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Procº nº 1114/98
1ª Secção Relator: Cons.Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCINAL:
I – RELATÓRIO:
1. - O Juiz-Desembargador JL requereu no Supremo Tribunal Administrativo (STA), a suspensão de eficácia do despacho de 30 de Março de 1998 do Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que indeferira a declaração de impedimento de vários membros daquele Conselho, no âmbito de um processo disciplinar instaurado ao requerente. Logo nesse requerimento, foi suscitada a questão de inconstitucionalidade dos artigos 3º, nº 4, alínea f), e nº 19 (deve-se ter pretendido escrever nº 10), 1º
(deve-se ter pretendido escrever 11º), 26º, nºs 1 e 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, dos artigos
82º, 90º, nº 1, e 95º, nº 1, alínea a), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na redacção do Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, bem como do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº
21/85, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio; terá ainda sido suscitada - embora de forma não clara - a inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1, do Decreto-Lei nº 267/85. Após a resposta da entidade requerida, o STA proferiu, pela 1ª Secção, o acórdão de 7 de Outubro de 1998, em que se decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia e condenar o requerente em custas. Entretanto, o requerente foi notificado de outro despacho do Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 25 de Junho de 1998, ratificado pelo de 13 de Julho do mesmo ano, pelo qual se determinou o reconhecimento de 'grave urgência para o interesse público na manutenção do indeferimento do pedido de declaração de impedimento em causa'. Face a esta notificação, o requerente veio pedir a declaração de nulidade ou a anulação desse despacho de 25 de Junho de 1998, bem como a declaração de ineficácia de todos os actos de execução praticados pelo CSTAF posteriores à dedução do pedido de suspensão de eficácia. Nesse requerimento, suscitou a inconstitucionalidade dos artigos 3º, nº 4, alínea f), e nº 19 (deve-se ter pretendido escrever nº 10), 1º (deve-se ter pretendido escrever 11º), 26º, nºs 1 e 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, dos artigos 82º, 90º, nº 1, e 95º, nº 1, alínea a), da Lei nº 21/85, e, bem assim, dos artigos 76º, nº 1, e 80º, nº 2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho.
Todavia, o STA, por acórdão de 29 de Outubro de 1998, decidiu «não tomar conhecimento do pedido», na parte em que se requeria a declaração de nulidade ou a anulação do despacho de 25 de Junho de 1998 bem como da deliberação de 13 de Julho de 1998 e «indeferir o restante pedido», voltando a condenar o requerente nas correspondentes custas.
2. - Inconformado com ambos os acórdãos tirados no STA, o requerente deles interpôs oportunamente recurso para este Tribunal. No requerimento de interposição de recurso do acórdão de 7 de Outubro de 1998, o recorrente referiu que pretendia que o Tribunal apreciasse a constitucionalidade das seguintes normas: o artigos 3º, nº4, alínea f), e nº19, n.º1, 26º, nº1, e nº2, alínea a), do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, e artigos 82º, 90, nº1, 95º, nº1, alínea a), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, por violação do artigo 37º, nº2, da Constituição; o artigo 76º,nº1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, por violação dos artigos 18º,nº2, 20º, nº5, e 268º,nº4, da Constituição; o artigo 80º, nº1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, por violação do artigo 2ºe artigo 9º, alínea b), da Constituição, e a protecção jurisdicional efectiva garantida pelo artigo 20º, n.º5, e artigo 268º, n.º4, da Constituição, com relevância para a 'adopção' de medidas cautelares adequadas. o artigo 80º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, por violação dos artigos 20º, n.º5, e 268º, n.º4, da Constituição; o artigo 15º do Decreto-Lei nº267/85, de 16 de Julho, por violação dos artigos 202º, nº2, 203º e 219º, nºs 1 e 2, da Constituição; o artigo 17º, nº1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, por violação dos artigos 18º, nº3 e 20º, nº1, da Constituição. Por seu turno, no requerimento de interposição de recurso do acórdão de 29 de Outubro de 1998, o recorrente declarou pretender que se apreciasse a conformidade constitucional das seguintes normas: o artigo 80º, nº1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, por violação do artigo 2ºe artigo 9º, alínea b), da Constituição, e a protecção judicial efectiva garantida pelo artigo 20º, n.º5, e artigo 268º, n.º4, da Constituição; o artigo 80º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, por violação dos artigos 20º, n.º5, e 268º, n.º4, da Constituição; o artigo 15º do Decreto-Lei nº267/85, de 16 de Julho, por violação dos artigos 202º, nº2, 203º e 219º, nºs 1 e 2, da Constituição; o artigo 17º, nº1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, por violação dos artigos 18º, nº3 e 20º, nº1, da Constituição.
3. - Em 10 de Fevereiro de 1999 , o relator lavrou um despacho, ao abrigo do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), pelo qual se propunha conhecer apenas do recurso respeitante às normas seguintes: o do artigo 76º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho; o do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho; o do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho; o do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio. Afirmou-se no referido despacho:
'Importa averiguar antes de mais se o Tribunal pode conhecer de todas as normas indicadas nos requerimentos de interposição dos recursos. Assim, quanto ao recurso do acórdão que decidiu indeferir o pedido de suspensão de eficácia, o recorrente refere como normas cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, os artigos 3º, nº4, alínea f),e nº 19, 1º 26º, nº1, e nº2, alínea a), do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de
16 de Janeiro. O artigo 3º define, no nº1, a noção de infracção disciplinar; no nº4, refere os deveres gerais dos funcionários cuja violação constitui infracção disciplinar e na alínea f) refere-se o dever de correcção. O artigo 26º, nº1 e nº2 alínea a) do mesmo Estatuto refere-se às penas de aposentação compulsiva e demissão. As normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais referem-se também ao procedimento disciplinar quanto a esses magistrados. Ora, é manifesto que a decisão recorrida não aplicou tais normas. Com efeito, o acórdão em questão limitou-se a decidir duas questões incidentais suscitadas pelo recorrente: o impedimento do presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a questão da intervenção do Ministério Público nas sessões do STA, para além de decidir a questão da suspensão de eficácia que constituía o objecto do pedido. Assim, também é manifesto que a decisão em apreço não utilizou como seu fundamento normativo as normas dos nºs 1 e 2 do artigo 80º do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho. Com efeito, estas normas são relativas ao início ou prosseguimento da execução do acto antes da decisão do pedido, enquanto a decisão sob recurso, por não ter ido além da apreciação dos requisitos do pedido apenas deu aplicação ao disposto no artigo 76º da LPTA. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e este tipo de recurso tem de respeitar requisitos de admissibilidade: a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada durante o processo - o que se verifica no caso em apreço; mas a decisão recorrida tem de aplicar as normas cuja constitucionalidade se suscita: tais normas têm de constituir o fundamento normativo dessa decisão recorrida, o que não acontece no presente caso, pois nela não foram utilizadas as normas respeitantes ao Estatuto Disciplinar dos Funcionários. Assim, o Tribunal não conhecerá do presente recurso na parte relativa aos artigos 3º, nº4, alínea f), e nº19, 26º, nº1, e nº2, alínea a), do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, e dos artigos
82º, 90º, n.º1 e 95, n.º1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais e também do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, por não se verificarem os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade'.
Este despacho do relator mereceu resposta de ambas as partes: o autor, limitando-se a renovar a argumentação já expendida nos autos, referindo agora que as normas dos artigos 3º, nº 4, alínea f), e nº 19, 26º, nº 1, e nº 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, e nos artigos 82º, 90º, nº 1 e 95º, nº 1, alínea a), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, foram implicitamente aplicadas nas decisões recorridas; pelo seu lado, a autoridade recorrida, na respectiva resposta, refere que as decisões recorridas também não tinham aplicado o artigo 80º, nºs 1 e 2, da LPTA, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, pelo que, para além das normas referenciadas no despacho do relator, também estas deviam ser excluídas do
âmbito do recurso. Notificado desta resposta, o recorrente veio defender o entendimento de que o recurso relativamente àquela norma devia prosseguir os seus termos normais.
4. – Quanto às normas que no parecer do relator se entendia que preenchiam os requisitos de admissibilidade do recurso foram apresentadas alegações, tendo o recorrente concluído as suas pela forma seguinte:
I. 'As normas objecto do presente recurso de inconstitucionalidade são: a. artº 76º, nº1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho
– que viola o disposto nos artºs 18º, nº 2, 20º, nº5, e 268º, nº 4, da Constituição. b. Artº 80º, nº1, do Decreto-Lei nº267º/85, de 16 de Julho – que viola – não só o disposto nos artº 2º e artº 9º, alínea b) da Constituição, como também a efectividade de protecção jurisdicional garantida pelos artº 20º, nº5, e artº268º, nº4, da Constituição, com relevância para a 'adopção de medidas cautelares'. c. Artº 80º, nº2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho – que viola o disposto nos artºs 20º, nº5, e 268º, nº4, da Constituição d. Artº15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho – que viola o disposto nos artºs 202º, nº2, 203º, e 219º, nºs1 e 2, da Constituição . e. Artº 17º, nº1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio – que viola o disposto nos artºs 18º, nº3, e 20º, nº1, da Constituição.
I. Na participação ao Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais datada de 19.3.98, o recorrido particular Dr P narra que 'no dia [12.3.98] pelas 12 horas, no Tribunal Central Administrativo, e sala de sessões, e na presença de todos os [...] desembargadores que integram a secção do Contencioso Administrativo, e bem assim do Procurador da República, [...] [o ora Recorrente], também Desembargador dessa Secção, [lhe dirigiu], na presença de todos e de viva voz, sem nada que o justificasse ou adivinhasse as seguintes expressões: ‘O Senhor só foi eleito Presidente com as trafulhices que fez’ [,]’O Senhor é parcial’ (repetidas vezes)
[,] ‘O senhor faz das sessões uma bandalheira’ frase esta que, já em duas anteriores sessões semanais, tinha proferido na presença de todos’’.
II. Por deliberação de 30.3.98 do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o acto cuja suspensão de eficácia se pretende, foi instaurado ao requerente processo disciplinar, precisamente pelos factos participados pelo recorrido particular.
III. Na sequência do respectivo processo disciplinar nº 439 o agente instrutor acusou disciplinarmente o recorrente das ditas ofensas, propondo a pena capital de aposentação compulsiva – expulsão pura e dura do recorrente da magistratura!
IV. No processo disciplinar levantado ao recorrente, enquanto juiz, estão em causa, declarações ou opiniões, nada lisonjeiras diga-se em abono da verdade, que aquele teria proferido, ou emitido, durante a conferência da 1ª Secção do Tribunal central Administrativo do passado dia 12.3.98, o que implica a violação do princípio de separação de poderes, constituindo a prática de procedimentos por órgão administrativo incluído nas atribuições dos tribunais judiciais, nos termos do artº 37º, nº2, da Constituição, configura o vício de usurpação de poder, e acarreta a sua nulidade, nos termos do artº 133º, nº2, alínea a), do código do procedimento Administrativo.
V. Com a presente suspensão de eficácia, pretende o recorrente não estar sujeito a procedimento administrativo sancionador nulo.
VI. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7.10.98 (fls 173 e seguintes), ora recorrido, indefere o pedido, considerando que há 'dúvidas que se poderão desde logo levantar quanto à inexistência do nexo de causalidade que deve verificar-se entre o acto em causa e os prejuízos invocados como suporte da ocorrência do requisito previsto na alínea a) do citado preceito legal' e que 'é indesmentível que a suspensão da eficácia da deliberação em causa causaria uma lesão do interesse público suficientemente grave para obstar ao deferimento do pedido', pelo que não se encontra verificado os requisitos do art.76º, nº 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho. VII. A IV Revisão Constitucional assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos – artº 20º, nº 1, da Constituição - realçando-se aqui a expressão defesa efectiva, tutela efectiva (artº 20º, nº5). VIII. Estes direitos à efectivação jurídica dos direitos e interesses legalmente protegidos são especifica e constitucionalmente concretizados no que toca ao cidadão na veste de administrado: a IV Revisão Constitucional (1997) garante aos 'administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares'(artº
268º,4).
IX. A aplicação directa do artº 268º, nº4, da Constituição, implica a interpretação do direito ordinário em conformidade com a Constituição, através dos seguintes expedientes. a. desaplicação por inconstitucionalidade de normas erguidas como impedimento legal a uma protecção adequada de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares; b. formatação judicial constitucionalmente adequada de instrumentos processuais já existentes para, de forma equitativa, eficaz e expedita, se defenderem direitos, liberdade e garantias – artº 20º, nº4.
XI. A justiça administrativa cautelar, no caso de impugnação contenciosa de actos administrativos inválidos, tem uma função essencialmente garantística, não sendo de excluir um propósito de composição provisória do litígio - sempre, contudo, integrando a tutela jurisdicional efectiva dos direitos dos administrados. XII. É aqui de invocar o artº 2º, nº2, do CPC, com aplicação no contencioso administrativo, face ao disposto no artº 1º do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, mas decorrendo desde logo dos artºs 20º, nº1, e 268º, nº4, da Constituição: o recorrente, enquanto juiz arguido num processo administrativo sancionador nulo, tem direito à declaração jurisdicional de invalidade da deliberação instaurativa do mesmo, bem como à suspensão judicial dos efeitos jurídicos decorrentes dessa deliberação, de forma a que, declarada jurisdicionalmente a invalidade, esta tenha o efeito útil de impedir o prosseguimento do procedimento sancionador, antes de desfigurado irremediavelmente pelo resultado final. XIII. Não parece haver dúvida que os prejuízos invocados pelo recorrente na petição de suspensão decorrem precisamente da situação criada pela instauração do procedimento disciplinar nulo, com manifesta intenção expulsiva da magistratura, por factos relacionados com o exercício da liberdade de expressão, no decurso de sessão de julgamento de tribunal superior. XIV. Por outro lado, o exercício da judicatura em sessão de julgamento de tribunal superior pressupõe precisamente a liberdade de expressão incensurada, protegida pelo segredo de justiça, tal como decorre do artº 12º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, e punida, desde conste de acta, exclusivamente pelos tribunais judiciais – artº 37º, nº2, da Constituição. XV. Acórdão recorrido de 7.10.98 ao afastar a relevância dos receios invocados por juiz arguido em processo administrativo sancionador nulo, sendo que já foi revelada a intenção de expulsar administrativamente o recorrente da magistratura, por afirmações alegadamente proferidas durante uma sessão em conferência na secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo, acarreta grande perturbação para a sua vida diária, o que implica grande preocupação relativa à previsível falta de rendimentos para prover às necessidades de subsistência humana, principalmente dos seus filhos. XVI. O afastamento da relevância dos receios invocados pelo recorrente do âmbito normativo em apreço, a pretexto de 'dúvidas', impede a integração da factualidade invocada pelo recorrente nos artºs 87º a 117º da petição, o que significa uma restrição injustificada e desproporcional da posição jurídica do recorrente, na medida em que não permite que os seus direitos e interesses espelhados na situação em que se encontra actualmente (de que a nulidade do procedimento administrativo sancionador é elemento integrante) sejam confrontados com o interesse público concretamente prosseguido pela decisão do procedimento disciplinar. XVII. A afirmação do Acórdão recorrido de 7.10.98 de que os factos imputados ao recorrente 'relacionam-se directamente com o prestígio que deve rodear a actividade de todos os tribunais e põem em causa, de forma aliás manifesta, o funcionamento do Tribunal Central Administrativo, onde terão ocorrido' contrastam com o alegado pelo recorrente no artº 113º da petição:
'desde a sessão de 12.3.98 - em que terão tido lugar as pretensas ofensas - .o requerente tem intervindo em todas as sessões da secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo, relatando processos, sendo adjunto, subscrevendo acórdãos, sendo certo que no processo disciplinar não está em causa o munus de juiz'. XVIII. Acresce que a credibilidade e boa imagem do Tribunal Central Administrativo, que tanto preocupa o Acórdão recorrido, não depende do exercício da acção pretensamente disciplinar do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, já que isso era admitir que um órgão jurisdicional estivesse dependente de um órgão administrativo. XIX. A credibilidade e boa imagem do Tribunal Central Administrativo depende sim do exercício da judicatura pelos seus juizes, sendo certo que o recorrente, enquanto juiz e apesar da situação injusta em que se encontra, nunca deixou de contribuir para aquele objectivo, tendo o comportamento alegado no artº 113º da petição. XX. Assim, a interpretação do artº 76º, nº1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, aplicada pelo Tribunal recorrido, não observa o parâmetro constitucional dado pelo artº 20º, nº5, (defesa de 'direito a defesa em processo administrativo sancionador' de forma a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaça de violação daquele), concretizado pelo artº 268º, nº4 (tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos traduzida na adopção de medidas cautelares adequadas'; nem observa o parâmetro constitucional constituído pelo artº 18º, nº2, na medida em que a restrição efectuada resulta, não de lei especifica, nem da necessidade de salvaguardar outro direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, mas sim de 'considerações indesmentíveis', de 'juízos manifestos', de 'entendimentos imperiosos'. XXI. Pelo que a interpretação e aplicação efectuadas pelo Supremo Tribunal Administrativo do artº 76º, nº1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, violam o disposto nos artºs 20º, nº5, e 268º, nº 4, bem como no artº 18º, nº2, todos da Constituição. XXII. O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.98, a fls
193 e seguintes, decidiu não tomar conhecimento do pedido de declaração de nulidade ou anulação do despacho de 25.6.98, e em indeferi-lo. XXIII. A situação geradora de ineficácia, foi configurada pelo recorrente como falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto e inconstitucionalidade, ilegalidades sancionadas com a anulabilidade e a nulidade. Assim, a ineficácia decorre destas ilegalidades. XXIV. Quem pede a declaração de nulidade ou anulação de um despacho, pede simultaneamente a sua ineficácia. XXV. Daí que não haja razão para não tomar conhecimento do pedido. XXVI. O despacho de 25.6.98 é um acto de execução da deliberação impugnada de 30.3.98 do recorrido público, que permite a prossecução da execução deste acto de 30.3.98, antes do trânsito em julgado da decisão do pedido de suspensão de eficácia do mesmo, nos termos do artº 80º, nº1, do Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho. XXVII. Ao decidir como decidiu, o Supremo Tribunal Administrativo aceitou como válido o despacho do recorrido público de 25.6.98, despacho emitido no uso da faculdade constante do artº 80º, nº1, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, faculdade que Freitas do Amaral (Direito Administrativo, Volume IV, Lisboa, 1988, pág 322) considera, enquanto 'modalidade do privilégio de execução prévia, gravosa para os particulares e desprestigiante para os tribunais', porque representa uma condenável diminuição de garantias dos particulares, incompatível com o Estado de direito, o que viola, não só o disposto nos artº 2º e artº 9º, alínea b), da Constituição, como também a efectividade de protecção jurisdicional garantida pelos artº 20º, nº5, e artº 268º, nº4, da Constituição, com relevância para a 'adopção de medidas cautelares adequadas'. XXVIII. Ao negar ao recorrente o direito à suspensão provisória do acto impugnado até trânsito em julgado do pedido de suspensão de eficácia no presente processo, o Supremo Tribunal Administrativo fez aplicação do artº 80º, nº2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, em desconformidade com o disposto nos artºs 20º, nº 5, e 268º, nº4, da Constituição. XXIX. Da tramitação processual, verifica-se que o agente do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal Administrativo, teve a seguinte intervenção: a. indeferimento da suspensão pretendida pelo recorrente; b. a fls 171 e 172 defende abundantemente o interveio na sessão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 7.10.98 em que se discutiu a presente causa em conferência, e em que foi resolvido indeferir o pedido formulado pelo recorrente - termo de fls 185; c. assinou o Acórdão recorrido, juntamente com os juízes da conferência – cfr. fls. 184.
XI. Decorre também da tramitação processual que o recorrente não foi notificado da promoção do Ministério Público de fls 171 e 172, pelo que não pode pronunciar-se, previamente à decisão, sobre o indeferimento que ali é proposto; nem foi notificado para estar presente na sessão de 7.10.98 referida, afim de poder contraditar as razões oralmente apresentadas pelo Ministério Público. XII. Acórdão recorrido aplicou o disposto no artº 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, já que, apesar do carácter reservado do órgão jurisdicional 'conferência', o agente do Ministério Público teve intervenção na sessão em que foi resolvido indeferir o pedido do recorrente, desacompanhado deste, chegando a apor a sua assinatura no acto jurisdicional, pelo que o agente em causa vem configurado como 'juiz'. XIII. Daí que o artº 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na medida em que permite essa configuração, seja inconstitucional por violação do disposto nos artºs 202º, nº2, 203º, 219º, nºs 1 e 2, da Constituição. XIV. Na medida em que os juízes, sendo o recorrente juiz, só nos casos especialmente previstos na lei podem ser responsabilizados disciplinarmente em razão do exercício das suas funções (artº 5º, nº2, da Lei nº
21/85, de 30 de Julho), por definição, qualquer processo administrativo sancionador de juiz pressupõe necessariamente que a respectiva infracção disciplinar tenha sido praticada 'em razão das funções de magistrado judicial' XV. O recorrente vem ao tribunal defender-se de razões de índole disciplinar directamente conexionadas com o exercício das suas funções - porque se as razões de índole disciplinar não estivessem directamente conexionadas com o exercício das funções do recorrente, o processo disciplinar em causa era inadmissível. XVI. O processo disciplinar de que o recorrente é alvo - o processo disciplinar nº 439 do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais
- assenta na circunstância de que a respectiva infracção disciplinar tenha sido praticada 'em razão das funções de magistrado judicial XVII. O próprio Acórdão recorrido reconhece que o recorrente é infractor 'por factos ocorridos durante o exercício das funções' de juiz. XVIII. Se a expressão 'exercício das suas funções' é idêntica nos artº 5º, nº2, e no artº 17º, nº1, alínea g), ambos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, não se vislumbra motivo jurídico para a interpretar de forma diversa: para perseguir o recorrente, a expressão tem um determinado significado jurídico; para o recorrente se defender dessa perseguição, a expressão já tem outro significado jurídico! XIX. Qualquer Estatuto, enquanto conjunto de direitos e deveres aplicáveis a titulares de órgãos do Estado - um juiz é titular de um órgão jurisdicional - deve ser aplicado unitariamente, isto é, as suas expressões normativas têm de manter o mesmo significado jurídico face às diversas hipóteses em que suscite a sua aplicação, sob pena de relevar a facticidade dos resultados pretendidos, em detrimento da conformação resultante do dever-serjurídico. XX. O direito conferido pelo art.O 17.0, n.O 1, alinea g), da Lei n.O
21/85, de 30 de Julho, é direito especial dos juizes, traduzido em isenção de preparos e custas em qu-alquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções. XXI. A isenção é concedida (aos juizes) nos expedientes judiciais em que é pedida por ou contra um juiz, uma determinada composição de um litígio suscitado por causa do exercício das suas funções. XXII. Para efeito da isenção de custas em causa, um juiz está no exercício de funções quando se encontra em posição de poder actuar os poderes funcionais implicados na competência do tribunal a que está adstrito. XXIII. Por isso, o exercício de funções deve coconstituir a causa de pedir da acção, de tal forma que aqui são contidos os litígios de natureza estatutário em que o juiz é parte; ou seja, a acção há-de fundar-se em factos directamente conexionados com o exercício das funções do juiz, pelo que a isenção concedida é uma isenção de tipo subjectivo – vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº466/97, in Diário da República, II, nº245, de 22.10.97. XXIV. No caso dos autos, o litígio surge em virtude de o 'exercício de funções de juiz do Tribunal Central Administrativo', em comissão permanente de serviço, do recorrente, já que a pretexto de punição disciplinar mediante processo disciplinar pretende o órgão recorrido puni-lo por eventual abuso de liberdade de expressão no decurso de uma sessão do órgão jurisdicional de que o recorrente é titu1ar. XXV. Assim não considerando, está-se a interpretar restritivamente o artº 17º, nº1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº
10/94, de 5 de Maio, com violação do disposto nos artºs 18º, nº3, e 20º, nº1, da Constituição.'
Também o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) apresentou alegações em que defendeu as posições que expôs nos autos, mas não formulou conclusões.
Corridos que foram os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
5. Delimitação do objecto do recurso: Importa, antes de mais, averiguar se o Tribunal confirma ou não o despacho do relator quanto à exclusão do âmbito do recurso das normas dos artigos 3º, nº 4, alínea f), e nº 10, 11º e 26º, nº 1 e nº 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, e dos artigos 82º, 90º, nº
1, e 95º, nº 1, alínea a), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho - normas que o recorrente veio considerar como implicitamente aplicadas pelas decisões recorridas.
Efectivamente, o acórdão de 7 de Outubro de 1998 indeferiu o pedido formulado, que era tão-só o da suspensão da eficácia do despacho de 25 de Junho de 1998 da autoridade recorrida, que indeferira, por sua vez, a declaração de impedimento de outros membros daquela entidade. Ora, a decisão que indeferiu tal pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo impugnado não aplicou, manifestamente, de forma explícita ou implícita, as referidas normas. De facto, como decorre singelamente da sua leitura, o mencionado acórdão do STA limitou-se a indeferir a pretensão da suspensão e a resolver duas questões incidentais suscitadas pelo recorrente - o impedimento do presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e a questão da intervenção do Ministério Público nas sessões do STA -, sendo certo que a solução jurídica dessas questões se não reporta às normas questionadas. Por outro lado, o acórdão de 29 de Outubro de 1998 - atinente ao pedido de declaração de nulidade ou de anulação do despacho de 13 de Julho, bem como ao pedido de declaração de ineficácia de todos os actos de execução entretanto praticados - também se não socorreu das mesmas normas, por o respectivo âmbito de aplicação ser manifestamente alheio às questões controvertidas. Assim, não tendo havido aplicação das normas referidas, não pode tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade na parte relativa àquelas normas, que ficaram anteriormente identificadas.
6. Há, porém, que apreciar a questão suscitada pelo Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais relativa à não aplicação, pelos acórdãos recorridos, do artigo 80º, nºs 1 e 2, da LPTA.
Segundo o artigo 80º, nºs 1 e 2, da LPTA, constitui dever expresso da Administração impedir que se proceda à execução do acto cuja suspensão de eficácia foi pedida, só podendo iniciar-se ou prosseguir a execução do acto, antes do trânsito em julgado da decisão do pedido, quando, em resolução fundamentada, se reconheça grave urgência para o interesse público na execução.
Assim sendo, resulta evidente que o acórdão de 7 de Outubro, ao indeferir o pedido de suspensão de eficácia, não pode ter - nem podia ter - aplicado tal normativo.
Por outro lado, no requerimento de fls. 153-165 dos autos, o recorrente pediu que se declarasse a nulidade ou se anulasse o despacho de 13 de Julho de 1998 da autoridade recorrida e, ainda, que o Tribunal declarasse ineficazes todos os actos de execução praticados pelo CSTAF posteriores ao pedido de suspensão de eficácia, para tanto invocando o artigo 80º, nºs 1 e 2 da LPTA.
Contudo, o Supremo Tribunal Administrativo, pelo acórdão de 29 de Outubro de 1998, decidiu não tomar conhecimento do pedido na parte em que se pedia a declaração de nulidade ou a anulação do despacho de 25 de Junho de 1998 e bem assim da deliberação de 13 de Julho de 1998, pois não é possível decretar a ineficácia dos actos que porventura concretizem a respectiva execução por ter sido indeferido o pedido de suspensão de eficácia. Ora, não tendo o STA tomado conhecimento do pedido na parte relativa à declaração de nulidade ou anulação do despacho de 25 de Junho e da deliberação de 13 de Julho de 1998, é manifesto que a norma aqui em causa – o artigo 80º, nºs 1 e 2, da LPTA - não foi aplicada na decisão recorrida.
Por isso, não pode também conhecer-se do recurso de constitucionalidade, quanto a tal norma.
7. Nestes termos, o Tribunal altera, nesta parte, o despacho do relator (fls. 218 a 227 dos autos), passando a constituir objecto do presente recurso de constitucionalidade apenas as seguintes normas: o do artigo 76º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho
(LPTA); o do artigo 15º da mesma LPTA; o do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio.
Assinale-se, porém, que só a norma do artigo 76º, nº 1, da LPTA é abrangida por ambos os recursos interpostos, na medida em que, relativamente às outras duas, a questão da respectiva inconstitucionalidade não foi suscitada no requerimento que viria a dar origem ao segundo acórdão do STA, ou seja, ao acórdão de 29 de Outubro de 1998 - isto é, a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada durante o processo, em termos de o tribunal recorrido estar obrigado a dela conhecer (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da LTC) no mencionado segundo acórdão.
Quanto às restantes normas indicadas pelo recorrente, o Tribunal decide não tomar conhecimento do recurso, por falta de pressupostos de admissibilidade.
8. - Precisamente sobre a questão de constitucionalidade das normas que são objecto do presente recurso, já o Tribunal Constitucional se pronunciou em Plenário.
Nesse Acórdão nº 412/2000, publicado no 'Diário da República', II Série A, de 21 de Novembro de 2000, e em que intervieram as mesmas partes destes autos, o Plenário do Tribunal Constitucional decidiu não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 76º, nº 1, alínea a), da LPTA e do artigo 17º, nº 1, alínea g), do Estatuto dos Magistrados Judiciais e julgar inconstitucional, com votos de vencido, entre os quais o do relator, a norma constante do artigo 15º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (LPTA), na redacção do Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro.
É esta jurisprudência que cumpre aqui aplicar.
III - DECISÃO
Nos termos do que fica exposto o Tribunal Constitucional decide: a. Não tomar conhecimento dos recursos, na parte respeitante às normas constantes dos artigos 3º, nº 4º, alínea f), e nº 10, 11º, 26º, nº 1 e nº 2, alínea a), do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, bem como do artigo 80º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 267/85 (LPTA), de
16 de Julho, e dos artigos 82º, 90º, nº 1 e 95º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho; b. Negar provimento ao recurso interposto do acórdão do STA, de 29 de Outubro de 1998, na parte em que dele se conhece, e conceder provimento parcial ao recurso interposto do acórdão do STA, de 7 de Outubro de 1998, o qual deve ser reformulado em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade do mencionado artigo 15º da LPTA.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2000 Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa