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Proc.º n.º 397/99
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. – P... interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 1994 invocando o artigo 449º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP).
Instruído o recurso e produzidas as provas requeridas pelo recorrente, o Ministério Público pronunciou-se sobre o pedido formulado no recurso entendendo que não há fundamento para a requerida revisão, que deverá ser negada.
Concordando com o assim promovido, o Juiz da 1ª Vara do Tribunal Criminal de Lisboa, consignou que aquela concordância com a promoção do Ministério Público devia considerar-se 'a informação sobre o mérito do pedido', a que alude o artigo 454º do CPP, ordenando a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Cumprida esta determinação e remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público junto do STJ exarou parecer no sentido de ser negada a revisão.
Por acórdão de 26 de Novembro de 1998, a Secção Criminal do STJ decidiu rejeitar o recurso extraordinário interposto com base na seguinte fundamentação:
'Como se verifica dos dados contidos nos autos, e com alusão ao acórdão deste Supremo Tribunal, cuja revisão é pretendida, esta instância Superior actuou como tribunal de revista. E se 'na palavra ‘sentenças’' se compreendem as decisões de um juiz singular e ainda os acórdãos tirados por vários juizes, quer na primeira quer na segunda instância, todavia, não se compreendem, porém, os acórdãos do S.T.J., quando este tenha julgado como tribunal de revista, pois a revisão tem como fundamento um erro sobre matéria de facto e o S.T.J. não pode cometer esses erros naquele caso. O que então se pode rever é a decisão que julgou provados os factos em que o S.T.J. se fundou (ver Simas Santos e Leal Henriques, in 'Recursos em Processo Penal', 3ª edição, pág. 166). Como se verifica do pedido de revisão do requerente dirigido para o Acórdão deste Supremo Tribunal, e em que esta instância actuou como Tribunal de revista, o presente recurso é manifestamente improcedente e tem de ser rejeitado (cf. o que decorre do artigo 420º, n.º1 do C.P. Penal).
Notificado desta decisão P... veio arguir nulidades. Começou por deduzir a nulidade da falta de notificação da posição assumida nos autos pelo Ministério Público, para sobre ela se poder pronunciar. Depois, o requerente deduz a nulidade de omissão de pronúncia da decisão na medida em que o STJ, nos termos do artigo 668º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil
(CPC), aplicável ex-vi do artigo 4º do CPP, não se pronunciou sobre o 'mérito da causa'. Finalmente, o requerente suscita duas questões de constitucionalidade: por um lado, entende que os artigos 11º, n.º2, alínea d) e 449º a 466º do CPP e também a norma do artigo 28º, n.º1, alínea d) da Lei Orgânica, na parte em que determinam que 'Compete conhecer dos pedidos de revisão de sentenças penais', enquanto interpretados, como o faz o STJ, 'no sentido de não ser admissível recurso de revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, quando este tenha julgado como Tribunal de Revista e por força desse julgamento tenha dado provimento, ainda que parcial, aos recursos interpostos dos acórdãos do Tribunal Colectivo, ou tenha feito alteração substancial dos factos, imputando aos recorrentes a prática de crimes que não lhe eram imputados na acusação ou na pronúncia'; por outro lado, entende o requerente que as normas dos artigos 416º e 455º, n.º1, ambas do CPP, ao não permitirem a resposta do requerente ao parecer do Ministério Público violam o artigo 6º, n.º1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O STJ, por acórdão da secção Criminal de 18 de Março de
1999, decidiu desatender a reclamação formulada. Quanto à questão da não notificação ao requerente da posição do Ministério Público, o STJ indeferiu-a com o argumento de que, no processo de revisão, a vista do Ministério Público no Supremo constitui unicamente o exercício do direito de resposta ao pedido formulado na revisão. Como esta resposta se debruçou apenas sobre o mérito ou demérito do pedido, não era necessário notificar o requerente. Quanto à outra questão suscitada, o STJ entende que as normas que o requerente indica não foram afrontadas pela decisão em reclamação, nem na interpretação que indica ou noutra, uma vez que a pronúncia do tribunal foi no sentido da rejeição do recurso. Ora, esta rejeição assentou na manifesta improcedência do pedido de revisão dirigido contra um acórdão do STJ tirado num recurso de revista e com fundamento em novos factos. Com um tal objecto, a revisão devia ser dirigida contra a decisão de 1ªinstância, pois o STJ em revista não conhece da matéria de facto. Não se praticou, assim, qualquer omissão.
Acrescenta ainda o acórdão que decidiu as nulidades, que o requerente da revisão não atacou o artigo 420º do CPP, única disposição que a decisão reclamada aplicou para rejeitar o recurso.
P... veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão de 18 de Março de 1999, pretendendo que se aprecie a constitucionalidade das seguintes normas: o dos artigos 11º, n.º2, alínea d), e 449º a 466º, todos do CPP e da norma do artigo 28º, n.º1, alínea d), da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro
(LOTJ), no segmento que estatui 'Conhecer dos pedidos de revisão de sentenças penais', se interpretadas no sentido de não ser admissível recurso de revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quando este tenha julgado como tribunal de revista e por força desse julgamento tenha dado provimento, ainda que parcial, aos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal Colectivo, ou tenha feito alteração substancial dos factos, imputando aos recorrentes a prática de crimes que não lhe eram imputados na acusação ou na pronúncia; o as normas dos artigos 416º e 455º, n.º1, do CPP, se interpretadas no sentido de não dever o recorrente ser notificado, para se pronunciar, do parecer emitido pelo magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando o processo lhe vai com vista, seja ou não no sentido concordante com o parecer ou promoção do Ministério Público no Tribunal «a quo».
2. – Neste Tribunal apresentaram as pertinentes alegações quer o requerente quer o Ministério Público.
O recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. As normas dos artºs 11º nº 2 al. d) e 449º a 466º, todos do Código de Processo Penal, de 1987, aprovado pelo DL 78/87, de 17/2, na redacção em vigor em 16/12/98 e em 18/03/99, e a norma do artº 28º nº 1, al. d) da Lei 38/87,
23/12, LOTJ, em vigor em 16/12/98 e em 18/03/99, no segmento em que estatui:
'Conhecer dos pedidos de revisão de sentenças penais', são materialmente inconstitucionais, por violação do disposto no artº 20º nº 1, 4 e 5 e artº 32º nº 1 e 5 da CRP se interpretadas, como as interpretou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão recorrido, no sentido de não ser admissível recurso de revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quando este tenha julgado como Tribunal de Revista e por força desse julgamento tenha dado provimento, ainda que parcial, aos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal Colectivo, ou tenha feito alteração substancial dos factos, imputando aos recorrentes a prática de crimes que não lhe eram imputados na acusação ou na pronúncia;
2. As normas do artº 416º e 455º nº 1 do CPP/87, são materialmente inconstitucionais, por violação das normas dos artºs 20º nº 1, 4 e 5 e do artº
32º nº 1 e 5 da CRP, se interpretados como as interpretou o acórdão recorrido, no sentido de não dever ser o recorrente notificado, para se pronunciar, do parecer emitido pelo magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando o processo lhe vai com vista, seja ou não no sentido concordante com o parecer ou promoção do Ministério Público no tribunal 'a quo';
3. Na verdade, conforme resulta dos autos, o STJ alterou o acórdão cuja revisão se requereu, alterando substancialmente os factos, tendo absolvido o recorrente do crime de associação criminosa, mas condenando-o como autor material de tantos crimes de furto e burla quantos os que eram imputados à associação criminosa, em violação aliás do disposto no artº 1º nº 1 al. f) e artº 359º do CPP;
4. Ora vigorando em Portugal um sistema misto de cassação e de substituição, a verdade é que o STJ revogou o acórdão da 1ª instância e lavrou outro em substituição do da primeira instância;
5. O acórdão da primeira instância não tem qualquer autonomia, não podendo nós dizer que está em vigor o acórdão da primeira instância quanto à matéria de facto e do STJ quanto à matéria de direito;
6. Quando o recorrente decidiu interpor recurso teve que interpô-lo do acórdão do STJ, porque é este que vale, é este que está em vigor, na medida em que o da primeira instância foi cassado e depois substituído pelo do STJ;
7. Por outro lado, o STJ, antes da alteração do CPP levada a cabo pela Lei nº 59/98, de 25/8, com entrada em vigor em 1/1/99, julgava de facto e de direito, sendo disso exemplo a jurisprudência do STJ posterior a 1/1/99, de que
é exemplo o acórdão do STJ cuja cópia se junta como doc. nº 1, em que o STJ manda remeter aos Tribunais da Relação, alegando que agora só julga de direito;
8. O STJ deveria ter apreciado o mérito do recurso, porque ele está interposto correctamente e está devidamente fundamentado;
9. Por outro lado, o STJ também só ouviu o Ministério Público, que lavrou parecer no STJ, não tendo sido dada ao recorrente a possibilidade de exercer o contraditório;
10. O Digno magistrado do MºPº no STJ não se limitou a pôr o visto, ou a suscitar qualquer questão prévia, antes emitiu parecer sobre o fundo da questão, tecendo considerações sobre o mérito do recurso, analisando os factos e a prova produzida;
11. O próprio acórdão, cuja nulidade se arguiu e deu lugar ao acórdão recorrido se louva na posição do Ministério Público, escrevendo que 'Idêntica posição assumiu o Exmo. Procurador-Geral Adjunto';
12. Não tendo sido dada ao recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre o parecer do Ministério Público, foi violado o princípio da igualdade de armas e o princípio do contraditório seu corolário fundamental, e por isso mesmo o disposto no artº 32º nº 1 e 5 da CRP, que são de aplicação imediata;
13. Devem pois ser julgadas materialmente inconstitucionais as normas de direito ordinário cuja desconformidade constitucional se suscitou, na interpretação que lhe foi dada pelo STJ.'
Pelo seu lado, o Ministério Público concluiu as suas alegações do seguinte modo:
1. Não é inconstitucional a interpretação da norma constante do artº 449º, nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil que se traduz em entender que o objecto idóneo do recurso extraordinário de revisão, fundado em deficiente ou insuficiente valoração dos factos e das provas, é a decisão das instâncias que julga a matéria de facto - e nunca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que aprecia exclusivamente matéria de direito.
2. Não é inconstitucional a interpretação do artigo 455º, nº 1 do Código de Processo Penal, traduzida em dispensar, desde logo por manifesta inutilidade, a notificação ao arguido, recorrente em recurso de revisão, do parecer exarado pelo Ministério Público, em que este - em estrita consonância com a posição assumida pelo representante do Ministério Público junto da 1ª instância - se pronuncia sobre a inviabilidade do recurso de revisão - quando o Tribunal acaba por não conhecer do mérito de tal recurso, rejeitando-o antes liminarmente com fundamento em inidoneidade manifesta do seu objecto.
3. Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso.' Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
3. – O recorrente P..., como se extrai do requerimento de interposição e é, depois, reafirmado nos números 1 e 2 das conclusões das alegações, coloca à apreciação do Tribunal duas questões de constitucionalidade, a primeira relacionada com a sua pretensão de revisão reportada a um acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a segunda relativa à intervenção do Ministério Público na tramitação que teve lugar no mesmo Tribunal. Mas a profusão de normas que indica e a imprecisão da enumeração a que procede aconselham uma prévia determinação do objecto do recurso, em que vem igualmente envolvida a questão da própria admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, que, recorde-se, é inequivocamente interposto da decisão do Supremo que desatendeu a reclamação por nulidades de acórdão anterior que rejeitara a revisão. Comecemos então pela primeira questão. Quanto a esta, no conjunto de normas que refere, detectam-se dois grupos. Um primeiro grupo é constituído pela alínea e) do nº 3 do artigo 11º do Código de Processo Penal (CPP)[o recorrente refere a alínea d) do nº 2 do mesmo artigo dado que a numeração do preceito foi alterada a partir da entrada em vigor das modificações introduzidas no Código pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto], e a alínea d) do nº 1 do artigo 28º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, das quais resulta que compete ao STJ 'conhecer dos pedidos de revisão' em matéria penal.
O segundo grupo abrange os artigos 449º a 466º do citado Código, ou seja, todo o bloco normativo que regula a matéria do recurso de revisão no CPP.
Verifica-se que já no requerimento de reclamação por nulidades referira todas estas normas como tendo sido objecto de interpretação inconstitucional em fundamentação do seu entendimento segundo o qual o primeiro acórdão, o acórdão de 26 de Novembro de 1998, padeceria de vício de omissão de pronúncia. Por sua vez, há que assinalar que o pedido de revisão fora formulado ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, nos termos da qual a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação'. O Acórdão de 26 de Novembro de 1998 rejeitou a revisão por considerar que o recurso era 'manifestamente improcedente, e tem de ser rejeitado (cf. o que decorre do artigo 420º, nº 1, do C. P. Penal).' Entendeu-se nessa decisão que, no acórdão cuja revisão se pretendia, o STJ 'actuou como tribunal de revista'. Dado que a revisão tem por fundamento um erro sobre a matéria de facto, 'o que então se pode rever é a decisão que julgou provados os factos em que o STJ se fundou', no que vai implícito que o recurso deveria ter tido por objecto não o Acórdão recorrido mas sim a decisão proferida na instância anterior.
Foi contra este entendimento que o recorrente reagiu, arguindo a nulidade por omissão de pronúncia que veio a ser desatendida. Defendeu o então reclamante que o STJ se deveria ter pronunciado sobre o mérito da causa, e nesse contexto suscitou a inconstitucionalidade das normas sobre as quais pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie
Em termos de estrito rigor processual, nesta parte, a decisão recorrida procedeu à aplicação da norma obtida pela conjugação do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil com o nº 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal, segundo a qual ' O recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência...', e estas normas, isoladamente ou em conjunto, não foram arguidas de inconstitucionalidade. Certo
é porém que, ao afastar o vício de omissão de pronúncia, o Supremo, que entendeu desnecessário aprofundar a questão de constitucionalidade suscitada a este propósito, entendeu que não lhe caberia proceder à revisão do acórdão que anteriormente proferira, e nesse sentido, como a seu tempo se voltará a referir, aplicou normas de competência.
4. - Neste contexto perguntar-se-á se se poderá entender que as normas da alínea e) do nº 3 do artigo 11º do CPP e da alínea d) do nº 1 do artigo 28º da LOTJ terão sido aplicadas com o sentido que lhes é atribuído pelo recorrente ou, sequer, se o entendimento que lhes é atribuído tem algum cabimento no seu teor literal e na interpretação que do mesmo flui. A resposta a esta interrogação passa pelo esclarecimento do papel que cabe ao STJ na na tramitação deste recurso extraordinário, mais concretamente na fase em que foram proferidos os acórdãos de Novembro de 1998 e de Março de 1999?
O recurso extraordinário de revisão comporta, no entendimento generalizado da doutrina, duas fases: a fase do juízo rescindente e a fase do juízo rescisório. A primeira fase abrange a tramitação desde a apresentação do pedido até à decisão que concede ou denegue a revisão; a segunda fase – do juízo rescisório – só existe se a revisão for concedida e inicia-se com a baixa do processo e termina com um novo julgamento (cf. Germano Marques da Silva, in 'Curso de Processo Penal',3º Vol., pág. 364 e Maia Gonçalves, 'Código de Processo Penal Anotado', 7ª Ed., pág.644).
O requerimento a pedir a revisão, contendo os fundamentos e as provas, é apresentado no tribunal que proferiu a decisão que deve ser revista e, se o fundamento for – como é o caso – a descoberta de novos factos ou meios de prova, o juiz procede às diligências que considera indispensáveis, mandando documentar as declarações prestadas. Dentro de cinco dias após decurso do prazo de resposta dos restantes sujeitos processuais ou da realização das diligências, o juiz deve elaborar nos autos uma informação sobre o mérito do pedido, remetendo o processo ao STJ. Neste Tribunal, o processo vai com vista ao Ministério Público para se pronunciar sobre o pedido e, depois, é concluso ao relator que deve elaborar o projecto de acórdão, que deve acompanhar o processo nos vistos aos juizes das secções criminais, sendo a decisão a autorizar ou a denegar a revisão tomada em conferência pelo plenário das secções criminais (artigos 451º a 455º do CPP). Bem vistas as coisas, a decisão que autoriza ou denega a revisão - tal como foi aquela que o STJ proferiu pondo termo à fase rescindente, impedindo a passagem à fase rescisória - é decisão sobre o pedido de revisão, nomeadamente sobre se o mesmo reúne condições de admissibilidade e sobre se o processo entretanto organizado está em condições de fundamentar uma decisão que autorize a revisão. Quer isto dizer que o Supremo Tribunal de Justiça apreciou o pedido de revisão, mais não fazendo, nesta fase rescindente, que dar cumprimento às normas referidas do artigo 11º do CPP e do artigo 28º da LOTJ as quais lhe cometem a competência para o efeito, a competência para 'conhecer dos pedidos de revisão'. Uma leitura mais atenta das disposições questionadas mostra bem que o legislador distingue com precisão entre «julgar recursos» e «conhecer de pedidos», como são por exemplo, para além dos pedidos de revisão, os pedidos de habeas corpus.
4.1. - Na decisão recorrida, o Supremo rejeitou a argumentação de que não se teria pronunciado sobre matéria que se pretendia devesse ter sido apreciada. Salienta a decisão que a questão decidida no acórdão reclamado não corresponde a um juízo de mérito ou demérito do pedido e depreende-se assim que a rejeição se situou no plano prévio das condições de admissibilidade. Ressalta da análise do acórdão que o recurso foi rejeitado por ser manifestamente improcedente, nos termos do nº 1 do artigo 420º do CPP, e manifestamente improcedente porque 'o pedido de revisão deveria ter sido dirigido contra o acórdão da primeira instância' dado que decisão aí tomada fora aquela em 'foram julgados provados os factos em que o STJ se fundamentou'. E acrescenta: 'E foi isso e por isso que se decidiu, ao rejeitar-se o recurso'. Não foi portanto por efeito dessas normas que o STJ não avançou no conhecimento dos fundamentos do pedido, de forma a permitir a passagem à fase do juízo rescisório. Por outras palavras, dessa normas não se pode retirar que, como pretende o recorrente, o acórdão sobre o qual deveria recair o pedido de revisão deveria ser o Acórdão do STJ. E porque assim é, não cabe conhecer no presente recurso da conformidade com a Constituição das normas constantes da alínea e) do nº 3 do artigo 11º do CPP e da alínea d) do nº 1 do artigo 28º da LOTJ.
5. - Passemos agora à análise da admissibilidade do recurso quanto ao segundo grupo de normas referido pelo recorrente, as normas dos artigos 449º a 466º do Código, que abarcam todo o bloco normativo em que se contem a disciplina processual especificamente aplicável ao recurso de revisão em processo penal. Independentemente da terminologia utilizada pelo recorrente, que entende terem sido aplicadas normas no sentido de 'não ser admissível recurso de revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça quando este tenha julgado como Tribunal de Revista e por força desse julgamento tenha dado provimento, ainda que parcial, aos recursos interpostos de acórdãos do Tribunal Colectivo, ou tenha feito alteração dos factos, imputando aos recorrentes a prática de crimes que não lhe eram imputados na acusação ou na pronúncia', o que este contesta e considera inconstitucional é que o STJ tenha considerado que o recurso não poderia ter por objecto acórdão por ele proferido em recurso de revista. Foi este aliás um dos fundamentos da decisão de rejeição do requerimento de pedido de revisão, e no acórdão tirado sobre nulidades essa rejeição não foi entendida como omissão de pronúncia.
Há que ter em conta que, como se diz no acórdão recorrido, o STJ proferiu o acórdão revidendo na sua qualidade de tribunal de revista, isto é, limitando-se a conhecer da matéria de direito, dando como correcta a factualidade provada e não provada, sem sequer ter havido lugar a revista alargada. Tendo sido interposto recurso de revisão com fundamento em matéria de facto, diz o Ministério Público corroborando este entendimento nas conclusões das alegações produzidas, que, pela 'natureza das coisas' ele só poderá ter como 'objecto idóneo uma decisão judicial que tenha apreciado [...] factos e provas' e carecerá de sentido pretender rever, 'com aquele específico fundamento, uma decisão proferida por um Tribunal que só tem competência para apreciar matéria de direito, funcionando – como sempre funcionou – exclusivamente como tribunal de revista' Percorrendo o bloco normativo referido, não se encontra nenhuma disposição que preceitue neste sentido e é o próprio acórdão recorrido que se firma na posição adoptada 'por Simas Santos e Leal Henriques (ver: Recursos em Processo Penal, 3ª edição, pag. 166).... no seguimento da orientação assumida por Luís Osório, autor por eles citado, porque no caso dos autos o pedido de revisão se funda no disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), do C. P. Penal, onde se consigna que
«A revisão de sentença transitada é admissível quando ... Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação'. Nesta ordem de ideias, a decisão proferida na fase rescindente, efectivamente deu aplicação a uma norma extraída do espírito do sistema, desprovida de explícita consagração literal, e que o recorrente, embora não tenha identificado, desde logo porque se colocou fora do sistema, situou de forma genérica no bloco normativo em causa. O entendimento do Supremo de que 'o pedido de revisão deveria ter sido dirigido contra o acórdão da primeira instância' pode legitimamente ser considerado como pressupondo a aplicação ímplícita de uma outra norma da qual resulta que um acórdão proferido em recurso de revista, pelo menos em certa configuração processual, não poderá ser submetido a revisão pelo STJ, por lhe falecer competência a esse Tribunal para o efeito. A norma referida, que se pode entender ter o sentido de que o recurso de revisão, quando se baseie na apresentação de novos factos e meios de prova que não foram apreciados na decisão revidenda, terá de ser interposto da decisão que julgou a matéria de facto, na medida em que sem dificuldade se compreende no
âmbito dos artigos 449º a 466º do CPP que foram questionados em conjunto, poderá tomar-se como objecto do recurso, a título de fundamento da rejeição da arguição de nulidades por omissão de pronúncia. Concretizando, poderá dizer-se que resulta da interpretação conjugada do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo
449º e no artigo 460º, ambos do Código de Processo Penal, que determina a realização de novo julgamento quando for autorizada a revisão. É um facto que o recorrente formula esta norma em termos, que se transcreveram, de tal forma cingidos à questão concreta e ao conteúdo da decisão que pretende venha a ser tomada em favor da pretensão que defende, que lhe retira valor normativo, dificultando a sua aplicabilidade a situações homólogas. Mas subsiste o facto de que a norma em causa está ainda contida na formulação apresentada pelo recorrente, da qual deverão, porém, ser excluídos, porque materialmente reportados à decisão, os complementos concretizadores em excedência, que nessa parte não poderão ser objecto do recurso de constitucionalidade interposto.
6. – Isto posto, a norma segundo a qual o recurso de revisão, quando se baseie na apresentação de novos factos e meios de prova que não foram apreciados na decisão revidenda, terá de ser interposto da decisão que julgou a matéria de facto, diga-se desde já, não é materialmente inconstitucional. O recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgida no prolongamento da ou das anteriores. O núcleo essencial da ideia que preside à instituição do recurso de revisão, precipitada na alínea d) do nº 1 do artigo 449º do CPP, reside na necessidade de apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.
Trata-se aí de uma exigência de justiça que se sobrepõe ao valor de certeza do direito consubstanciado no caso julgado. Este é preterido em favor da verdade material, porque essa é condição para a obtenção de sentença que se funde na verdade material, e nessa medida seja justa. O julgamento anterior, em que se procurou, com escrúpulo e com o respeito das garantias de defesa do arguido, obter uma decisão na correspondência da verdade material disponível no momento em que se condenou o arguido, ganha autonomia relativamente ao processo de revisão para dele se separar. No novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias. Isto é; os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são o indício indispensável para a admissibilidade de um erro judiciário carecido de correcção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento (cf. artigo 460º do CPP), tal como, nos casos em que for admitida a revisão de despacho que tiver posto ao processo, o Supremo Tribunal de Justiça declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga, obviamente que no tribunal a quo (artigo 465º).
7. - Compreende-se a esta luz que a lei não seja permissiva, ao ponto de banalizar e consequentemente desvalorizar a revisão, transformando-a na prática em recurso ordinário, endo-processual neste sentido – a revisão não pode ter como fim único a correcção da medida concreta da pena (nº 3 do artigo 449º) e tem de se fundar em graves dúvidas lançadas sobre a justiça da condenação. É nesta ordem de considerações que a Constituição consagra no nº 6 do artigo 29º o direito dos cidadãos injustamente condenados, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença'. Esta é a norma constitucional que mais próxima e directamente disciplina a matéria, mas que, estranhamente, não foi invocada pelo recorrente, o que não quer dizer que o Tribunal não a tenha em conta. A norma questionada, para além de ser produto da relativa liberdade de conformação do legislador ao regular os termos do processo penal, nem sequer pode ser considerada como uma restrição ao direito fundamental de revisão das sentenças condenatórias consagrado no nº 6 do artigo 29º da Constituição. Com efeito, ela insere-se sem esforço e sem ser expressão de formalismo desprovido de justificação material na já descrita natureza específica do recurso de revisão, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32º nº 1. Uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, e consequentemente será essa a decisão a submeter a recurso de revisão. O facto de sobre ela ter recaído uma outra que julgou restritamente em matéria de direito não tem relevância neste plano de considerações, visto que esta última decisão ficará pelo menos desprovida de eficácia se, em revisão, vier a ser proferida sentença que não seja meramente confirmatória da antecedente. De qualquer forma, não foi por aplicação da norma em questão que o recorrente se viu impedido de obter a revisão da sentença condenatória a que se julgava com direito, e, portanto, não se vê em que medida dela possa resultar violação dos artigos 20º, nºs 1, 4 e 5, da Constituição, como pretende. Por outro lado, também não se alcança em que medida a mesma norma viole as garantias de defesa do arguido (artigo 32º, nº 1), ou o princípio do contraditório consagrado no nº
5 do mesmo artigo, cuja sede própria de invocação, no caso, teria sido a fase rescisória de revisão, se a ela tivesse havido lugar.
8. - Resta apreciar a alegada inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 416º e 455º, nº 1, do Código de Processo Penal, que têm que ver com a intervenção do Ministério Público no processo do recurso de revisão, nesta fase rescindente. Entende o recorrente que estas normas são inconstitucionais se interpretadas no sentido de não dever ser o recorrente notificado do parecer emitido pelo magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça, quando o processo lhe vai com vista, para sobre ele se pronunciar. Adiante-se já que o recorrente não tem qualquer razão na questão de constitucionalidade que suscita.
Com efeito, o Tribunal tem entendido que a emissão de parecer do Ministério Público tem de ser notificada aos arguidos ou recorrentes para estes poderem responder, primeiro sempre que a pronúncia era feita em termos de agravar a posição dos réus e, ultimamente, sempre que a pronúncia vá além do simples 'visto' (cf. Acórdão n.º533/99, ainda inédito).
Porém, no caso em apreço, dada a estrutura processual do recurso de revisão é manifesto que a pronúncia do Ministério Público, quando o processo lhe vai com vista no STJ, não é mais do que o exercício do próprio direito do contraditório. Com efeito, como se referiu antes, o requerimento a pedir a revisão é apresentado no tribunal que proferiu a decisão a rever e se o fundamento do recurso for a descoberta de novos factos ou meios de prova, o juiz do processo deve proceder à realização das diligências de prova e depois, deve lavrar nos autos uma informação sobre o mérito do pedido de revisão, ordenando a remessa do processo ao STJ, não tendo o Ministério Público junto do tribunal que procede a esta 'instrução' qualquer intervenção no processo (sendo certo que, no caso, completadas as diligência, o juiz mandou o processo ao vista ao ministério público: mas apenas – ao que decorre dos autos – para ‘fazer sua’ tal promoção, convertendo-a na «informação» que devia elaborar). Assim, só na vista ao Ministério Público junto do STJ aquele magistrado toma contacto, pela primeira vez, com o pedido de revisão, correspondendo o seu parecer ao exercício do direito de resposta, enquanto magistrado que tem a seu cargo a defesa da legalidade democrática. Uma tal resposta apenas deverá ser notificada à
'contraparte' ou requerente se forem invocadas nulidades ou excepções que imponham o direito a um novo contraditório.
No caso em apreço, como decorre da decisão recorrida,
'não se vislumbra que fundamento exista para fundamentar essa posição do recorrente, quando o Ministério Público se limitou a exercer o seu direito de firmar posição em contrário da posição assumida no petitório (...)'.
Inexiste, portanto, qualquer violação quer do artigo
32º, n.ºs 1 e 5, quer do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não sendo inconstitucional a interpretação do artigo 455º, n.º1 do CPP, quando entendida como não devendo ser notificada ao recorrente a posição do Ministério Público exarada no âmbito de um recurso de revisão e constituindo unicamente a resposta àquele pedido.
III – DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide a. Não conhecer do recurso na parte respeitante às normas constantes da alínea e) do nº 3 do artigo 11º do Código de Processo Penal e da alínea d) do nº
1 do artigo 28º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais; b. Não julgar inconstitucional a norma extraída do espírito do sistema e com apoio literal na alínea d) do nº 1 do artigo 449º, em conjugação com o artigo 460º, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual o recurso de revisão, quando tiver por fundamento novos factos ou meios de prova deverá ser interposto da decisão que julgou a matéria de facto; c. Não julgar inconstitucional a norma do artigo 455º, nº1, do Código de Processo Penal se interpretada como não devendo ser notificada ao recorrente a posição do Ministério Público que constitua unicamente uma resposta ao pedido de revisão; d. Negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC’s.
Lisboa, 13 de Julho de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa