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Processo nº 501/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... reclama para este Tribunal do despacho do Desembargador relator do Tribunal Central Administrativo, de 15 de Junho de 2000, que não lhe admitiu o recurso que interpôs para este Tribunal do acórdão ali proferido, em 30 de Março de 2000 (aclarado pelo de 4 de Maio de 2000), com fundamento em que o ora reclamante, da mesma decisão, interpusera também um recurso ordinário, fundado em oposição de julgados, que foi admitido por esse mesmo despacho.
Ouvida a entidade recorrida (o PRESIDENTE DA COMISSÃO INSTALADORA DO MUNICÍPIO DA TROFA) sobre a reclamação, a mesma pronunciou-se pelo seu indeferimento.
Neste Tribunal, o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO que aqui exerce funções pronunciou-se igualmente no sentido de que a reclamação deve ser indeferida.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. É do seguinte teor o parecer que o Ministério Público lançou nos autos: A nova redacção conferida aos arts. 70º, nºs 2 e 6, e 75º, nº 2, da Lei nº 28/82 pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, veio pôr termo a dúvidas que se suscitavam na jurisprudência do Tribunal Constitucional acerca da exacta delimitação do requisito do esgotamento dos recursos ordinários possíveis – enquanto pressuposto dos recursos de fiscalização concreta previstos na alínea b) daquele art. 70º - e da articulação do recurso de constitucionalidade, aí tipificado, com a interposição de recursos 'ordinários' visando, em certa ordem jurisdicional, a uniformização da jurisprudência. Assim – e em consonância com o entendimento que vinha seguindo o TC – estabelece expressamente o nº 2 do art . 70º que não recai sobre a parte o ónus de esgotar os recursos 'ordinários' que visem, como fim específico, a uniformização da jurisprudência, dentro de certa ordem jurisdicional. Por sua vez, o nº 6 do art. 70º vem estabelecer que a opção da parte, traduzida na interposição do dito recurso ordinário para uniformização de jurisprudência, em nada a poderá prejudicar, já que lhe fica salva a possibilidade de recorrer para o TC da decisão do pleno que confirme a decisão originariamente proferida e impugnada. E o nº 2 do art. 75º vem estatuir – pondo, quanto a este aspecto, termo às divergências que efectivamente se verificavam na jurisprudência deste Tribunal – que a não admissão do dito recurso 'ordinário' (nomeadamente por o Tribunal entender que não se verificava a pretendida oposição de acórdãos) não preclude a possibilidade de recurso para o TC da decisão originariamente impugnada, sendo o prazo para recorrer para o TC prorrogado, apenas se iniciando no momento em que se tornar definitiva a decisão que havia rejeitado o aludido recurso
'ordinário'. No caso dos autos, é, pois, inquestionável que não recaía sobre o recorrente o
ónus de esgotar o recurso 'ordinário' a interpor para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, com o específico fundamento da oposição de julgados: era-lhe, deste modo, lícito ter optado pela imediata interposição de recurso para o TC, sem que tal lhe precludisse a ulterior e eventual possibilidade de utilizar os meios processuais destinados a obter a pretendida uniformização de jurisprudência, no âmbito da jurisdição administrativa. Tal como lhe era possível ter optado pela imediata interposição de recurso para o Pleno, sem que tal lhe pudesse precludir a ulterior interposição de recurso de constitucionalidade – quer no caso de o Supremo proferir decisão de mérito, em sentido desfavorável ao recorrente (nº 6 do art. 70º), quer na hipótese de se limitar a proferir decisão de forma, entendendo que tal recurso 'ordinário' era, afinal, inadmissível por inexistirem os específicos pressupostos em que o recorrente o fundava. O que não nos parece possível é a simultânea interposição de recurso de constitucionalidade, fundado na alínea b), e de recurso ordinário para uniformização de jurisprudência no âmbito de certa ordem jurisdicional: se a parte optou pela interposição do dito recurso ordinário, visando dirimir, na ordem jurisdicional competente, o invocado conflito jurisprudencial, não pode, ao mesmo tempo, interpor logo recurso para o TC, já que – perante a efectiva (e voluntária) utilização de tal recurso ordinário, não foi ainda proferida a
'última palavra' sobre o litígio na ordem jurisdicional em causa, devendo aguardar a decisão que venha a ser proferida pelo Supremo, e podendo impugná-la, se for caso disso, perante o TC ao abrigo do regime estabelecido nos citados arts. 70º, nº 6, e 75º, nº 2, da Lei nº 28/82 (cf., neste sentido, a decisão sumária recentemente proferida no p. nº 352/2000). Nestes termos – e a seguir-se este entendimento – deverá improceder a presente reclamação, por o recurso de constitucionalidade interposto incidir sobre decisão 'provisória', já efectivamente impugnada no âmbito de recurso ordinário, interposto no contencioso administrativo.
4. Começando por anotar-se que a jurisprudência deste Tribunal, que o reclamante cita em abono da sua tese, é toda ela anterior às alterações introduzidas na Lei do Tribunal Constitucional pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, adianta-se, desde já, que a reclamação deve ser indeferida. E deve sê-lo pelas razões que o Ministério Público aduz no seu parecer.
De facto, quando determinada decisão de um tribunal (no caso, do Tribunal Central Administrativo) apenas admita o recurso fundado em oposição de julgados
(ou seja, o recurso destinado a uniformização da jurisprudência), a parte que, durante o processo, acaso tenha suscitado a inconstitucionalidade de uma norma legal e tenha visto a sua pretensão desatendida, pode recorrer imediatamente dessa decisão para o Tribunal Constitucional (cf. artigos 70º, nºs 1, alínea b) e 2, e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Ou seja: mesmo que, na respectiva ordem jurisdicional, o recurso para uniformização de jurisprudência seja um recurso ordinário, o ónus da exaustão deste tipo de recursos não lhe impõe que, antes de recorrer para o Tribunal Constitucional, recorra para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo. A imediata interposição do recurso de constitucionalidade, num tal caso, não priva a parte do direito de, posteriormente, interpor recurso de uniformização de jurisprudência: é que, se o Tribunal Constitucional não conhecer do recurso para si interposto ou lhe negar provimento, só então começa a correr o prazo para a interposição do recurso ordinário de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (cf. artigo 80º, nº 4, in fine).
A parte pode, no entanto, optar por, em vez de recorrer logo para o Tribunal Constitucional, interpor recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, para uniformização de jurisprudência, da decisão do Tribunal Central Administrativo. Se assim proceder, também a parte não verá precludida a possibilidade de impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão do Pleno que, acaso, lhe seja desfavorável. E isso, quer o Pleno profira decisão de mérito, quer, por entender que se não verifica a invocada oposição de julgados, não conheça do recurso: de facto, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Tribunal Central Administrativo não faz precludir o direito de o interpor da decisão do Pleno que a confirma (cf. o citado artigo 70º, nº 6); e, no caso de o Pleno não admitir o recurso, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que torna definitiva essa decisão de não admissão (cf. artigo 75º, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional).
No presente caso, porém, o reclamante não se limitou a escolher um dos caminhos apontados, antes interpôs da dita decisão recurso para o Tribunal Constitucional e, simultaneamente, recurso para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo. Ora, isso não é possível, pois, ao optar por recorrer logo para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo para dirimir o conflito jurisprudencial que, em seu entender, no caso se verifica, ele mantém-se no âmbito dos recursos ordinários, que, assim, só ficarão esgotados quando o Pleno decidir o recurso para si interposto. Mas, sendo isto assim, o recurso de constitucionalidade, que ele interpôs simultaneamente com o recurso para o Pleno, vem interposto sem ter sido ainda
'proferida a ‘última palavra’ sobre o litígio na ordem jurisdicional em causa'.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação;
(b) condenar o reclamante nas custas com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Outubro de 2000 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida