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Proc. nº 474/00
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - J... veio apresentar reclamação do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que não lhe admitiu o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.
O reclamante fundamentou assim o pedido:
1. O requerente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão do S.T.J. proferido no âmbito de um outro recurso extraordinário de revisão que não obteve provimento.
2. O referido recurso não foi admitido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, com o fundamento de que as normas indicadas como sofrendo de inconstitucionalidade, não foram apreciadas ou interpretadas no acórdão. Daí que não haja fundamento para a interposição do recurso.
3. Os preceitos que se requeria fossem julgados inconstitucionais na interpretação que lhes fora dada pelo tribunal de 1ª instância, são os arts.
164º, nº 2, 327º e 340º, nº 1, todos do C.P.Penal.
4. No entanto, entendemos que tendo o S.T.J. mantido a decisão do tribunal recorrido, a arguida inconstitucionalidade mantém-se, ainda que não expressamente apreciada. E se assim é, pode e deve o Tribunal Constitucional conhecer do mencionado vício.'
2. - O arguido J... veio interpor recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449º, nº1, alínea d) e nº2, do Código de Processo Penal (CPP), do despacho, já transitado em julgado, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe tinha sido aplicada, revogação que teve por fundamento o facto de não ter cumprido os deveres que lhe tinham sido impostos no acórdão condenatório.
Na informação prestada, o juiz do processo, 'entendendo que a questão se prende única e exclusivamente, com a execução da pena aplicada, pronunciou-se pela improcedência do pedido de revisão, por ser manifestamente infundado'.
O Procurador-Geral adjunto em exercício no STJ viu indeferido um requerimento para junção de um apenso em falta com o fundamento de que, face aos elementos que já constam dos autos ser de rejeitar o recurso.
O pedido de revisão veio de facto a ser rejeitado, por manifesta improcedência, na medida em que o despacho recorrido, que se limitou a revogar a suspensão da execução da pena de prisão não pode ser equiparado, para efeitos de recurso de revisão, à sentença uma vez que não se trata de um despacho que ponha fim ao processo, não sendo, por isso, passível de ser objecto de um pedido de revisão, o que equivaleria a permitir a discussão acerca das causas justificativas da falta de cumprimento das obrigações impostas, as quais se consolidaram com o trânsito em julgado do despacho, que não foi - e podia ter sido - objecto de recurso ordinário. A decisão de rejeição do recurso baseou-se expressamente no artigo 420º do CPP, aplicável 'ex vi' do artigo 4º do mesmo código.
Foi desta decisão que J... interpôs o recurso de constitucionalidade que não foi admitido por despacho de 19 de Maio de 2000, que se passa a transcrever:
'O recorrente veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 66 a 68, dizendo fazê-lo ao abrigo do disposto no artº 70º, nº1, al. b), da Lei nº 28/82, 15-11, a fim de serem declarados inconstitucionais, na interpretação que lhes é dada, os artºs 164º, nº2, 327º e 340º, nº1, do C.P.P.. Sucede que este Supremo Tribunal, no referido acórdão, não aplicou e, portanto, não interpretou, ao menos implicitamente, os referidos normativos, que em nada vinham ao caso, pelo que, como fundamento do recurso não podia ser indicada a al. b) do nº1 do artº 70º da Lei nº 28/82. Assim, não cabe, neste caso, recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que não o admito face ao disposto no artº 70º, nº1, al. b) e 76º, nº2, da Lei nº
28/82.'
É desta decisão que vem a presente reclamação.
3. - O Ministério Público teve vista dos autos, tendo exarado o seguinte parecer:
'Apesar de não constar dos presentes autos cópia do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, os elementos deles resultantes são suficientes para concluir, sem mais, pela manifesta improcedência de tal recurso: na verdade, a decisão recorrida - que é inquestionavelmente a proferida pelo STJ, rejeitando liminarmente o recurso de revisão interposto pelo arguido - não aplicou as normas que integravam o objecto daquele recurso de fiscalização concreta, reportado pelo recorrente à apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos arts. 164º, nº2, 327º e 340º, nº1, do CPP, fundando a sua decisão exclusivamente nas normas que dispõem sobre os pressupostos de admissibilidade de tal recurso extraordinário (art. 449º, nº 1, d) do CPP), bem como pela circunstância de ter transitado em julgado o despacho que determinou a revogação da suspensão da execução de pena de prisão em que o arguido fora definitivamente condenado. Nestes termos, não tendo a decisão recorrida feito aplicação das normas cuja constitucionalidade era questionada pelo recorrente - limitando-se a dirimir apenas a questão da idoneidade do recurso de revisão para satisfazer a pretensão do recorrente - falta um pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta interposto, o que dita a improcedência da presente reclamação.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. - Os preceitos cuja constitucionalidade o reclamante pretendia ver apreciada são os seguintes: artigo 164º, nº2; 327º e 340º, nº1, todos do Código de Processo Penal (CPP).
Estas normas referem-se todas à prova: o primeiro, refere-se à admissibilidade da prova documental e à sua forma de junção; o segundo, reporta-se ao exercício do contraditório na audiência, determinando que as questões incidentais e os meios de prova apresentados no decurso da audiência estão sujeitos ao princípio do contraditório e o último refere-se aos princípios gerais da produção da prova, designadamente, a determinação, oficiosa ou a requerimento, da produção de todos os meios de prova necessários à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Ora, a decisão do STJ sobre o recurso de extraordinário de revisão foi uma decisão de manifesta improcedência pelo facto do despacho recorrido, no entender do STJ, não ser passível de tal recurso. Em tal hipótese
é manifesto que a decisão recorrida não chegou a aplicar qualquer norma relativa
à prova, pois verdadeiramente a decisão recorrida foi uma decisão de rejeição por falta de pressupostos para conhecimento do recurso.
Num tal condicionalismo, a decisão recorrida limitou-se a aplicar o artigo 420º, nº1, do CPP, por força do preceituado no artigo 4º do mesmo código.
Não tendo a decisão de que se interpôs recurso de constitucionalidade aplicado as normas que o reclamante pretende ver apreciadas por este Tribunal, quanto à sua conformidade com a Lei Fundamental, falta um dos requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, o que conduz directamente à não admissibilidade da presente reclamação.
Nestes termos e face ao que fica exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 20 de Setembro de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida