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Processo n.º 780/97
1ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. J... foi condenado por Acórdão proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela em 25 de Outubro de 1996, pela comissão de um crime de peculato, p. e p. nos termos do artigo 375º, n.º 1, com referência ao artigo 204º, n.º 2, alínea a), do Código Penal de 1995, na pena de 3 anos de prisão. Foi ainda julgado provado e procedente o pedido de indemnização civil, pelo que se fixou a quantia indemnizatória em 2.350.000$00. Inconformado com esta decisão, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído a respectiva motivação de recurso do seguinte modo:
'1. A acusação dos presentes autos é nula quanto ao crime de peculato pelo qual o recorrente foi julgado e condenado, pois não observou os requisitos exigidos pelo art.º 283º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
2. O douto acórdão recorrido é nulo quanto ao crime de peculato pelo qual o recorrente foi julgado e condenado, pois o mesmo, por não conter os factos suficientes e necessários para a verificação daquele tipo de crime, violou o art.º 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Caso assim se não entenda,
3. E em função da primeira conclusão, ao conter factos que não constavam da acusação, é o mesmo acórdão nulo, por violação do art.º 359º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Sem prejuízo das conclusões anteriores, deve a pena aplicada ao recorrente ser reduzida, tendo em conta o seu bom comportamento e o tempo decorrido, atento o disposto nos artigos 73º e 74º do Código Penal de 1982, que foram violados pelo acórdão recorrido.
5. Assim sendo, deve o acórdão recorrido ser declarado nulo, absolvendo-se, em consequência, o arguido ora recorrente, do crime pelo qual foi condenado e do pedido cível formulado nos mesmos autos. Mesmo que assim não se entenda, sempre deverá ser reduzida a pena aplicada ao recorrente.' O Ministério Público, por seu turno, concluiu a sua resposta à motivação do recurso do modo que se segue:
'1. Os factos que o douto colectivo deu por assentes constavam já da acusação e do despacho de pronúncia;
2. Tais factos constituíram o co-arguido autor do crime de peculato porque sendo ele gerente de empresa bancária nacionalizada, o art.º 5, alínea e) do D.L.
371/83 de 6/Outubro o equiparou a funcionário para esse efeito;
3. Certo é porém que o acórdão n.º 864/96, publicado no D.R., II série, de
9.11.96 julgou inconstitucional a norma constante dos art.ºs 4º, n.º 1 e 2 e 5, al. e) do D.L. n.º 371/83, de 6/Outubro;
4. Assim, se tal norma também aqui vier a ser julgada inconstitucional creio que então, o arguido deverá ser condenado pelo crime de abuso de confiança p. e p. pelos art.ºs 300, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e 332º do C.P. de 1982 a que correspondem os art.ºs 205º, n.º 1 e 4, al. b) e 5 e 234º do actual C.P.;
5. A pena mostra-se bem doseada, criteriosa e justa e por isso é de manter.' Por acórdão de 16 de Outubro de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso, confirmando a pena aplicada, mas alterando, porém, a incriminação, vindo o arguido a ser condenado pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. no artigo 300º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código Penal de
1982.
2. É desta decisão que o arguido recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea g) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional). Das alegações apresentadas neste Tribunal, fez o recorrente constar as seguintes conclusões:
'1. O arguido ora recorrente foi acusado e condenado em primeira instância pela prática de um crime de peculato.
2. Em sede de recurso o douto Acórdão ora recorrido proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça operou a convolação do crime de peculato em crime de abuso de confiança.
3. Esta alteração da incriminação jurídico-penal pela qual foi o ora recorrente condenado constitui uma alteração substancial dos factos.
4. A norma do artigo 1º, n.º 1, alínea f) do Cód. Processo Penal, conjugada com os artigos 120º, 284º, n.º 1, 303º, n.º 3, 309º, n.º 2, 359º, n.ºs 1 e 2 e 379º, alínea b) todos do Código do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de permitir a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, por não constituir alteração substancial dos factos, é inconstitucional por violação do princípio constitucional segundo o qual o processo criminal deverá assegurar todas as garantias de defesa – artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
5. Deve, pois, o acórdão recorrido ser declarado inconstitucional enquanto interpreta como não constituindo alteração substancial dos factos descritos na acusação a simples alteração da respectiva qualificação jurídica – convolação.'. Apresentou igualmente alegações o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal. Sustentando que 'embora não lhe tenha sido aplicada pena mais grave, não foi dada oportunidade ao recorrente de se defender da nova incriminação, em detrimento das garantias de defesa conferidas pela Lei Fundamental', concluiu pronunciando-se pela procedência do presente recurso de constitucionalidade pois, alegadamente, o acórdão recorrido não teve em conta o sentido e o alcance da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 445/97, publicado no Diário da República, II Série, de 5 de Agosto de 1997. Após mudança de relator na sequência de alteração na composição do Tribunal, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. Resulta do requerimento de interposição do presente recurso, que o recorrente o fundamenta na alínea g) do artigo 70º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões 'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional'. O que com este tipo de recurso de constitucionalidade se pretende é, como se lê no Acórdão n.º 214/90, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Setembro de 1990,
'não deixar subsistir decisões de outros tribunais que julguem questões de constitucionalidade divergentemente dos julgamentos feitos sobre a matéria pelo Tribunal Constitucional, pois este é o órgão de soberania a quem ‘compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-
-constitucional’ (cfr. artigo 203º da Constituição), julgando-se em derradeira instância.' Retomando as considerações expendidas recentemente no Acórdão n.º 518/98
(publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Novembro de 1998), dir-se-á que:
'O não acatamento da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, verifica-se, obviamente, quando uma decisão de um tribunal aplica, de forma clara e ostensiva, a norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral. Mas verifica-se também quando a decisão, parecendo, embora, acatar a declaração de inconstitucionalidade, no entanto, não obedece ao respectivo sentido e alcance - ou seja, quando, como se escreveu no acórdão n.º
528/96 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Julho de 1996), ela não tem ‘em conta o sentido e alcance [...] da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral’. Em ambas as situações, com efeito, existe aplicação da norma que a declaração de inconstitucionalidade eliminou do ordenamento jurídico. Acontece apenas que, nas situações do segundo tipo, essa aplicação é uma aplicação implícita.' E dá-se igualmente por assente que é ao Tribunal Constitucional que compete fazer a interpretação do sentido e alcance das suas declarações de inconstitucionalidade, com o fim de aquilatar se determinada decisão judicial o desrespeitou ou não. Neste sentido, esclareceu este Tribunal, no já referido Acórdão n.º 518/98, que
'A competência para dizer se houve ou não desrespeito por determinada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral (maxime, para dizer se a decisão judicial em causa teve ou não em conta o sentido e alcance dessa declaração de inconstitucionalidade), pertence, naturalmente, ao próprio Tribunal Constitucional, como se decidiu no acórdão n.º 528/96, acabado de citar.
É que – decidiu-se nos acórdãos n.ºs 186/91 e 318/93 (publicados no Diário da República; II série, de 10 de Setembro de 1991 e de 2 de Outubro de 1993) e repetiu-
-se no mencionado acórdão n.º 528/96 - é ao Tribunal Constitucional que compete fazer a interpretação do sentido e alcance de uma declaração de inconstitucionalidade, ‘assim se obtendo o entendimento com que deve valer tal declaração’.'.
4. Integrado o presente recurso no âmbito do previsto na alínea g) da Lei do Tribunal Constitucional, importa antes de mais apurar se o tribunal a quo aplicou a norma do artigo 1º, n.º 1, alínea f) do Código Processo Penal, conjugada com os artigos 120º, 284º, n.º 1, 303º, n.º 3, 309º, n.º 2, 359º, n.ºs
1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código, numa interpretação que tenha anteriormente sido julgada (ou declarada, não restando dúvidas hoje sobre a possibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional também das decisões que apliquem norma já declarada inconstitucional com força obrigatória geral) inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Para isso, é mister recordar, designadamente, o teor da declaração de inconstitucionalidade constante do invocado Acórdão n.º 445/97 (publicado no Diário da República, I-A Série, de 5 de Agosto de 1997):
'este Tribunal declara inconstitucional, com força obrigatória geral - por violação do princípio constante do nº 1 do artigo 32º da Constituição -, a norma
ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código, quando interpretada, nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de «Assento nº 2/93», na 1ª Série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993 - aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão nº 279/95 do Tribunal Constitucional -, no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, mas tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.' Neste mesmo aresto ponderou-se ainda que, para que se efectivem adequadamente as garantias de defesa do arguido, o tribunal que proceda a uma diferente qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que importe a condenação do arguido em pena mais grave, antes de a ela proceder, tem de prevenir o arguido de tal possibilidade, facultando-lhe a oportunidade de, quanto à nova qualificação, exercer cabalmente o seu direito de defesa. Também no Acórdão n.º 279/95 (publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1995), o Tribunal Constitucional afirmara, entre o mais, que
'Porém, a questão que se nos coloca neste processo não se resolve satisfatoriamente por simples referência à liberdade de qualificação jurídica na condenação. Estamos no domínio do processo criminal, onde a afirmação dessa possibilidade processual sempre carece de compatibilização com a plenitude de garantias de defesa exigida pelo artigo 32º, n.º 1, do texto constitucional. Conforme se referiu no Acórdão 173/92, o que aqui importa saber é se, ‘por imperativo constitucional, não tem de ser concedida ao arguido a possibilidade de defesa, quando a nova qualificação jurídica pode importar a sua condenação em pena mais grave’. O ‘direito a ser ouvido’, enquanto direito a dispor de oportunidade processual efectiva de discutir e tomar posição sobre quaisquer decisões, particularmente as tomadas contra o arguido, traduz um dos aspectos fundamentais do direito de defesa. Esse direito é, na ordem jurídica norte-americana, um elemento fundamental do ‘justo processo legal’ - o ‘due process of law’ referido na V Emenda - possibilitador da aplicação de sanções criminais (Norman Vieira, Constitutional Civil Rights in a Nutshell, 2ª ed. St. Paul, Minnesota, 1990, pág. 36 e segs). Frisou-se no, já por diversas vezes referido, Acórdão n.º 173/92 - e tem total aplicação à presente situação - que um exercício eficaz do direito de defesa não pode deixar de ter por referência um enquadramento jurídico-criminal preciso. Dele decorrem, ou podem decorrer, muitas das opções básicas de toda a estratégia de defesa (a escolha deste ou daquele advogado, a opção por determinadas provas em vez de outras, o sublinhar de certos aspectos e não de outros, etc.) em termos que de modo algum podem ceder perante os valores subjacentes à liberdade
(mesmo que lhe chamemos correcção) na qualificação jurídica do comportamento descrito na acusação.
É da essência das garantias de defesa que a operação de subsunção que conduz o juiz à determinação do tipo penal correspondente a determinados factos, seja previamente conhecida e, como tal, controlável pelo arguido. Através da narração dos factos e da indicação das disposições legais aplicáveis, na acusação ou na pronúncia (v. artigos 283º, n.º 3 e 308º, n.º 2 do CPP), é fornecido ao arguido um modelo determinado de subsunção constituído por aqueles factos entendidos como correspondendo a um específico crime. Tal modelo serve de referência à face do julgamento - destinando-se esta, aliás, à sua comprovação - e é em função dele que o arguido organiza a respectiva defesa. Importa aqui sublinhar que o conhecimento pelo arguido desse modelo, tornando previsível a medida em que os seus direitos podem ser atingidos naquele processo, constitui como se disse um imprescindível ponto de referência na estratégia de defesa, funcionando, assim, como importante garantia de exercício desta. As limitações quanto à possibilidade de conhecimento de novos factos (artigos
358º e 359º do CPP) visam precisamente impedir que o arguido seja confrontado com uma subsunção diversa daquela em função (na previsão) da qual preparou a sua defesa. Ora, é diverso - e num processo após a acusação ou a pronúncia é novo - tanto o modelo de subsunção que recaindo sobre novos factos leva a uma incriminação diversa, como o modelo que baseando-se nos mesmos factos tem como ponto de chegada uma incriminação diversa. Sendo mais gravosa para o arguido esta nova incriminação, não pode deixar de se lhe facultar, com a comunicação da eventualidade da sua ocorrência, uma sequência processual, situada na fase de julgamento, em que sendo previsível essa nova incriminação, o arguido possa discuti-la e adaptar a sua defesa a essa alteração. A solução está assim na compatibilização da liberdade de qualificação com um mecanismo processual que torne efectivo esse direito a ser ouvido, face a uma convolação que, mantendo os factos descritos na acusação ou pronúncia, naturalisticamente considerados, importe condenação em pena mais grave. O arguido deve ser prevenido da possibilidade da nova qualificação, quando esta importar pena mais grave, facultando-se-lhe quanto a ela oportunidade de defesa.'
5. A leitura destas amplas transcrições impõe que se retire a conclusão de que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido respeitou a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do mencionado Acórdão n.º 445/97, bem como as decisões anteriores sobre a norma em questão (a saber, a norma ínsita na alínea f) do n.º 1 do artigo 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2,
359º, nºs 1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código, quando interpretada no sentido de não constituir alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica). A decisão recorrida não divergiu, pois, do sentido e alcance dos julgamentos e da declaração de inconstitucionalidade da norma em causa, pois tais pronúncias de inconstitucionalidade têm um sentido e um alcance limitado à 'medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa.' Ora, vejamos o que decidiu o tribunal a quo:
'Do exposto é lícito concluir o seguinte: a) o recorrente não pode ser condenado pelo crime de peculato, por lhe faltar a qualidade de funcionário; b) o crime por ele praticado é o previsto e punível pelas disposições conjugados dos artigos 300º, n.ºs l e 2 a), do Código Penal de 1982, ou dos artigos 205º, n.ºs l e 4-b) e 234º do Código Penal de 1995. Todavia, não pode este tribunal excluir o crime de peculato e reverter depois a uma figura criminal mais grave do que a do crime base de abuso de confiança, por isso que, sendo embora o supremo livre de aplicar o direito e de convolar para um crime mais grave, de harmonia com o assento do STJ de 27/1/93, Publicado no D.R., I Série, de 10/3/93, o certo é que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional, por violação do art.º 32º, n.º l CRP, a doutrina desse assento, ‘mas tão-só na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídico-penal dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa’ (v., de resto, o ac. n.º 445/97, de 25/6/97, in D.R. de S/8/97). O crime de peculato do art.º 424, n. l CP/82, constante da acusação, era punível com prisão de 2 a 8 anos e multa até 100 dias; no CP/95, art.º 375, n. 1, o mesmo crime é punível com prisão de l a 8 anos. Excluído o crime de peculato, teríamos o crime de abuso de confiança do art.º
300º, n.ºs l e 2-a) CP/82, punível com prisão de l a 8 anos, ou do art.º 205º, n.ºs l e 4-b) CP/95, punível com prisão de l a 8 anos, sendo de rejeitar - pelos motivos acima expostos e porque o recorrente não foi prevenido desta incriminação para dela se poder defender - a incriminação que conjugasse aquele primeiro artigo com o art.º 332º CP/82, pois elevaria de metade os limites mínimo e máximo da pena (passando esta a ser de 1,5 a 12 anos de prisão), ou o segundo com o art.º 234º, n.º l CP/95, pois elevaria de 1/3 os limites mínimo e máximo da pena (passando esta a ser de l ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão), pois qualquer delas forçosamente conduziria à condenação em pena mais grave do que a aplicada.' O Acórdão recorrido adoptou, pois, uma diferente qualificação dos factos, mas, tendo justamente em vista a jurisprudência do Tribunal Constitucional, tal diversa qualificação não conduziu a uma condenação, nem segundo a moldura penal abstracta, nem em concreto, em pena mais grave. Ora, as pronúncias de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional – relativas à 'norma ínsita na alínea f) do nº 1 do artº 1º do Código de Processo Penal, em conjugação com os artigos 120º, 284º, nº 1, 303º, nº 3, 309º, nº 2, 359º, nºs 1 e 2 e 379º, alínea b) do mesmo Código', na interpretação (nos termos constantes do acórdão lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 1993 e publicado, sob a designação de «Assento nº 2/93», na 1ª Série-A do Diário da República de 10 de Março de 1993, aresto esse entretanto revogado pelo Acórdão nº 279/95 do Tribunal Constitucional) segundo a qual não constitui alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia a simples alteração da respectiva qualificação jurídica, apenas foi julgada e declarada inconstitucional –, tais pronúncias, repete-se, ocorreram 'tão somente na medida em que, conduzindo a diferente qualificação jurídica dos factos à condenação do arguido em pena mais grave, não se prevê que este seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, oportunidade de defesa' (itálico aditado). A descrita norma foi, pois, julgada e declarada inconstitucional apenas numa medida que não alcança a presente hipótese, uma vez que, no presente caso a diferente qualificação jurídica dos factos não conduziu à condenação do arguido em pena mais grave. Não pode dizer-se que se tenha divergido das decisões de inconstitucionalidade, no seu sentido ou alcance, tendo, justamente
(invocando-a, aliás), a decisão recorrida evitado pôr o pressuposto, que é a condenação em pena mais grave com base na nova qualificação. Poderia – talvez – pretender-se discordar da limitação da jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional (como parece resultar das alegações do Ministério Público no presente recurso, ao referir que, embora não tenha havido condenação em pena mais grave, o certo é que o arguido não foi prevenido). Todavia, tal discordância em relação à conformidade constitucional dessa norma, para além da medida em que foi objecto de julgamentos de inconstitucionalidade, não pode ser apreciada no âmbito do presente recurso – interposto, recorde-se, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Não podendo dizer-se que, na decisão recorrida, se tenha aplicado norma já julgada anteriormente inconstitucional em decisão do Tribunal Constitucional, conclui-se, pois, que não se poderá tomar conhecimento do presente recurso, por falta de verificação do pressuposto, exigido na referida alínea g). III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do presente recurso, e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6 UC. Lisboa, 22 de Junho de 1999 Paulo Mota Pinto Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Helena de Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida