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Processo nº763/99
2ªSecção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Vêm os presentes autos do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, sendo recorrente o Ministério Público e recorridos LM e marido AM, e o recurso é interposto para este Tribunal Constitucional da sentença do Mmo Juiz do referido Tribunal, de 6 de Junho de 1999, 'nos termos dos artºs 70°, n° 1 - a) e 72°, n°
1- a) e 3, da Lei n° 28/82, de 5/11' e relativamente 'à parte em que foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação das normas que serviram de base
à liquidação e cobrança da taxa de urbanização impugnada, as quais parecem ser, atenta a não indicação expressa de nenhuma e por mera suposição, as dos artºs
39º, 40°, 41º, 42º, 43º,44° e 45º do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Vila do Conde'. Nessa sentença, decidiu o Tribunal:
'1. declara-se inconstitucional as normas que serviram de base à liquidação e cobrança da quantia em causa e, em consequência,
2. determina-se a anulação do acto de liquidação'
'Procedendo, deste modo, à fiscalização concreta da constitucionalidade das Normas do Regulamento Municipal de Taxas e Licenças da Câmara de Vila do Conde, e que instituíram a taxa de urbanização fixando as regras da sua incidência, liquidação e cobrança, verifica-se que a mesma foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de Vila do Conde quando, atenta a sua natureza jurídica só poderia ser criada pela Assembleia da República, nos termos do artº 106º, n° 3, e 168º. al. I), da Constituição da República Portuguesa, o que configura uma inconstitucionalidade orgânica e formal dessas normas que servem de fundamento legal à liquidação, o que determina a anulação do acto de liquidação' - é como se conclui na sentença recorrida.
2. Nas suas alegações, concluiu assim o Ministério Público recorrente, considerando o presente recurso 'reportado às normas constantes dos artigos 39º a 45º do Regulamento de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Vila do Conde':
'1° - Como se decidiu no acórdão n° 639/95 do Plenário deste Tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra-estruturas urbanísticas que visem facultar aos munícipes a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.
2°- Tais receitas - independentemente do modo ‘presumido' como são calculadas, com base em índices estabelecidos em regulamento - têm natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como 'impostos', cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.
3°- A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contra partida ou contra prestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas.
4°- Termos em que deverá proceder o presente recurso'.
3. Contra-alegaram os recorridos, adiantando as seguintes conclusões:
'1- Nos termos dos artºs 242° da C.R.P., artº 39º, n° 2, al 1) do Dec-Lei n°
100/84, de 29/3 (redacção da Lei n°18/91, de 12/6) e artº 32°, nº 1, al. a) do Dec-Lei n° 448/91, de 29/11, a emissão de alvarás de loteamento está apenas sujeita ao pagamento das taxas a que se refere a al. a), do artº 11°, da Lei n°
1/87, de 6/1, quando o município tenha de realizar obras de urbanização, por força da operação de loteamento.
2- Assim, os artºs 39° a 45º do Regulamento Municipal da Póvoa de Varzim que sujeita a 'taxa de urbanização' pela emissão daquela licença de loteamento, enfermam de inconstitucionalidade orgânica,. por violação do artº 115º, nº 7,
106º, nº 2 e 3 e 168º n° 1, al i), da C.R.P.
3- A cobrança da referida 'taxa de urbanização', não por causa da licença de loteamento e apesar dela (cfr. Ac. n° 639/95. deste Tribunal) também padecem do mesmo vício de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de, não existir nenhuma relação entre o montante exigido ao particular e a actividade prestada pela autarquia, com a realização de infra-estruturas urbanísticas, nos termos da al. a), do n° 1, do artº 11, da referida Lei n° 1/87, invadindo deste modo a reserva da Assembleia da República quanto à criação de impostos (artº 168º nº1, al. i), da C.R.P.), sendo certo que os impugnantes realizaram todas as infra-estruturas urbanísticas, que lhes foram impostas para emissão do aludido alvará de loteamento.
4- 0 montante exigido, a título de 'taxa de urbanização’, tem apenas em consideração o valor da construção em m2 e não a realização de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, ainda que por remissão para instrumentos urbanísticos adequados.
5- Assim, sem a respectiva individualização não é possível verificar a contraprestação do serviço prestado, inerente ao conceito de taxa, pelo que
6- sendo o nexo abstracto e não sinalagmático está-se em face de um verdadeiro e próprio imposto, que apenas por lei pode ser criado.
7- Tais receitas destinam-se, pois, a financiar infra-estruturas gerais do município,
8- inexistindo qualquer prestação de serviços individualizados, exigível ou de recepção obrigatória pelo sujeito passivo.
9- As receitas da 'taxa de urbanização' não podem ser cobradas de modo
'presumido' - como pretende o Mº Pº nas conclusões das suas doutas alegações - em função do valor da construção, pois não se vê onde possa subsistir, neste caso, a bilateralidade caracterizadora do conceito de taxa, não conferindo o direito à utilização individualizada ou efectiva de qualquer infraestrutura urbanística realizada pelo município.
10- Aliás, essa presunção' é contraditória com o princípio da legalidade, uma vez que este princípio deve aplicar-se a todos os gravames coactivos - no sentido de que todos os elementos objectivos geradores da taxa devem constar da lei - como refere Nuno Sá Gomes (Manual de Direito Fiscal, pag. 47 a 49- pois, a oposição que a Constituição faz entre criação de impostos e legislar sobre o sistema fiscal (artº 168°, 11° nº 1n al i), só faz sentido se se entender que se pretendeu abranger todas as cobranças de prestações patrimoniais coactivas, estabelecidas a favor de entidades públicas, semi-públicas ou que exerçam funções públicas.
11- E. como refere José Robin de Andrade (Taxas Municipais - Limites à sua fixação (Parecer Jurídico), se as taxas têm como pressuposto necessário a existência de uma utilidade concreta proporcionada ao administrado por um ente público, também as regras de fixação do quantitativo da taxa devem respeitar esse princípio, sob pena de haver uma subversão da substancia da contra partida que é a essência da taxa.
12- Por isso, também, nesta sede, há que considerar o princípio da proporcionalidade, não sendo possível no caso dos autos, estabelecer, por falta de termo de comparação, a medida da equivalência entre o pagamento e o serviço.
13-O montante liquidado de 148.738.140$00 tem, pois, por exclusiva finalidade, como resulta do exposto, a obtenção de receitas, sem que assista à impugnante o direito de exigir qualquer prestação municipal em contrapartida do pagamento, até por que o município a nada se obrigou. Termos em que, com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, com as legais consequências'.
4. Acontece que, em processo similar, com o nº384/99, respeitante à questão da
(in)constitucionalidade de normas do mesmo ou semelhante teor do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim, o Tribunal Constitucional já se pronunciou nesse processo no sentido da não inconstitucionalidade, 'por violação do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 106º, e alínea i) do nº 1 do artigo
168º da Constituição', das normas dos artigos 1º, 2º e 3º desse Regulamento e fê-lo no acórdão nº 410/2000, tirado em sessão plenária, publicado no Diário da República, II Série, nº 270, de 22 de Novembro de 2000. Assim sendo, impõe-se que, in casu, na sequência da doutrina fixada por aquele acórdão e para o qual se remete, se conclua aqui também pela não desconformidade das normas constantes dos artigos já identificados do Regulamento de Taxas e Licenças aprovado em reunião ordinária da Câmara Municipal de Vila do Conde, em
3 de Fevereiro de 1994 e na sessão da Assembleia Municipal de 28 de Fevereiro de
1994 (publicitado através do edital de 4 de Março de 1994). Com o que tem de proceder o presente recurso.
5. Termos em que, DECIDINDO, concede-se provimento ao recurso, devendo ser reformada a sentença recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa