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Procº nº 717/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. M..., S.A., interpôs junto da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo recurso contencioso de anulação do acto praticado em 26 de Julho de 1996 pelo Ministro da Justiça e por intermédio do qual foi indeferido o recurso hierárquico que, pela recorrente, fora interposto do despacho proferido em 30 de Novembro de 1995 pelo Director-Geral dos Registos e Notariado, despacho este que não dera atendimento a uma reclamação que efectuara da cobrança de Esc.
9.009.600$00 devida a título de emolumentos pela efectivação de escritura pública visando a alteração do seu pacto social.
Para o que ora releva, tendo os autos sido continuados com «vista» ao Representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal Administrativo, emitiu o mesmo «parecer» no sentido de, ponderando o disposto nos artigos 101º e
102º do Decreto-Lei nº 403/86, o recurso hierárquico do acto do Director-Geral dos Registos e Notariado interposto para o Ministro da Justiça se afigurar como um recurso de natureza meramente facultativa, assim se não podendo perspectivar o despacho impugnado como definidor da posição jurídica final da Administração, razão pela qual o recurso deveria ser rejeitado.
Aquele Alto Tribunal, por acórdão de 18 de Novembro de 1998, julgou procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, assim rejeitando o recurso por ilegal interposição, nos termos do § 4º do artº 57º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e do artigo 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85 de 16 de Julho.
Desse aresto recorreu a M..., S.A., para o pleno da Secção do aludido Supremo Tribunal, tendo, na alegação que então produziu, concluído do seguinte modo:-
'1ª- A Recorrente sustenta que somente poderá existir uma diminuição ao direito de recorrer contenciosamente contra actos da autoridade, consagrado no art. 268º nº 4 da Constituição, na caso de ser restrição ou limite consagrado expressamente por lei, que veicule ou se justifique num valor constitucionalmente atendível e que não ultrapasse o necessário para salvaguardar a protecção destes valores (art. 212º nº 3, art. 268º nº 4 e arts.
17º e 18º da CRP).
2ª - Assim, as diminuições ou limitações do acesso à justiça administrativa e fiscal devem antes de mais ser claras e precisas: sendo devidamente formuladas pelo legislador por forma nítida e perceptível.
3ª - O legislador poderia, porventura, ter dito, de uma forma clara e inequívoca, que a reacção contra as ‘liquidações emolumentares’ proferidas pelos Conservadores era única e exclusivamente a ‘impugnação judicial’ prevista no art. 62º nº 1, al. a) do ETAF.
Mas não o disse assim. Apenas estatuiu que aos Tribunais Tributários de 1ª Instância cabe conhecer dos ‘recursos de actos de liquidação das receitas tributárias estaduais’.
4ª - Esta norma atributiva de competência, por si só, não impede que de tais actos se possa recorrer na ordem hierárquica e que das decisões do Ministro da
área administrativa caiba depois recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos arts. 32º nº 2 c) do ETAF, conjugado com os arts.
92º nº 2, 100 nº 2 e 123º do Código de Processo Tributário.
5ª - Não é de modo nenhum clara a revogação total das normas específicas (arts.
69º do DL 519-F/79 e 139º do DR 55/80) dos diplomas sobre orgânica e competência dos serviços registrais e sobre ‘liquidações de contas emolumentares’ - na parte em que estatuem meios graciosos de impugnação.
Pois que o ETAF trata de ‘competência’ do Tribunal, e não sobre outros pressupostos processuais, como a ‘imediata recorribilidade do acto’. Sobre este ponto valem as leis de processo contencioso, administrativo e/ou tributário.
6ª - E em qualquer dos sistemas instituídos por estas duas leis de processo contencioso o acto do Ministro agora sub judice é um acto recorrível.
7ª - Na primeira (lei do contencioso administrativo), porquanto teria de se partir então da definição de estar em causa um ‘acto administrativo respeitante a questão fiscal’ (art. 118º nº 2 do CPT), e como ‘acto administrativo’ de órgão situado numa hierarquia sujeito então ao recurso hierárquico prévio, dada não se tratar de competência ‘exclusiva’ ou ‘reservada’ ou ‘delegada’ a do Conservador.
8ª - Na segunda - lei do contencioso tributário -, porquanto aí expressamente se consagra a opção do particular-contribuinte em, dentro dos respectivos prazos, ou impugnar logo judicialmente a liquidação (art. 123º do CPT) ou desta reclamar e recorrer graciosamente, cabendo depois, das decisões negativas, o respectivo
‘recurso contencioso’ - salvo se houver sido deduzida já impugnação judicial sobre a questão de fundo (arts. 92º nº 2 e 100º nº 2 do CPT).
Não tendo sido deduzida ainda nenhuma ‘impugnação judicial’, a via de tutela judicial da pretensão mantém-se intocada, dentro dos prazos dos respectivos recursos.
9º - O acto sub judice nem sequer poderia ser considerado um ‘acto meramente confirmativo’ de outro anterior, porquanto os sujeitos não são os mesmos
(Conservador e Ministro da Justiça), e a fundamentação é muito diferente nos dois casos.
10º - O douto Acórdão recorrido,, ao rejeitar o recurso por ‘manifesta ilegalidade’ da sua interposição (art. 57 § 4º do RSTA) violou assim a lei
(arts. 92º nº 2 e 100º nº 2 do CPT).
11º - E ao entender que o art. 62º nº 1 alínea a) do ETAF, sem mais, obriga a um recurso imediato da ‘liquidação emolumentar’ para o Tribunal Tributário de 1ª instância, como meio único e exclusivo de se atacar tal conta emolumentar, apesar do disposto nos arts. 69º do DL 519-F/79 e 139º do DR 55/80, e sobretudo nos arts. 118º e 92º nº 2 e 100º nº 2 do Código de Processo Tributário, e sob pena da preclusão total da garantia de acesso à jurisdição administrativa e fiscal, -- ofende a Constituição, nos seus arts. 18º e 268º nº 4.
Ou seja, essa interpretação da regra do art. 62º nº 1 a) - que daí extrai aliás o que não está lá expressamente dito e de forma inequívoca - não é conforme com a Constituição, nomeadamente com o verdadeiro princípio ‘pro actione’ postulado no art. 268º nº 4 e reforçado pela aplicação a esta garantia do regime consagrado no art. 18º da Lei Fundamental.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
2. Tendo o Pleno da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 29 de Setembro de 1999, negado provimento ao recurso, dele veio a impugnante a recorrer, estribada na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, para o Tribunal Constitucional, com vista à apreciação da (in)constitucionalidade 'das normas do art. 57 § 4º do RSTA (Dec. Lei 41.234, de 20.8.87) e do art. 62º, nº 1, al. a), do Dec.Lei 129/84 de 27/4, na interpretação que o Tribunal a quo aplicou para resolver a situação sub judice, segundo a qual, da liquidação emolumentar cabe única e exclusivamente recurso imediato para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, ficando, em consequência, absolutamente precludida a hipótese de serem sindicados actos administrativos dos superiores hierárquicos, Director-Geral e Ministro, que indeferiram recursos hierárquicos tempestivamente deduzidos pelo particular'.
Igualmente a recorrente, pretendeu ver apreciada a inconstitucionalidade 'da interpretação conjugada das normas dos arts. 92º, nº
2, 118º, nº 2 e 123º do Código de Processo Tributário, segundo a qual a opção expressamente concedida em tais disposições ao particular/contribuinte - para ou impugnar a liquidação ou dela reclamar e recorrer graciosamente e sempre depois com a garantia da via contenciosa sobre respostas negativas que obtiver -, não se aplica ao caso das liquidações de receitas efectuadas pela Administração não Fiscal, ou seja, a interpretação segundo a qual, não é contenciosamente recorrível o acto que decidiu o recurso hierárquico interposto de actos de
‘liquidação de receitas fiscais’ de que se não deduziu nenhuma impugnação jurisdicional quando tais actos, embora tributários, tenham sido praticados por Administração não Fiscal'.
Por despacho de 6 de Janeiro de 2000, foi o objecto do recurso circunscrito à norma vertida na alínea a) do nº 1 do artº 62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, em consequência se determinando que as alegações a produzir somente incidissem sobre tal normativo.
Na verdade, disse-se, no que ora interessa, nesse despacho:-
'.................................................................................................................................................................................................
A ora recorrente, como assinala na parte final do requerimento de interposição de recurso, sustenta que a 'questão da inconstitucionalidade foi suscitada ... nos autos, por diversas vezes, nomeadamente nas 1ª, 2ª, 3ª, 8ª,
10ª e 11ª conclusões das alegações de recurso por si apresentado para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário'
Como facilmente deflui da transcrição acima efectuada, e sendo certo que no «teor» da alegação produzida para o Pleno da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo se não descortina qualquer menção de onde se extraia, directa ou indirectamente, expressa ou implicitamente, a arguição do vício de enfermidade por contrariedade com a Lei Fundamental reportadamente às normas
ínsitas no § 4º do artº 57º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo e nos artigos 92º, nº 2, 118º, nº 2 e 123º, estes do Código de Processo Tributário, torna-se claro que, no que tange a estes normativos, não se assiste, in casu, a verificação da existência de um dos pressupostos do recurso a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, ou seja, justamente aquela que consiste na suscitação, antes da prolação da decisão intentada impugnar, da questão de inconstitucionalidade.
Efectivamente, como resulta do antecedentemente relatado, a ora impugnante, de modo adequado, tão só suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa (recte, uma questão de inconstitucionalidade referente a uma dada interpretação normativa) no que concerne à norma vertida na alínea a) do nº 1 do artº 62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
E daí que só desta norma possa este Tribunal tomar conhecimento, o que desde já se consigna para efeitos do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil.
Com esta advertência, determino a notificação das «partes» para a feitura de alegações'.
3. O transcrito despacho não veio a ser impugnado, designadamente através de reclamação para a conferência.
Na sua alegação, a recorrente começou por pôr em causa a «questão prévia» suscitada pelo relator, concluindo, neste particular, que 'deverá entender-se que é também a interpretação conjugada dos arts. 62º nº 1 a) do ETAF e dos arts. 92º nº 2 do CPT, ... , que foi contrariado no processo pela Recorrente, e cuja inconstitucionalidade ou ofensa à Constituição esta arguiu no processo'.
Aquela alegação foi rematada com as seguintes «conclusões»:-
'1ª - A recorrente sustenta que apenas poderá existir uma diminuição do direito de recorrer contenciosamente contra actos da autoridade, consagrado no art. 268º nº 4 da Constituição, no caso de ser restrição ou limite consagrado expressamente por lei, que veicule ou se justifique num valor constitucionalmente atendível e que não ultrapasse o necessário para salvaguardar a protecção destes valores (art. 212º nº 3, art. 268º nº 4 e arts.
17º e 18º da CRP).
2ª - Assim, as diminuições ou limitações do acesso à justiça administrativa e fiscal devem, antes de mais, ser claras e precisas:...devidamente formuladas pelo legislador por forma nítida e perceptível.
Somente deste modo se poderá dar algum seguimento a um princípio ‘pro actione’ implicado na garantia constitucional.
Afigurando-se, pelo contrário, desproporcionada a sanção da
‘rejeição’ com a consequência implicada da ‘preclusão’ dos direitos substantivos, aí, onde a exigência do pressuposto processual não tenha sido clara e manifesta.
3ª - O legislador poderia, porventura, ter dito, de uma forma clara e inequívoca, que a reacção contra as ‘liquidações emolumentares’ proferidas pelos Conservadores do Registo era única e exclusivamente a ‘impugnação/recurso judicial’ previsto no art. 62º nº 1 –a) do ETAF (e não, também, as vias de impugnação que consagrou nas leis específicas sobre ‘contas emolumentares’)
Mas não o disse assim.
Em lado nenhum.
Apenas estatuiu que aos Tribunais Tributários de 1ª instância cabe conhecer dos ‘recursos de actos de liquidação das receitas tributárias estaduais’.
Tudo o resto, a partir do texto desta disposição, são apenas
‘restrições’ não escritas..., que a jurisprudência invoca, agora, como que implícitas nesta norma ou no sistema.
4ª - Esta disposição, que é atributiva de competência jurisdicional, por si só, não impede que de tais actos (de liquidação de receitas) se possa recorrer na ordem hierárquica e que das decisões do Ministro da área administrativa respectiva caiba, depois, recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos arts. 32º nº 2 c) do ETAF, conjugado com os arts. 92º nº 2, 100 nº 2 e 123º do Código do Processo Tributário.
5º - Não é de modo nenhum clara a revogação total das normas específicas (arts. 69º do DL 519-F2/79 e 139º do DR 55/80) dos diplomas sobre orgânica e competência dos serviços notariais e sobre ‘liquidações de contas emolumentares’ – na parte em que estatuem meios graciosos de impugnação.
Pois que o ETAF trata, primordialmente, da orgânica e ‘competência’ do Tribunal, e não sobre outros pressupostos processuais, como a ‘imediata recorribilidade do acto’. Sobre este ponto valerão, especialmente, as leis de processo contencioso, administrativo e/ou tributário (ou seja, hoje, e por enquanto, a ‘LPTA’ ou o ‘CPT’).
Por outro lado, tais normas foram mesmo retomadas, posteriormente, no Código do Registo Comercial: arts. 110º nºs 1 e 2 e 99º a 103º, - que é lei posterior (de 3.12.1986) ao art. 62º nº1 a) e 121º nº 1 do ETAF (de 1984).
6ª - E em qualquer dos sistemas instituídos por estas duas (‘LPTA’ e
‘CPT’) leis de processo contencioso, o tipo ou categoria de actos como o do Ministro da Justiça, agora sub judice, seria uma categoria de acto plenamente recorrível: a) - Na primeira (na lei do contencioso administrativo), porquanto teria de se partir, então, da admissão do pressuposto de estar em causa um ‘acto administrativo respeitante a questão fiscal’ (art. 118 nº 3 do CPT): e, assim, o primeiro ‘acto administrativo’ proveio de órgão situado numa hierarquia e estava sujeito a recurso hierárquico prévio, dado não se tratar de competência
‘exclusiva’ ou ‘reservada’ ou ‘delegada’ a primeiramente exercida pelo Conservador (mas simplesmente ‘separada’), sendo a resposta do Ministro, então, o ‘acto plenamente recorrível’ (art.25º da LPTA). Até, pelo tipo de decisão em causa, de liquidação de uma conta de emolumentos, nenhum sentido faz a solução – totalmente artificial - de se entender que seria matéria da competência ‘reservada’ ou ‘exclusiva’ do Conservador, cuja confirmação por superior não pudesse ser recorrida!! b) - Na segunda –lei do contencioso tributário--, porquanto aí expressamente se consagra a opção do particular-contribuinte em, dentro dos respectivos prazos, ou impugnar logo judicialmente a liquidação ( art. 123º do CPT) ou desta reclamar e recorrer graciosamente, cabendo depois, das decisões negativas, o respectivo ‘recurso contencioso’ – salvo se houver sido deduzida já impugnação judicial sobre a questão de fundo (arts. 92º nº 2 e 100º nº 2 do CPT).
Não tendo sido deduzida nenhuma ‘impugnação judicial’, a via de tutela judicial da pretensão mantém-se intocada, dentro dos prazos dos respectivos recursos.
8ª - Eram estes os sistemas que existiam na altura (1995), qualquer deles viabilizando o tipo de recurso ‘sub judice’: só o não admite uma terceira regra, um ‘terceiro sistema’, construído agora, não pela lei directamente, mas pela jurisprudência, ao aplicar a lei (art.62º do ETAF), com pedaços desgarrados de um e de outro daqueles dois sistemas, quando conclui que da ‘conta emolumentar’ cabe logo a ‘impugnação tributária’ para tribunal, e somente esta impugnação, sem que a sua contestação imediata por via graciosa obste à
‘consolidação jurídica’ da decisão.
9ª - Por outro lado, não poderá ser considerado um ‘acto meramente confirmativo’ de outro anterior, quando nos dois actos os sujeitos não são os mesmos (Notário e Ministro da Justiça), e a fundamentação é muito diferente nos dois casos.
10ª - O entendimento ou regra segundo a qual o art. 62º nº 1 alínea a) do ETAF, sem mais, obriga a um recurso imediato da ‘liquidação emolumentar’ para o Tribunal Tributário de 1ª instância, como meio único e exclusivo de se atacar tal conta emolumentar, e sob pena da preclusão total da garantia de acesso à jurisdição administrativa e fiscal, e isto apesar daquilo que está disposto nos arts. 69º do DL 519- -F2/79, 139º do DR 55/80, e arts 101º nº1 e
110º nºs 1 e 2 do CRC (DL 403/86) e sobretudo nos arts. 118º e 92º nº2 e 100º nº
2 do Código de Processo Tributário – ofende a Constituição, nos seus arts. 18º e
268º nº 4.
Ou seja, essa interpretação da regra do art. 62º nº 1 a) – que daí extrai aliás o que não está lá expressamente dito e de forma inequívoca - não é conforme com a Constituição, nomeadamente com o verdadeiro princípio ‘pro actione’ postulado no art. 268º nº 4 e reforçado pela aplicação a esta garantia do regime consagrado no artº 18º da Lei Fundamental.
Tem vindo a ser, na verdade, intenção do legislador constituinte acabar com autênticos ‘alçapões’ por onde se escapam decisões da Administração sem possibilidades de um controlo jurisdicional, pretendendo-se antes oferecer uma efectiva tutela judicial para as relações jurídicas administrativas e fiscais.
O mesmo é dizer, assegurando plenamente o direito a uma decisão de fundo sobre a relação controvertida, que não encalhe liminarmente em
‘labirínticos formalismos’ – excepto os casos em que haja limites claramente estabelecidos pelo legislador e que de uma forma necessária e proporcionada veiculem uma salvaguarda a outros valores concretos constitucionalmente protegidos.
11ª - Do mesmo modo ofenderá o disposto nos arts.13º,18º e 268º nº 4 o CRP, a interpretação conjugada dos arts. 62º do ETAF e arts 92º nº 2, 100º nº
2, 118º nº 2 alínea a) e 123º nº 1 do CPT, segundo a qual já não é contenciosamente recorrível um acto que decidiu um recurso hierárquico interposto de ‘acto materialmente tributário’ (ou ‘de liquidação de receitas fiscais’) de que se não tenha deduzido ainda uma impugnação jurisdicional – quando tais actos, embora tributários, hajam sido praticados por administração não fiscal.
12ª - E, assim, violam ainda o princípio constitucional da igualdade
(e o princípio da justiça e da proporcionalidade) as normas do art. 62º do ETAF e dos arts. 92º e 100º do Código de Processo Tributário quando interpretadas no sentido de que o ‘sistema de alternatividade e livre opção’ preconizado nestas
últimas (100º nº 2 do CPT) se aplica apenas às relações jurídicas tributárias em que o particular – contribuinte seja destinatário de ‘acto de liquidação tributária’ emitido por órgãos da administração fiscal, e não também às relações jurídicas tributárias em que o particular-contribuinte é destinatário de um
‘acto de liquidação tributária’ mas emitido por outros órgãos do Estado.
Nada há que substantivamente o justifique (tal diferença).
13ª - De facto, por força da própria ‘natureza das coisas’, da realidade institucional subjacente aos actos (substantivamente) tributários, deverá entender-se hoje que a garantia constitucional do acesso à justiça tributária abrange as situações de ‘actos confirmativos’ (tempestivamente provocados, por via de impugnação graciosa do acto confirmado) de actos de
‘liquidação’ ainda não judicialmente impugnados.
14ª - O sistema da ‘alternatividade livre’, mais abrangente para o exercício da garantia de recurso, que é desenhado nos arts. 92º e 100º do CPT, deverá constitucionalmente e na medida do possível, aplicar-se a todos os actos autoritários de ‘liquidação de receitas’, a que, de resto (cfr arts. 71º, 95º do CPT), se aplica o Código: aos actos substantivamente tributários, de ‘liquidação de tributos’.
15ª - De acordo com o princípio constitucional da igualdade perante a lei, o particular contribuinte deve gozar da mesma amplitude na garantia do recurso contra os ‘actos de liquidação de receitas tributárias’, ou ‘actos substantivamente tributários’, amplitude esta que abrange quer a impugnação directa do acto de liquidação quer também o recurso contra actos ‘confirmativos’
(em resposta a meios graciosos tempestivamente interpostos) de actos primários ainda não jurisdicionalmente impugnados...
16ª - Uma eventual restrição da garantia do recurso contencioso deve provir de lei expressa (o que não é caso das ‘liquidações emolumentares’, pois o CPT estabelece expressamente e literalmente um só regime, sem distinções específicas; o mesmo acontecendo com o art. 62º do ETAF), e deve alem disso ser justificada em ‘razão institucional necessária’ para proteger outro valor constitucional autonomamente atendível...sob pena da violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça (arts. 18º nº 2 e 268º nº 4 da CRP). O que não sucede no caso da regra agora invocada e aplicada.
17ª - Por outro lado, as noções de ‘acto confirmativo’ e de ‘caso decidido’ são noções ‘constitucionalmente relevantes’. Ligadas à operacionalidade do conceito funcional de ‘acto lesivo’, tornam-se também, cada uma, em noção de recorte e alcance constitucional.
18ª - Assim, entender que o ‘acto confirmativo’ nunca é, por si, um ‘acto lesivo’ para efeitos da admissibilidade do recurso contencioso, é ofender o conteúdo da garantia constitucional de acesso à justiça tributária através do recurso contencioso.
19ª - Pelo contrário: o ‘acto confirmativo’ deve ser tomado como um verdadeiro
‘acto que lesa direitos e interesses legítimos dos particulares’ – para efeitos de preencher o pressuposto constitucional da garantia da recorribilidade contenciosa - em casos em que incida sobre um acto primário arguido de ilegal, mas ainda não impugnado em Tribunal antes só recorrido graciosamente no devido tempo...
20ª - E em casos em que a situação inicial quanto às vias de recorribilidade não fosse, ao tempo, totalmente clara e incontroversa, e por isso a conduta adoptada por parte do particular recorrente não revele qualquer negligência em contestar a situação, nem lhe fosse manifestamente e claramente exigível, à data, uma outra opção processual. Ora, deverá entender-se que em matéria de garantia de acesso à justiça administrativa, deverá imperar a chamada ‘doutrina do acto claro’ (utilizada, em vertente próxima, pelo Direito e Jurisprudência Comunitário...): o que levará a que o ónus da exibilidade de conduta específica processual se aplique a situações expressas e claras nas fontes normativas.
21ª - E, ainda, será ‘acto confirmativo mais lesivo’, em casos, em que a situação, a acrescer às anteriores, diga respeito a meros actos de ‘liquidação de receitas tributárias’, onde não se justifica substancialmente, pela natureza das coisas e do real equilíbrio e protecção de todos os interesses envolvidos, a restrição operada pelo efeito preclusivo implicado na noção.
22ª - Deste modo, é inconstitucional a norma do art. 62º n 1 alínea a) do ETAF quando interpretada no sentido de o recurso ou a impugnação judicial, consagrados nos arts. 120º e 123º do CPT, não abranger nunca os casos de recurso de actos confirmativos, nomeadamente actos confirmativos das ‘liquidações de receita emolumentar’ ainda não impugnadas em Tribunal mas recorridas (e logo) graciosamente... Na verdade, o ‘acto de liquidação de receita emolumentar’ não deve chegar a adquirir um estado jurídico de ‘consolidação’ e ‘força de caso resolvido’
...enquanto for logo atacado graciosamente (e em tempo) pelo contribuinte e enquanto estiver a ser analisado pela Administração que o praticou. Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exªs mais doutamente suprirão: a)- devem ser julgadas inconstitucionais as normas do art. 62º nº 1 alínea a) do ETAF e do art. 92º do CPT quando interpretadas conjugadamente no sentido de a possibilidade de recurso contencioso prevista contra actos confirmativos de actos primários de liquidação ainda não judicialmente impugnados, não abranger o caso em que os actos primários de liquidação de receita tributária provenham de
órgãos do Estado não inseridos na DGI;
b)- deve ser julgada inconstitucional a norma do art. 62º nº1 a) do ETAF quando interpretada no sentido de o recurso ou a impugnação judicial aí consagrados não abranger nunca os casos de recurso de ‘actos confirmativos’, nomeadamente actos de confirmação das ‘liquidações de receita emolumentar’ ainda não impugnadas em Tribunal mas recorridas (de imediato) graciosamente... ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!'
Cumpre decidir.
II
1. Independentemente da questão de saber se, tendo em atenção o despacho prolatado nos presentes autos em 6 de Janeiro de 2000 e acima parcialmente transcrito - despacho esse proferido com base no artº 3º, nº 3, do Código de Processo Civil -, e uma vez que o mesmo não veio a ser impugnado a se no prazo de 10 dias pela ora recorrente, o aí decidido constituiu caso julgado formal nestes autos, o que é certo é que - mesmo perfilhando perspectiva segundo a qual na presente fase processual ainda era possível apreciar se este Tribunal deveria curar do artº 92º do Código de Processo Tributário - as razões carreadas
àquele despacho não conseguem ser minimamente abaladas pelo que, pela recorrente, é agora dito na sua alegação que produziu.
Por isso, e talqualmente se entendeu no aludido despacho, o objecto do vertente recurso cingir-se-á à norma constante da alínea a) do nº 1 do artº
62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril.
2. Tal normativo dispõe que [c]ompete aos tribunais tributários de
1ª instância conhecer [d]os recursos dos actos de liquidação de quaisquer receitas tributárias, incluindo as parafiscais.
No acórdão ora impugnado foi expressa a ideia de que o artº 121º, nº
1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais revogou as disposições especiais sobre as matérias objecto desse Estatuto, com excepção das ressalvas dele constantes, com isso se significando que se operou a revogação dos preceitos incluídos no artº 69º do Decreto-Lei nº 519-F/79, de 29 de Dezembro, e nos artigos 139º e 140º do Regulamento dos Serviços de Registo e do Notariado aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 55/80, de 8 de Outubro, motivo pelo qual o normativo sub iudicio se haveria de entender como impondo que passaria 'logo a existir recurso imediato da liquidação dos emolumentos para os TT de 1ª instância no processo próprio, que é o da impugnação judicial prevista nos arts.
5º e 89º e ss do CPCI e, mais tarde, nos arts. 120º e ss do CPT', sendo que a
'norma do art. 62º/1/a) operava tanto a fixar a competência do tribunal como a indicar a forma do processo aplicável'.
É, pois, esta dimensão normativa que cumpre analisar, ou seja a interpretação da alínea a) do nº 1 do artº 62º do ETAF segundo a qual da liquidação dos emolumentos cabe única e exclusivamente recurso para o tribunal tributário de 1ª instância, assim ficando precludida a possibilidade de se sindicarem os actos administrativos proferidos pelos superiores hierárquicos que indeferiram os recursos graciosos interpostos daquele acto de liquidação.
3. Torna-se claro, atentos os poderes cognitivos deste Tribunal, que o mesmo não poderá sindicar do acerto ou não acerto da interpretação do ordenamento jurídico infra--constitucional levado a cabo no aresto impugnado e que é posto em causa pela recorrente e se encontra condensado nas «conclusões»
3ª a 9ª acima transcritas.
O que se deve apreciar, isso sim, é se a dimensão normativa acima indicada é contrária a qualquer norma ou princípio constitucional, questão a que a recorrente dá resposta positiva, porquanto, na sua perspectiva, tal dimensão é ofensiva da garantia dos administrados à tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente reconhecidos e dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.
3.1. Começando pela alegada ofensa a este último princípio, dir-se-á que ela se não surpreende.
Na verdade, muito embora o hoje vigente Código de Processo Tributário permita que, em relação às receitas dos impostos em geral, se lance mão da impugnação graciosa e que, não sendo esta procedente, se abra o acesso à via contenciosa reportadamente aos actos proferidos em sede de reclamação ou recurso hierárquico, o que se deve sublinhar é que da interpretação normativa questionada, de um lado e como é claro, não resulta a impossibilidade de abertura da via contenciosa e, de outro, límpido se apresenta também que não é vedada a utilização da via graciosa. A diferença reside, apenas, em que, tocantemente às liquidações dos emolumentos notariais, não é admitido o recurso contencioso do acto decisor proferido em via hierárquica.
Mas uma tal diferenciação não é, na óptica deste Tribunal, passível de um juízo de desconformidade constitucional por ofensa do princípio da igualdade, pois que se não vislumbra na consagração dessa diferenciação, qualquer arbitrariedade intolerável ou injustificada.
De facto, como se viu já, a dimensão normativa em apreço não impede a utilização da via contenciosa por intermédio da qual se almeja a revogação, por banda do superior hierárquico, do acto de liquidação dos emolumentos. E, de outro lado, referentemente a outras receitas tributárias, como nada impede que o acto da respectiva liquidação seja desde logo contenciosamente impugnado, o que
é certo é que, se o for, isso vai impedir que, posteriormente, o acto proferido pelo superior hierárquico e que desatendeu a reclamação ou o recurso gracioso possa vir a ser contenciosamente impugnado.
Dir-se-á, assim, que a impugnação contenciosa do acto «confirmativo» do acto de liquidação (sublinhando-se que a impugnação graciosa nem sequer tem efeitos suspensivos), até acaba, ao fim e ao resto, por protelar o acesso à tutela jurisdicional, que é, justamente, aquilo que está garantido pelo nº 4 do artigo 268º da Constituição e que, indubitavelmente, não é postergado pela dimensão normativa ora em crise.
A isto acresce, e decisivamente, que o ordenamento jurídico vigente prevê diversas formas em matérias de garantias de defesa que não são inteiramente semelhantes às regras gerias consagradas no Código de Processo Tributário (cfr., verbi gratia, o artº 112º, nº 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que se afasta da regra ínsita no nº 1 do artº
92º daquele primeiro corpo de leis), não se podendo, sem mais, ao se surpreenderem essas diferenças, falar em violação do princípio da igualdade. Essas diversas formas de regulamentação do modo de asseguramento dos direitos dos administrados tributados e que, de todo o modo, não beliscam os direitos impugnatórios dos actos de liquidação, relevam da liberdade de conformação do legislador.
E só se a diferenciação se postasse como injustificada, arbitrária ou carecida de fundamento bastante, é que seria censurável. Todavia, não é isso que se passa in casu.
Ora, do princípio da igualdade não pode decorrer que todas as
«receitas tributárias» hajam, só por assim serem legislativamente qualificadas, de ter um mesmo regime de tratamento, designadamente, para o que ora releva, no que tange à possibilidade de ser contenciosamente impugnado o «acto confirmativo» do acto da respectiva liquidação.
O legislador, tendo presente as diferentes realidades de umas e outras dessas «receitas», pode conferir-lhes tratamento diferenciado quanto ao ponto ora em questão. O que não poderá, isso sim, é adoptar uma solução que desemboque na afectação da garantia constitucional do acesso à tutela jurisdicional efectiva.
E, quanto a isso, viu-se já que o asseguramento a tal garantia não é
«tocado» ou diminuído.
3.2. As considerações supra efectuadas têm também aplicação quanto à invocada ofensa do acesso aos tribunais, na vertente da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados.
É certo que a impugnante questiona a «bondade» da interpretação normativa sub specie enquanto não admite a recorribilidade contenciosa da decisão «confirmativa» do acto de liquidação tomada em via graciosa.
Só que, da forma como esta questão é colocada, isso pressupõe que a garantia postulada pelo nº 4 do artigo 268º da Constituição aponta no sentido da imposição de recurso contencioso dos actos desfavoráveis tomados em via de recurso hierárquico.
Contudo, não é isso que se deve extrair daquela garantia.
O que a Lei Fundamental impede é que o legislador tome medidas que, ainda que somente perspectivadas na sua relevância prática, venham a obstar ou a consideravelmente dificultar a reacção do administrado, por meio de um recurso contencioso, à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, por forma a que o acto lesivo possa vir a ser jurisdicionalmente eliminado.
Se assim é, há que aceitar que, na modelação do regime de impugnação contenciosa, poderá o legislador, no exercício da sua liberdade de conformação, especificar quais os actos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados que possam ser objecto de abertura directa dessa impugnação. Ponto é, contudo, que, essa definição não seja efectuada de tal sorte que, na realidade das coisas, o acto que, de forma efectiva, cause a afectação de tais direitos ou interesses, se veja desprovido de recorribilidade jurisdicional.
Este modo de ver tem, aliás, tem tido eco na jurisprudência deste Tribunal, quando o mesmo tem defendido a não insolvência constitucional de normativos que determinam a irrecorribilidade de actos sujeitos a recurso hierárquico necessário ou de actos «confirmativos» (por todos, cfr. o Acórdão nº
603/95, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32º Volume, 41 e segs.) e quando afirma que 'não sendo o direito de acesso á justiça e aos tribunais um direito absoluto, não existe qualquer contradição entre a garantia constitucional de acesso à justiça e a delimitação pelo direito ordinário dos pressupostos ou requisitos de natureza processual para efectivação dessa garantia' (do Acórdão nº 416/99, publicado na 2ª Série do Diário da República de 13 de Março de 2000).
Assinale-se, de idêntico modo, que do nº 4 do artigo 268º do Diploma Básico não decorre que se imponha ao legislador que coloque à disposição do administrado variados modos para alcançar a eliminação do acto administrativo que reputa de lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, de entre esses modos se contando o de optar pela impugnação de um ou de outro acto, sendo um deles «confirmativo» do anterior, quando se afigure suficiente que uma só impugnação possa conduzir à mencionada eliminação.
Ora, a interpretação normativa em apreço, porque, de todo em todo, não obsta a que o administrado tenha ao seu dispor o recurso aos tribunais para obter a eliminação do acto de liquidação de emolumentos notariais considerados como lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não pode ser visualizada como conflituante com a garantia constante do nº 4 do artigo 268º da Constituição.
E, também por aqui, de concluir é que se não divisa qualquer restrição de um direito fundamental ou análogo que fosse vedada pelo artigo 18º da Lei Fundamental.
3.3. Refira-se, por último, que algumas das considerações carreadas aos antecedentes pontos conduzem a que se não possa considerar que a norma em causa [recte, a alínea a) do nº 1 do artº 62º do ETAF, no entendimento que dela foi feita pelo aresto ora sindicado] vem consagrar uma qualquer solução desproporcionada.
É que, talqualmente se não considerou desproporcionada a não recorribilidade dos actos sujeitos a recurso hierárquico necessário ou dos actos confirmativos, também aqui, a até porventura por acrescida razão (pois que a impugnação do acto lesivo está desde logo assegurada - ou tem de ser desde logo assegurada -), se haverá de concluir no mesmo sentido, ao que se adita que, concluído que foi que nos não situávamos perante qualquer restrição a um direito, liberdade ou garantia ou direito a eles análogo, nem sequer tem razão de ser a colocação do problema da desproporcionalidade.
No sentido que se defende no presente aresto já se pronunciou, aliás, este Tribunal por intermédio do seu Acórdão nº 211/2000, que aqui se seguiu de perto. III
Em face do que se deixa dito, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em
10 unidades de conta.
Lisboa, 5 de Julho de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta)
Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, pois concederia provimento ao recurso, por entender estar, ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 20°, n° 1 e
268°, n° 4, conjugados com o artigo 18°, todos da Constituição, na norma do artigo 62°, n° 1, a), do ETAF, com a dimensão normativa com que foi aplicada a decisão recorrida, 'ou seja a interpretação da alínea a) do na 1 do artº 62° do ETAF segundo a qual da liquidação dos emolumentos cabe única e exclusivamente recurso para o tribunal tributário de 1ª instância, assim ficando precludida a possibilidade de se sindicarem os actos administrativos proferidos pelos superiores hierárquicos que indeferiram os recursos graciosos interpostos daquele acto de liquidação'. Concordando com a delimitação do objecto do presente recurso de constitucionalidade, feita no acórdão, quando nele se diz que, 'atentos os poderes cognitivos do Tribunal (...) o mesmo não poderá sindicar do acerto ou não acerto da interpretação do ordenamento jurídico infra-constitucional levado a cabo no aresto impugnado' e o que se deve apreciar, 'isso sim, é se a dimensão normativa acima indicada é contrária a qualquer norma ou principio constitucional', discordo, todavia, frontalmente, da resposta que é dada quanto ao julgamento de não inconstitucionalidade da norma questionada, na óptica dos preceitos indicados da Constituição. E a minha discordância assenta na ideia de atropelo - uma vez mais neste Tribunal, o guardião do respeito que é devido à Constituição - do direito dos administrados à 'tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos', consagrado no n° 4 do artigo 268°, com o texto revisto em 1997, em conjugação com o artigo 20°, n° 1, que proclama o princípio geral da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais, não podendo aceitar-se, à luz do artigo 18°, qualquer restrição a tal direito.
2. O acórdão, partindo da ideia de que daquele n° 4 do artigo 268° 'não decorre que se imponha ao legislador que coloque à disposição do administrado variados modos para alcançar a eliminação do acto administrativo que reputa de lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, de entre esses modos se contando o de optar pela impugnação de um ou de outro acto', chega à conclusão de que 'a interpretação normativa em apreço, porque, de todo em todo, não obsta a que o administrado tenha ao seu dispor o recurso aos tribunais para obter a eliminação do acto de liquidação de emolumentos notariais considerados como lesivos dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, não pode ser visualizada como conflituante coma garantia constante do n° 4 do artigo 268º da Constituição', concluindo ainda que 'se não se não divisa qualquer restrição de um direito fundamental ou análogo que fosse vedada pelo artigo 18ºda Lei Fundamental'. Ora, é neste último aspecto - o de se aceitar tal restrição - que situo essencialmente a minha divergência, na linha das declarações de voto que juntei ao acórdão n° 603/95, publicado no Diário da República, II Série, n° 63, de 14 de Março de 1996, e também ao acórdão n° 124/00, inédito, que, no essencial, aqui dou por inteiramente reproduzidas. Com efeito, estando, in casu, em crise um acto do Ministro da Justiça, praticado em 26 de Julho de 1996 e por intermédio do qual foi indeferido o recurso hierárquico que, pela recorrente, fora interposto do despacho proferido em 30 de Novembro de 1995 pelo Director-Geral dos Registos e Notariado. despacho este que não dera atendimento a uma reclamação que efectuara da cobrança de Esc.
9.009.600$00 devida a título de emolumentos pela efectivação de escritura pública visando a alteração do seu pacto social e de que havia sido interposto pela mesma recurso contencioso de anulação junto da 2ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, concluir que não ficava, à luz da dimensão normativa questionada, afectada a 'garantia constitucional do acesso à tutela jurisdicional efectiva' ('o asseguramento a tal garantia não é 'tocado' ou diminuído' - é outra expressão do acórdão), é esquecer o significado e alcance do direito fundamental ao recurso contencioso, quando se está perante um acto administrativo que é a última palavra do Governo. por via do Ministro da Justiça, sobre a pretensão da recorrente. Esse acto, pondo termo a um recurso administrativo - recurso de que, na sua boa fé e confiança, se socorreu a recorrente, no âmbito de um regime legal
(Decreto-Lei n° 519-F2/79, de 29 de Dezembro e Decreto Regulamentar n° 55/80, de
8 de Outubro) que, pelo menos, expressamente não estaria revogado -, definiu uma relação jurídico administrativa e foi ditado por órgão de cúpula da hierarquia administrativa, satisfazendo, assim, a exigência da tripla definitividade
(material, horizontal e vertical). Dizer-se, como diz, o acórdão, que 'tocantemente às liquidações dos emolumentos notariais, não é admitido o recurso contencioso do acto decisório proferido em via hierárquica', o tal acto do Ministro da Justiça, obrigaria a concluir, contrariamente à posição do acórdão, por um juízo de desconformidade constitucional, por se estar a restringir o direito fundamental ao recurso contencioso, o que é vedado pelo artigo 18° da Constituição (e não se diga que é caso de 'acto confirmativo' o acto da respectiva liquidação, pois a decisão final de um recurso administrativo, aqui, um recurso hierárquico, mesmo que seja facultativo, nunca se pode caracterizar pura e simplesmente como tal). E é a esse juízo que adiro, na perspectiva de uma tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não havendo dificuldades em conciliar a hierarquia administrativa com o direito fundamental ao recurso contencioso de actos administrativos, sobretudo em situações em que tais actos são oriundos do Governo, agindo colegialmente ou por intermédio dos seus membros (ponto é que definam materialmente uma relação jurídico-administrativa, como é o presente caso, e ninguém aqui o questiona). E adiro porque a interpretação da alínea a) do n° 1 do artigo 62°, 'segundo a qual da liquidação de emolumentos cabe única e exclusivamente recurso para o tribunal tributário de 1ª instância, assim ficando precludida a possibilidade de se sindicarem os actos administrativos proferidos pelos superiores hierárquicos que indeferiram os recursos graciosos interpostos daquele acto de liquidação', no caso, o acto do Ministro da Justiça, restringe o direito fundamental ao recurso contencioso. A circunstância de, assim, eventualmente, se colocar 'à disposição do administrado variados modos para alcançar a eliminação do acto administrativo que reputa de lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos', não é relevante para afastar tal conclusão, podendo ter a ver só com o desenvolvimento dos respectivos processos. Guilherme da Fonseca