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Proc. nº 191/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. P..., notificado da decisão sumária de 9 de Junho de 2000 (fls. 510 a
523), que não tomou conhecimento do recurso, por não estarem verificados os pressupostos processuais do recurso interposto, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
Depois de fazer uma longa descrição dos termos do processo (fls. 525 a 541), o reclamante enunciou 'os fundamentos da reclamação' (fls. 541 a 548), tendo concluído assim:
'[...]
4. Na resposta ao despacho de aperfeiçoamento, o recorrente apenas pretendeu acrescentar o artigo 1º do C.E., que não tinha sido referido, mas que sempre estivera subjacente a toda a argumentação referente à falta de fundamentação (nº
26).
5. Desde o início do processo lhe interessou principalmente sublinhar a violação dos princípios constitucionais da fundamentação e da proporcionalidade, o que julga que fez «de modo processualmente adequado» (nº
24).
6. Colocou também a questão da inconstitucionalidade do modo que julga mais adequado para colocar o tribunal em posição de «estar obrigado a dela conhecer» (nº 25 a 30).
7. Com efeito, a invocação fundamentada de um princípio com assento constitucional é ainda um «modo processualmente adequado» de suscitar a questão da inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, visto que significa sempre que a norma constitucional que o consagra foi entendida com um sentido não coincidente com aquele que a interpretação jurisprudencial constitucional estabeleceu (bem ou mal, não é esse o caso). Ou seja, uma tal invocação concita sempre, por natureza, uma questão de controlo normativo da constitucionalidade, seja qual for o lugar jurídico da sua aplicação: um acto administrativo ou uma decisão judicial (nº 30).
7. [assim, repetido, no original] Por isso, não é verdadeira a afirmação contida na decisão reclamada de que «As decisões judiciais e os actos administrativos, considerados em si mesmos, não podem, no sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade, ser objecto de tal controlo», nesta formulação absoluta, porque, na fiscalização concreta, o controlo normativo tem necessariamente como objecto, senão todos, pelo menos alguns aspectos dos actos administrativos ou das decisões judiciais (nºs 31 a 32.2).
8. O que parece certo e razoável avançar, quanto ao objecto do controlo normativo na fiscalização concreta, é que ele consiste, em última análise, numa avaliação do sentido com que certas normas foram utilizadas num acto ou numa decisão e também da interpretação que o acto ou a decisão atribuíram à própria norma constitucional ou a um princípio constitucional nela consagrado, para depois ajuizar da sua conformidade ou desconformidade com o sentido paramétrico da norma constitucional, estabelecido pelo Tribunal Constitucional, daí retirando as legais consequências.
9. Se isto é assim, como se julga, então parece aceitável que se considere que, quando, em recurso contencioso, é invocada uma violação de um princípio constitucional, pelas razões a, b e c, o que se está sempre a dizer é que o acto ou a decisão impugnados tomaram como boa uma interpretação da norma constitucional que consagra tal princípio que não se conforma com o sentido paramétrico dela, judicialmente estabelecido. Ou seja, é sempre uma questão de controlo normativo, de constitucionalidade de normas, que tal invocação coloca.
10. Foi essa invocação, reiterada, como a decisão verificou, que o recorrente fez, ao longo de todo o processo.
Por isso, o recorrente julga que suscitou a interpretação inconstitucional dos artigos 266º, nº 2 e 268º, nº 3, da Constituição, em todas as peças processuais que indicou e que as várias decisões judiciais aplicaram normas cuja inconstitucionalidade foi, dessa forma, suscitada durante os processos (artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC.'
2. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, respondeu o recorrido Secretário de Estado da Administração Local que os argumentos invocados pelo reclamante 'em nada ferem a decisão atrás indicada, pelo que a mesma deverá manter-se'.
Por sua vez, a recorrida Câmara Municipal do Alandroal limitou-se a dizer que 'aceita todos os factos vertidos de fls. 525 a 541 da douta reclamação, por corresponderem à verdade'.
3. Os elementos constantes da reclamação em nada levam a alterar a decisão sumária da relatora.
3.1. Na verdade, o próprio reclamante reconhece não ter suscitado a questão de inconstitucionalidade 'durante o processo', quando afirma que:
– 'a inconstitucionalidade do artigo 1º do C.E. não foi suscitada em nenhum dos lugares citados pelo recorrente, visto que ela o foi de facto levantada pela primeira vez na resposta ao despacho de aperfeiçoamento' (nº 26);
– 'o que se pretendeu foi acrescentar o caso do artigo 1º do C.E., que não tinha sido referido, mas que sempre estivera subjacente a toda a argumentação referente à falta de fundamentação' (nº 26 e conclusão 4);
– 'o recorrente julga que suscitou a interpretação inconstitucional dos artigos 266º, nº 2 e 268º, nº 3, da Constituição, em todas as peças processuais que indicou e que as várias decisões judiciais aplicaram normas cuja inconstitucionalidade foi, dessa forma, suscitada durante os processos' (nº 34 e conclusão 10).
Antes de mais, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82 – o recurso interposto pelo ora reclamante – tem como objecto a apreciação pelo Tribunal Constitucional de normas de direito infraconstitucional aplicadas na decisão recorrida, relativamente às quais o recorrente tenha suscitado, durante o processo, o problema da respectiva conformidade com a Lei Fundamental. A exigência contida na lei, de invocação da inconstitucionalidade durante o processo, reporta-se por isso necessariamente às normas de direito infraconstitucional aplicadas na decisão recorrida. Não satisfaz esta exigência legal invocar o que o reclamante designa 'a interpretação inconstitucional' de normas contidas na Constituição.
Depois, e como é óbvio, a resposta ao despacho de aperfeiçoamento não constitui momento processualmente adequado para 'levantar pela primeira vez' uma questão de inconstitucionalidade. Dispõe claramente o artigo 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional que o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei só pode ser interposto pela parte que 'haja suscitado a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'. No mesmo sentido se pronunciava aliás o Tribunal Constitucional ainda antes de esta exigência se encontrar expressamente mencionada na lei
(cfr., a título de exemplo, acórdão nº 155/95, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p. 737 ss)
Conclui-se, portanto, tal como na decisão sumária reclamada, que não está preenchido no caso dos autos o pressuposto processual da invocação pelo recorrente, durante o processo, da inconstitucionalidade da norma que se pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional (artigos 70º, nº 1, alínea b), e 72º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
3.2. Reafirma-se também que a norma questionada pelo agora reclamante não foi aplicada no acórdão recorrido – o acórdão de 18 de Janeiro de 2000 (de fls.
468 e seguintes), através do qual o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso interposto do acórdão proferido pela
1ª Secção daquele tribunal em 20 de Outubro de 1998.
Com efeito, o acórdão recorrido – tal como o anterior acórdão da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo – considerou que a declaração de utilidade pública urgente da expropriação, de que 'resultaria, igualmente, a urgência da expropriação', se fundamentou na norma do artigo 63º, nº 1, do Código das Expropriações. Não foi aplicado no acórdão recorrido o artigo 1º do Código das Expropriações, na interpretação segundo a qual 'ele fundament[a] a urgência da expropriação'.
Não pode assim dar-se como verificado outro dos pressupostos processuais do recurso interposto: o de ter sido aplicada, na decisão recorrida a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie (artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Sublinhe-se que, quanto a este aspecto, não é – nem naturalmente poderia ser – aduzido qualquer argumento na reclamação em análise. III
4. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão sumária de 9 de Junho de 2000 (fls. 510 a 523), que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 10 de Outubro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida