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Proc. nº 360/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. E, SA, instaurou, em Setembro de 1997, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, processo de impugnação judicial de liquidação de taxa de ocupação da via pública sem licença no valor de 69.851.675$00, efectuada pelos Serviços de Finanças (Repartição Administrativa de Licenças da Divisão de Impostos, Licenças e Contencioso Fiscal) da Câmara Municipal do Porto. Pediu a impugnante a anulação da aplicação da taxa em causa por, entre o mais, padecer de inconstitucionalidade formal o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município do Porto para o ano de 1996, e de inconstitucionalidade, e consequente ilegalidade da sua aplicação, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e proibição do arbítrio, a Observação 3ª da Subsecção III da Secção I do Capítulo IV do mesmo Regulamento (fls. 11 e seguintes).
2. No referido processo, que correu os seus termos no 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto sob o n.º 4/97, pronunciou-se o representante da Fazenda Pública no sentido da improcedência da impugnação (fls.
116 e seguintes) e, após inquirição das testemunhas, foram produzidas alegações, tanto pelo representante da Fazenda Pública (fls. 125 e seguintes) como pela impugnante (fls. 128 e seguintes), e proferido parecer pelo Ministério Público, também no sentido da improcedência da impugnação (fls. 164 e seguintes).
É o seguinte, em síntese, o teor da sentença, proferida em 25 de Março de 1999
(fls. 169 e seguintes):
'– Em 29 de Outubro de 1996, a Divisão de Trânsito da C.M.P. participou uma ocupação da via pública, na Rua Pedro Homem de Melo, nesta cidade, com tapumes, numa área total de 8 291 metros quadrados;
– Na data a que se refere a participação a impugnante levava a cabo, no local, uma obra de empreitada, ajustada com a sociedade S, S.A.;
– O terreno ocupado pela impugnante era um terreno com 12 585 metros quadrados de área que constituía o lote nº 10 do alvará de loteamento nº 10/87 e passou a constituir o lote nº 6, do alvará de loteamento 3/96, emitido em Julho de 1996, que anulou o alvará nº 10/87;
– Na sequência dessa participação foi liquidada a taxa devida pela utilização não licenciada da via pública, de acordo com o disposto no artº 12º, nº 2, observação 3ª, subsecção III, da Secção I, do capítulo IV, do Regulamento Municipal da Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal do Porto (C.M.P.), no valor global de 69 851 675$00, onde se incluiu o agravamento de 5 vezes o montante da taxa que seria devida, na mesma situação, caso a ocupação tivesse sido precedida de licenciamento;
– Em 17 de Fevereiro de 1997, a impugnante requereu ao Presidente da C.M.P., que lhe fosse indicada a fundamentação do acto de liquidação da taxa de ocupação da via pública, como consta dos documentos de fls. 71 e 19;
– A Directora do Departamento de Finanças, no uso de poderes que lhe foram delegados pelo Director de Finanças e Património, determinou, em 13 de Março de
1997 que fosse emitida certidão, com a respectiva fundamentação de facto e de direito do novo acto de acordo com a informação de fls. 76 e 77, destes autos;
– Em 27 de Junho de 1997, a impugnante reclamou para o Presidente da C.M.P. da liquidação da taxa de ocupação da via pública, como consta dos documentos de fls. 48 a 69;
– Essa reclamação veio a ser indeferida, por despacho proferido [em] 11 de Agosto de 1997, pela Directora do Departamento de Património e Aprovisionamento, na qualidade de Directora Municipal de Finanças e Património, em regime de substituição, da C.M.P., pelas razões constantes do documento de que há cópia a fls. 90 a 95:
– Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças do Município do Porto para o ano de
1996, foi aprovado pela Assembleia Municipal do Porto de 16 de Janeiro de 1996, e, publicado no D.R., II série, nº 61, de 96.03.12, com o aviso de que a publicação é feita em cumprimento do estipulado no artº 68º-A, do DL 445/91, de
20.11, na redacção que lhe foi dada pelo DL 250/94, de 15.10;
– No dia 27 de Maio de 1997 foi aprovada, por unanimidade, a deliberação da Assembleia Municipal da C.M.P., segundo a qual do Regulamento Municipal de Obras passaria a constar que o Regulamento foi aprovado pela Assembleia Municipal ao abrigo do determinado no artº 11º, alínea a), da L. 1/87, de 06.01, artº 39º, nº
2, alínea L, do DL 100/84, de 29.03, artº 43º, nº 1, do DL 400/84, de 31.12, DL
448/91, de 29.11, com as alterações introduzidas pelo DL 334/95, de 28.12 e, L.
2696, de 01.08;
– A presente impugnação foi instaurada em 15 de Setembro de 1997; Questões a decidir:
1 – definir se o R.TTL, no momento em que foi liquidada a taxa de ocupação continha a indicação da lei habilitante, e, caso negativo, qual a consequência jurídica dessa omissão, para o presente processo.
2 – definir se o terreno onde foi praticada a ocupação pertence ou não ao domínio público.
3 – natureza jurídica do agravamento da taxa de ocupação, quando não precedida de licenciamento. Pela análise da matéria provada verifica-se que, no momento da liquidação da taxa de ocupação da via pública, em discussão que se ignora, concretamente quando teve lugar mas, seguramente é anterior à data em que a impugnante teve da sua existência conhecimento, ao receber o postal de que há cópia a fls. 73 – 5 de Fevereiro de 1997 – o R.T.T.L. da C.M.P. não continha indicação expressa da lei habilitante, uma vez que não pode considerar-se como tal, pelo menos para efeitos da regulamentação das taxas aplicáveis à ocupação do domínio público, o aviso que antecedeu a sua publicação. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inequivocamente que, de acordo com o disposto no artº 115º da C.R.P., os regulamentos – todo e qualquer regulamento, independentemente do órgão ou autoridade donde tiverem emanado – devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, sob pena de padecerem de inconstitucionalidade formal, por desrespeito do citado preceito constitucional. Assim, sem necessidade de mais análises, dado tratar-se de uma questão repetidamente afirmada na doutrina e na jurisprudência, declaro, nos presentes autos a referida inconstitucionalidade formal do referido regulamento, e a consequente anulação da liquidação que o teve por fundamento.'
3. O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância interpôs recurso desta sentença para o Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do disposto nos arts. 3º, n.º 1, al. f) e n.º 2 da Lei 60/98, de 7/8,
219º e 280º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da C.R.P. e 70º, al. a) da Lei 28/82, de
15/11', 'porquanto foi declarada a inconstitucionalidade formal do Regulamento Municipal de Obras da Câmara Municipal do Porto' (fls. 172). O Representante da Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para o Supremo Tribunal Administrativo (fls. 173). Este recurso foi admitido, por despacho de fls. 174. O juiz que proferiu a decisão recorrida manteve-a e mandou que os autos subissem ao Supremo Tribunal Administrativo (fls. 176). Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foi neste tribunal proferido despacho (fls. 179 v.º e 180), ordenando a remessa dos autos ao tribunal recorrido, para que neste fosse emitido despacho sobre o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. No Tribunal de 1ª Instância do Porto foi, então, emitido despacho (fls. 182), admitindo o recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo Ministério Público.
4. No Tribunal Constitucional, foi proferido despacho pela relatora, nos termos do artigo 75º-A, nº 6, da LTC, ordenando a notificação do recorrente para
'explicitar qual o Regulamento cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie'.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal respondeu:
'O recurso, interposto nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, tem como objecto a apreciação da constitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 12º e observação 3ª da Subsecção III, Secção I, do Capítulo IV do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, aprovado pela respectiva Assembleia Municipal em 16 de Janeiro de 1996, cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade formal, por violação do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa – de que se junta cópia, extraída da II Série do Diário da República.'
5. O Ministério Público formulou as seguintes conclusões nas alegações que apresentou:
'1 – Invocando expressamente o Regulamento da Tabela de taxas e Licenças para
1996, da Câmara Municipal do Porto, como lei habilitante o artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91 (na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro) bem como o artigo 118º do Código de Procedimento Administrativo – e resultando da primeira daquelas normas, ao menos implicitamente, a competência dos órgãos municipais para editarem regulamentos visando a fixação de regras relativas à construção, fiscalização e taxas de obras particulares – não pode imputar-se o vício de inconstitucionalidade formal, decorrente de omissão de invocação da lei-habilitante, às normas integradas no Capítulo IV do dito regulamento.
2 – Não cabe no âmbito do presente recurso de constitucionalidade sindicar se as normas legais, invocadas como base ou suporte do regulamento, constituem título bastante para a sua edição – competindo aos tribunais judiciais ou administrativos e fiscais dirimir tal matéria, situada exclusivamente no plano da estrita legalidade do acto regulamentar.
3 – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade formal das normas desaplicadas na decisão recorrida.'
Por sua vez, a recorrida E concluiu assim as suas alegações:
'1 – A invocação da competência subjectiva e objectiva a que alude o artigo
112º, nº 8, da CRP, deve ser explícita e não implícita.
2 – De qualquer jeito, as normas constantes do aviso que precede o regulamento em causa não são definidoras da competência subjectiva e objectiva para a emissão de um tal normativo regulamentar.
3 – Por outro lado, o Regulamento em causa não visa regulamentar tais normas.
4 – A inconstitucionalidade formal do Regulamento em causa afecta-o na sua globalidade, não se concebendo que fique salvaguardada a constitucionalidade de parte do mesmo, reconhecendo-se que é inconstitucional a parte restante.
5 – O Regulamento em causa carece de Lei habilitante e, por isso, ele não se acha conforme com o disposto no artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
6 – A apontada desconformidade configura questão de constitucionalidade e não de mera legalidade. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado improcedente e ser declarada a inconstitucionalidade formal do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996 da Câmara Municipal do Porto.' II
6. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, que o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto julgou formalmente inconstitucional – por não conter indicação expressa da lei habilitante – e que, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, se recusou a aplicar.
Lê-se no aviso que antecede a publicação do mencionado Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, no Diário da República, II Série, nº 61, suplemento, de 12 de Março de 1996, p. 3386 (33) a 3386 (49):
'Em cumprimento do estipulado no nº 3 do art. 68º-A do Dec.Lei 445/91, de 20-11, na redacção dada pelo Dec.Lei 250/94, de 15-10, publica-se o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para o ano de 1996, aprovado em reunião camarária de
12-12-95, previamente submetido à apreciação pública nos termos do artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo e aprovado em reunião da Assembleia Municipal em 16-1-96'.
A questão a decidir neste processo reside portanto em saber se satisfaz a exigência contida no artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa a referência que é feita, no aviso que antecede a publicação no Diário da República do mencionado Regulamento da Câmara Municipal do Porto, ao nº 3 do artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, e ao artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo.
7. A exigência de indicação da lei habilitante formulada pelo actual artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa tem em vista, por um lado, disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, e, por outro lado, garantir a segurança e a transparência jurídicas, dando a conhecer aos destinatários o fundamento do poder regulamentar.
Como este Tribunal disse no acórdão nº 357/99 (Diário da República, II Série, nº 52, de 2 de Março de 2000, p. 4255), 'não impõe a lei constitucional que a indicação da lei definidora da competência conste de um qualquer trecho determinado do Regulamento'. A Constituição exige todavia que a menção seja 'expressa', recusando deste modo a legitimidade de referências meramente implícitas à base legal autorizante.
Mas, ainda que se aceite que a menção da norma legal habilitante seja 'implícita' ou 'indirecta' (como tem sido aceite em certa jurisprudência deste Tribunal), certo é que, no caso dos autos, não se encontra no texto do Regulamento, nem no texto do aviso que lhe deu publicidade, qualquer referência
à norma que justifica a competência da Câmara Municipal para o aprovar, ou da Assembleia Municipal para o homologar.
Na verdade, as disposições legais mencionadas no aviso acima transcrito dizem respeito tão somente à exigência de publicação no Diário da República de certos regulamentos municipais (nº 3 do artigo 68º-A do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro) e à exigência de submissão à apreciação pública dos projectos de regulamentos administrativos (artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo).
As normas invocadas referem-se portanto a exigências de natureza procedimental, que devem ser observadas aquando da adopção de normas regulamentares por certas entidades. Ora, independentemente de qualquer juízo deste Tribunal quanto a essa questão, reconhece-se que a invocação de tais normas no aviso é oportuna, já que, através dela, a autoridade administrativa demonstra o cumprimento dessas exigências legais (a publicação no jornal oficial e a apreciação pública do regulamento).
Porém, nenhuma das normas invocadas prevê ou disciplina a competência da Câmara Municipal para aprovar, ou da Assembleia Municipal para homologar, o Regulamento que aqui se discute – mais precisamente, a norma com base na qual foi efectuada a liquidação impugnada nos presentes autos – ou para aprovar ou homologar qualquer outra norma regulamentar.
As normas invocadas não são, repete-se, normas atributivas de competência regulamentar aos órgãos autárquicos. Por isso, a referência a essas normas no aviso que precede a publicação do Regulamento não dispensa – e não pode substituir – a menção da respectiva norma legal habilitante. A função de uma e outra referência é diferente, porque distinta é também a finalidade a prosseguir por uma e outra exigência. Sublinhe-se, aliás, a fórmula utilizada no próprio aviso 'Em cumprimento do estipulado no nº 3 do art. 68º-A do Dec. Lei
445/91 [...] publica-se o Regulamento [...]'.
Tanto assim é que – como vem provado na sentença recorrida, a fls. 170 – 'no dia
27 de Maio de 1997 foi aprovada, por unanimidade, a deliberação da Assembleia Municipal da C.M.P., segundo a qual do Regulamento Municipal de Obras passaria a constar que o Regulamento foi aprovado pela Assembleia Municipal ao abrigo do determinado no artº 11º, alínea a), da L. 1/87, de 06.01, artº 39º, nº 2, alínea l), do DL 100/84, de 29.03, artº 43º, nº 1, do DL 400/84, de 31.12, DL 448/91, de 29.11, com as alterações introduzidas pelo DL 334/95, de 28.12, e L. 26/96, de 01.08'.
Pelos fundamentos expostos, conclui-se que é formalmente inconstitucional, por falta de indicação da norma legal habilitante, o Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto, aprovado em reunião camarária de 12 de Dezembro de 1995, e publicado no Diário da República, II Série, nº 61, suplemento, de 12 de Março de 1996, p.
3386 (33) a 3386 (49), na versão em vigor à data em que foi praticado o acto de liquidação impugnado nestes autos.
O mesmo juízo de inconstitucionalidade quanto ao mencionado Regulamento consta do acórdão deste Tribunal nº 148/00 (publicado no Diário da República, II Série, nº 233, de 9 de Outubro de 2000, p. 16343 s).
III
12. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere ao julgamento de inconstitucionalidade. Lisboa, 30 de Janeiro de 2001 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa