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Proc. n.º 708/00
1ª Secção Rel. Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. - O Ministério Público recorreu para o Tribunal Constitucional do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo em 28 de Setembro de 2000, que concedera provimento ao recurso contencioso de anulação interposto por RM contra o acto de indeferimento tácito imputável ao Ministro das Finanças, no qual reclamava o pagamento total do subsídio de produtividade a que tinha direito mas sem a dedução resultante do disposto no n.º3, do artigo 3º do Decreto-Lei n.º
335/97, de 2 de Dezembro que impunha que o abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública fosse considerado no valor daquele subsídio. Como o julgamento constante do Acórdão mencionado concluiu pela inconstitucionalidade do preceito contido no artigo 3º, nº 3 do Decreto-Lei
335/97, foi o presente recurso interposto pelo Ministério Público ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo por objecto a questão de inconstitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo.
2. – A decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo assentou, essencialmente, nos seguintes argumentos:
'(...) Como decorre do artº 3º do Dec-Lei 335/97 de 2.12, os suplementos a que alude o nº 4 do artº. 24º do Dec-Lei nº 158/96, visam estimular e compensar a produtividade do trabalho dos funcionários e agentes da DGCI e da DGITA. As concretas condições de atribuição das compensações de produtividade e outros suplementos vieram a ser definidos pela Portaria do M.F. nº 132/98, em cujas disposições ressalta a intenção de premiar a produtividade. Deste modo, logo se vê que os aludidos suplementos ou compensações de produtividade possuem uma natureza e função radicalmente diversa da que preside ao direito ao abono para falhas atribuído aos funcionários das tesourarias da fazenda pública (...). Na verdade, o abono para falhas é devido por conta do risco inerente à específica função exercida (...) destinando-se a compensar tal risco de perda e despesas decorrentes do exercício daquela função.
(...) O nº 3 do artº 3º do Dec-Lei 335/97 de 2.12 estatui o seguinte: 'o abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública é considerado para efeito do valor a que se refere o nº 1 do presente artigo'. Trata-se de uma norma cuja razão de ser não se compreende.(...) Ao estatuir desta forma o legislador não invocou qualquer motivo ou justificação para a dedução assim operada do montante do suplemento remuneratório do FET aos funcionários das Finanças com funções de tesouraria, caixa e guarda de valores, beneficiários do aludido abono para falhas, sendo certo que também eles contribuem para a cobrança coerciva de impostos e intervêm, de alguma forma, nos processos especiais de regularização de dívidas. E na prática este regime significa que 'ou tais funcionários não recebem na
íntegra o montante a que têm direito a título de pagamento de suplemento do FET, porque no seu cálculo está compreendido um outro abono (o para falhas), ou este abono (para falhas) deixa de ter relevância para o funcionário ou agente, porquanto, sendo deduzido ao montante do suplemento do FET, tudo se passará como se não fosse devido' (cfr. o Ac. deste TCA de 12.7.00, in Rec. nº 3507/99).
É de concluir, pois, que a norma do artº 3º, nº 3 do Dec-Lei nº 335/97 de 3.12 ofende os princípios constitucionais plasmados nos arts. 13º e 59º nº 1, al. a) da C.R.P., na medida em que discrimina, prejudicando-os, os funcionários com funções de tesouraria, caixa e guarda de valores'. Em suma, tal norma é materialmente inconstitucional, pelo que é de recusar a sua aplicação'. Por sua vez, o Ministério Público concluiu assim as suas alegações neste Tribunal:
1º - 'Não constitui solução legislativa arbitrária ou manifestamente discricionária, violadora do princípio da igualdade, a que se traduziu em ter o legislador optado por unificar, durante certo período temporal, o regime dos suplementos remuneratórios dos funcionários da administração tributária, ligados
à cobrança coerciva de receitas fiscais – atribuindo um único suplemento de produtividade e considerando por ele consumido o tradicional abono para falhas dos funcionários em exercício de funções nas tesourarias da Fazenda Pública.
2º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada.' A recorrida contra-alegou, sustentando que se devia negar provimento ao recurso. Com dispensa de vistos legais, dado que se trata de uma questão já apreciada pelo Tribunal, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS
3. - A questão objecto do presente recurso de constitucionalidade já foi, por diversas vezes, apreciada por este Tribunal, nomeadamente nos recentes Acórdãos nºs 37/01, 60/01, 61/01 e 62/01, ainda inéditos. Afirmou-se no primeiro dos Acórdãos citados:
'2. Pelo nº 3 do artº 18º do Decreto-Lei nº 519-A1/79, de 29 de Dezembro, foi fixado em 10% do vencimento ilíquido o abono para falhas a atribuir aos tesoureiros gerentes [alínea a)], aos tesoureiros subgerentes quando investidos no serviço de caixa, quando lhes tenha sido conferido mandato de gerência ou quando tenham assumido a gerência da respectiva tesouraria, mediante prévio termo de transição de valores [alínea b)], e ainda aos tesoureiros-ajudantes
(estes nos termos e condições fixados nos números 4 a 6 do mesmo artigo).
Ao tempo da vigência daquele diploma, os funcionários do quadro das tesourarias da Fazenda Pública, que pertenciam à Direcção-Geral do Tesouro, para além do direito ao vencimento, tinham ainda jus às remunerações acessórias consistentes nos prémios de cobrança a que se reportavam os seus artigos 19º e
20º.
Por intermédio do Decreto-Lei nº 158/96, de 3 de Setembro, foi reestruturada a orgânica do Ministério das Finanças e, para o que ora releva, as tesourarias da Fazenda Pública vieram a transitar para a Direcção-Geral dos Impostos – antiga Direcção-Geral das Contribuições e Impostos – (cfr. artº 37º) tendo, a partir da nova redacção introduzida no seu artº 24º pelo Decreto-Lei nº
107/97, de 8 de Maio, sido criado o Fundo de Estabilização Tributário, organismo a funcionar como fundo autónomo não personalizado do Ministério das Finanças, gerido em conjunto pela Direcção-Geral dos Impostos e pela Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários, ao qual é afecto um montante até
5% das cobranças coercivas derivadas de processos instaurados nos serviços daquela primeira Direcção-Geral, bem como das receitas de natureza fiscal arrecadadas a partir de 1 de Janeiro de 1997, e sendo que o património desse fundo e o rendimento pelo mesmo potenciado é, inter alia, afecto ao pagamento de suplementos atribuídos em função de particularidades específicas da prestação de trabalho dos funcionários e agentes das duas referidas Direcções-Gerais.
As linhas orientadoras da atribuição daqueles suplementos vieram a ser fixadas pelo Decreto-Lei nº 335/97, que veio a dispor no seu artº 3º, nº 1, que os mesmos visam estimular e compensar a produtividade do trabalho dos funcionários e agentes da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) e da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA), sendo o seu valor o resultante da aplicação de uma percentagem ao vencimento base referente aos cargos e categorias (...), sendo as condições de atribuição, suas suspensão e redução, a fixação de percentagem e periodicidade do pagamento definidas por portaria do Ministro das Finanças (nº 2 desse artigo).
No nº 3, ainda do mesmo artigo – norma que foi desaplicada pela decisão ora impugnada –, ficou estabelecido que o abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública é considerado para efeito do valor a que se refere o seu nº 1.
Pela Portaria nº 132/98, de 4 de Março, foram estabelecidas as condições de atribuição, suspensão, redução, fixação de percentagem e de limites máximos do suplemento de acréscimo de produtividade.
Anote-se, por fim, que, por intermédio do Decreto-Lei nº 532/99, de
11 de Dezembro, por um lado, foram revogados o artº 18º do Decreto-Lei nº
519-A1/79 e o nº 3 do artº 3º do Decreto-Lei nº 335/97 e, por outro, foi estatuído que o pessoal que preste serviço nas tesourarias da Fazenda Pública tem direito, quando no exercício de funções de caixa, a um abono para falhas correspondente a 10% do vencimento base do 1.º escalão da escala indiciária da categoria de ingresso, e que tal abono é atribuído por tesouraria em função do número de caixas em funcionamento, revertendo, diariamente, a favor dos funcionários ou agentes que a ele tenham direito na proporção do tempo de serviço prestado no exercício das funções de caixa.
3. Segundo o acórdão impugnado, a determinação constante do nº 3 do artº 3º do Decreto-Lei nº 335/97 – no sentido de ser englobado no valor a calcular dos suplementos que visam compensar a produtividade dos funcionários e agentes da Direcção--Geral dos Impostos (valor esse que, como se viu, é o resultante da aplicação de uma percentagem ao vencimento base referente aos respectivos cargos e categorias) o montante do abono para falhas atribuído ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública – violaria o princípio da igualdade na sua vertente de «para trabalho igual, salário igual», já que, assim, aqueles suplementos (ou, mais concretamente, o suplemento de compensações de produtividade regulamentado na Portaria nº 132/98) seriam percebidos pelo pessoal daquelas tesourarias em quantitativo menor do que o percebido pelos restantes funcionários e agentes da dita Direcção-Geral, sem haver razão bastante para justificar essa diferenciação.
Será de subscrever uma tal conclusão?
É o que se irá ver.
3.1. Tocantemente ao princípio da igualdade, tem este Tribunal tido inúmeras oportunidades de sobre ele discretear.
Cite-se, a título exemplificativo, o Acórdão n.º 1007/96 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Dezembro de 1996), onde, uma vez mais, se realçou que o princípio da igualdade 'obriga que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não meramente formal'. E acrescentou-se nesse aresto que '[p]ara que haja violação do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação'.
Nas palavras de Maria Glória Ferreira Pinto (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, pág. 44), '[o] critério valorativo a que o princípio da igualdade, enquanto princípio jurídico, apela, não deve ser, em consequência, um critério de valores subjectivos, mas, pelo contrário, um critério retirado do quadro de valores vigentes numa sociedade, interpretados objectivamente. É certo que tais valores vivem no âmbito das alterações históricas e civilizacionais, só sendo materialmente determináveis em presença de uma sociedade em concreto, mas nem por isso deixa de ser um quadro de valores objectivo'. Também este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa disse no seu Acórdão nº 188/90 (publicado na 2ª Série do Diário da República de
12 de Setembro de 1990) que:-
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Na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário (...). Todavia, este princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
Por outras palavras, o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot).
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Também este Tribunal Constitucional vem perfilhando a interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio. Afirma-se, como efeito, no Acórdão n.º 39/88 (Diário da República, 1ª série, de 3 de Março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes, Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13º». E, no Acórdão n.º 157/88 (Diário da República, 1ª série, de 26 de Julho de 1988), escreve-se: «Retomando aqui, uma vez mais, o entendimento que este Tribunal vem perfilhando (na esteira, de resto, da Comissão Constitucional e da doutrina) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função 'negativa' de princípio de 'controle'..., tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva
('discricionariedade' legislativa), que se traduzem na ideia geral de proibição de arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como
'discriminatória' e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e logo o objectivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num 'motivo' constitucionalmente impróprio)»
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Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade. A interpretação do princípio da igualdade como proibição do arbítrio significa uma autolimitação do poder do juiz, o qual não controla se o legislador, num caso concreto, encontrou a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa.
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3.2. Definidos assim os contornos do princípio da igualdade, importará então saber se a norma em crise o violará.
Tal norma, como é evidente, não deve perspectivar-se no sentido de, prescrever uma qualquer diminuição do montante a perceber pelo pessoal das tesourarias da Fazenda Pública referentemente ao suplemento de compensações por produtividade regulamentado pela Portaria nº 132/98, mas sim no sentido de, na realidade prática, dela decorrer que, no cômputo global do quantitativo a auferir a título de vencimento, suplementos e abono para falhas (e enquanto este subsistiu nos termos do artº 18º do Decreto-Lei nº 519-A1/79), se não inclui o montante correspondente a este último.
Sendo isto assim, torna-se claro que, em face da prescrição contida na norma desaplicada na decisão sub iudicio, isso significou que o suplemento de compensações por produtividade dos funcionários da Direcção-Geral dos Impostos
(que são os que unicamente agora relevam) veio, concernentemente ao pessoal das tesourarias da Fazenda Pública e como faz notar o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, a «integrar» ou «consumir» o abono para falhas, que somente era atribuído a este último pessoal e cujo valor era inferior ao do daquele suplemento.
Colocada desta forma a questão, fácil é descortinar que o juízo de inconstitucionalidade a que chegou a decisão recorrida só se poderia alcançar se, por entre o mais, se partisse do princípio de que estaria vedado ao legislador proibir a atribuição de abonos para falhas anteriormente concedidos, nomeadamente em situações em que, como a ora em análise, da não atribuição do abono não resultasse, na prática, uma diminuição global dos réditos dos funcionários e agentes em face da adopção de novos mecanismos que, objectivamente, asseguram essa não diminuição.
Ora, é justamente desse princípio que se não pode partir.
Na realidade, se se aceitasse o postulado de que «arranca» o acórdão lavrado no Tribunal Central Administrativo, a violação da igualdade residiria, afinal, em a norma sub specie ter acabado com uma «discriminação positiva» de que desfrutaria o pessoal das tesourarias da Fazenda Pública reportadamente ao restante pessoal da Direcção-Geral dos Impostos.
Como assinala o recorrente, 'em sede de estabelecimento e definição do âmbito de suplementos remuneratórios vigora uma ampla margem de discricionariedade legislativa, podendo o legislador infraconstitucional, para realização de objectivos práticos e de eficácia dos serviços, optar por diferentes figurinos quanto à configuração de tais remunerações complementares ou acessórias', pelo que 'a ‘discriminação’ operada quanto a determinados funcionários da administração tributária em, afinal, os sujeitar ao regime genericamente estabelecido, para o efeito de suplementos remuneratórios, quanto a todos os funcionários da administração fiscal, ligados funcionalmente à arrecadação de receitas tributários - não constitui solução legislativa arbitrária'.
E assim é, de facto.
Como se vincou no Acórdão deste Tribunal nº 663/99, '[p]retender fazer valer uma igualdade formal em matéria de uma regalia específica ou norma específica, desconsiderando todo o universo de diferenças que a justifica, bem como o sentido da própria regulamentação globamente considerada que a impõe
(diverso, como se disse, perante relações de direito privado e no domínio público), seria desconsiderar o próprio sentido do princípio da igualdade, que exige o tratamento diferenciado do que é diferenciado tanto quanto exige o tratamento igual do que é igual. Sendo certo, aliás, que a igualação de uma circunstância pode, no conjunto, agravar a desigualdade – basta que tal igualização se faça a favor da parte mais favorecida em todas as outras circunstâncias, menos naquela'.
Não se pode, efectivamente, dizer que é constitucionalmente imposto ao legislador ordinário, em nome do princípio que se extrai da alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, que, relativamente a determinado pessoal, maxime pertencente à Administração Pública, que tenha especificidades funcionais que impliquem o manuseio e arrecadação de quantitativos pecuniários, lhe conceda compensações monetárias com o escopo de compensar eventuais lapsos pelos mesmo cometido em razão daqueles manuseio e arrecadação. E, consequentemente, também não se pode dizer que a abolição de compensações desse jaez, que porventura tivessem anteriormente sido concedidas no âmbito da liberdade de conformação que se há-de reconhecer ao legislador infra-constitucional, constitua uma ofensa
àquele mesmo princípio.
O normativo em apreço não viola, pois, o princípio da igualdade decorrente do artigo 13º da Lei Fundamental, não o violando também na sua precipitação constante da citada alínea a) do nº1 do artigo 59º do mesmo Diploma Básico.'
Assim, não se vê qualquer razão para contraditar a conclusão a que se chegou nos Acórdão nºs 37/00, 60/01, 61/01 e 62/01, cuja doutrina aqui se subscreve, pelo que também aqui se conclui pela não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 3º, n.º 3, do Decreto-Lei nº 335/97.
III - DECISÃO Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, o qual deve ser reformado em conformidade com o juízo aqui formulado sobre a questão de inconstitucionalidade.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa