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Proc. nº 844/98
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. C..., tendo sido notificado do acórdão nº 33/99, proferido por este Tribunal, em 19 de Janeiro de 1999 – que indeferiu a reclamação por ele deduzida do despacho através do qual o Tribunal Central Administrativo não admitiu o recurso de constitucionalidade que pretendia interpor –, veio arguir a nulidade do mesmo acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Entende o reclamante que, no mencionado acórdão, o Tribunal Constitucional
'embora tenha julgado totalmente procedentes os fundamentos que motivaram a reclamação de fls. ... dos autos, decidiu conhecer de questão de que não podia conhecer sem que previamente fosse cumprido o disposto no art. 75º A nº 5 da LCT, em homenagem ao princípio do contraditório e por forma a que o ora reclamante não fosse surpreendido com a decisão tomada sem ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre os fundamentos do recurso que pretendia e pretende interpor para este Alto Tribunal, o que constitui nulidade processual capaz de influir, como aliás influiu, no exame e decisão da causa, ex vi arts.
3º nº 3 e 201º do CPC'.
O reclamante requer ainda:
'3 – Não obstante a procedência dos fundamentos que motivaram a reclamação em causa, o douto Acórdãos de fls... dos autos condenou o ora requerente em 15 UC, o que, salvo lapso de escrita, se revela excessivo relativamente à sua situação económica e desproporcionado relativamente ao valor da causa.
4 – Assim sendo, vem requerer a reforma do douto Acórdão de fls... dos autos quanto a custas fixando o seu montante no mínimo legalmente possível.
5 – Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, vem arguir a inconstitucionalidade orgânica das normas legais contidas nos arts. 17º ao 21º do DL 149-A/83, de 05-4, incluindo a redacção dada pelo art. 1º do DL 72-A/90, de 03-3, 1º ao 9º do DL 303/98, de 07-10, e 84º nº 2
(Actual nº 5) da Lei 28/82, de 15-11, incluindo as redacções dadas pelos arts.
1º da Lei nº 85/89, de 07-9, e 1º da Lei nº 13-A/98, 26-2, porquanto,
6 – O regime de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional
(TC) é da exclusiva competência legislativa da Assembleia da República (AR) nos termos prescritos no art. 164º al. c) da CRP, pelo que é insusceptível de autorização legislativa ao Governo.
[...]
9 – Em consequência, as referidas normas legais devem ser declaradas organicamente inconstitucionais e aplicado in casu o disposto no art. 84º nº 1 da Lei nº 28/82, de 15-11, na sua versão original, o que requer.'
2. Notificado para se pronunciar sobre o requerimento apresentado, disse o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional:
'A primeira questão suscitada pelo ora reclamante é manifestamente improcedente, só podendo a mesma radicar no absoluto desconhecimento que o mesmo revela acerca da tramitação dos processos de reclamação perante o T. Constitucional, 'maxime' do preceituado no nº 4 do art. 77º da Lei nº 28/82, do qual resulta a necessidade de, ao julgar tal reclamação, este Tribunal conhecer precisamente de todos os fundamentos que podiam determinar rejeição do recurso de fiscalização concreta interposto. A segunda questão, reportada ao montante da condenação em custas, é identicamente improcedente, já que se não alega sequer qualquer fundamento razoável ou convincente para, no caso, graduar tal condenação em montante diverso do que corresponde à jurisprudência reiterada deste Tribunal. A terceira questão é verdadeiramente ininteligível, já que o ora reclamante pretende alcançar um juízo de inconstitucionalidade 'orgânica' da actual redacção do art. 84º, nº 1, da Lei nº 28/82, o que diz tudo sobre a seriedade e consistência de tal arguição ... [...]'.
II
3. Nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
No presente processo, o acórdão reclamado decidiu indeferir a reclamação deduzida por C... (nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional) do despacho que, no Tribunal Central Administrativo, não admitiu o recurso de constitucionalidade que o mesmo pretendia interpor.
O fundamento de tal indeferimento foi a não verificação, no caso dos autos, dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – tipo de recurso não indicado pelo requerente, mas o único susceptível de ser utilizado no caso, tendo em conta as circunstâncias do processo.
O reclamante entende que, ao pronunciar-se sobre a não verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto, o Tribunal Constitucional conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal alegação decorre, como foi já sublinhado pelo senhor Procurador-Geral Adjunto, de um errado entendimento quanto aos objectivos e quanto aos trâmites do processo de reclamação perante o Tribunal Constitucional. Na verdade, para decidir se um recurso deve ser admitido – e por isso mesmo, para decidir se deve ser deferida a reclamação deduzida de decisão de um tribunal que não tenha admitido um recurso de constitucionalidade –, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se estão verificados os pressupostos processuais típicos do recurso de fiscalização concreta que, no caso, se pretende interpor. Esses pressupostos processuais encontram-se definidos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Para conhecer e decidir da questão que lhe era colocada na reclamação, o Tribunal Constitucional podia – e devia – conhecer dos aspectos sobre os quais se pronunciou. Não existe pois no acórdão reclamado a nulidade arguida pelo reclamante.
4. Sustenta ainda o reclamante que a condenação em custas se revela excessiva relativamente à sua situação económica e desproporcionada relativamente ao valor da causa, pedindo a reforma do acórdão quanto a custas.
Não alega porém qualquer fundamento razoável ou convincente para justificar a condenação em montante diferente daquele que corresponde à jurisprudência reiterada e constante do Tribunal Constitucional neste tipo de processos, quando o respectivo pedido é indeferido.
Tem assim de desatender-se o pedido de reforma do acórdão nº 33/99 quanto a custas.
5. Pretende, por fim, o reclamante que, subsidiariamente ao pedido de reforma quanto a custas, sejam 'declaradas organicamente inconstitucionais' as normas que prevêem a condenação em custas no Tribunal Constitucional.
Este pedido, além de ininteligível, é manifestamente infundado, já que se pretende que seja proferido um juízo de inconstitucionalidade orgânica, por violação da competência exclusiva da Assembleia da República, prevista no artigo 164º, alínea c), da Constituição (organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional), relativamente a uma norma constante da lei aprovada pela Assembleia da República sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional – a norma do artigo 84º, nº 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (incluindo as redacções que a tal norma foram dadas por outras leis da Assembleia da República, isto é, pelas Leis nºs 85/89, de 7 de Setembro, e
13-A/98, de 26 de Fevereiro).
É também manifestamente infundado o pedido de julgamento de inconstitucionalidade na parte que se refere às normas contidas nos artigos 17º a 21º do Decreto-Lei nº 149-A/83, de 5 de Abril, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto- -Lei nº 72-A/90, de 3 de Março, e pelo Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro. Trata-se de normas que versam sobre matéria não incluída na competência reservada da Assembleia da República. Na verdade, o regime de custas no Tribunal Constitucional não se reconduz à norma do artigo 164º, nº 1, alínea c), da Constituição (versão actual), que atribui à Assembleia da República competência exclusiva para legislar sobre 'organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional'. Acresce que a aprovação do regime de custas devidas no Tribunal Constitucional se encontra prevista na LTC (artigo 84º, nº 5, na
última redacção que resulta da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro).
Indefere-se, nestes termos, o pedido formulado. III
6. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide desatender a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em dez unidades de conta. Lisboa, 13 de Julho de 1999 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida