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Processo n.º 486/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - MD deduziu oposição, por alegada ilegitimidade, à execução fiscal que tinha sido instaurada contra 'EG, SA.', e que, por falta de bens penhoráveis desta sociedade, reverteu contra ele, oponente.
O 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por sentença de 9 de Dezembro de 1995, considerando não ser o oponente parte ilegítima para a execução, julgou improcedente a oposição.
Desta decisão interpôs o mesmo recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, a qual, por acórdão de 9 de Outubro de 1996, declarou a incompetência absoluta, em razão da hierarquia, do Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do recurso, julgando competente, para o efeito, o Tribunal Tributário de 2ª Instância, para onde foi ordenada a remessa dos autos, por despacho de 15 de Janeiro de 1997.
Por acórdão, de 2 de Junho de 1998, da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, foi decidido:
'- Conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que julgou improcedente a oposição no que toca às dívidas exequendas referentes a Junho de 1988 a Março de 1989, por contribuições e juros devidos à segurança social e, decidindo por substituição, em julgar procedente a oposição quanto a tais dívidas, declarando-se, em tal medida, o indevido definitivo da quantia exequenda.
- Negar, no restante, provimento ao recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida'.
Ainda inconformado, veio o ora recorrente interpor recurso deste aresto para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando, nas alegações que produziu, em síntese, que a norma constante do artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos e do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, interpretada no sentido de consagrar uma presunção inilidível de culpa funcional, é inconstitucional por violação dos arts. 2º,
13º, 17º, 18º e 61º, da Constituição, na medida em que atribui ao Estado um estatuto desproporcionalmente privilegiado em sede de cobrança de créditos provenientes de relações jurídicas tributárias e no âmbito da segurança social, em detrimento de todos os outros credores, conferindo-lhe o poder de executar o património de terceiros – gerentes e administradores – no caso de as empresas administradas por estes não terem bens no seu património social que permitam satisfazer aqueles créditos, não distinguindo as situações em que o gestor, ou porque não teve culpa, ou porque ocorreram casos de força maior, se viu impedido de satisfazer os créditos do Estado, daquelas outras em que o gestor actuou de forma ilícita e culposa no esbanjamento do património social da sociedade. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 5 de Maio de 1999, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, remetendo, quanto à questão de mérito, para a fundamentação expendida neste último aresto.
É, pois, deste acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que vem interposto o presente recurso, referindo o recorrente que 'o recurso é interposto no âmbito do disposto na alínea b) do nº1 do art. 70º e a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada nas suas alegações para o Supremo Tribunal Administrativo foi a constante do art. 13º do DL 103/80, de 9 de Maio', acrescentando, em resposta ao convite do relator neste Tribunal, que foram violadas as normas dos arts. 2º,
13º, 17º, 18º e 61º da Constituição. O recorrente produziu alegações, as quais rematou com as seguintes conclusões:
'1. Com o fundamento que o art.º 13º do DL 103/80, de 9 de Maio e o art.º 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos impõem ao administrador da sociedade anónima de responsabilidade limitada uma responsabilidade 'ex lege', assente numa presunção inilidível de culpa funcional, foi negado provimento à oposição deduzida pelo recorrente contra a reversão contra ele promovida na execução fiscal movida contra EG, SA;
2. Como é do conhecimento público, os EG, SA, perderam todos os seus bens no incêndio de 25 de Agosto de 1988;
3. A tese da 'presunção inilidível de culpa funcional' é uma ficção da jurisprudência administrativa, sem qualquer correspondência na letra da lei, pois nem o art.º 13º do DL 103/80, de 9 de Maio, nem o art.º 16º, do CPCI, estabelecem qualquer referência expressa ou implícita à culpa do gestor da sociedade de responsabilidade limitada;
4. Aqueles dois preceitos não estabelecem, nem expressamente, nem de forma implícita, qualquer presunção a favor do Estado, e muito menos definem o seu carácter inilidível, ilidível ou outro qualquer;
5. O art.º 13º do DL 103/80, de 9 de Maio e o art.º 16º do CPCI limitam-se a estabelecer a responsabilidade pessoal e solidária dos gerentes e administradores pelos créditos do Estado, no caso da falta de bens sociais. Não estabelecem mais nada;
6. Se o legislador alguma vez tivesse pretendido estabelecer uma responsabilidade objectiva ou ex lege, teria certamente feito constar daqueles preceitos expressões iguais ou semelhantes às utilizadas, por exemplo, nos artºs. 483º e 500º do CC – '...independentemente de culpa...';
7. Não constando das referidas normas qualquer regime específico em matéria de culpa, vigora o regime geral, assente no reconhecimento da necessidade de verificação de uma conduta ilícita e culposa do agente, conduta essa que veio a dar origem à falta de bens sociais, para que o agente possa vir a ser responsabilizado pelos danos causados ao Estado – impossibilidade de este ver os seus créditos satisfeitos através do património social;
8. Assim, a decisão recorrida ao interpretar as normas constantes dos artºs. 13º do DL 103/80, de 9 de Maio e 16º do CPCI, como contendo uma presunção inilidível de culpa funcional, para além de violarem o princípio da legalidade, violaram também o princípio do Estado de Direito Democrático, previsto no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa;
9. A consagração da tese da presunção inilidível de culpa funcional, a qual impende sobre o gestor que, de facto e de direito, tenha participado na administração da sociedade, tem por consequência, entre outros aspectos, negar ao visado o direito de defesa contra a reversão;
10. Com efeito, sendo logo considerado culpado e sem possibilidade de afastar este juízo legal, fica o gestor impedido de argumentar em sua defesa a ocorrência de factos justificativos ou de factos de força maior que tenham tido como consequência normal e previsível o desaparecimento dos bens sociais; ao gestor, em termos práticos, foi-lhe retirado o direito de defesa;
11. Deste modo, o poder conferido ao Estado pelas normas do art.º 13º do DL
103/80, de 9 de Maio e art.º 16º do CPCI, interpretadas como consagrando uma presunção inilidível de culpa funcional, é absoluto, arbitrário e prepotente, na medida em que o administrador ou gerente da sociedade de responsabilidade limitada tem de se sujeitar a ver o seu património penhorado, sem possibilidade de se defender, pois é-lhe retirado o direito de defesa relativamente à inexistência de culpa da sua parte na falta dos bens sociais, bem como o direito de invocar causa justificativa legítima ou causa de força maior para a falta dos referidos bens;
12. Por outro lado, as referidas normas são uma verdadeira fonte de injustiças e de imoralidade, na medida em que colocam no mesmo nível de sancionamento e responsabilização e sem distinguir as situações em que o gestor foi diligente e empenhado e sem culpa sua ou por causa de força maior se viu impedido de satisfazer os créditos do Estado, com outras situações em que o gestor foi descuidado ou corrupto, actuou de forma ilícita e culposa no esbanjamento e delapidação do património social;
13. O regime dos artºs. 13º do DL 103/80, de 9 de Maio e 16º do CPCI, interpretado como consagrando uma presunção inilidível de culpa funcional, teve por objectivo a criação de um mecanismo de coacção psicológica sobre os gestores das empresas – ameaça de execução do seu património – para que estes dessem prioridade aos pagamentos dos créditos da Estado, com prejuízo dos restantes credores sociais, trabalhadores incluídos;
14. O favorecimento ilegítimo e imoral do credor Estado é feito em nome de uma falsa e pretensa superioridade dos seus interesses – ou, por outras palavras, do chamado 'interesse público' – à custa de todos os outros interesses com protecção constitucional, como os interesses das empresas, dos trabalhadores e das suas famílias, dos fornecedores e dos cidadãos em geral –excluindo os funcionários públicos, que são os interessados e beneficiados com o sistema;
15. Pelo que, o regime em causa, é também por estes motivos inconstitucional por violar o princípio do Estado de Direito Democrático, constante do art.º 2º da Constituição da República Portuguesa;
16. O Estado Português, ao reconhecer no relatório do DL 68/87, de 9 de Fevereiro, o seu estatuto 'desproporcionalmente privilegiado', e a necessidade de o adequar ao regime geral em matéria de responsabilidade e culpa, sem alterar a letra da lei (cfr. conclusões nºs. 3 a 7) – artºs. 13º do DL 103/80, de 9 de Maio e art.º 16º do CPCI, - assumiu simultaneamente que:
- Não existe razão legítima que fundamente a existência de um regime próprio e mais vantajoso e privilegiado relativamente aos restantes credores sociais, para o Estado cobrar o seu dinheiro;
- Não há razão, honesta e legítima, que justifique a ideia da pretensa superioridade dos créditos do Estado – quer eles sirvam para financiar o pagamento da gasolina dos carros dos altos dignatários ou para financiar a segurança social – relativamente, aos créditos dos restantes cidadãos e entidades;
17- Assim, o regime jurídico em causa, que dá um tratamento privilegiado injustificado ao Estado, na cobrança dos seus créditos e, simultaneamente, discrimina injustificadamente os restantes cidadãos e entidades – sujeitos ao regime geral -, viola o princípio da Igualdade constante do art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.'
Notificada, a recorrida não produziu alegações. Cumpre decidir.
II
1. - Constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade, em face da delimitação operada pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso, a norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, interpretada no sentido de conter um presunção inilidível de culpa funcional.
Está unicamente em causa nos presentes autos a responsabilidade do recorrente relativamente às dívidas por contribuições à Segurança Social, e respectivos juros, constituídas até Junho de 1988, prevista no artigo 13º do citado Decreto-Lei n.º 103/80, no âmbito de aplicação do artigo
16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, antes do início da vigência do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, posto que, relativamente
às dívidas referentes ao período de Junho de 1988 a Março de 1989, o Tribunal Central Administrativo, no acórdão de 2 de Junho de 1998, julgou procedente a oposição deduzida.
Como já se mencionou, a decisão recorrida negou provimento ao recurso, remetendo para a fundamentação expendida no acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 2 de Junho de 1998.
2. - Nos termos do citado artigo 13º do Decreto-Lei n.º
103/80, pelas contribuições à segurança social e respectivos juros, que devam ser pagos por sociedades de responsabilidade limitada, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos gerentes ou administradores.
Com este normativo estabeleceu-se um regime de responsabilização dos gerentes e administradores idêntico ao que se encontrava consagrado no artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45005, de 27 de Abril de 1963, pelas dívidas de contribuições, impostos, multas e quaisquer outras dívidas ao Estado, que já era aplicável à falta de pagamentos de contribuições do regime geral de previdência, por força do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho.
Com base neste normativo, entendeu o Tribunal Central Administrativo, no acórdão de 2 de Junho de 1998, que aquela norma estabeleceu um regime de responsabilização dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada idêntico ao que se encontrava consagrado pelo artigo
16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, consagrando uma responsabilidade 'ex lege', que se bastava com a demonstração da gerência ou administração de direito e de facto, do demandado, a tal título, por reversão, sendo que a verificação daquela qualidade – a gerência de direito -, que ao exequente competia demonstrar, fazia presumir o exercício das respectivas funções – a gerência de facto -, cuja ilisão impendia sobre o revertido.
Assim, concluiu-se, no seguimento da jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo, que do exercício da gerência decorria uma presunção inilidível de culpa funcional. Ora, é precisamente contra esta presunção de culpa inilidível que o recorrente se insurge, defendendo a inconstitucionalidade da norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80.
2. - O Tribunal Constitucional já teve o ensejo de se pronunciar especificadamente sobre a questão de constitucionalidade da norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, tendo decidido pela não desconformidade desta norma face à Lei Fundamental, o que sucedeu, primeiro, no acórdão n.º
328/94 (publicado no Diário da República, II série, de 09 de Novembro de 1994, e in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol.27, pág. 963), e, depois, nos acórdãos nºs 203/98 (ainda inédito, proferido no processo n.º 461/97) e 379/00
(publicado no Diário da República, II série, de 5 de Dezembro de 2000).
Perspectivando a questão sob a égide do princípio da igualdade - entendendo-se que este princípio exige a dação de tratamento igual
àquilo que, essencialmente, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções, posto que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias
(cfr., na jurisprudência deste Tribunal, por todos, o acórdão n.º 188/90, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 12 de Setembro de 1990) -, averiguou o Tribunal se existia arbitrariedade, irrazoabilidade ou se, pelo contrário, existia fundamento bastante para a diferenciação de tratamento dado ao gerente ou administrador meramente nominal e que não exerce de facto a gerência ou administração da sociedade de responsabilidade limitada, e ao gerente ou administrador que, efectivamente, exerce tais funções. Nesta perspectiva escreveu-se no acórdão nº 328/94, para o qual os restantes remetem, que:
'A resposta a tal questão não pode deixar de ser negativa. Na verdade, se o gerente ou o administrador meramente nominais não exercem de modo efectivo as funções de gerência ou administração, então não se pode dizer que a concreta condução dos negócios da sociedade se deve a qualquer actuação da sua parte. Ora, não resultando aquela condução da referida actuação, dever-se-á, também então, concluir que, se da primeira resultar a inobservância de deveres ou obrigações impostos à sociedade, tal inobservância não é assacável a acção ou omissão dos gerentes ou administradores meramente nominais, que não contribuíram para a gestão da sociedade. Já, pelo contrário, de um ponto de vista lógico, é perfeitamente razoável e justificado que aos gerentes ou administradores que de direito e de facto exerceram funções de gerência ou administração - ou seja, tiveram uma actuação que, ao fim e ao resto, foi aquela que ditou a condução da vida negocial da sociedade - sejam assacados os aspectos positivos e negativos decorrentes dessa condução de vida negocial. Trata-se, pois, de situações diferentes que, por isso mesmo, podem reclamar tratamento diferenciado, para o que existem sólidos fundamentos materiais revestidos de adequada razoabilidade. Daí que se haja de concluir que a interpretação conferida à norma sindicada pelo acórdão recorrido não ofende o artigo 13º do Diploma Básico.'
E, acrescentou-se:
'E nem se argumente com o facto de uma tal interpretação ser um convite ao abandono do exercício da gerência de sociedades em situação económica difícil. De facto, duas hipóteses se podem colocar: Ou foi da actuação da própria gerência que resultaram dificuldades económicas para a empresa - caso em que a responsabilidade por essa circunstância há-de ser assacada aos gerentes que desempenharam de modo efectivo as suas funções; Ou foi designada a gerência ou a administração já em plena situação de crise da sociedade; neste último caso, os designados, sabiam que, ao aceitarem a gerência ou administração de jure et de facto, teriam de desenvolver uma actuação diligente e esforçada no sentido de tentar resolver a crise em que a empresa se encontrava mergulhada, sabendo, também, que tinham a seu cargo a condução da vida societária de molde a serem cumpridos os deveres e obrigações, designadamente os legais, que sobre ela impendiam; desejando aceitar - e exercer com efectividade - os cargos para os quais foram designados, incumbia-lhes a prossecução de uma gerência ou administração cuidada, esforçada e diligente (ubi commoda, ibi incommoda), já que da recuperação da empresa tirariam benefícios.'
3. - Porém, o recorrente coloca a questão ainda numa outra dimensão, a de saber se o regime em causa, tal como foi interpretado, dá um privilégio injustificado ao Estado, na cobrança dos seus créditos e, simultaneamente, discrimina injustificadamente os restantes cidadãos e entidades
– sujeitos ao regime geral.
Ora, a este respeito, convirá recordar que a segurança social é, também ela, um direito e um dever social (cfr. artigo 63º da Constituição), cujos objectivos de prossecução, radicados na dignidade social e da pessoa humana, podem permitir ao 'Estado democrático social' a imposição de contribuições por parte de quem as possa prestar.
Embora a Constituição, em relação à segurança social, faça imposições expressamente, dirigidas ao Estado (cfr. nº2 do mencionado artigo 63º), tal não impede que o próprio texto constitucional se reporte ao sistema de segurança social como um sistema participado. O facto de o sistema de segurança social dever ser subsidiado pelo Estado, como resulta daquele preceito constitucional, não significa que ao respectivo financiamento devam ser alheios os particulares, designadamente aqueles que são potenciais beneficiários do sistema ou os empregadores que retiram benefícios da força de trabalho de outrem, o que, como meio de concretização social, pode, eventualmente acarretar restrições ao direito de propriedade, como se salientou no aresto a que nos vimos referindo.
E, acrescentou-se no acórdão 328/94:
'Nesta postura, é perfeitamente admissível do ponto de vista constitucional que
às sociedades de responsabilidade limitada que tenham trabalhadores ao seu serviço sejam exigidas contribuições para o sistema de segurança social. Sendo assim, se pela condução da vida da sociedade devem ser responsabilizados os suportes humanos que, efectivamente, desempenham funções de administração ou gerência e cujos deveres funcionais impõem que a sociedade administrada ou gerida proceda à atempada satisfação das referidas contribuições, é razoável e justificado - por isso não sendo arbitrário - que, na falta dessa satisfação, e excutidos que sejam os bens da sociedade, responda o património dos gerentes ou administradores, na medida do dano causado pelo não cumprimento ou mora na satisfação daquelas obrigações legais e pela objectiva não prossecução dos indicados deveres funcionais'.
Ora, o que acabou de se referir a respeito das limitações impostas ao direito de propriedade, justifica igualmente a opção legislativa de atribuir primazia no pagamento dos créditos da segurança social, em preterição dos demais credores, em função social a que se destinam.
4. - Por outro lado, as considerações, efectuadas a propósito do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, são transportáveis quando se enfoque a questão sob o prisma da consagração do princípio do Estado de direito democrático, previsto no artigo 2º da Constituição, conforme se escreveu no aresto 328/94:
'Na realidade, o princípio do Estado de direito democrático - que, nas palavras do Acórdão n.º 93/84 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4º Vol., 153 e segs.), tem contornos 'fluidos, variando no tempo e segundo as épocas e lugares', possuindo 'um conteúdo relativamente indeterminado quando não acha directo apoio noutros preceitos constitucionais' - é, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição, 74), 'sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios constitucionais dispersos pelo texto constitucional' e, muito embora não produza, a se, estatuições que não estejam traduzidas em outras disposições da Lei Fundamental, não exclui, à partida, a possibilidade de se colherem dele 'preceitos que não tenham expressão directa em qualquer outro dispositivo constitucional', como, verbi gratia, será o caso da 'protecção dos cidadãos contra a prepotência e o arbítrio (especialmente por parte do Estado).' Ora, como se alcançou já, não se divisa qualquer arbítrio na norma em questão, interpretada do jeito como o foi. De onde resulta a conclusão que, também por aí, não há ofensa do artigo 2º da Constituição.'
4. - O preceito em causa, tal como foi interpretado, também não ofende o princípio da proporcionalidade, como se concluiu no acórdão n.º
379/00, já referido, onde se questionou a norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º
103/80, na mesma dimensão interpretativa invocada nos presentes autos.
A este respeito, entendeu-se naquele aresto não existir violação do princípio da proporcionalidade, pois, «a responsabilização decorrente da norma questionada só afecta os gestores que 'violando ilicitamente e com culpa os seus deveres, não promovam ou impeçam o acatamento das obrigações das empresas respectivas para com a Previdência'. Mas sendo o pagamento das contribuições para a segurança social uma exigência imposta pelo interesse público, a inobservância dos ditames legais de gestão que devem assegurar tal pagamento não pode deixar de se considerar culposa, salvo a ocorrência de uma causa justificativa (neste sentido, Ruy de Albuquerque e Menezes Cordeiro, 'A imputação aos gestores dos débitos das empresas à Previdência e o artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos' e Rui Barreira, 'A responsabilidade dos gestores de sociedades por dívidas fiscais', in Revista Fisco, 2º Ano, p. 6)».
5 . - No mesmo sentido do acórdão n.º 328/94, decidiram ainda os acórdão nºs 576/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Fevereiro de 2000) e 577/99, ainda inédito, ambos referentes ao artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
Por todos estes fundamentos constantes dos acórdãos referidos, para os quais, no essencial, se remete, reafirma-se a conclusão a que se chegou naqueles arestos no sentido da não desconformidade da norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º
103/80, de 9 de Maio, com a Lei Fundamental.
III
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida quanto à suscitada questão de constitucionalidade.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, em 15 unidades de conta. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001 Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Messias Bento Maria dos Prazeres Beleza (vencida, nos termos da declaração de voto do Senhor Conselheiro Luís Nunes de Almeida no Acórdão nº 328/94) Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta ao Acórdão nº 328/94).