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Proc. nº 114/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga, 'F..., Lda.', com sede no lugar de Monte de Pombal, freguesia de Infias, concelho de Guimarães, deduziu impugnação judicial contra a liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas referente ao exercício de 1992, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada (cfr. processo apenso).
Alegou, em síntese, que:
– por escritura pública de 22 de Junho de 1990, a impugnante e a sociedade 'L..., S.A.' celebraram um contrato de locação financeira, respectivamente como locatária e locadora, tendo como objecto o prédio urbano identificado nos autos, destinado a indústria, situado no lugar de Monte de Pombal, freguesia de Infias, concelho de Guimarães (prédio que, na mesma data, havia sido adquirido pela L... à impugnante);
– a impugnante passou a usufruir o gozo do referido prédio e ficou obrigada ao pagamento de retribuições periódicas, tendo pago as rendas acordadas no contrato de locação financeira;
– tendo a impugnante contabilizado como custo do exercício e deduzido para efeito de determinação do lucro tributável o montante das contribuições periódicas pagas, o Núcleo de Fiscalização de Empresas da Direcção Distrital de Finanças de Braga não aceitou a dedução ao lucro tributável do valor de 2.899.215$00, correspondente às rendas pagas em cumprimento do contrato de locação financeira;
Na perspectiva da recorrente, a liquidação impugnada 'enferma do vício de violação de lei e de errónea qualificação do facto tributário'.
2. Na sua resposta, o Representante da Fazenda Pública remeteu para a fundamentação constante do despacho impugnado, proferido pela Direcção de Finanças do Distrito de Braga (a fls. 22 e 23 do apenso). Aí se afirmava que, uma vez que o bem locado inclui uma parte edificada e um logradouro, na contabilidade deveria ser evidenciado separadamente o valor do terreno e o valor da construção, tal como determina o artigo 11º do Decreto-Lei nº 2/90, de 12 de Janeiro. Não sendo tal explicitação feita pelo contribuinte, aplicar-se-ia o regime supletivo, nos termos do qual se considera que o valor do terreno a ter em consideração corresponde a 25% do valor global da aquisição (no caso,
40.000.000$00). Partindo de tal valor, foi efectuada a correcção dos custos em conformidade com o disposto no artigo 41º, nº 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, pelo que a liquidação não é ilegal.
3. Requerida pela impugnante a prova por arbitramento, mediante exame, com base em três quesitos que apresentou, foram designados peritos, que concluíram no seu laudo:
'Á luz dos critérios contabilísticos atrás enunciados, e por pesquisa por amostragem efectuada à escrita da empresa e respectiva documentação de suporte, conclui-se que esta cumpriu o preceituado no Plano Oficial de Contabilidade, bem como o disposto na [...] Directriz Contabilística nr. 10, quanto ao regime transitório de contabilização dos contratos de locação financeira, após 1 de Janeiro de 1994, para contratos celebrados anteriormente a esta data e ainda em vigor.'.
4. Por sentença de 13 de Julho de 1999 (fls. 58 e seguintes), o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Braga julgou a acção procedente, anulando a liquidação na parte em que se mostre influenciada pela não consideração do valor total das rendas.
O tribunal fundamentou assim a sua decisão:
'[...]
A única questão a resolver é a de saber se a impugnante, em face do disposto no dito artº 41º.1.f), podia ter apresentado como custo do exercício a totalidade do valor das rendas pagas, ou se, como pretende a FP não podia deduzir uma parte referente ao terreno.
À época (a sua redacção foi alterada pelo DL 138/92, de 17.07, dela resultando então não serem dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente à amortização financeira do bem locado que excedesse a reintegração máxima que poderia ser praticada caso o bem de que se tratasse fosse adquirido directamente, sendo esse excesso eventualmente deduzido das diferenças ocorridas nos exercícios em que a amortização financeira fosse inferior àquela reintegração máxima; foi revogada pelo DL 420/93, de 28.12, e tem agora a redacção que lhe deu a lei 87-B/98, de 31.12 e que nada tem a ver com a problemática aqui em causa), a dita alínea f) dizia, basicamente, não serem dedutíveis ao lucro tributário as rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos.
Quer esta redacção quer a introduzida pelo dito DL 138/92 (esta mais conseguida) mostram a preocupação do legislador em impedir o empolamento de custos através do expediente da aquisição de imóveis por meio de contratos de locação financeira.
[...]
No caso dos autos, a impugnante obrigou-se ao pagamento de rendas no valor de 82 938 800$00, pelo uso de um imóvel vendido à locadora por 40 000
000$00, sem obrigação de quaisquer obras para esta...
Se tivesse adquirido a propriedade do imóvel, a impugnante não podia deduzir senão 5% por ano do valor dos edifícios existentes no prédio, segundo o artº 11º e código 2020 do grupo I da Divisão I da Tabela II do Decreto Regulamentar 2/90, de 12.01, ou seja, 20 anos para deduzir, em princípio, 30 000
000$00, vista a regra 3 daquele artº 11º.
A aceitar-se a tese da impugnante, só relativamente a 1991 podia ela deduzir 13 859 660$00 (4 x 3 646 915$00 – renda trimestral das primeiras 20 prestações).
Sendo isto assim, e compreendendo-se, embora, a preocupação do legislador, não quer dizer que seja sufragável a interpretação meramente literal que fazem a AF e a FP do citado preceito.
A locação financeira não é a mesma coisa que um contrato de compra e venda a prazo; nos termos do artº 1º do DL 171/79, de 06.06, a locadora pode
[...] comprar a coisa objecto do contrato. Não se obriga a comprar, e, seguramente, muitos destes contratos findam sem que a compra tenha lugar.
Por outro lado, as rendas pagas num caso como o dos autos – em que o contrato tem como objecto um prédio urbano, naturalmente com edifícios e logradouro – não são decomponíveis (visto que as partes o não fizeram) numa parte destinada ao pagamento do uso dos edifícios e outra do logradouro; a renda
é só uma, e refere-se à unidade predial.
[...]
A dita alínea f) releva do pressuposto, não aceitável, de equiparação da locação financeira a uma compra e venda a prazo, só assim se entendendo que se restrinja o direito do locatário, de dedução dos encargos com as rendas, de modo idêntico ao aplicável ao adquirente de um imóvel, no que se refere ao terreno.
Todavia, as rendas de um contrato de locação financeira são em princípio, custos comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos
– vide artº 23º.1.d) do CIRC, onde expressamente se fala em rendas, nada obstando a que o locatário a que esta norma se refere (e que tem o direito de deduzir tudo quanto despenda a título de rendas), em certo momento, adquira a propriedade do locado, tendo, entretanto, obtido deduções que não conseguiria se tivesse comprado o imóvel aquando da outorga do contrato de arrendamento.
Não quer isto dizer que o Fisco se deva quedar manietado perante qualquer contrato de locação financeira, por mais estapafúrdio que ele pareça.
Havendo indícios de negócio simulado susceptível de causar diminuição de receita tributária, deve actuar-se os meios de investigação criminal respectivos, pois pode estar-se em face de um ilícito criminal tipificado no artº 23º do RJIFNA.
Em conclusão:
Recusamos a aplicação da norma constante da alínea f) do nº 1 do artº
41º do CIRC, por a considerarmos violadora dos princípios do Estado de direito democrático – artº 2 da lei fundamental –, e da igualdade, do artº 13º do mesmo diploma, entendido aquele (Estado) como um em que institutos jurídicos diferenciados como são a compra e venda e o contrato de locação financeira de imóveis, maxime quanto à transmissão da propriedade, não são equiparados para efeitos fiscais, em termos de ao locador só serem permitidas as deduções de custos que não incluam a parte respeitante ao terreno do imóvel não integralmente ocupado com construções, como acontece com o proprietário, e o princípio da igualdade como impondo que situações semelhantes tenham tratamento fiscal semelhante, sendo o caso das rendas de um contrato de arrendamento ou de locação financeira, na medida em que num caso e noutro não há a certeza de que, findo o contrato, ou em qualquer momento da sua vigência, o locatário adquira a propriedade do locado, devendo, pois, ambos, em função dessa incerteza, ter o mesmo tratamento, ou seja, o direito de deduzirem fiscalmente o valor total das rendas.
A impugnante podia, pois, deduzir a totalidade do valor das rendas, tendo mérito a sua pretensão.
Termos em que se julga a impugnação procedente, anulando-se a liquidação na parte em que se mostre influenciada pela não consideração do valor total de rendas acima referido.'
5. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Braga interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea a), e 72º, nº 1, alínea a), e nº 3, da Lei nº 28/82.
No Tribunal Constitucional, o Ministério Público apresentou as suas alegações, tendo concluído:
'1º – A norma constante do artigo 41º, nº 1, alínea f) da redacção originária do CIRC ao estatuir que não são dedutíveis como custos do exercício os encargos derivados de rendas de locação financeira, na parte correspondente ao valor dos terrenos – aliás, em consonância com a regra afirmada pelo artigo
32º, nº 1, alínea b) do mesmo Código, que dispõe não serem aceites como custos as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos – não viola os princípios da igualdade e do Estado de direito democrático.
2º – Na verdade, tal solução legislativa – situada em área de conteúdo acentuadamente «técnico» e orientado por preocupações de índole essencialmente «economista» – não pode considerar-se absolutamente arbitrária ou discricionária, tendo nomeadamente em conta que, na locação financeira, o locatário – para além do imediato gozo da coisa – goza de uma expectativa de aquisição da mesma, nos termos do próprio contrato.
3º – Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
'F..., Lda.' não alegou.
Cumpre decidir.
II
6. O presente recurso tem por objecto a constitucionalidade da norma contida no artigo 41º, nº 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, que o Tribunal Tributário de Braga julgou inconstitucional e que, nos termos do artigo 204º da Constituição da República Portuguesa, se recusou a aplicar.
Dispunha o artigo 41º, nº 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (adiante, abreviadamente, Código do IRC), na sua versão originária:
'Artigo 41º
(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
1. Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:
[...]
f) As rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos ou de que não seja aceite reintegração nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 32º e, bem assim, as rendas de locação financeira de viaturas ligeiras de passageiros e de barcos de recreio e de aviões de turismo na parte em que não seja aceite reintegração nos termos da alínea f) do nº 1 do citado artigo;
[...]'.
Tendo em conta a questão discutida no caso dos autos e o segmento do preceito que o juiz se recusou a aplicar, apenas está em causa neste recurso a primeira parte da norma transcrita, isto é, a norma segundo a qual 'não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizadas como custos ou perdas do exercício, as rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos'.
O tribunal recorrido considerou que esta norma é 'violadora dos princípios do Estado de direito democrático e da igualdade', em razão de, por um lado, equiparar, para efeitos fiscais, o contrato de compra e venda e o contrato de locação financeira, em matéria de dedução de custos, e de, por outro lado, impor um tratamento fiscal diferenciado das rendas correspondentes a um contrato de arrendamento e das rendas correspondentes a um contrato de locação financeira.
7. Ao tempo da liquidação impugnada no processo que está na origem do presente recurso de constitucionalidade, e até 1 de Janeiro de 1994, os bens dados em locação financeira eram contabilizados no activo imobilizado da sociedade de locação financeira e não no activo imobilizado do locatário.
Correspondentemente, durante o período de duração do contrato, a amortização e a reintegração fiscal dos bens objecto de locação financeira eram feitas pela sociedade de locação financeira e as rendas de locação financeira eram aceites como custos para efeitos de determinação do lucro tributável do locatário (sobre a matéria, cfr.: José Carlos Gomes Santos, 'Enquadramento fiscal da locação financeira em Portugal. Algumas notas e comentários', Ciência e técnica fiscal, nºs 319/321, Jul.-Set. 1985, p. 195 ss; Maria Teresa Barbot Veiga de Faria, 'Locação financeira: questões em torno de um novo tratamento contabilístico e fiscal', Fisco, Dezembro 1988, p. 11 ss; M. H. Freitas Pereira,
'Regime fiscal das rendas de locação financeira de imóveis e de viaturas ligeiras de passageiros', Ciência e técnica fiscal, nº 361, Jan.-Março 1991, p.
135 ss; Rui Pinto Duarte, '15 anos de leis sobre leasing – balanço e perspectivas', Fisco, Mar/Abr 1994, p. 3 ss; João Fernandes, 'O novo tratamento contabilístico e fiscal da locação financeira', Fisco, Mar/Abr 1994, p. 15 ss).
Este regime de contabilização dos bens objecto de locação financeira era susceptível de conduzir a uma situação de não neutralidade fiscal. Por isso, ainda antes de substituir tal regime pelo inverso, de integração dos bens objecto de locação financeira no activo do locatário (em vigor desde 1 de Janeiro de 1994), a lei não deixou de dar 'alguns passos no sentido de uma disciplina mais neutral' (cfr. M. H. Freitas Pereira, 'Regime fiscal das rendas de locação financeira ...', p. 139 s), a saber:
– a exclusão da base de cálculo das reintegrações dos bens dados em locação financeira do preço convencionado para a transferência da propriedade desses bens para o locatário no final do contrato (alínea e) do nº 1 do artigo
32º do Código do IRC e nº 1 do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12 de Janeiro);
– a não dedutibilidade para efeitos de determinação do lucro tributável de determinados valores, os referidos na alínea f) do nº 1 do artigo
41º do Código do IRC;
– a fixação de um ritmo de reintegrações dos bens dados em locação financeira em termos mais próximos dos que seriam praticados caso os bens tivessem sido adquiridos directamente pelo locatário (nº 3 do artigo 14º do Decreto Regulamentar nº 2/90).
A não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável do locatário, dos valores referidos na alínea f) do nº 1 do artigo
41º do Código do IRC – e, concretamente, das rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos – é assim considerada uma das medidas destinadas a minorar as consequências da não neutralidade fiscal decorrentes do regime contabilístico e fiscal então em vigor.
A solução consagrada na alínea f) do nº 1 do artigo 41º do Código do IRC corresponde à norma incluída na alínea b) do nº 1 do artigo 32º do mesmo Código, reflectindo a regra da simetria entre as posições do locatário e do locador no regime fiscal da locação financeira.
Na verdade, o artigo 32º, nº 1, alínea b), do Código do IRC, na parte que aqui interessa considerar, estabelece que 'não são aceites como custos as reintegrações de imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos'.
Este último preceito encontra a sua justificação na circunstância de os terrenos não estarem sujeitos a deperecimento – ao contrário do que sucede, por exemplo, com os edifícios – e não poderem por isso ser reintegrados para efeitos fiscais.
8. Trata-se portanto de verificar se a norma questionada, inserida no contexto descrito, contraria os princípios do Estado de direito democrático e da igualdade.
8.1. De acordo com a noção apresentada por Gomes Canotilho e Vital Moreira
(Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, p. 63), 'o princípio do Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança'.
Para o que aqui releva, o princípio do Estado de direito democrático abrange, designadamente: o princípio da protecção dos cidadãos contra a prepotência, o arbítrio e a injustiça; o princípio da igualdade; o princípio da confiança.
Ora, como se referiu, a não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável do locatário, das rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos, sendo uma das medidas tendentes a uma maior neutralidade fiscal no domínio da locação financeira, pretende traduzir uma posição de simetria entre as posições do locatário e do locador.
A não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável do locatário, das rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos relaciona-se portanto com a regra geral da inadmissibilidade de reintegração de terrenos para efeitos fiscais, consequência legal da circunstância natural do não deperecimento ou desgaste físico dessa categoria de bens.
A solução não é assim desprovida de fundamento material, não se vendo como possa afectar, em termos inadmissíveis e desproporcionados, quaisquer expectativas dignas de tutela ou lesar o princípio da confiança.
8.2. Também por esta razão não procede o argumento, que parece constar da sentença recorrida, assente na comparação entre, de um lado, a situação fiscal do locatário financeiro (ou o tratamento fiscal das rendas correspondentes a um contrato de locação financeira) e, de outro lado, a situação fiscal do comprador ou do arrendatário (ou o tratamento fiscal, respectivamente, dos custos relacionados com terrenos ou das rendas correspondentes a um contrato de arrendamento).
Segundo a jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, sendo inadmissíveis quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente diferentes.
A caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, depende, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, da falta de razoabilidade e da falta de coerência com o sistema jurídico.
Em contrapartida, as medidas de diferenciação hão-de ser materialmente fundadas.
À luz destas considerações, a solução consagrada pela norma questionada no presente recurso não se apresenta de todo injustificada nem desrazoável.
Com efeito, o contrato de locação financeira distingue-se – quanto ao regime jurídico a que se encontra sujeito, quanto aos direitos e obrigações das partes, quanto à natureza jurídica – quer do contrato de compra e venda quer do contrato de arrendamento (sobre a distinção, por todos, Rui Pinto Duarte, A locação financeira, Lisboa, s. d., mas 1983, p. 79 ss).
Acrescerá ainda para a justificação do regime constante do artigo
41º, nº 1, alínea f), do Código do IRC que ele traduz uma ponderação do equilíbrio económico-fiscal das partes dentro do próprio contrato de locação financeira.
De todo o modo, importa sublinhar que, para efeitos fiscais, mais relevante do que a qualificação jurídico-formal das operações é a consideração da respectiva função económica e financeira. Na verdade, e também por essa razão, em certos casos, 'os conceitos jurídico-privados sofrem uma reelaboração no direito fiscal' (cfr. José Manuel Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, Coimbra, 2ª ed., 1972, p. 117 s).
Sob este ponto de vista, há que reconhecer, por um lado, que não é desrazoável aproximar os regimes fiscais da compra e venda financiada e da locação financeira, uma vez que as vantagens e os custos para o comprador são equiparáveis aos do locatário financeiro (sobre a questão, Michael Martinek, Moderne Vertragstypen, I: Leasing und Factoring, München, 1991, p. 75 ss). A aproximação justifica-se particularmente em casos, como o dos autos, do designado leaseback – operação através da qual o proprietário de um bem procede
à sua venda, celebrando simultaneamente com o comprador um contrato de locação de retoma do mesmo bem –, em que o vendedor-locatário não deixa de ter a posse física do bem alienado e é afinal materialmente o autêntico proprietário do bem tomado em locação financeira. A locação financeira tem então uma função predominante, se não mesmo exclusiva, de financiamento e a transmissão
(meramente jurídica) do bem para o locador financeiro constitui a garantia desse financiamento.
Por outro lado, dentro da mesma perspectiva de consideração da função económico-financeira das operações, não é desrazoável a diferenciação dos regimes fiscais aplicáveis ao arrendamento e à locação financeira. Na verdade, a renda, no contrato de arrendamento, corresponde ao preço devido pelo uso do bem arrendado, enquanto a renda de locação financeira inclui uma parte que corresponde à amortização financeira do bem locado e outra parte que diz respeito ao juro e à margem de locação financeira. Esta circunstância reflecte-se no valor das rendas correspondentes a um e outro contrato: em condições equiparáveis, as rendas relativas a um contrato de arrendamento são tendencialmente de valor mais baixo do que as rendas relativas a um contrato de locação financeira.
9. Não estabelecendo a norma contida na primeira parte da alínea f) do nº 1 do artigo 41º do Código do IRC qualquer medida susceptível de lesar, em termos inadmissíveis e desproporcionados, expectativas dignas de tutela, nem resultando de tal norma qualquer diferença de tratamento que possa considerar-se arbitrária ou injustificada, conclui-se não existir violação dos princípios do Estado de direito democrático e da igualdade.
10. A não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 41º, nº 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, foi já afirmada por este Tribunal nos acórdãos nºs 321/00 e 358/00 (ainda inéditos).
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo
41º, nº 1, alínea f), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, no segmento em que determina a não dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável do locatário, das rendas de locação financeira relativas a imóveis na parte correspondente ao valor dos terrenos;
b) consequentemente, conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida de harmonia com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade. Lisboa, 10 de Outubro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa