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Proc.º n.º 619/99
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - J... e mulher, L... vieram deduzir, por apenso ao processo executivo que identificam, embargos de terceiro contra a penhora efectuada naquele processo.
Contestados os embargos foi proferida decisão que os julgou totalmente não provados e improcedentes.
Contra esta decisão os requerentes interpuseram recurso para a Relação de Lisboa que por acórdão de 28 de Janeiro de 1999 decidiu negar provimento ao recurso confirmando a decisão recorrida.
Notificados desta decisão os requerentes interpuseram novo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Nesse Tribunal o relator entendeu que se justificava o julgamento sumário do recurso nos termos do artº 700º, nº 1, alínea g) do Código de Processo Civil (CPC), decidindo indeferir as questões prévias suscitadas e confirmar o acórdão recorrido.
Notificados desta decisão J... e mulher, L..., interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação do artº 5º do Código do Registo Predial, cuja inconstitucionalidade tinham suscitado nas alegações para o STJ.
O relator, por despacho de 16 de Junho de 1999,indeferiu o requerimento de interposição de tal recurso, por entender que os requerentes se se considerassem prejudicados com o despacho atrás referido deveriam ter requerido que sobre o mesmo recaísse um acórdão nos termos do nº 3, do artº
700º, do Código de Processo Civil.
Notificados deste despacho os requerentes, J... e mulher, L..., apresentaram uma reclamação para o Tribunal Constitucional nos termos do artº 77º, da Lei Orgânica deste Tribunal.
2. - O Ministério Público teve vista dos presentes autos aí exarando o seguinte parecer:
'É manifesta a improcedência da presente reclamação, já que o ora reclamante - confrontado, no STJ, com a prolação da decisão sumária, proferida pelo relator, no recurso de revista que havia interposto - tratou de imediatamente impugnar tal decisão, mediante a interposição de recurso de fiscalização concreta, em vez de começar por reclamar para a conferência do decidido, esgotando os normais meios impugnatórios possíveis, existentes na ordem dos Tribunais Judiciais, e obtendo um acórdão, susceptível de ser impugnado no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade.'
Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
3. - A questão que vem suscitada na presente reclamação
é a de saber se o despacho do relator no STJ, pelo qual se julga sumariamente o objecto do recurso nos termos conjugados dos artºs 700º, nº 1 alínea g) e 705º, ambos do CPC é directamente recorrível para o Tribunal Constitucional ou a parte, face a um tal despacho, não tem que reclamar para a conferência e só depois interpor recurso do acórdão que vier a ser proferido.
É manifesto que o despacho pelo qual o relator, por entender que a questão a decidir é simples, julga sumariamente o objecto de um recurso não é um despacho de mero expediente. De facto não se destina a prover ao andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses das partes; muito pelo contrário, decide tal processo de forma sumária, isto é, pela forma mais expedita.
Não se tratando de um despacho de mero expediente, não representa ele em princípio, e dentro do processo em que é proferido, uma decisão definitiva. Com efeito, nos termos do que se dispõe no nº 3, do artº
700º do Código de Processo Civil '[...] quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária.'.
Dado, porém, que se trata, no caso, de um despacho decisório poderia entender-se que, face a tal natureza, é um despacho directamente recorrível.
Vejamos se assim é, de facto.
4. – De acordo com a nossa lei processual, as decisões dos tribunais superiores que não sejam acórdãos são irrecorríveis: é o que resulta dos artigos 700º, n.ºs 3,4 e 5, 721º e 754º, todos do Código de Processo Civil (CPC).
A razão de ser deste posicionamento legal assenta na natureza colectiva dos tribunais superiores. De facto, nestes tribunais, Como se escreveu no Acórdão n.º 517/94 (in 'Diário da República', IIª Série, de 16 de Dezembro de 1994) 'em regra, as decisões definitivas são tomadas pelo próprio
órgão jurisdicional colectivo, e não singularmente pelos juízes que o compõem.'
Assim, os despachos do relator que não sejam de mero expediente podem sempre ser objecto de reclamação para a conferência recaindo acórdão sobre a matéria objecto do despacho, reapreciando-o e podendo alterar o respectivo sentido. Tal reclamação visa a obtenção de um acórdão recorrível, como refere o n.º5 do artigo 700º do CPC., o que significa que o despacho do relator não é uma decisão definitiva, apenas reclamável e não recorrível.
Sendo, assim, possível a revisão pela conferência do despacho do relator, fica confirmada a sua precariedade, com a consequente não recorribilidade de decisões dos tribunais superiores que não sejam acórdãos.
No caso, os reclamantes interpuseram recurso de constitucionalidade logo do despacho do relator que, no STJ, julgou sumariamente o objecto do recurso. A parte prejudicada com um tal despacho – que manifestamente não é de mero expediente - não pode impugná-lo mediante recurso, tendo antes de requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão e, só depois pode recorrer, se o acórdão confirmar o teor do despacho.
Aliás, só é admissível recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que já sejam insusceptíveis de reapreciação na ordem jurisdicional de que provêm (cfr. Acórdão nº 316/85, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol. pág. 642).
No caso dos autos, a particularidade relevante consiste no facto de o despacho recorrido ser um julgamento sumário do relator que pode pôr termo ao processo. De qualquer modo, este julgamento singular feito num tribunal superior, - em regra um órgão jurisdicional colectivo – o único modo de garantir os direitos das partes em tal hipótese é a concessão à parte que se considere prejudicada por tal despacho ou que dele discorde do direito de reclamar para a conferência, provocando assim que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão, nos precisos termos do nº 3, do artº 700º, acima transcrito.
Seria este acórdão a decisão definitiva do tribunal a quo que podia ser objecto de eventual recurso de constitucionalidade.
Aliás, é esta a solução que se encontra hoje expressamente consagrada no artigo 70º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional aprovada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Não tendo os reclamantes requerido a intervenção da conferência para reapreciação do julgamento sumariamente feito pelo relator, este despacho não constituiu uma decisão definitiva do STJ, pelo que não era dele admissível recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que não estavam esgotados os meios impugnatórios possíveis. Assim, a presente reclamação tem de ser indeferida.
Nestes termos o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC's.
Lisboa, 21 de Dezembro de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida