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Processo nº 1000/98
3ª secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1280 foi proferida a seguinte decisão sumária de não conhecimento do recurso acima identificado:
'1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de Julho de 1997, foi julgado procedente o recurso interposto por C... da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira que o condenara a pagar a indemnização de 600.000$00 a L..., formulado no processo crime por difamação em que este se constituíra como assistente. O Tribunal da Relação considerou não se encontrarem 'reunidos os pressupostos da responsabilização civil extracontratual (...) face ao disposto no artigo 483º e seguintes do Código Civil'. Para o efeito, considerou não preenchidos os elementos do tipo do crime de difamação, hoje previsto no artigo 180º do Código Penal, correspondente ao artigo 164º, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março. Inconformado, L..., sucessivamente, requereu a aclaração e arguiu a nulidade do acórdão, pedidos que foram, ambos, negados. Recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão 'de 7-7-98'
(ou seja, o acórdão proferido sobre a arguição de nulidades), afirmando que 'no acórdão (...) ora recorrido (que confirmou inteiramente o anterior acórdão reclamado, de 9-7-97) fez-se uma interpretação concreta das normas contidas nos artigos 31º e 180º do C. Penal, 37º do EMJ e 128º e 132º do C. P. Penal que viola os artigos 2º, 17º, 18º 25º, nº 1, 26º, nº 1 e 37º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa. A questão da inconstitucionalidade das referidas normas legais foi suscitada na Reclamação (datada de 29-1-98) de nulidade (... nulidade cometida, precisamente, por causa da mencionada aplicação concreta de normas, cuja inconstitucionalidade se suscitou) do acórdão de 9-7-97, que o acórdão ora recorrido (de 7-7-98) confirmou, desatendendo quer a arguida nulidade quer a suscitada questão de inconstitucionalidade'.
O recurso foi admitido, em decisão que não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
2. A verdade, porém, é que as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente suscita não foram efectivamente aplicadas na decisão tomada no acórdão recorrido, proferido para julgar a arguição de nulidade do acórdão de 9 de Julho de 1997 e que, portanto, apenas aplicou as que regulam a nulidade por omissão de pronúncia, contidas 'na 1ª parte da al. d), do nº 1, do art. 668º, do C. Pr. Civil (na versão originária, de 1961) aplicável ‘ex vi’ do art. 4º do C. Pr. Penal' (acórdão de fls. 1265). O facto de, simultaneamente com a arguição de nulidade, haver suscitado a inconstitucionalidade de determinadas normas e de, em resposta, o Tribunal da Relação ter afirmado que a sua interpretação correcta não contrariava a Constituição em nada releva. Como repetidamente o Tribunal Constitucional tem afirmado, o poder jurisdicional de um tribunal esgota-se com a emissão da decisão, como resulta do disposto no nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil, também aqui aplicável. É certo que a possibilidade de suprir nulidades se encontra entre os desvios a essa regra, conforme previsto no citado artigo 666º, no seu nº 2. Mas é igualmente certo que a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não é causa de nulidade, suprível por esta via. A inconstitucionalidade das normas que constitui objecto do presente recurso só poderia ser julgada, em primeiro lugar, se o recurso viesse interposto do acórdão de 9 de Julho de 1997, e, em segundo lugar, se tivesse sido oportunamente suscitada. Ora, admitindo que se pudesse considerar preenchida a primeira condição, sempre falharia a segunda, por ser extemporânea a invocação da inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades: ver, a título de exemplo, o acórdão nºs 147/85, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º volume, pág. 333 e segs. Nestes termos, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A e na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Sem custas, por estar isento o recorrente.'
2. Inconformado, L... reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Em seu entender, não é exacto, nem que o acórdão recorrido 'não aplicou as normas cuja inconstitucionalidade o ora reclamante suscitou', nem que haja sido
'extemporânea a invocação da inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades', razões que devem levar à revogação da decisão de não conhecimento e ao prosseguimento do recurso. Notificada, a parte contrária não respondeu.
3. Não tem, porém, razão o reclamante.
É que o acórdão recorrido – ou seja, o que foi proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Julho de 1998 – não aplicou, nem poderia aplicar, pois que considerou improcedente a arguição de nulidade por parte do ora reclamante, as normas de direito substantivo e processual que constituem o objecto do recurso de constitucionalidade. Não é exacto que, para indeferir a nulidade, o Tribunal da Relação de Coimbra tenha, 'necessaria e simultaneamente, considerado que a aplicação concreta das normas contidas nos artigos 31º e 180º do C. Penal, 37º do EMJ, e 128º e 182º do C.P.Penal, cuja inconstitucionalidade o reclamante suscitara, não teria sido inconstitucional'. Com efeito, para desatender a nulidade por omissão de pronúncia, o Tribunal da Relação de Coimbra 'apenas aplicou as que regulam a nulidade por omissão de pronúncia, contidas 'na 1ª parte da l. d), do nº 1, do art. 668º, do C. Pr. Civil (na versão originária, de 1961) aplicável ‘ex vi’ do art. 4º do C. Pr. Penal' (acórdão de fls. 1265), como se escreveu na decisão reclamada e agora se confirma. Como igualmente se julgou na decisão reclamada, a circunstância de o Tribunal da Relação de Coimbra se ter pronunciado sobre as normas acusadas de inconstitucionalidade no requerimento de reclamação por nulidade não implica que o Tribunal Constitucional possa julgar o objecto do recurso. Esse conhecimento não tem a virtualidade de alterar os pressupostos de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta das constitucionalidade de normas, entre os quais se contam a sua efectiva aplicação na decisão recorrida. Acrescente-se que, tendo sido do acórdão que indeferiu a arguição de nulidades que o recurso para este Tribunal foi interposto, nenhuma relevância teria no julgamento do seu objecto uma eventual pronúncia no sentido da inconstitucionalidade.
Assim, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso. Lisboa, 8 de Julho de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida