Imprimir acórdão
Proc. nº 884/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. J... interpôs junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa recurso contencioso de anulação do acto administrativo praticado pelo Director Coordenador da Caixa Geral de Aposentações que lhe negou a reabertura do processo relativo à atribuição de uma pensão de reforma.
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de 22 de Maio de 1997, rejeitou o recurso por carência de objecto. Para tanto, considerou que o pretenso acto impugnado (ofício de 3 de Setembro de 1996, onde se decidiu não se justificar a reabertura do processo) se limitou a reiterar a posição anteriormente assumida pela Caixa Geral de Aposentações.
2. J... interpôs recurso jurisdicional da decisão de 22 de Maio de
1997. Nas respectivas alegações, o recorrente, sustentando que o acto impugnado
é lesivo dos seus interesses, propugnou a inconstitucionalidade do artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, por violação do disposto no artigo 268º, nº 4, da Constituição.
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 2 de Julho de
1998, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. Nesse aresto, o Tribunal considerou que o acto impugnado, sendo um acto confirmativo de outro acto anteriormente praticado, não se mostra 'lesivo dos direitos ou interesses do recorrente que, a terem sido afectados, o foram por força de anterior acto administrativo, contenciosamente recorrível'. Em consequência, concluiu pela irrecorribilidade de tal acto, nos termos do artigo 25º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
3. J... interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 2 de Julho de 1998, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 25º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
1ª A Decisão ora recorrida veio considerar que o acto contenciosamente impugnado nos presentes autos, constitui acto meramente confirmativo de anterior acto administrativo, e por isso mesmo não susceptível de lesar direitos e interesses particulares legalmente protegidos, logo irrecorrível, nos termos do artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A..
2ª Em 22 de Outubro de 1985 o Director Coordenador da Caixa Geral de Aposentações veio comunicar através de Ofício ao ora Recorrente, de que o processo por ele instaurado para a atribuição de uma pensão ao abrigo dos Decretos-Lei nºs 23/80 de 29/2 e 118/81 de 18/5, havia sido arquivado, por não ter sido feita prova da nacionalidade portuguesa, por parte do Requerente.
3ª Em 14 de.Agosto de 1996, ao abrigo da Recomendação nº 11/B/96 de Sua Execelência o Provedor de Justiça, veio o ora Recorrente requerer a reabertura do seu processo, uma vez que pelas razões invocadas naquela Recomendação, a nacionalidade portuguesa não era requisito exigível para a atribuição de tal pensão.
4ª Por Oficio datado de 3 de Setembro de 1996, o ora Recorrente é informado pelo mesmo Director Coordenador de que a posse da nacionalidade portuguesa é requisito necessário indispensável para a concessão da referida pensão, por aquela Caixa, não tendo sido acolhida a Recomendação identificada.
5ª Foi este acto objecto do recurso indeferido.
6ª Não cabe no presente recurso discutir se o acto em causa constitui um acto administrativo ou um acto meramente confirmativo, mas sim saber se esse acto é ou não recorrível à luz da C.R.P.
7ª A não admissibilidade do presente recurso consiste, a nosso ver, numa interpretação do artigo 25º, nº 1 da L.P.T.A., contrária ao disposto nos artigos
268º, nº 4, 20º, nº 1 e 18º, nºs. l e 2, todos da C.R.P., por constituir uma restrição intolerável do direito ao recurso contencioso contra actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos.
8ª E isto porque, o Recorrente não foi notificado pela entidade administrativa com a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para esse efeito, nos termos do artigo 68º, nº 1, alínea c) do C.P.A., pois não constituía a última palavra da Administração.
9ª A falta de tal notificação ao Recorrente, constitui uma das situações em que a impugnação administrativa antes da interposição do recurso de anulação se configura como um condicionalismo ilegítimo do direito ao recurso contencioso contra actos lesivos de direitos ou interesses legalmente protegidos.
10ª E tal facto torna o acto imediatamente recorrível, sob pena de constituir uma restrição intolerável do direito ao recurso contencioso contra actos lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos, garantia constitucional.
11ª No caso dos autos, o caminho imposto para a impugnação contenciosa do acto prejudicava de forma desproporcionada a protecção judicial do Recorrente.
12ª E isto porque, em termos de direito substantivo, todas as pretensões semelhantes às do ora Recorrente e julgadas pelo Supremo Tribunal Administrativo, têm merecido acolhimento.
13ª Além de que a idade avançada do Recorrente, não lhe permite utilizar outros procedimentos ou outros meios para fazer valer o direito que julga ter, tendo em vista morosidade processual da Administração Pública e dos Tribunais, o que também nesta prespectiva se trataria de uma restrição intolerável do direito do Recorrente ao recurso contencioso.
14ª Em causa está o direito social e de solidariedade, previsto no nº 4 do artigo 63º da C.R.P., que consiste no direito do Recorrente à atribuição de uma pensão de aposentação, por ter trabalhado durante quase 40 (quarenta) anos ao serviço do Estado Português.
15ª Tal direito constitucionalmente garantido não pode, nos termos do artigo
18º, nº 2, da Lei Fundamental, ser restringido por uma lei ordinária, como é a do artigo 25º da L.P.T.A., lesando o direito dos particulares, por uma questão meramente formal. O douto Acórdão em causa, fez uma interpretação do artigo 25º, nº 1 da L.P.T.A. inconstitucional, contrária ao disposto nos artigos 268º, nº 4, 20º, nº 1 e 18º, todos da C.R.P., pois constitui uma restrição intolerável do direito ao recurso contencioso, bem como do disposto no artigo 63º, nº 4 da mesma Lei Fundamental, negando o direito social e de solidariedade dos particulares aí previsto. TERMOS EM QUE se requer a V. Exa. que se declare a inconstitucionalidade de tal interpretação, por violadora dos preceitos constitucionais enunciados, concedendo-se provimento ao presente recurso, com todas as consequências legais daí advindas, como é de Direito e inteira Justiça.
Por seu turno, a entidade recorrida contra-alegou, propugnando a improcedência do recurso.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. O presente recurso de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 25º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
O recorrente considera que tal preceito é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 268º, nº 4, 20º, nº 1, 18º (interpretados conjugadamente) e 63º, nº 4, da Constituição. Entende o recorrente que aquela norma é inconstitucional na medida em que nela se fundamentou a irrecorribilidade do acto que informa que a Caixa Geral de Aposentações mantém o entendimento de que a posse da nacionalidade portuguesa constitui requisito do direito à atribuição da pensão; que não foi acolhida a Recomendação do Provedor de justiça nº 11/B/96; e que não se justifica a reabertura do processo de concessão de pensão.
6. Nos presentes autos, o recorrente foi informado, por ofício de
27 de Outubro de 1995, que a Caixa Geral de Aposentações não poderia conceder-lhe a pensão que havia sido solicitada, sem que provasse ser possuidor da nacionalidade portuguesa, sendo pois de manter o despacho que em 22 de Outubro de 1988 mandou arquivar o pedido de aposentação.
Em resposta a novo pedido de concessão de pensão (no qual se invocou a Recomendação do Provedor de Justiça nº 11/B/96), a Caixa Geral de Aposentações, por ofício de 3 de Setembro de 1996, informou o recorrente que não se justificava a reabertura do processo, pelas razões oportunamente comunicadas
(afirmando que a Recomendação não havia sido acolhida).
Foi este último acto que o recorrente impugnou contenciosamente nos presentes autos e que foi considerado irrecorrível pelo tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 25º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos.
7. A norma impugnada já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão nº 1002/96, de 8 de Outubro de 1996, proferido num processo no essencial idêntico ao presente recurso.
Nesse aresto, invocando-se jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional (Acórdãos nºs 9/95 e 159/95), considerou-se que o sentido da garantia constitucional de recurso contencioso contra actos administrativos ilegais é (...) esta: ali onde haja um acto da Administração que defina a situação jurídica de terceiros, causando-lhe lesão efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, existe o direito de impugná-lo contenciosamente, com fundamento em ilegalidade. Tal direito de impugnação contenciosa já não existe, se o acto da Administração não produz efeitos externos ou produz uma lesão de direito., ou interesses apenas potencial. O Tribunal entendeu, também, que o acto administrativo meramente confirmativo não tem potencialidade de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos do particular. Por outro lado, o Tribunal Constitucional afirmou que não é coberto pela referida garantia constitucional o acto praticado pela Administração que não produza a lesão dos mencionados direitos ou interesses.
Em consequência, o Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 25º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, na dimensão normativa então impugnada.
8. O ora recorrente sustenta, contudo, invocando a declaração de voto junta ao acórdão recorrido, que o acto confirmado (consubstanciado no ofício de 27 de Outubro de 1995), por não constituir a última palavra da Administração, tinha de ser notificado com a indicação do órgão competente para apreciar a impugnação, bem como do prazo para esse efeito, nos termos do artigo
68º, nº 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo. Não constando da notificação então enviada ao ora recorrente tais indicações, a exigência de prévia impugnação administrativa, para se seguir posteriormente a via contenciosa, constituiria, na opinião do recorrente, uma restrição intolerável do direito ao recurso.
No entanto, no presente processo, o recorrente não interpôs recurso contencioso do acto consubstanciado no ofício datado de 27 de Outubro de 1995, invocando a impossibilidade do recurso gracioso. Com efeito, e como se demonstrou, o recorrente, depois da prática de tal acto, renovou o pedido de concessão da pensão de aposentação (tratou-se, portanto, da formulação de novo pedido, e não de uma impugnação do acto anterior), invocando uma recomendação do Provedor de Justiça. Esse novo pedido deu origem à prática do acto constante do ofício de 3 de Setembro de 1996, do qual, então sim, intentou recorrer contenciosamente (desencadeando o processo que originou o recurso de constitucionalidade). Nessa medida, as considerações do recorrente não são procedentes no presente recurso de constitucionalidade, uma vez que, e ao contrário do que resulta da argumentação desenvolvida nas alegações, o tribunal a quo considerou 'que a decisão contida no ofício de 27.10.95 se apresentava como contenciosamente recorrível'. Deste modo, não é correcta a argumentação segundo a qual a não admitir-se o recurso do segundo acto (o acto meramente confirmativo) se estaria a interpretar o artigo 25º de modo intoleravelmente restritivo do direito ao recurso. Com efeito, a hipótese de se verificar a irrecorribilidade de actos confirmativos quando os actos confirmados sejam irrecorríveis não se verifica no caso. E, por isso, o referido artigo 25º nem sequer foi aplicado pelo tribunal a quo com o sentido pretendido pelo recorrente nem essa interpretação daquela norma configura a situação suscitada pelo primeiro acto de que não foi interposto recurso.
9. Por outro lado, o acto do qual não se admitiu o recurso (o segundo acto) apenas reiterou o entendimento da Administração manifestado num outro acto que definiu a situação jurídica então em apreciação, mas contra o qual, porém, o recorrente não reagiu. Desse modo, o acto constante do ofício de 3 de Setembro de 1996 não lesou os interesses do particular, dado ter traduzido a simples repetição de uma posição anteriormente assumida pela Administração já consubstanciada num acto, esse sim, eventualmente lesivo e, consequentemente, considerado recorrível. Tratou-se, pois, de um acto meramente confirmativo, sem autónomo efeito lesivo.
10. A invocação da Recomendação do Provedor de Justiça nº 11/B/96 não altera a conclusão a que se chegou sobre a lesividade do acto impugnado nos presentes autos. Tendo a situação do recorrente sido definida pelo acto confirmado, a referência à Recomendação do Provedor de Justiça no novo pedido formulado perante a Caixa Geral de Aposentações não interfere no conteúdo do acto a praticar. Com efeito, não foi o recorrente que desencadeou (através de queixa – cf. artigos 25º e ss da Lei nº 9/91, de 9 de Abril) a emissão da Recomendação, e, decisivamente, tais Recomendações, consubstanciando um modo próprio (estatutário) de actuação do Provedor de Justiça em face da Administração, não têm a virtualidade, só por si, de produzir efeitos directos e imediatos nas situações jurídicas particulares em apreciação ou já decididas
(como a dos autos – cf. artigo 38º da Lei nº 9/91, de 9 de Abril).
Assim, também na perspectiva de que o artigo 25º teria sido interpretado impedindo a recorribilidade de actos confirmativos subsequentes a recomendações do Provedor de Justiça, impõe-se a conclusão de que a norma impugnada não viola o direito ao recurso constitucionalmente consagrado.
11. O recorrente sustenta, por outro lado, que a norma em apreciação é inconstitucional por violação do 'direito social e de solidariedade, previsto no nº 4 do artigo 63º da Constituição', consistente no direito do recorrente à atribuição de uma pensão de aposentação.
Contudo, a norma impugnada no presente recurso de constitucionalidade apenas considera o acto confirmativo irrecorrível, não se referindo especificamente à concessão da pensão de aposentação.
A decisão de recusa da pensão requerida fundamenta-se na interpretação normativa de preceitos do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, nos termos da qual se exige a nacionalidade portuguesa dos pensionistas. Foi essa interpretação, sustentada pela Caixa Geral de Aposentações, que impediu que ao ora recorrente (cidadão de Cabo Verde) fosse reconhecido o direito a uma pensão de aposentação. No entanto, tal interpretação normativa não constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade.
A norma impugnada neste processo impede a apreciação, em sede de recurso contencioso, de um acto administrativo meramente confirmativo. Não colide, nessa medida, com o direito do recorrente à segurança social. Na verdade, a impossibilidade de a decisão da Caixa Geral de Aposentações que negou o direito à pensão vir a ser sindicada num recurso contencioso resulta unicamente, como se demonstrou, da estratégia processual adoptada pelo recorrente, que não impugnou o acto que efectivamente definiu a sua situação jurídica.
Pelo conjunto das razões expostas, há que concluir que a norma impugnada também não colide com o disposto no artigo 63º da Constituição.
III Decisão
12. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs. Lisboa, 30 de Junho de 1999 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Luís Nunes de Almeida