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Proc.º n.º 621/2000.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 14 de Novembro de 2000 lavrou o relator nos presentes autos decisão sumária do seguinte teor:-
'1. Pelo Acórdão nº 84/2000, o Tribunal Constitucional - após julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº 2, da Lei Fundamental, a norma constante do nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, quando interpretada no sentido de os contratos de trabalho a termo celebrados com o Estado se converterem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo - determinou a reforma do acórdão tirado em 14 de Outubro de 1998 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual declarou nulo o «despedimento», por parte do Estado Português, de que foram alvo AS, MD e MC, «despedimento» esse consistente em ter aquela entidade, em Agosto de 1994, feito cessar os contratos de trabalho a termo certo de um ano que com estas celebrou e que se iniciaram em Setembro de 1994.
Na sequência daquele Acórdão nº 84/2000 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 14 de Junho de 2000, novo acórdão, em que condenou o réu Estado a pagar às autoras:-
- as retribuições que elas deixaram de auferir desde 30 dias antes de
16 de Março de 1995 (data da propositura da acção) até 9 de Março de 1998 (data da sentença proferida na 1ª instância), deduzidas das importâncias relativas aos rendimentos do trabalho que as mesmas auferiram nas actividades iniciadas posteriormente à data da cessação dos contratos de trabalho a termo certo celebrados com o réu, designadamente as que receberam a partir das datas em que ingressaram nos quadros do Estado;
- uma indemnização por antiguidade, no montante de Esc. 225.600$00;
- juros de mora à taxa legal calculados sobre as quantias em dívida desde a citação e até integral pagamento.
Desse acórdão de 14 de Junho de 2000 arguiu a respectiva nulidade o réu, representado pelo Ministério Público, o qual, a dado passo, disse:-
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16. Além das nulidades invocadas, é, assim, inconstitucional a invocação dos artigos 12º e 13º do Dec-Lei nº 64-A/89, de 27/02 na interpretação dada pelo douto Acórdão em referência contrariando o disposto nos artigos 47º nº 2 e 50º nº 1 da Constituição. inconstitucionalidade que se suscita para os efeitos legais, ao conceber jurisdicionalmente uma denominada relação de emprego
‘atípica’ sem termo, forçando a uma interpretação, nitidamente, fora das modalidades legais de contratação com a Administração Pública e contrariando manifestamente o pressuposto fundamental da não admissão do contrato sem termo, na configuração similar de um típico contrato de trabalho individual da lei geral do trabalho, base fundamental da interpretação vinculada do Tribunal Constitucional.
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A Relação de Lisboa, por acórdão de 27 de Setembro de 2000, indeferiu a arguida nulidade, dizendo:-
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Segundo o requerente, a nulidade do citado acórdão decorre da não especificação dos factos que serviram de fundamento à decisão (art.º 668º, n.º
1, alínea b), do CPC) e ainda da circunstância de este Tribunal de 2ª instância não se ter pronunciado sobre questão que deveria ter apreciado e não apreciou.
Não se nos afigura que tenha razão.
Com efeito, foram claramente fixados no acórdão visado os factos que serviram de fundamento à decisão, os quais são, aliás, exactamente os mesmos que haviam sido já transcritos no anterior acórdão de 14.10.1998, exarado de folhas
142 a 163 do processo, acórdão esse que, a esse respeito, não mereceu nessa altura nenhum reparo por parte do Estado Português.
Quanto à não apreciação de questão que esta Relação deveria ter conhecido e não conheceu, certo é, quanto a nós, que foram apreciadas no acórdão todas as questões colocadas pelas partes, que deveriam ter sido apreciadas e decididas.
Termos em que se indefere a arguição de nulidade e tudo o mais que, a latere, vem referenciado pelo requerente no requerimento apresentado.
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É deste mesmo acórdão que o representante do réu vem recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dizendo, para tanto, que o fazia com base nas seguintes circunstâncias:-
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Ao considerar que foram ‘claramente fixados no acórdão visado os factos que serviram à decisão, os quais são os mesmos que haviam sido já transcritos no anterior acórdão de 14.10.1998, exarado a folhas 142 a 143 do processo...’, cuja interpretação levou à decisão que veio a ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional a folhas 166;
O qual ordenou, como aconteceu em casos vários estritamente similares ao dos autos, a aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 683/99 do Tribunal Constitucional, aliás, como tem, também, uniformemente tem vindo a decidir o Supremo Tribunal de Justiça e, quando o valor da causa não permite recurso para este STJ, os demais Colectivos desta Relação, excepto o douto Colectivo destes autos, têm estritamente cumprido o determinado pelo Tribunal Constitucional.
Ao invés, apesar de referir que os factos são os mesmos que levaram à decisão já objecto de recurso para o T.C., aos tais mesmos factos, o douto Colectivo não seguiu a interpretação determinada pelo Tribunal Constitucional.
O que se questionou no ponto 13 do requerimento do Mº Pº de fls. 233 e segs.
E quanto à interpretação seguida pelo douto Colectivo, ao arrepio do determinado pelo Tribunal Constitucional, veio a aplicar os artigos 12º e 13º do Dec- -Lei nº 64-A/89, de 27/02, contrariando, novamente, o disposto nos artigos
47º nº 2 e 50º nº 1 da Constituição, optando por insistrir numa via ‘contra legem’, fora das modalidades legais previstas para ingresso na Administração Pública.
Inconstitucionalidades invocadas que o douto Acórdão em causa indeferiu nos seguintes termos ‘e tudo o mais que, a latere, vem referenciado pelo requerente no requerimento ora apresentado’.
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O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 17 de Outubro de 2000 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Como se viu, a decisão judicial intentada recorrer é, inequivocamente, a que se contém no acórdão tirado na Relação de Lisboa em 27 de Setembro de 2000. Ora, como se extrai da transcrição do mesmo acima efectuada
(e, praticamente, nada mais foi escrito para além daquilo que se transcreveu), a decisão ínsita naquela peça processual foi, e tão somente, a de indeferir a arguição de nulidade do anterior acórdão proferido em 14 de Junho do mesmo ano, arguição essa deduzida pelo réu.
Sendo as coisas assim, depara-se claro que, para alcançar a decisão tomada no acórdão ora desejado impugnar, o Tribunal da Relação de Lisboa unicamente podia ter convocado, como suporte jurídico dessa decisão (aliás como convocou), o artº 668º, nº 1 alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil. Significa isso, pois, que o aresto ora querido pôr sob a censura deste Tribunal não aplicou, minimamente que seja, uma interpretação das normas dos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, por forma a resultar dessa interpretação (e subsequente aplicação) aquilo que, alegadamente, constitui violação dos artigos 47º, nº 2, e 50º, nº 1, da Constituição.
A asserção, constante daquele acórdão, segundo a qual ‘foram claramente fixados no acórdão visado os factos que serviram de fundamento à decisão, os quais são, aliás, exactamente os mesmos que haviam sido já transcritos no anterior acórdão de 14.10.1998’ não pode ter, como pretende o ora recorrente, o significado de acolhimento, nesse aresto, das razões jurídicas ou normativas que suportaram a decisão tomada no aludido acórdão de 14 de Outubro de 1998 e que foi mandado reformar pelo Acórdão nº 84/2000 do Tribunal Constitucional. Antes significa, e só, que o acórdão arguido de nulo especificou a matéria de facto justificativa da decisão.
Por último não se pode dizer, como o recorrente parece pretender dizer, que a circunstância de no acórdão sub specie se ter empregue a expressão
‘Termos em que se indefere a arguição de nulidade e tudo o mais que, a latere, vem referenciado pelo requerente’ isso significa que uma das partes decisórias desse aresto seria a de ter considerado infundado o vício de inconstitucionalidade assacado a dada interpretação das normas insertas nos aludidos artigos 12º e 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89.
É que, de um lado, se bem se atentar, o réu, no requerimento de arguição de nulidade, veio, efectivamente, a propósito daquilo que, na sua
óptica, entendia como consubstanciando a não especificação dos fundamentos de facto e que os fundamentos estavam em oposição com a decisão, a tecer considerações que alguns poderão considerar como o sendo verdadeiras considerações a latere ( cfr., verbi gratia, os pontos 7., 9., 14., e 15. daquele requerimento), ou seja, sem essencialidade necessária para estribar o seu pedido; e, de outro, não é lícito imputar ao acórdão pretendido impugnar o desejo de, com aquela expressão, se debruçar sobre a dita questão de inconstitucionalidade, rejeitando esse vício.
Em face do exposto, conclui-se que, in casu, se não lobriga que, por banda do acórdão prolatado no Tribunal da Relação de Lisboa em 27 de Setembro de
2000, tivesse havido a aplicação da dimensão normativa questionada pelo ora recorrente ou que tivesse tomado uma decisão que estivesse em contradição com o decidido no Acórdão nº 84/2000, pelo que, não se reunindo as condições dos recursos a que se reportam as alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º, se não toma conhecimento do respectivo objecto'.
É da transcrita decisão sumária que, pelo recorrente, vem deduzida reclamação para a conferência.
Invoca, para tanto e em síntese, que:-
- não parece que se deva interpretar o requerimento de interposição de recurso 'em termos de revelar uma vontade de impugnação exclusivamente dirigida contra o acórdão da Relação de Lisboa que dirimiu o incidente pós-decisório suscitado', pois que no mesmo, embora se manifeste discordância como mesmo, nunca se diz que do mesmo se pretende recorrer, sendo que o teor do aludido requerimento aponta para que aquela vontade é direccionada para o acórdão de 14 de Junho de 2000;
- é perfeitamente razoável que o impugnante tivesse fundado o seu recurso nas alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, devendo considerar-se que tal recurso, prioritariamente, se funda nesta última alínea, já que o dito acórdão de 14 de Junho de 2000 se não conforma com o sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade emitido no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 683/99 quanto à norma ínsita no nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, 'persistindo na aplicação implícita de tal norma, interpretado como permitindo a conversão dos contratos de trabalho a termo, irregularmente celebrados pelo Estado, em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo'.
- e, quanto ao recurso estribado na alínea b), que deverá ser entendido como deduzido subsidiariamente, o mesmo funda-se numa 'inovatória e surpreendente interpretação, traduzida na criação jurisprudencial de uma norma
(supõe-se que ao abrigo do artigo 10º, nº 3, do Código Civil), segundo a qual - caducada a relação laboral a termo celebrada com o Estado - se constitui uma
‘relação de emprego atípica’, ‘totalmente nova’, ‘não prevista legalmente’, mas integralmente equiparada, no seu regime, à relação laboral permanente, em termos de inviabilizar a respectiva cessação unilateral, sem justa causa da entidade empregadora, o que dita a aplicação do regime constante dos artigos 12º, 13º,
23º, nº 1, e 46º, nº 3 do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro;
- tendo o recorrente, de forma directa, coligado o recurso que interpôs a 'uma alegada violação de caso julgado, formado na sequência da prolação do acórdão deste Tribunal que julgou certa norma inconstitucional, é manifesto que a orientação' seguida no Acórdão nº 340/2000 'conduz a que - no caso dos autos (...) - deva o Tribunal Constitucional passar a sindicar da efectiva ocorrência de violação de caso julgado, excepção dilatória de conhecimento oficioso'.
As recorridas AS, MD e MC, não vieram efectuar qualquer resposta à reclamação,
Cumpre decidir.
2. O Tribunal entende, talqualmente o entendeu a reclamação sumária sub iudicio, que o acórdão que o ora reclamante pretendeu impugnar perante este
órgão de administração de justiça foi, inquestionavelmente, o proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 27 de Setembro de 2000. Esta postura interpretativa do requerimento de interposição de recurso funda-se, por entre o mais, não só na expressa discordância de tal aresto de que, directamente, dá conta tal requerimento, como ainda da asserção, ali utilizada, segundo a qual o mencionado acórdão teria indeferido as questões de inconstitucionalidade suscitadas no requerimento de arguição de nulidade assacada ao anterior acórdão prolatado em 14 de Junho de 2000 e que, assim, fazia suas as posições que, por este último, teriam sido tomadas quanto àquele ponto.
Aproveitar-se-á ainda oportunidade para dizer - o que se refere à guisa de mero obiter dictum- que seria, pelo menos, dificilmente sustentável que uma decisão jurisdicional que atribuísse aos trabalhadores - que tivessem prestado funções ao serviço do Estado durante um determinado período de tempo em que já estava ultrapassado o prazo durante o qual poderiam, legalmente, prestar desempenho de trabalho ao abrigo da celebração de contratos de trabalho temporário com aquela entidade - o direito a uma determinada compensação monetária pela cessação daquela prestação de funções, constituía uma não conformação com o sentido e alcance do juízo de inconstitucionalidade levado a efeito pelo Acórdão nº 683/99 (e, neste passo, consequentemente, fosse constitutiva de desrespeito de caso julgado formado pelo anterior Acórdão nº
84/2000, proferido nestes autos e que também julgou desconforme à Lei Fundamental a norma que, naquele Acórdão nº 683/99, foi entendida como inconstitucional). Isto equivaleria a dizer que também seria dificilmente sustentável admitir-se, num caso como o presente, um recurso alicerçado na alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 ou numa alegada violação de caso julgado.
Em face do exposto, indefere-se a vertente reclamação. Lisboa, 17 de Janeiro de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa