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Processo nº 702/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. MA, com os sinais identificadores dos autos, dizendo ter 'sido notificada do douto despacho de indeferimento do requerimento de interposição de recurso para esse Tribunal (o Tribunal Constitucional) proferido pelo Tribunal da Relação do Porto' veio deduzir reclamação, nos termos previstos nos artigos 76º e 77º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, sustentando, em síntese, o seguinte: a. 'A decisão do indeferimento do recurso assenta no alegado facto da alegação da apelação referir que a decisão proferida em 1ª Instância violou o art. 32º da Constituição', e que 'este preceito nem vem ao caso, por tratar das
‘Garantias de Processo Criminal’', além de que 'não tendo sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer norma, não é admissível o recurso para o Tribunal Constitucional'. b. Porém, 'quando a recorrente fez menção ao art. 32º do C.R.Portuguesa, disse que o fazia com referência ao art. 17º da mesma Lei Fundamental, ou seja, num contexto de aplicação extensiva da ‘ratio legis’ contida neste último preceito, já que, conforme dele decorre, o regime dos direitos, liberdades e garantias, aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga', daqui ressaltando 'com clareza, que o legislador ao pretender no art. 32º, que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa ao arguido, incluindo o recurso', da mesma forma 'quis, através do processo civil, assegurar as garantias de defesa ao R., incluindo o recurso' ('Os preceitos contidos no C.P.Civil hão-de garantir às partes a efectivação de todos os direitos de que as mesmas dispõem para a sua defesa' e 'mesmo quando esta possa fracassar, ou esteja em risco, quer por falta de iniciativa das partes, quer pela sua actuação ineficiente ou insuficiente, o próprio Tribunal tem o dever de providenciar a realização de diligências que entenda necessárias para a descoberta da verdade material e para uma verdadeira e esclarecida prolação de uma decisão de mérito' – acrescenta ainda a reclamante). c. Também não se pode 'concordar com o Meritíssimo Senhor Juiz Relator quando diz que durante o processo não foi suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma, quando a interpretação que o Tribunal ‘a quo’ fez das normas dos arts. 265º e 515º do C.P.Civil é manifestamente inconstitucional quando conjugadas com as normas dos arts. 32º, com referência ao art. 17º da Constituição da República Portuguesa e arts. 13º, 18º e 20º da mesma Lei Fundamental'.
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que é
'manifesta a improcedência da presente reclamação, já que a reclamante não suscitou durante o processo, em termos idóneos e adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de fundar o recurso de fiscalização concreta que pretendeu interpôr'.
3. Vistos os autos, cumpre decidir. Dos elementos constantes dos autos extrai-se com interesse para a decisão o seguinte:
3.1. Contra a reclamante foi intentada no Tribunal Judicial da Comarca de Paredes uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário e na acta de audiência de julgamento foi indeferido pelo Mmº Juiz um requerimento da Ré de produção de determinadas provas, por se lhe afigurar 'que o resultado das diligências agora requeridas em nada contribuirão para a decisão quanto à matéria de facto com relevo para a resolução das questões acima enunciadas', tendo sido interposto desta decisão recurso de agravo pela reclamante, que foi admitido.
3.2. Por sentença daquele Tribunal foi a acção julgada 'parcialmente procedente' e condenada 'a ré, MA, a entregar ao autor FS, a quantia de 1 200 000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde citação e até integral pagamento', tendo também sido interposto pela reclamante recurso de apelação, igualmente admitido.
3.3. Nas alegações apresentadas pela reclamante e respeitantes àqueles dois recursos, limitou-se ela a censurar o decidido pela primeira instância, sustentando, no que aqui importa, que as 'requeridas diligências devem ser deferidas, por pertinentes à descoberta da verdade material', tendo, por isso, violado 'entre outras, o douto despacho recorrido as normas dos arts. 265º;
515º, 519º e 519º-A do C. P. Civil' (volta depois a repetir que a 'rejeição de tais requeridas diligências fere os princípios contidos no art. 32º da Constituição da República Portuguesa por força do disposto no art. 17º da mesma Lei Fundamental' e que 'seria ao mesmo Meritíssimo Juiz exigível, sempre com o devido respeito, que, perante as duas dúvidas ou falta de convicção, ordenasse, mesmo oficiosamente e antes do encerramento da audiência de julgamento, a obtenção dos meios de prova que entendesse mais convenientes', à luz 'das normas dos arts. 265º, 515º e seguintes do C. P. Civil, tendentes à descoberta da verdade material', para concluir que se comprometeu o 'próprio direito de defesa da apelante, violando assim o art. 32º da C. R. Portuguesa' e violou 'a douta decisão recorrida, entre outras, as normas dos arts. 349º e 351º do C. Civil e dos arts. 653º, nº 2, 659º e 668º, nº 1, alínea b) e c) todos do C. P. Civil e ainda o art. 32º, com referência ao art. 17º, ambos da C.R.P.').
3.4. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13 de Julho de 2000, foi decidido: '1. Negar provimento ao agravo, confirmando o despacho em crise; 2. Julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida'.
3.5. Desse acórdão veio a reclamante interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo do art. 70º, nº 1, alínea b) da L. T. C.', pretendendo 'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 70º, nº 1 do Dec-Lei nº 360/71 de 21 de Agosto quando conjugada com as normas dos arts. 265º e 515º do C. P. Civil' ('Norma aquela que viola frontalmente a norma dos arts.
13º e 18º da Constituição da República Portuguesa' – acrescenta ainda a reclamante).
3.6. O recurso não foi admitido por despacho do Relator, de 3 de Outubro de
2000, com este fundamento:
'Como se vê da alegação apelatória, a apelante limita-se a dizer, em conclusão, que foi violado o art. 32º da Constituição. Preceito que nem vem ao caso, por tratar, conforme epígrafe respectiva, das
‘Garantias de processo criminal’. Assim, não foi suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de qualquer norma, pelo que não é admissível o recurso para o Tribunal Constitucional'.
4. O relato feito mostra à evidência que à reclamante não assiste nenhuma razão. Com efeito, vindo o recurso de constitucionalidade fundado na alínea b), do nº
1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, facilmente se alcança que não se verifica o pressuposto processual específico da suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, feita de modo processualmente adequado perante o tribunal de relação, para obrigar este a pronunciar-se sobre ela (nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro). O que a reclamante fez, no tocante às normas processuais que indica no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, foi unicamente censurar o decidido pela primeira instância, reportando a tal decisão a violação de normas constitucionais, o que não é o modo processualmente adequado para suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa (e é facto que no acórdão recorrido não se aprecia nenhuma questão desse tipo). Para tanto, basta ler as passagens transcritas das alegações apresentadas pela reclamante. Com o que tem de manter-se o despacho reclamado.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa