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Proc.º n.º 170/99-B.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação do Porto em que figuram, como recorrente, o Licº CS e, como recorrida, a CF, S.A., o relator, em
5 de Novembro de 1999, proferiu decisão sumária por intermédio da qual negou provimento ao recurso.
Dessa decisão reclamou o recorrente para a conferência, reclamação que foi indeferida por intermédio do Acórdão nº 8/2000, aresto do qual o mesmo recorrente solicitou a especificação dos respectivos fundamentos de direito, pretensão que foi indeferida pelo Acórdão nº 166/2000, do qual o impugnante ainda veio arguir a respectiva nulidade solicitando também, no caso de este vício não vir a ser reconhecido, o reenvio ao Tribunal de Justiça das Comunidades, a fim de obter uma interpretação vinculativa quanto a determinada questão pré-judicial.
Pelo Acórdão nº 298/2000 foi determinada extracção de traslado, o processamento do incidente de nulidade em separado e que a decisão a proferir nesse incidente o fosse tão só após o pagamento das custas contadas no Tribunal.
Em 16 de Junho de 2000 o recorrente deduziu incidente de suspeição dos Juízes intervenientes, incidente esse para cuja prova ofereceu a futura junção de certidão de uma participação criminal que efectuara na Procuradoria-Geral da República contra aqueles Juízes, requerendo ainda que fosse reenviado o processo ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a fim de o mesmo decidir sobre a aludida questão pré-judicial.
Em 3 de Julho de 2000 o relator, nos autos de incidente de suspeição, lavrou despacho com o seguinte teor:-
'Vem o recorrente Licº CS deduzir incidente de suspeição, invocando que o Acórdão nº 298/2000, tirado nos autos a que estes se encontram apensos, está eivado dos mesmos vícios que o Acórdão nº 243/2000.
Relativamente a este último aresto, prolatado no processo nº 1059/98, disse o aí (e agora também aqui) oponente que o mesmo constitui violação do
‘art. 243.º, 3.º período, do Tratado instituinte da Comunidade Económica Europeia - ... -, em detrimento óbvio dos legítimos interesses e direitos do Recorrente’, pelo que essa violação, na sua óptica, consumaria os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República ‘a competente denúncia’.
Releva aduzir aqui que, para além da deduzida suspeição, operada nos presentes autos, o impugnante veio opor idêntico incidente, e com semelhante fundamentação, em vários processos que correm termos neste Tribunal e nos quais intervieram outros Juízes para além dos que, neste processo, tiveram intervenção, sendo disso exemplo o já aludido Procº nº 1059/98.
Nos termos do nº 3 do artº 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos Juízes.
Por outro lado, comanda-se no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil que, nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Não podendo o deduzido incidente, como é óbvio, ser decidido pelo relator, o que é certo é que se afigura como plausível que o Tribunal venha a decidir, ex vi do citado nº 3 do artº 127º, pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por
única finalidade a obtenção da impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte», e isso tendo em conta, por um lado, a circunstância, já acima referida, de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em outros processos e, por outro, a circunstância de se afigurar que a suspeição ora oposta não assentar em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência.
Neste contexto de plausibilidade, é igualmente plausível que o Tribunal, considerando o disposto na parte final do nº 3 do artº 130º do Código de Processo Civil, venha a considerar que o ora oponente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de administração de justiça, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé.
É, pois, em face desta figuração que, ponderando a plausibilidade de condenação do oponente como litigante de má fé, desde já e para os efeitos do disposto no nº 7 do artº 84º da dita Lei nº 28/82, se determina a sua audição por dois dias'.
Ao transcrito despacho respondeu o oponente, dizendo, em síntese, através de remissão que efectuou para uma outra peça processual apresentada no processo nº 1059/98-A, pendente por estes Tribunal e Secção, que a imputação de litigância de má fé quanto ao incidente deduzido 'consuma, antes de tudo, um insulto grosseiro', já que:-
no caso dos autos há prova inequívoca da violação do que se dispõe no 3º período do artº 243º do Tratado instituinte da Comunidade Económica Europeia;
a isenção judicial apenas justificaria, a haver boa fé, que, na situação - deduzido que foi o incidente e especificada a respectiva motivação - viesse a ser efectuada denúncia crime contra o oponente por denúncia caluniosa;
que não deveria ter sido indeferida a produção de prova e consistente na solicitação da decisão pré-judicial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, sendo que o Tribunal não tem o direito de concluir o que
é referido no despacho do relator e segundo o qual a deduzida suspeição não assenta em quaisquer factos com um mínimo de consistência, o que, até, é contraditório com um outro despacho, proferido por outro Relator, em processo por aqui pendente;
que o oponente já requereu à 'Presidente do Parlamento Europeu a constituição de uma comissão de inquérito temporária (...) em ordem à investigação de muitos dos ‘outros processos’ ..., em que o signatário
‘desencade(ou) incidente semelhante ao ora em apreço’';
que também já efectuou queixa contra o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativamente à intervenção do Tribunal Constitucional nos processos números 235/97 e 897/98;
que, perante todo este circunstancionalismo, não será possível sustentar-se que o oponente foi movido com o único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo.
Rematou a sua resposta pedindo ao Tribunal que reenviasse o processo ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a fim de o mesmo resolver a questão pré- -judicial que enunciou assim:- '’A contra-acusação de ‘litigância de má-fé’ (sic) por parte de um Tribunal de Justiça arguido num incidente processual de suspeição com fundamento em prova indiciária com a força produzida
‘in casu’, é COMPATÍVEL COM O DIREITO COMUNITÁRIO CONSAGRADO NO ART. 6.º, N.º 2, DO TRATADO UE?’ (Art. 127.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil)'
Cumpre decidir da arguida suspeição (nº 3 do artº 29º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro).
2. De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida acusação, pode levar as «partes» a opor-lhe suspeição.
De outra banda, o nº 3 do aludido artº 127º estatui que nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artº 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição
àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato que acima se efectuou - onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em outros processos, por forma a obter a suspeição ainda de outros Juízes para além dos ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos - aponta inequivocamente para que, como se discorreu no despacho de fls. 11 e 12 e acima transcrito, é desiderato do oponente, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o mesmo oponente figura como «parte».
Não deixará, entretanto, de se por em relevo que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte».
Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos ter sido pautada exclusivamente, como, aliás, não poderia deixar de ser, por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Deverá, desta arte, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja
«parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
3. Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se - sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que, consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento corporizador do vertente pedido (e isto sem entrar na questão de saber se, face ao modo como a pergunta se encontra formulada, isso seria um modo adequado de suscitar a questão pré-judicial de reenvio) - improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Ponderando o que se veio de dizer e o que se consagra na parte final do nº 3 do artº 130º daquele diploma adjectivo, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do oponente, consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil a prossecução de um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, condena-se o mesmo, como litigante de má fé, em dez unidades de conta.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa