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Proc. nº 316/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Nos presentes autos, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha com o n.º 200/0/99, o Juiz desse tribunal proferiu um despacho
(fls 305 a 307 do processo principal, 14 a 16 dos autos de reclamação) com as seguintes seis decisões distintas: desentranhamento do requerimento enviado por
'fax' a fls 252; declaração de ficar sem efeito o acto praticado a fls 293 pelo advogado Dr. Cruz Oliveira em nome da autora (S..., Lda.) e desentranhamento desse requerimento com entrega ao respectivo subscritor; indeferimento do requerimento de fls 298 a 300 e desentranhamento desse requerimento com entrega ao Dr. Cruz Oliveira; ordem de expedição de ofícios aos CTT para informação sobre uma morada e ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a solicitar informação sobre a localização do escritório de um advogado; indeferimento de um pedido de aclaração formulado pela autora; e julgamento de deserção do recurso de apelação interposto pela autora e oportunamente admitido. A autora interpôs recurso do despacho de fls 305 a 307 para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por outro lado, a autora requereu a remessa dos autos ao Ministério Público para apreciação da alegada responsabilidade disciplinar de um mandatário estranho ao processo, decorrente da apresentação de um requerimento. O Juiz do Tribunal de Caldas da Rainha proferiu o despacho de 7 de Abril de 1999
(fls 317 dos autos principais, 18 da presente reclamação) que contém as seguintes três decisões: considerar inválidas e ineficazes as notificações efectuadas na morada do advogado Dr. Joaquim Tenreira indicada a fls 292, ordenando a sua repetição para a morada indicada pela Ordem do Advogados a fls
316; convite à autora para indicar qual é a decisão do despacho de fls 305 a 307 que pretende impugnar através do recurso interposto; e indeferimento do pedido de remessa dos autos ao Ministério Público, em virtude de apenas incumbir ao Juiz, e não às partes, ordenar tal remessa quando se verifiquem indícios da prática de qualquer ilícito criminal ou disciplinar. Por este incidente, o Juiz do Tribunal de Círculo de Caldas da Rainha condenou o mandatário da autora em custas. S..., Lda., interpôs também recurso do despacho de 7 de Abril de 1999, na parte em que indeferiu o pedido de remessa dos autos ao Ministério Público, respondendo ao convite de aperfeiçoamento referente ao recurso do despacho de fls 305 a 307. O Juiz do Tribunal de Caldas da Rainha proferiu despacho, datado de 2 de Julho de 1999, por via do qual não admitiu os recursos interpostos. Quanto ao recurso interposto do despacho de fls 305 a 307, o Juiz considerou que a pretensão deduzida é 'absolutamente inintelegível', pelo que não pode ser admitido o recurso. Pelo incidente, foi o mandatário da autora condenado em custas. Quanto ao recurso interposto do despacho de fls 317 (decisão de indeferimento da remessa dos autos ao Ministério Público), o Juiz considerou que a remessa dos autos ao Ministério Público é um poder discricionário (pelo que a respectiva decisão é irrecorrível, nos termos do artigo 679º do Código de Processo Civil), e que, pretendendo a autora impugnar apenas a condenação em custas, carecerá de legitimidade (uma vez que condenado foi o mandatário), para além de que o valor das custas devidas não permite o recurso. Por este incidente foi mais uma vez o mandatário da autora condenado em custas.
2. S..., Lda., reclamou perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do artigo 688º do Código de Processo Civil, das decisões de não admissão dos recursos interpostos. No respectivo requerimento, afirmou o seguinte: 'É nula (...) a intepretação dada (...) ao disposto nos artigos 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, e 16 do Código das Custas judiciais, segundo a qual o Juiz pode qualificar como incidente o exercício do direito ao recurso da autora, para se permitir puni-lo por esse exercício, interpretação que também viola o disposto no n.º 4 do artigo 20º da Constituição'. O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, no despacho de 8 de Fevereiro de
2000, decidiu o seguinte:
- revogar o despacho de não admissão do recurso interposto a fls. 314, que tinha por objecto a impugnação do despacho de fls 305 a 307 (deferindo, nessa parte, a reclamação), uma vez que considerou que basta que uma das seis decisões contidas no despacho de fls 305 a 307 seja desfavorável à recorrente para que o recurso possa ser admitido; e
- confirmar o despacho que não havia admitido o recurso interposto a fls. 323, que, por sua vez, tinha sido interposto do despacho de fls. 317 (despacho que tinha condenado o mandatário da autora em custas pelo incidente consistente no requerimento da remessa dos autos ao Ministério Público para apreciação do eventual cometimento de uma falta disciplinar por um seu colega que apresentou um requerimento no processo), dado a decisão que indefere a remessa dos autos ao Ministério Público ser irrecorrível, e, quanto à condenação em custas, a autora carecer de legitimidade, para além de o valor das custas não permitir o recurso, quando conjugado com o valor da alçada do tribunal.
Relativamente à alegada violação do artigo 20º da Constituição, o Tribunal entendeu que tal questão respeita ao mérito do recurso, não podendo ser apreciada na reclamação que apenas decide da admissibilidade do recurso interposto.
3. S..., Lda., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho de 8 de Fevereiro de 2000, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas dos artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, e 16º do Código das Custas Judiciais, com base nas quais o mandatário da ora reclamante foi condenado em custas pelo incidente suscitado. No respectivo requerimento, a recorrente afirmou que pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a interpretação dos artigos 446, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, e 16 do Código das Custas Judiciais, no sentido de permitir a condenação do mandatário pela prática de actos 'conformes ao estatuto da profissão de advogado (...) por ter formulado um pedido ao Juiz para que este enviasse os autos ao Ministério Público para tomar conhecimento de um requerimento de advogado estranho ao processo (...) e de ter recorrido da decisão deste – Juiz – ter sancionado a formulação do pedido', o que viola os artigos 20, n.ºs 1, 2 e
4, da Constituição, e 114º, n.º 3, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
23 de Fevereiro de 2000, em virtude de o despacho recorrido (despacho de 8 de Fevereiro de 2000) não ter aplicado a norma arguida de inconstitucional ou ilegal pela recorrente, uma vez que essa decisão apenas decidiu sobre a admissibilidade dos recursos então interpostos. No despacho de 23 de Fevereiro de 2000 afirmou-se ainda que a decisão da 1ª instância é que fez aplicação das normas impugnadas, pelo que esta é que devia ter sido objecto de recurso para o Tribunal Constitucional.
4. S..., Lda., reclamou do despacho de 23 de Fevereiro de 2000, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. A reclamante pretende ver admitido um recurso de constitucionalidade cujo objecto é constituído pelas normas dos artigos 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 16º do Código das Custas judiciais, interpretadas no sentido de permitirem a condenação em custas do mandatário, devidas pelo indeferimento do requerimento no qual tinha sido pedida a remessa dos autos ao Ministério Público para pronúncia sobre uma eventual falta disciplinar de um mandatário (falta alegadamente cometida por via da apresentação de um certo requerimento estranho ao processo).
Independentemente da verificação dos demais pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade interposto (aplicação pela decisão recorrida das normas impugnadas; suscitação da questão de ilegalidade normativa reforçada durante o processo), aos quais, de resto, adiante se fará referência, importa preliminarmente ter presente o seguinte:
De acordo com o artigo 72º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, podem recorrer para o Tribunal Constitucional 'as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso'; por seu turno, o artigo 680º do Código de Processo Civil estabelece, no nº 1, que os recursos 'só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido' ou pelas 'pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão (...), ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias' (n.º 2).
Ora, a decisão que a reclamante (parte na acção da qual emerge a presente reclamação) pretende impugnar com o recurso de constitucionalidade não admitido consiste na condenação do seu mandatário em custas por um incidente suscitado, incidente esse que nenhuma conexão apresenta com os interesses que a reclamante pretende fazer valer no processo. Nessa decisão, a reclamante não foi vencida, pois a decisão que condena o seu mandatário em custas apenas a este afecta. Nessa medida, e em face das disposições legais aplicáveis, só o mandatário da reclamante tem legitimidade para interpor o recurso de constitucionalidade.
7. Tal fundamento é suficiente para que o recurso para o Tribunal Constitucional não possa ser admitido. No entanto, sempre se dirá o seguinte: durante o processo, não foi suscitada qualquer questão de ilegalidade normativa reforçada, nos termos do artigo 70º, n.º 1, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional. Com efeito, apenas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade a reclamante invoca a violação de uma dada disposição legal. Não tem, portanto, qualquer cabimento o recurso previsto na referida alínea do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Por outro lado, e quanto ao recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Fevereiro de 2000, apenas se pronunciou sobre a admissibilidade dos recursos interpostos e não sobre a condenação do mandatário da reclamante em custas (a apreciação de tal questão foi, aliás, expressamente afastada, como se referiu).
Assim, também por estas razões o recurso que a reclamante pretende ver admitido não seria admissível (a reclamante não suscitou qualquer questão de ilegalidade normativa reforçada e a decisão recorrida não fez aplicação de qualquer norma cuja ilegalidade ou inconstitucionalidade tenha sido suscitada – cf. artigo 70º, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei do Tribunal Constitucional)
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa