias com especial incidência na categoria de sargentos da Marinha e, dentro desta, no posto de primeiro-sargento' que originaram 'efeitos perversos com nítido prejuízo da hierarquia funcional, dadas as especificidades de alimentação e a natureza do desenvolvimento de tal carreira e das praças da Marinha das classes homónimas'.
O legislador de 1995, ao introduzir no ordenamento jurídico o diploma citado, reconhecia que o regime remuneratório genericamente consagrado para as carreiras dos quadros permanentes dos três ramos das Forças Armadas criara, no que respeita à Marinha, anomalias tais como as que resultaram de um primeiro-sargento daquele ramo (categoria hierarquicamente superior à de segundo-sargento) poder auferir remuneração inferior à destes. Pretendeu, portanto, corrigir tal situação através do reposicionamento nos escalões da respectiva escala indiciária, fazendo com que os primeiros-sargentos que auferissem remuneração inferior à dos sargentos de menor antiguidade ou posto fossem remunerados de acordo com o escalão da respectiva escala indiciária equivalente ao valor daquele pelo qual os sargentos de menor antiguidade eram efectivamente remunerados, ou na falta daquele escalão, para o índice imediatamente superior.
O objectivo da intervenção legislativa de 1995 foi, assim e apenas, o de corrigir as anomalias decorrentes da aplicação do regime remuneratório geral dos quadros das Forças Armadas, que atingiam com especial gravame os sargentos da Marinha (e apenas os deste ramo das Forças Armadas).
Sucede que, por força do 'esquema correctivo' consagrado pelo Decreto-Lei nº.
80/95, de 22 de Abril, se criou uma situação de acordo com a qual os primeiros-sargentos da Marinha poderiam vir a auferir, objectivamente, remuneração desigual à vencida pelos primeiros-sargentos do Exército e da Força Aérea com igual ou superior antiguidade, o que ocasionou a intervenção legislativa de 1997, nos termos já referidos.
Importa, desde já, assinalar que o Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro não consagra uma total equiparação, aos primeiro-sargentos do Exército ou da Força Aérea, da situação motivadora do diferencial remuneratório aos primeiro-sargentos da Marinha, visto que o diferencial de remuneração é atribuído sempre que eles aufiram remuneração inferior à de outro sargento, também da marinha, com igual ou menor antiguidade no posto (cfr. artigo 1º do diploma).
A atribuição do diferencial prevista no artigo 2º aos primeiro-sargentos do Exército e da Força Aérea só tem lugar quando os primeiro-sargentos aufiram menor remuneração e tenham igual ou maior antiguidade no posto em relação aos primeiro-sargentos da Marinha, o que significa que essa mesma atribuição é independente do facto de, nestes dois ramos das Forças Armadas, se poder, hipoteticamente, desenhar uma situação na qual existam, nesses ramos, sargentos com menor antiguidade ou posto que, porventura, aufiram remunerações efectivas superiores às de primeiro-sargento.
Visou-se assim impedir que os primeiros-sargentos da Marinha – com igual ou menor antiguidade do que os primeiro-sargentos do Exército ou da Força Aérea – viessem a auferir remuneração efectiva superior à destes, o que resultara do regime consagrado pelo Decreto-Lei nº. 80/95, cuja apreciação – em sede de inconstitucionalidade, não cabe - repete-se - no âmbito do presente recurso.
A eventual diferenciação de remunerações entre os primeiro-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto que os primeiro-sargentos do Exército ou da Força Aérea só ocorreu, assim após a consagração do regime remuneratório estabelecido no DL nº. 80/95, diferenciação a que, por sua vez, o legislador quis pôr fim com o Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, no qual se insere a norma em apreço.
Tal significa que a haver desigualdade de tratamento violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, ela só pode ter resultado do citado DL nº. 80/95.
Ora, a norma cuja inconstitucionalidade constituiu fundamento de recusa de aplicação pelo Tribunal 'a quo' dispõe sobre o eficácia do novo diferencial remuneratório, que o legislador situa em momento anterior à sua aprovação, a saber: 'a partir de 1 de Julho de 1997'.
Ou seja, a partir daquela data, a eventual diferenciação remuneratória existente entre os primeiro-sargentos da Marinha e os do Exército e da Força Aérea, com igual ou menor antiguidade no posto, deixa de se verificar.
A sentença recorrida desaplicou esta norma por entender que ela viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, sem, no entanto, averiguar se o diploma que estabeleceu o diferencial de remuneração através do reposicionamento nos escalões da escala indiciária dos primeiro-sargentos da Marinha no activo, introduzido pelo Decreto-Lei nº. 80/95, estava ferido de inconstitucionalidade.
Foi, como se disse, o Decreto-Lei nº. 80/95, de 22 de Abril que consagrou uma diferenciação remuneratória para os primeiro-sargentos da Marinha com igual ou menor antiguidade no posto em relação aos primeiro-sargentos do exército ou da Força Aérea.
Se se considerar que tal diferenciação remuneratória integra uma desigualdade inadmissível, arbitrária, ilegítima e sem qualquer justificação fundada em valores objectivos constitucionalmente relevantes (cfr., sobre o princípio da igualdade, entre muitos outros, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 186/90, 187/90 e
188/90, publicados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 16º, e sobre a problemática da proibição de discriminações versus diferenciações de tratamento, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., págs. 127 e 128), então a desigualdade censurável em sede de constitucionalidade ocorreu por força do Decreto-Lei nnº. 85/90 e não do diploma no qual se insere a norma do artigo 8º , ora em apreço.
O Decreto-Lei nº. 299/97 limitou-se a conceder aos primeiro-sargentos do Exército e da Força Aérea o direito ao abono do diferencial remuneratório concedido aos primeiro-sargentos da Marinha – deixando intocáveis as situações já constituídas para estes últimos ao abrigo do Decreto-Lei nº. 85/90 – sempre que aqueles auferissem menor remuneração e tivessem igual ou superior antiguidade no posto em relação a estes.
O que se pretendeu com o diploma de 1997 foi impedir que os primeiro-sargentos do Exército e da Força Aérea, com igual ou superior antiguidade no posto, viessem a auferir remuneração efectiva inferior à dos seus homólogos da Marinha, terminando – a partir da sua eficácia, a saber, 1 de Julho de 1997 – com uma situação em que, objectivamente, se descortinava uma diferenciação remuneratória mais favorável para os primeiro-sargentos da Marinha que tivessem igual ou inferior antiguidade relativamente aos igualmente graduados do Exército e da Força Aérea, diferenciação que havia sido criada pelo Decreto-Lei nº. 80/95, de
22 de Abril.
Tal diferenciação foi 'sanada' pelo Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro, não se descortinando qualquer inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na circunstância de a sua eficácia se ter retrotraído a 1 de Julho desse mesmo ano. Não é do artigo 8º do Decreto-Lei nº. 299/97, de 31 de Outubro que resulta qualquer diferenciação ilegítima e infundada de tratamento, susceptível de obter reparo por violação do princípio da igualdade, resultando a mesma
(eventualmente) das disposições do Decreto-Lei nº. 85/90, de 22 de Abril sobre o qual a decisão recorrida se não pronunciou, nem tão pouco foi suscitada pelo recorrido, que, assim, ficou fora do alcance da apreciação deste Tribunal.
O que se deixa dito segue de muito perto o Acórdão nº. 306/99 deste TC que versou questão idêntica à do presente recurso.
3. Decisão
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, determinando-se, em consequência, a reforma da decisão recorrida de harmonia com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrido particular fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 29 de Junho de 1999 Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida