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Proc. nº 292/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. O Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Penela deduziu acusação contra A... e S..., imputando a cada um a prática, como autores materiais, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
J..., assistente nos autos, deduziu ainda acusação particular contra A..., imputando-lhe a prática de um crime de injúria, previsto e punível pelo artigo 181º do Código Penal. O assistente formulou também um pedido de indemnização civil no valor de oitenta e dois mil escudos.
Os arguidos requereram a abertura de instrução.
Por despacho de 1 de Novembro de 1997, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Penela pronunciou os arguidos A... e S... pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensas à integridade física simples na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, e pronunciando também o primeiro arguido pela prática de um crime de injúrias simples, previsto e punível pelo artigo 181º, nº 1, do mesmo Código.
A... contestou o pedido de indemnização civil contra si deduzido.
O Tribunal Judicial da Comarca de Penela, por sentença de 9 de Junho de 1998, condenou os arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de ofensas à integridade física simples, e ainda o arguido A... pela prática de um crime de injúrias, e no pagamento de uma indemnização no valor de quarenta e cinco mil escudos.
2. A.... e S... interpuseram recurso da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Coimbra. Nas conclusões das alegações de recurso, os arguidos afirmaram que a sentença se apresenta 'formalmente correcta, simplesmente viola normas inerentes a princípios jurídico-constitucionais, devido à valoração da prova feita', pedindo a absolvição 'com base no princípio in dubio pro reo'. O recurso foi admitido apenas quanto à matéria criminal, por decisão de 6 de Outubro de 1998
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27 de Janeiro de
1999, negou provimento ao recurso.
3. Os arguidos interpuseram recurso de constitucionalidade do acórdão de 27 de Janeiro de 1999 ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento, os recorrentes sustentam a violação de princípios constitucionais pelo acórdão recorrido, afirmando também que o mesmo 'aplicou normas que violam o referido princípio de direito constitucional'. Não identificam, porém, qualquer norma.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17 de Fevereiro de
1999, não admitiu o recurso de constitucionalidade, em virtude de não se verificar qualquer dos pressupostos dos recursos previstos nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
4. A... e S... reclamaram da decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional. No respectivo requerimento, os reclamantes sustentaram que invocaram perante o Tribunal da Relação de Coimbra o princípio in dubio pro reo, não se tendo o tribunal pronunciado sobre tal questão. Os reclamantes afirmaram ainda que o tribunal não analisou a prova à luz daquele princípio e que recusou implicitamente a sua aplicação.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. Sendo o recurso que os reclamantes pretendem ver admitido interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade normativa haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequada quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade ou na reclamação
(cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Ora, os reclamantes, nem mesmo no requerimento de fls. 1 e ss., delinearam, de modo claro, qualquer questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, apenas se limitaram a invocar o princípio constitucional in dubio pro reo, afirmando na reclamação que o tribunal recorrido teria recusado a sua aplicação. Nunca identificaram uma qualquer norma que, tendo sido aplicada nos autos, violasse, na sua perspectiva, tal princípio.
Tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado a sentença da primeira instância (não sendo portanto objectivamente imprevisível - facto que os reclamantes de resto não questionam) , era exigível a suscitação durante o processo, ou seja, antes da prolacção da decisão recorrida, da questão de constitucionalidade normativa (cujos elementos essenciais, repete-se, nunca foram identificados).
Não tendo sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o processo, o recurso de constitucionalidade não podia ter sido admitido.
Refira-se, aliás, que os reclamantes pretendem unicamente impugnar a valoração da prova efectuada pelo tribunal a quo. Porém, tal questão não consubstancia um objecto idóneo do recurso de constitucionalidade normativa interposto. Nessa medida, a presente reclamação será indeferida.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto nos autos.
Custas pelos reclamantes, fixando a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 24 de Junho de 1999- Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida