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Proc. nº 1008/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. M... instaurou, junto do Tribunal Judicial de Almada, acção sumária de despejo contra A... e marido.
Os réus contestaram a acção, alegando habitarem o imóvel arrendado há mais de 20 anos, o que, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº
55/79, de 15 de Setembro, impede o exercício do direito de denúncia por parte da senhoria.
O Tribunal Judicial de Almada, por decisão de 25 de Junho de 1997, julgou a excepção de caducidade procedente, absolvendo, consequentemente, os réus do pedido.
2. M... interpôs recurso da decisão de 25 de Junho de 1997 para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Nas respectivas alegações, a recorrente sustentou a inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, por violação do direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62º, nº 1, da Constituição.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de Junho de 1998, julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
3. M... interpôs recurso de constituciona-lidade do acórdão de 4 de Junho de 1998.
O relator no Tribunal da Relação de Lisboa proferiu despacho, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, ao qual a recorrente respondeu, afirmando que interpunha o recurso ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, e que pretendia ver apreciada a conformidade à Constituição das normas aplicadas na decisão recorrida, em violação do disposto no artigo 62º, nº 1, da Constituição. O recurso foi admitido.
Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo: I Nos termos do artigo 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a todos os Cidadãos é garantida a Propriedade Privada. II Dentro dos Direitos da Propriedade privada estão os Direitos de Uso, Fruição e Disposição. III A Lei 55/79 e o artigo 107º, nº 1, al. b) do R.A.U. limitam e estão a limitar e a cercear estes Direitos constitucionalmente salvaguardados do Cidadão Proprietário, pelo que são Inconstitucionais, e encontrando-se a Lei 55/79 Revogada expressamente. IV Indicam-se como violados, entre outros, os artigos 62º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, artigos 1305º e 1096º do Código Civil, e artigo 93º do R.A.U.. V Assim, nos termos expostos, nos Doutamente supridos. deve dar-se provimento a este Recurso, declararem-se tais Leis Inconstitucionais, revogando-se as Doutas decisões recorridas, e ordenar-se que o processo siga os seus trâmites normais, assim se fazendo Justiça.
Os recorridos não contra-alegaram.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Delimitação do objecto do recurso
5. A recorrente sustenta, nas alegações de recurso de constitucionalidade, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos
107º, nº 1, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano, e 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro. Contudo, a decisão recorrida só aplicou a Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, tendo expressamente considerado não ser aplicável nos presentes autos o aludido artigo 107º do Regime do Arrendamento Urbano. Ora, sendo o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por normas que tenham sido efectivamente aplicadas pela decisão recorrida.
Nessa medida, não se tomará conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma do artigo 107º, nº 1, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano.
6. Por outro lado, a recorrente sustenta nas alegações apresentadas a violação de vários preceitos legais infraconstitucionais. Porém, o recurso previsto na alínea b) do nº 1do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional só pode ter por objecto questões de constitucionalidade normativa. Assim, também não se poderá tomar conhecimento das alegadas ilegalidades.
7. O presente recurso de constitucionalidade tem assim por objecto a norma contida no artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, norma que estabelece que o direito de denúncia do contrato de arrendamento fundado na necessidade do locado para habitação própria do senhorio não pode por este ser exercido se o inquilino se mantiver na unidade predial há vinte anos, ou mais, nessa qualidade.
B O artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro
8. A recorrente sustenta que a norma contida no artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 62º, nº 1, da Constituição.
Ora, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a conformidade
à Constituição da norma que constitui o objecto do presente recurso de constitucionalidade (cf. Acórdão nº 425/87, de 4 de Novembro de 1987 - Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol., 1987, p. 451 e ss.).
No mencionado Acórdão nº 425/87, o Tribunal considerou que a conflitualidade existente entre o senhorio e o inquilino radica numa base obrigacional, derivando os direitos e deveres respectivos de um contrato entre ambos celebrado - o contrato de arrendamento para habitação. Por outro lado, o Tribunal entendeu também que a situação em presença é susceptível de enquadramento no plano dos limites imanentes do direito à propriedade privada, por força da existência de um outro direito também assegurado (o direito à habitação). Em consequência, o Tribunal Constitucional concluiu que a norma contida no artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro, não viola o disposto no artigo 62º, nº 1, da Constituição.
No Acórdão nº 425/87, o Tribunal Constitucional considerou ainda que a norma impugnada não viola o princípio da igualdade, assim como não colide com o direito à habitação.
Não tendo sido suscitada pela recorrente qualquer questão nova que importe apreciar, é este o entendimento que cumpre adoptar no presente recurso. Aceitando e remetendo para o essencial da fundamentação do Acórdão citado, o Tribunal Constitucional conclui que a norma em apreciação (artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro) não viola qualquer preceito constitucional.
III Decisão
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Não tomar conhecimento do objecto do recurso no que respeita à norma contida no artigo 107º, nº 1, alínea b), do Regime do Arrendamento Urbano; b. Não tomar conhecimento das ilegalidades invocadas nas alegações de recurso de constitucionalidade; c. Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei nº 55/79, de 15 de Setembro; d. Negar, consequentemente, provimento ao recurso, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 30 de Junho de 1999- Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Luís Nunes de Almeida