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Processo nº 411/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora (Secção Criminal), em que é recorrente JV, proferiu o Relator a Decisão Sumária de fls.
72 e seguintes, em que, em parte, não se tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade por ele interposto do acórdão daquele Tribunal, de 11 de Abril de 2000, por se considerar, no que aqui importa, que, 'mesmo aceitando como objecto do presente recurso a ‘norma constante da alínea d) do nº 2 e da alínea c) do nº 3 do artigo 120º do Código de Processo Penal, interpretada ilegal e inconstitucionalmente pelo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de
11 de Abril de 2000’ (nº 5 do requerimento), e aceitando-se também que ela foi aplicada nesse acórdão (quando é certo que no acórdão decidiu-se e só rejeitar o recurso, como já se viu), a verdade é que não foi arguida a inconstitucionalidade, na oportunidade devida e de modo processualmente adequado, como hoje se exige no nº 2 do artigo 72º, na redacção do artigo 1º da Lei nº 13-A/98' ('Essa oportunidade residiu na resposta a que se refere o nº 2 do artigo 417º, do Código de Processo Penal, constando do parecer do Ministério Público o levantamento da questão das nulidades e seu suprimento, na óptica do artigo 120º daquele Código, mas o recorrente silenciou sobre o assunto' – acrescenta-se a seguir).
2. Dessa Decisão veio o recorrente 'apresentar pedido de ESCLARECIMENTO, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 48º da Lei Orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional', que foi indeferido, por despacho do Relator, a fls. 89 e seguintes, por se entender não haver obscuridade, nem ambiguidade, do decidido.
'Sabe-se perfeitamente, como realça o Ministério Público, o que se quis dizer na decisão em jogo e no ponto referido: o recorrente não aproveitou a resposta a que se refere o nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, para tomar posição no plano da (in)constitucionalidade da norma questionada do mesmo Código
(e não se diga, como pretende fazer crer o recorrente, que no caso ‘é, em absoluto, impossível saber se um Acórdão que ainda não existe aplica ou interpreta normas inconstitucionalmente’, porque cabia-lhe o ónus de confrontar o tribunal de relação com tal interpretação e aplicação de normas infraconstitucionais, exactamente aproveitando a oportunidade processual de que dispôs e que já se referiu)' – é como se argumenta no despacho.
3. Veio agora o recorrente apresentar 'RECLAMAÇÃO, para a Conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º da Lei Orgânica sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, da parte da douta decisão sumária proferida a 26 de Setembro de 1999 que indeferiu o conhecimento em sede de Recurso do petecionado no artigo quinto do seu requerimento de interposição de Recurso', em que se limita a reproduzir o referido pedido de esclarecimento, entretanto indeferido, por despacho do Relator, como se viu, acrescentando 'dois pontos acerca da questão jurídica respeitante ao ponto cinco do requerimento de interposição do Recurso', que, por comodidade, se transcrevem:
'a) - Em primeiro lugar, e quanto à questão da oportunidade de arguir as eventuais inconstitucionalidades antes do acórdão definitivo, mas após o parecer prévio do Ministério Público, refira-se que, mesmo a perfilharmos da posição adoptada na resposta ao pedido de esclarecimento formulado, o que não acontece, neste caso em concreto, a questão da inconstitucionalidade referida no artigo quinto do requerimento de interposição de Recurso não foi sequer aflorada pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Évora.
É que nos parece, salvo melhor e mais douta opinião, que é absolutamente impossível prever, ou formular um juízo de prognose, acerca de todas as possibilidades jurídicas de decisão da questão controvertida, e menos ainda da interpretação e aplicação eventualmente violadora da Constituição das normas que o Tribunal que irá decidir entenda dever aplicar à questão controvertida que tem de decidir. No entanto, e sem conceder, poderia colocar-se a hipótese de a questão em concreto da inconstitucionalidade na interpretação e aplicação de uma norma jurídica pelo Tribunal que irá formular a decisão tivesse sido objecto de apreciação prévia pelo Ministério Público, quanto mais não fosse constituindo da parte deste um 'alerta' ao julgador quanto a esta questão, e sobre essa questão levantada, mas que não é parte da decisão, se devesse pronunciar o Recorrente.
Mas, se tal hipótese se colocasse, como parece fazer crer o Venerando Juiz Conselheiro Relator neste processo, então, salvo melhor e mais douta opinião, quem teria de intentar Recurso para o Tribunal Constitucional, por dever legal e imperativo, seria o próprio Ministério Público, caso se verificasse a hipótese para a qual já havia 'alertado' no parecer por si formulado. Ora, no caso em apreço, nada disto se passou, pois que a questão de inconstitucionalidade formulada pelo ora Recorrente no seu requerimento de interposição de Recurso não foi apreciada, levantada ou sequer aflorada pelo Digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Évora, pelo que a tese formulada Venerando Juiz Conselheiro Relator neste processo carece do seu pressuposto fundamental de exequibilidade no caso 'sub iudice'. b)- Por último, e mais uma vez, o ora Recorrente não recorre de decisões, recorre da interpretação e aplicação de normas jurídicas, ou seja, das normas decidendi formuladas pelo julgador quando extrai dos preceitos legais uma norma critério e a conjuga com os dados do caso 'sub iudice', verdadeiro e próprio método de interpretação e aplicação do Direito' (segue-se a transcrição na integra do tal ponto 5. do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade).
4. Na sua resposta, o 'representante do Ministério junto deste Tribunal' veio sustentar que a 'presente reclamação é manifestamente improcedente'. Isto porque 'recai sobre o recorrente o ónus de antecipar a arguição da inconstitucionalidade de possíveis e previsíveis interpretações normativas que considere inconstitucionais antes de ser proferido o acórdão que as aplica efectivamente à dirimição de certo caso' e é 'evidente que este juízo de prognose não tem nada a ver com o exercício pelo recorrente que actua com a diligência devida de quaisquer ‘poderes divinatórios’'. Diz-se a seguir na resposta:
'4º No caso dos autos, a decisão proferida pela Relação acerca do regime de sanação de nulidades – decorrente da norma a que vem reportado o recurso – não constitui
'decisão surpresa', de conteúdo insólito e imprevisível, com o qual o reclamante não pudesse e devesse razoavelmente contar, nomeadamente face ao teor da decisão recorrida e contra motivação apresentada pelo Ministério Público.
5º Tendo tido, aliás, plena oportunidade de, na sequência do 'visto' exarado pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, se voltar a pronunciar sobre as questões suscitadas no recurso.
6º Note-se, aliás, que a questão do trânsito em julgado do despacho proferido pelo juiz de instrução, indeferindo a pretendida inquirição – e que serviu de argumento decisivo para a Relação rejeitar o recurso – consta expressamente da própria decisão recorrida (cf. fls. 3 dos presentes autos)'.
5. Tudo visto cumpre decidir. Pode já adiantar-se que o recorrente não consegue abalar minimamente a Decisão reclamada, na parte em crise, pois não logra demonstrar que é 'absolutamente impossível prever, ou formular um juízo de prognose, acerca de todas as possibilidades jurídicas de decisão da questão controvertida, e menos ainda da interpretação e aplicação eventualmente violadora da Constituição das normas que o Tribunal que irá decidir entenda dever aplicar à questão controvertida que tem de decidir', quando, pelo contrário, dispôs de oportunidade para o fazer no momento processual apontado nessa Decisão e repetido no despacho do Relator que indeferiu o pedido de esclarecimento. Se o recorrente entende ter sido a norma em causa, no plano da sanação das nulidades, 'interpretada ilegal e inconstitucionalmente pelo Tribunal da Relação de Évora, no Acórdão de 11 de Abril de 2000' (o acórdão recorrido), tinha que ter confrontado o Tribunal com essa questão, por via de um juízo de prognose. Nada mais, portanto, há a acrescentar ao que o Ministério Público registou na sua resposta, interessando apenas esclarecer que não tem sentido dizer-se, como diz o recorrente, que 'quem teria de intentar Recurso para o Tribunal Constitucional, por dever legal e imperativo, seria o próprio Ministério Público, caso se verificasse a hipótese para a qual já havia ‘alertado’ no parecer por si formulado', pois o único interessado na suscitação da questão de inconstitucionalidade só poderia ser o recorrente, ao pretender questionar o regime de sanação das nulidades. Com o que, e para encurtar razões, deve manter-se a Decisão reclamada.
6. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma, em parte, conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa