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Procº n.º 496/98
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO:
1. – O S... veio interpor recurso contencioso de anulação do despacho de 14 de Março de 1994, do Conselho de Administração do INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO (INFARMED) junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL).
O despacho em causa revoga a autorização anteriormente concedida ao recorrente para aquisição de medicamentos para consumo próprio, directamente aos fabricantes, importadores ou grossistas, com fundamento no seu uso abusivo e ilegal.
O TACL, por decisão de 21 de Junho de 1995, concedeu provimento ao recurso interposto, anulando o acto impugnado.
Desta decisão foi interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) pelo INFARMED, por entender que o despacho recorrido está devidamente fundamentado, além de ter feito uma correcta aplicação da lei e não estar afectado do vício de desvio de poder.
O STA, por acórdão de 21 de Março de 1996, decidiu conceder provimento ao recurso jurisdicional e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, ordenando a baixa dos autos para que fossem apreciados os vícios arguidos pelo recorrente.
2. – Remetidos os autos, de novo, ao TACL, foi aqui proferida nova decisão, em 15 de Outubro de 1996, em que se julgaram improcedentes os vícios apontados ao acto recorrido e se negou provimento ao recurso contencioso.
Não se conformando com o assim decidido, o S...
(adiante, Sindicato) interpôs recurso para o STA que, por decisão de 4 de Novembro de 1997, entendendo em síntese que 'o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações e nas apresentadas pelo recorrente nenhum reparo
é feito à sentença recorrida, tem o recurso de improceder (neste sentido Ac. do STA de 19.3.96, Rec. 39.891)', negou provimento ao recurso, confirmando o decidido no Tribunal Administrativo de Círculo. Antes, e fundamentando, tinha-se escrito nesse acórdão:
«Como é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, o objecto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o acto contenciosamente impugnado, cuja legalidade nela foi apreciada. Por isso, a alegação do recorrente deve servir, não para repetir e insistir na existência dos vícios anteriormente imputados a tal acto, mas para analisar, discutir e atacar os eventuais erros de apreciação ou julgamento contidos na pronúncia emitida a propósito desses vícios. E se as conclusões da alegação do recorrente, se referem exclusivamente ao acto contenciosamente impugnado e não contiverem qualquer censura à sentença objecto do recurso, ao modo como decidiu e seus fundamentos, limitando-se a reeditar as arguições que serviram de fundamento à impugnação contenciosa, o recurso terá de improceder (neste sentido, entre muitos outros, Acs de 7.3.96 no Rec n.º 37777, de 23.4.96 no Rec n.º 40.136, de 4.6.96 no Rec. N.º 39.293 e de 29.10.96 no Rec. N.º 38.961, de 11.7.95 no Recurso n.º 37 805 e de 26.9.95 no Rec. N.º 36.925. Analisadas as nove conclusões de alegações do recorrente, verifica-se que as oito primeiras são cópia fiel e integral das conclusões 4ª a 12ª das alegações apresentadas em primeira instância e quanto à 9ª e última, limitou-se o recorrente a dizer que 'ao não considerar' os vícios antes indicados, viola a decisão recorrida 'os normativos legais referidos interpretando e aplicando erradamente os princípios e regras atrás apontados'. Isto significa que nas conclusões das alegações o recorrente dá apenas relevância e procura atingir na sua crítica, os vícios que inicialmente havia imputado ao acto contenciosamente impugnado, repetindo o que havia dito em relação a eles, esquecendo e ignorando que o objecto do recurso não era esse acto e respectivos vícios mas a sentença recorrida'.
Notificado deste acórdão, o Sindicato requereu a apreciação de três nulidades do mesmo, uma por oposição ou contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil – CPC), e as duas restantes por violação da alínea d) do mesmo número e artigo. Quanto a estas últimas, referiu o então reclamante que, a existirem deficiências nas conclusões das suas alegações, deveria ter sido convidado a corrigi-las, 'conforme determina o n.º 4 do artº 690º do CPC'. 'Não tendo sido feito tal convite, que configura um autêntico dever do Tribunal, verifica-se a nulidade da alínea d) do n.º 1, do artº 668º do C.P.C.'. Por outro lado, e ainda tomando como referência, a dita alínea d), o reclamante sustentou que suscitara, no recurso, toda a matéria relativa à impugnação do acto administrativo, e que o Supremo não conhecera dela, tal como o artigo 110º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos permite - o que se traduzia, portanto, em nova omissão de pronúncia. Terminando o seu requerimento, e logo antes de formalizar o pedido, expressou-se o reclamante como segue: 'Postas assim as coisas, é iniludível que o Tribunal interpretou e aplicou as normas atrás citadas e nomeadamente o artº 690º do CPC em termos tais que violou o disposto nos artºs 20º e 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e decisões dos tribunais. Com efeito, em virtude dessas aplicação e interpretação, o Tribunal impediu o recorrente de ver apreciadas as questões de fundo que colocou à sua apreciação'.
O Supremo Tribunal Administrativo, apreciando cada uma das nulidades, não considerou procedentes as razões apontadas na reclamação e indeferiu o pedido por acórdão de 6 de Março de 1998, com fundamento nas seguintes considerações.
Quanto à primeira, escreveu-se no acórdão: 'Não é, pois, correcto afirmar-se, como o faz o recorrente que no acórdão se reconhece que na conclusão 9ª arguiu a sentença. Em vez disso, o que do acórdão resulta é que o recorrente não dirigiu qualquer tipo de censura ou crítica à sentença recorrida, como se não tivesse sido proferida e dela não constassem, como constam, as razões e fundamentos, com base nos quais se decidiu pela improcedência de tais vícios, razões e fundamentos esses que o recorrente de todo ignorou e não procurou atingir'.
Quanto à segunda arguição de nulidade, escreveu-se na mesma decisão: 'Ora, se por um lado, as conclusões das alegações do recorrente não padecem desse tipo de imperfeições, por outro, a simples e eventual omissão, por parte do relator, e só deste, de convidar o recorrente a corrigir alguma dessas imperfeições, não é questão que o recorrente haja posto ao Tribunal para conhecimento ou decisão.
Quando muito, como refere o Exmo Magistrado do Ministério Público no seu parecer de fls. 203, o que poderá haver é erro de julgamento, mas não a arguida nulidade por omissão de pronúncia.'
Quanto à terceira nulidade, o acórdão fundamenta assim o seu indeferimento: 'O objecto do recurso jurisdicional, como aliás se escreveu no acórdão em causa, e é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, é a sentença recorrida e não o acto contenciosamente impugnado.
Por outro lado, o que naquela alínea c) do artigo 110º da LPTA se prevê, não é que o recorrente pode suscitar nesse recurso, toda a matéria do acto administrativo, mas apenas que o Tribunal pode conhecer de toda essa matéria, embora o julgamento tenha sido em parte favorável a quem recorre, o que não é o caso dos autos.
Consequentemente, essa matéria de impugnação do acto administrativo, terá, pois, de ser e apenas, aquela de que se conheceu na sentença recorrida, matéria que, como atrás se referiu, o recorrente ignorou e não atacou.'
3 - Não se conformando com os 'acórdãos que lhe foram notificados', o Sindicato deles interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação 'da inconstitucionalidade das normas dos artºs 676º, n.º 1, 684º, n.º 2, 2ª parte, 688º e 690º do Código de Processo Civil, com a interpretação que lhes foi dada nas decisões recorridas.'
No Tribunal Constitucional, apresentaram alegações recorrente e recorrido. Nas alegações do primeiro foram formuladas as seguintes conclusões:
1. No recurso contencioso que seguiu seus termos na 1ª secção do S.T.A. com o n.º 42.163 não foram apreciadas as questões jurídicas de fundo, só porque se considerou que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, não tinha produzido qualquer censura à sentença de 1ª instância.
2. Ora, nas suas conclusões da alegação do recurso, para o S.T.A. - 1ª a 8ª conclusões – indicou as razões/os vícios porque o acto recorrido deveria ser eliminado da ordem jurídica, por contraposição aos argumentos da decisão recorrida que havia analisado cada um daqueles, concluindo que o acto não padecia de nenhum deles. E, na última conclusão referiu que a decisão recorrida, ao não considerar os vícios referidos nas antecedentes conclusões, violava os normativos legais referidos, interpretando e aplicando, erradamente, os princípios e regras apontados.
3. Ao exigir que se formule um outro tipo de censura à decisão recorrida estão os Acórdãos aqui em crise a interpretar e a aplicar os Artºs 676º n.º 1,
684º n.º 2 – 2ª parte 668º e 690º do C.P.C., em violação dos Artºs 20 e 205º n.º1 da Constituição da República Portuguesa.
4. Pois estas normas constitucionais não se compadecem com interpretações e aplicações da lei processual que impeçam o exercício daqueles direitos – acesso ao direito, tutela jurisdicional efectiva e decisões dos Tribunais.
5. Mas, mesmo considerando a ausência ou deficiência das conclusões, que não é o caso, sempre teria que haver lugar ao convite a que alude o Artº 690º n.º 4 do C.P.C.
6. A ausência daquele convite, interpretou o Artº 690º n.º 4 do C.P.C., com violação dos supre referidos normativos legais, pois coarctou ao recorrente o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.
7. A interpretação-aplicação realizada pelo Acórdão recorrido das normas dos artºs 676º, n.º 1, 684º, n.º 2 – 2ª parte, 668º e 690º do Cod. de Proc. Civil, que impediu a apreciação da questão submetida pelo recorrente à apreciação jurisdicional, por razões meramente formais, que podiam ter sido corrigidas em tempo útil, se ao recorrente fosse dada a oportunidade devida, padece de manifesta inconstitucionalidade'. O Conselho de Administração do INFARMED concluiu as suas alegações nos termos que passam a transcrever-se:
1. O douto Acórdão recorrido não aplicou o preceito constante do artigo
690º/1 do CPC relativo à apresentação de alegações com conclusões irregulares, como alega o recorrente, mas sim o preceito legal relativo a situação equiparável à falta de alegações.
Pelo que,
2. Falta o pressuposto processual específico constante do artigo 79º-C da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, aditado pela Lei orgânica n.º 85/89 de 7 de Setembro, não se podendo tomar conhecimento do presente recurso, nos termos do artigo 78º-A da Lei no 28/82 de 15 de Novembro, aditado pela Lei orgânica n.º
85/89 de 7 de Setembro.
Mas,
3. Admitindo, sem conceder, que esta excepção não procede, ainda assim as normas constantes dos artigos 676º/l, 684º/2-2ª parte, 668º e 690º do Código de Processo Civil, 'com a interpretação que lhes foi dada nos doutos Acórdãos recorridos' são totalmente conformes à Constituição da República Portuguesa e aos princípios nela consignados.
Porque,
4. A ora recorrente, em recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa a fls. 141 ss. datada de 15 de Outubro de
1996, imputou os vícios que entendeu pertinentes não à sentença, mas ao acto administrativo que determinou o encerramento do serviço farmacêutico do recorrente.
Logo,
5. O ora recorrente, pura e simplesmente, não apresentou alegações de recurso para o Venerando Supremo Tribunal Administrativo. Não faltaram só as conclusões, mas toda a peça processual, pelo que o Tribunal a quo interpretou com clareza e rigor o disposto no artigo 690º/3 do CPC.
Assim,
6. As alegações do recorrente não padecem do tipo de imperfeições que obrigam o relator a convidar a parte para suprir a irregularidade, na medida em que faltam em absoluto, isto é, impugnam acto do qual não foi admitido o recurso.
E
7. O direito à tutela jurisdicional efectiva, na sua ampla consagração constitucional, não desobriga a parte do respeito pelas regras essenciais do nosso sistema de recursos.
8. Não procede também a alegação de que a norma constante do artigo 668º do CPC, na interpretação que lhe foi dada nos doutos Acórdãos recorridos, viola a C.R.P. nos seus artigos 20º e 205º/1.
9. Não procede também a alegação do recorrente de que as normas constantes dos artigos 676º/1 e 684º/2, 2ª parte, na interpretação que lhes foi dada nos doutos Acórdãos recorridos, viola a C.R.P. nos seus artigos 20º e 205º/1.
10. Os Acórdãos recorridos realizam uma 'fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão '(in. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, p.799). Nestes termos não deve ser conhecido o presente recurso de constitucionalidade por falta do pressuposto processual específico exigível pelo artigo 78º-C da Lei n.º 28/82, aditado pela Lei n.º 28/89, ou subsidiariamente, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente com o consequente não julgamento das inconstitucionalidades imputadas aos doutos Acórdãos recorridos na interpretação que fazem dos preceitos do C.P.C. Só assim se decidindo será cumprido o DIREITO e Feita JUSTIÇA.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS:
4. - Conforme resulta das respectivas conclusões, o INFARMED suscita a questão prévia da admissibilidade do recurso, à qual veio responder o Sindicato recorrente negando os respectivos fundamentos.
É no plano da admissibilidade do recurso e eventualmente da delimitação do respectivo objecto que há agora que começar a apreciar e decidir, sendo certo que, desde logo, a delimitação do objecto, se envolver a exclusão de alguma ou algumas das normas apontadas, impede a apreciação do recurso nessa parte.
Nas contra-alegações, o INFARMED refere que o Acórdão recorrido não aplicou o artigo 690º n.º 1 do CPC, relativo à apresentação de alegações com conclusões irregulares, mas sim o preceito legal relativo a situação equiparável à falta de alegações, o que implicaria a falta de um pressuposto processual específico. Todavia cabe perguntar se, independentemente dessa questão, e logicamente antes dela, a norma constante do n.º 1 do artigo
690º referido pode constituir objecto do presente recurso, da mesma forma que algumas outras apontadas pelo recorrente.
Na verdade, há que ter em conta que a questão da constitucionalidade de algumas das normas cuja apreciação se pretende apenas é suscitada na arguição de nulidades (que se sucedeu à decisão de 4 de Novembro de
1997, a qual negou provimento ao recurso e confirmou o decidido no Tribunal Administrativo de Círculo); e que a de outras, nem isso. Daí que, desde logo, caiba perguntar se, não obstante, poderá conhecer-se do recurso.
Na jurisprudência deste Tribunal tem-se entendido, sem discrepâncias, que a questão de constitucionalidade 'deverá ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, na medida em que se está perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que pressupõe a existência de uma decisão anterior do tribunal a quo sobre a questão de constitucionalidade que é objecto do recurso' (Acórdão n.º 232/94, in Acórdãos do Tribunal Constitucional,
27º vol., pág. 1119 e segs, transcrito nesta parte, no Acórdão mais recente n.º
709/98, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Março de 1999). Precisamente por essa razão, ou seja, porque na fase do processo posterior à produção da decisão os poderes de cognição do juiz, se não estão esgotados, estão pelo menos restringidos aos vícios expressamente consignados na lei processual, entende-se que, em regra, a reclamação por nulidades não constitui momento idóneo para a suscitação da questão de constitucionalidade:
'esgotando-se o poder jurisdicional com a prolação da sentença ou acórdão e não constituindo a eventual aplicação de norma inconstitucional um erro material, nem sendo causa de nulidade da decisão judicial, nem a tornando obscura ou ambígua, tem de entender-se que a aclaração da decisão judicial ou a arguição da sua nulidade não são já, por via de regra, momentos idóneos e atempados para suscitar a questão de constitucionalidade' conforme se lê no Acórdão n.º 560/98, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Março de 1999, com citação de abundante jurisprudência no mesmo sentido.
A regra da inadmissibilidade da suscitação da questão de constitucionalidade após a prolação da decisão 'final' admite, porém, excepções, embora limitadas. Assim, o Tribunal Constitucional tem naturalmente admitido que, quando a questão tenha por objecto normas sobre questões susceptíveis de serem conhecidas depois de proferida a 'decisão final' (v.g., a sentença), e, nomeadamente, normas processuais sobre o regime de nulidades desta, o recorrente poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade no momento da arguição das nulidades – cfr. neste sentido o Acórdão n.º 366/96, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., pag. 537-538. Isto, todavia, em nada afasta, afinal, o princípio geral de que a questão tem de ser submetida ao juiz do tribunal recorrido antes da decisão que virá a constituir o objecto imediato do recurso para o Tribunal Constitucional, porque precisamente o objecto deste último recurso tem por medida as normas cuja constitucionalidade foi atempadamente arguida. Mais: nesse caso, a inconstitucionalidade terá mesmo de ser invocada aí, justamente antes da decisão sobre a nulidade.
Mas, para além disso, e por outro lado, o Tribunal tem entendido que pode, excepcionalmente, dispensar-se o requisito da invocação da inconstitucionalidade antes da decisão recorrida, quando o recorrente não tenha tido, de todo em todo, a possibilidade processual de fazê-lo; e, entre as situações desse tipo, tem o Tribunal incluído aquelas em que se esteja perante uma verdadeira 'decisão-surpresa'.
5. – Resulta imediatamente do que antecede que, para delimitar o objecto e âmbito do presente recurso, importa, desde logo, distinguir entre as normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades, e aquelas que aí não são referidas, mas apenas no requerimento de interposição do recurso.
De facto, o Sindicato recorrente, neste último requerimento, refere que 'pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artºs 676º, nº1, 684º, nº2, 2ª parte, 688º (deve querer referir-se o artigo 668º) e 690º, do Código de Processo Civil, na interpretação que lhes foi dada nas decisões recorridas'.
O recorrente, no mesmo requerimento, esclarece que 'a questão de inconstitucionalidade não foi suscitada nos autos nem o podia ter sido pois a interpretação daquelas normas, ora impugnada, foi vertida nos acórdãos sem que o recorrente contasse, constituindo um autêntica surpresa; assim, o momento processualmente próprio e adequado para suscitar a questão da inconstitucionalidade é este'.
Ora, verifica-se que no requerimento da arguição de nulidades perante o STA, o recorrente considerou que as nulidades se reportavam aos artigos 668º, nº1, alíneas c) e d) e artigo 690º, ambos do CPC. Lendo atentamente essa peça processual, em um esforço para superar a formulação do recorrente, verifica-se que às normas dos artigos 676º, n.º 1, e 684º, n.º 2, 2ª parte, do CPC, não é ali feita nenhuma referência, embora venham a ser incluídas, como se viu, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e nas alegações aqui apresentadas como devendo ser apreciadas.
Poderão, então, tais normas (as últimas referidas) integrar o objecto do recurso para este Tribunal? Pois bem: se o presente recurso viesse apenas interposto do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6.3.1998, que desatendeu a arguição de nulidades, e se, no tocante a essas normas, o recurso para este Tribunal coubesse verdadeiramente desse acórdão, a resposta negativa à pergunta formulada seria imediata: com efeito, nesse caso, podendo - e mesmo devendo - ter-se invocado a respectiva inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidades, logo se concluiria que, não tendo isso sido feito, quanto às mesmas normas não fora formulada atempadamente, antes da decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade. Elas estariam, portanto, inevitavelmente fora do objecto do recurso.
Simplesmente, acontece que o recurso para este Tribunal vem igualmente interposto do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de
4.XI.97, que julgou improcedente o recurso da sentença do TACL de Lisboa; e acontece, por outro lado, que bem poderá dizer-se que um recurso relativo à inconstitucionalidade das normas ora em causa - o art. 676º, nº 1, e o art.
684º, nº 2, 2ª parte, do CPC - não teria sentido, se interposto do acórdão proferido pelo STA sobre a arguição de nulidades.
É que - e pelo que respeita a este último ponto - o recorrente, ao arguir a inconstitucionalidade de tais normas, na interpretação delas feita no caso, o que pretende é impugnar (e dir-se-á, mesmo, que esse é, ao cabo, o ponto nuclear do seu recurso) a base normativa, em que assenta o STA, para julgar improcedente um recurso jurisdicional para ele interposto, com fundamento em que o recorrente se limitou a repetir a impugnação, que inicialmente fizera, do acto administrativo. O que se pretende - em suma - é que esta solução se reconduz a uma interpretação inconstitucional das normas sobre o direito ao recurso (art. 676º, nº 1) e sobre o âmbito possível deste (art. 684º, nº 2, 2ª parte).
Ora, é, pelo menos, muito duvidoso que o julgamento de improcedência de um recurso jurisdicional com tal fundamento possa consubstanciar uma 'nulidade' do correspondente acórdão - e que, portanto, não só tivesse sentido, mas, inclusivamente, devesse suscitar-se a questão da inconstitucionalidade da base normativa de tal solução em reclamação por nulidade de tal acórdão. De facto, não se vê (ou dificilmente se vê) como a questão em causa possa encaixar-se no elenco de nulidades da sentença, do artigo
690º CPC. Mas então, se assim é (se não parece ter sentido referir o recurso de inconstitucionalidade dessas normas ao Acórdão do STA de 6.3.1998), importa ainda reportá-lo ao Acórdão de 4.XI.97, e ver se, quanto a esta outra decisão, ele é viável.
Ora, a verdade é que, antes deste aresto (de 4.XI.97), nunca o recorrente invocara a inconstitucionalidade das normas neste momento em apreço - e, portanto, teríamos, logo aí, a falta de um pressuposto essencial para se poder conhecer do recurso. Simplesmente, o recorrente invoca em favor do conhecimento da questão de inconstitucionalidade justamente a 'surpresa' da decisão, nessa parte, conforme transcrição feita supra.
Não pode colher, todavia, este argumento.
Alega o recorrente que 'no recurso contencioso que seguiu seus termos na 1ª Secção do S.T.A. com o nº 42.163 não foram apreciadas as questões jurídicas de fundo, só porque se considerou que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, não tinha produzido qualquer censura à sentença da
1ª instância'. Mas cabe observar que se assim foi, se o STA não conheceu das questões de fundo, a razão consistiu no facto de ter aplicado uma orientação jurisprudencial pacífica e com tradição no contencioso administrativo de anulação, segundo a qual o objecto do recurso jurisdicional é a decisão recorrida e não o acto impugnado: 'por isso, a alegação do recorrente deve servir, não para repetir e insistir na existência dos vícios imputados a tal acto, mas para analisar, discutir e atacar os eventuais erros de apreciação ou julgamento contidos na pronúncia emitida a propósito desses vícios' (conforme se afirma no acórdão tirado sobre as nulidades na parte transcrita supra em 2.). Este entendimento jurisprudencial, que se poderá admitir ter assento normativo no nº 1 do artigo 676º do CPC, não foi, assim, objecto de aplicação surpreendente e por isso mesmo só poderia ser validamente questionado em recurso de constitucionalidade se o recorrente tivesse cumprido o ónus de antecipar a sua aplicação, movendo-lhe desde logo censura de inconstitucionalidade antes de ser proferida a decisão que a aplicou, o que não fez.
Assim, não pode conhecer-se do recurso de constitucionalidade na parte respeitante aos artigos 676º e 684º do CPC, por falta de um pressuposto de admissibilidade.
6. Vejamos agora quanto às outras normas, não só referidas no requerimento de recurso e nas alegações, mas invocadas na reclamação por nulidades do primeiro acórdão do STA, e cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, a saber, os artigos
668º e 690º CPC. Tais artigos contêm vários números e alíneas, mas só algumas cabe considerar, como se mostrará a seguir - simultaneamente delimitando o objecto possível do presente recurso. Com efeito, importa atender a que o Sindicato recorrente fundamentou a reclamação por nulidades, do acórdão do STA de 4.XI.97, nas alíneas c) e d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Pois bem: em sede de delimitação do objecto do recurso, pode, desde já, referir-se que não há que conhecer de qualquer questão de constitucionalidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º. É certo que, na sua reclamação por nulidades do acórdão, o recorrente sustentou a oposição entre os fundamentos e a decisão, por entender que nesta se tinha reconhecido que a sentença da primeira instância tinha sido objecto de arguição. Mas a decisão recorrida responde a essa crítica em termos que já foram reproduzidos, negando que se tivesse reconhecido no acórdão atacado que a sentença tinha sido questionada. Ora, desde logo, o Tribunal Constitucional não pode sindicar os critérios seguidos pelo tribunal recorrido na pura aplicação do direito ordinário: apenas lhe cabe conhecer de normas. Mas, para além disso, não se vislumbra em que medida uma norma como a que consta desta alínea c), do artigo
668º, tenha que ver com a questão de constitucionalidade suscitada.
No que se refere à alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, vem ela invocada em conjugação com duas outras normas: o artigo 110º, alínea c), da LPTA e o artigo 690º do CPC. No que se refere à primeira destas normas – artigo 110º, alínea c), da LPTA – a nulidade da omissão de pronúncia resultaria, no entendimento do recorrente, de o acórdão arguido de nulo não ter conhecido dos vícios do acto impugnado apesar de aquela norma consentir ao STA o conhecimento de todos os vícios que afectem os actos objecto de recurso contencioso. Ao que o STA obtemperou que tal norma não se aplicava à hipótese dos autos, em que o julgamento não tinha sido favorável à parte recorrente. Trata-se aqui, como é manifesto, de uma questão de mera aplicação do direito ordinário e, como já se referiu atrás, o Tribunal Constitucional não pode sindicar os critérios adoptados pelo tribunal recorrido em pura sede de aplicação do direito. De resto - e em definitivo - nas conclusões sua alegação para este Tribunal o recorrente abandona toda e qualquer referência ao artigo
110º LPTA.
Assim, também se não conhecerá desta questão da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC.
Resta apreciar a questão da alínea d) do nº 1 do artigo
668º em conjugação com o artigo 690º do CPC e que respeita à eventual omissão em convidar o recorrente, se o tribunal entendia que havia deficiências nas conclusões das alegações apresentadas, a corrigir tais deficiências, antes de decidir pela improcedência do recurso.
Foi sobre esta questão que o INFARMED suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, por entender que o acórdão recorrido não tinha aplicado o artigo 690º, nº1, do CPC, mas sim o preceito legal relativa a situação equiparável à falta de alegações.
Vejamos.
Sobre este ponto, cabe uma primeira observação: na parte final do requerimento de arguição das nulidades, o recorrente refere-se globalmente ao artigo 690º, sendo que essa disposição se desdobra em seis números, susceptíveis de autonomização pelo menos em outras tantas normas. Ora bem: uma leitura atenta vem mostrar que as referências ao artigo 690º feitas na arguição de nulidades apenas se reportam exclusivamente ao seu n.º 4,como demonstra o contexto que se reproduz: '(...)ainda que se verificassem as apontadas deficiências nas conclusões, tinha o Relator que convidar o recorrente a corrigi-las, conforme determina o n.º 4 do art.º 690º do CPC'. É pacífico - diz-se - que a falta ou deficiência das conclusões não conduz, sem mais, ao não conhecimento ou à improcedência do recurso. Mas tão só àquele convite. Não tendo sido feito tal convite, que configura um autêntico dever do Tribunal, para além de se estar a cometer uma nulidade poderá estar a afectar-se a igualdade de armas indispensável no processo civil ou administrativo.
Do que resulta que, do artigo 690º do Código de Processo Civil, apenas a norma do n.º 4, na medida em que impõe que o recorrente, no caso de as conclusões das alegações serem deficientes, seja convidado a corrigi-las ou completá-las, poderá ser apreciada no presente recurso. Desta forma fica também respondida e resolvida, no sentido da procedência embora por outros motivos, a questão prévia suscitada pelo INFARMED. Ou seja não há que conhecer do n.º 1 desse artigo, nem de todos os outros números do referido preceito, à excepção do mencionado nº 4.
O objecto possível do presente recurso, em consequência de tudo quanto ficou dito, fica assim delimitado pela interpretação feita na segunda das decisões recorridas (o Acórdão do STA que se pronunciou sobre a arguição de nulidades) do nº 4 do art. 690º do CPC, aplicado em conjugação com a alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do mesmo Código – e não com o artigo 688º, como, por mero lapso, referiu o Sindicato recorrente, no requerimento de interposição, lapso que já não repetiu nas alegações.
7 – Como resulta do acórdão do STA de 4 de Novembro de
1997, a decisão de negar provimento ao recurso jurisdicional assentou essencialmente no facto de se considerar que, de acordo com jurisprudência pacífica do STA, o objecto do recurso jurisdicional deverá ser a sentença recorrida e não o acto contenciosamente impugnado e cuja legalidade foi apreciada pela sentença.
Assim, segundo o STA, as alegações do recorrente 'devem servir, não para repetir e insistir na existência dos vícios anteriormente imputados a tal acto, mas para analisar, discutir e atacar os eventuais erros de apreciação ou julgamento contidos na pronúncia emitida a propósito desses vícios.'
Ora, sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, se elas se referem exclusivamente ao acto contenciosamente impugnado e não contiverem qualquer censura à sentença, aos seus fundamentos e ao modo como decidiu, o recurso terá de improceder.
Foi este entendimento, assim feito em tal acórdão, que o recorrente contestou, fazendo-o em dois tempos (como pode ver-se, por último, nas conclusões da alegação apresentada no presente recurso, atrás transcritas):
- num primeiro tempo, impugnando directamente essa orientação do STA, e sustentando que ele deveria ter conhecido, sem mais, do recurso jurisdicional para ele interposto:
- num segundo tempo, admitindo, em todo o caso, que, se o STA considerava que as conclusões apresentadas no caso não eram suficientes ou não respeitavam as exigências legais impostas quando o recurso versa sobre matéria de direito, então a decisão sobre o não conhecimento do objecto do recurso tinha de ser precedida de um convite do relator ao recorrente para completar, esclarecer ou sintetizar tais conclusões. Se este convite não for realizado e for decidida desde logo a improcedência do recurso, entende o recorrente que uma tal interpretação viola o direito de acesso aos tribunais constante do artigo 20º da Constituição bem como o artigo 205º, n.º1, também da Constituição da República Portuguesa. A primeira linha de argumentação do recorrente tem, ou teria, a ver com a interpretação dos artigos 676º, 684º, nº 2, e 668º, nº 1, alínea d), CPC, este
último em conexão com o artigo 110º LPTC: ora, já se concluiu que há que excluir tais normas (ou a interpretação delas) do objecto do recurso. É só, portanto, a segunda linha de argumentação do recorrente - tendo a ver ainda com mesmo art.
668º, nº 1, alínea d), mas agora em conexão com o art. 690º, nº4, CPC - que poderá analisar-se em sede de constitucionalidade.
Vejamos então
8. - O Tribunal já decidiu que era inconstitucional a interpretação dos artigos 412º, n.º1, e 420º, n.º1, do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de concisão das conclusões da motivação leva à rejeição do recurso interposto (Acórdão n.º 193/97, AcTC, 36º vol., p.395); e veio mesmo, em 'generalização' de outros acórdãos no mesmo sentido, a declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dessa 'interpretação', pelo Acórdão n.º 337/00 (ainda inédito). Por outro lado, no Acórdão n.º 303/99 (DR, II, 16.7.99) decidiu-se que a norma que determina que a falta de conclusões na motivação em processo contraordenacional leva à rejeição do recurso, sem haver convite ao recorrente para completar a falta, é inconstitucional (trata-se do artigo 63º, n.º1 conjugado com o artigo 59º, n.º1, ambos do Decreto - Lei n.º
433/82, de 27 de Outubro).
Em todos estes arestos se entendeu que estando-se no domínio do procedimento entendido como 'o complexo de actos juridicamente ordenado de tratamento e obtenção de informação que se estrutura e desenvolve sob a responsabilidade de poderes públicos e serve para a preparação da tomada de decisões' (Gomes Canotilho, Tópicos para um Curso de Mestrado Sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização', in «Boletim da Faculdade de Direito», Coimbra, Vol. LXVI, 1990, p.163), o ónus de alegar e formular conclusões integra-se nesse complexo de actos em que se traduz o recurso jurisdicional, aí se considerando as conclusões das alegações como traduzindo proposições sintéticas emanadas do que se alegou, sendo ilegítimo fazer decorrer da sua deficiência ou incompletude o não conhecimento do recurso, sem que ao recorrente fosse dada uma oportunidade para corrigir a ausência de conclusões ou a deficiência detectada.
Porém, no caso dos autos, a situação é muito diferente daquela que originou as decisões citadas deste Tribunal.
É diferente, desde logo, quanto à natureza do processo em que ocorre - pois que, em todos os arestos citados, se estava perante matéria do contencioso punitivo, em que assumem capital importância as 'garantias de defesa' do arguido, cuja consideração foi decisiva para se chegar à conclusão da inconstitucionalidade. Agora, não é esse o caso. Mas, por outro lado, independentemente do que acaba de evidenciar-se, e vistas as coisas no exclusivo plano da 'estrutura' ou 'desenho' da situação em presença, verifica-se que nesses mesmos arestos estava em causa a possibilidade de corrigir qualquer falta, deficiência, obscuridade, complexidade ou falta de especificação, detectadas nas conclusões das alegações, ou seja, algo que tem a ver com a formulação das conclusões da alegação. Ao passo que agora - no caso em apreço - o que está em causa é o conteúdo mesmo das conclusões da alegação, ou seja, o facto de elas visarem, não a sentença recorrida, mas o acto administrativo inicialmente impugnado por via contenciosa, facto de onde o STA extraiu a conclusão de que o recurso não tinha por referência aquele que, no entender desse Tribunal, seria o objecto admissível de um recurso jurisdicional
- já que são as conclusões finais que delimitam o objecto do recurso. Ora, pretende o recorrente, em todo o caso, e no fundo, que uma interpretação do artigo 690º, n.º 4, do CPC, que não abranja, na obrigação de convite aí referida, esta situação, é inconstitucional, pelo que da omissão desse convite resulta a violação de um dever do tribunal, implicando a ocorrência da nulidade processual prevista e sancionada pela alínea d) do n.º1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. Esta a questão de constitucionalidade agora em apreço. No entanto, a verdade é que há todo o lugar para distinguir entre os dois tipos de situações, postos em evidência, a saber: um, em que (para além de se tratar de processo punitivo) se está perante deficiências relativas apenas à
'formulação' das conclusões; e o outro, em que as 'deficiências' são imputadas ao próprio conteúdo daquelas, resultando naturalmente de considerações que lhes são logicamente anteriores e são relativas à definição do objecto do recurso. Ora, nesta segunda situação (que é a do caso presente) tendo ela a ver com a identificação da questão posta ao tribunal - identificação essa que se não afigura deficiente, ambígua, obscura, complexa ou contraditória, e, a esse nível, não põe ao mesmo tribunal qualquer dificuldade de entendimento - não se vê que a Constituição possa impor àquele qualquer dever de convidar o interessado a corrigir ou completar a peça processual em causa (ou as suas conclusões). O tribunal há-de, naturalmente, poder extrair dessa peça as ilações que, em seu critério, ela impõe: isto é, há-de logo poder, a partir dela, emitir o seu julgamento. E se, o tribunal conclui, porventura, em termos ou num sentido que o interessado julga juridicamente incorrecto, o que então ocorrerá (do ponto de vista deste último) é um 'erro de julgamento': do facto, porém, de este haver eventualmente decorrido do modo como o mesmo interessado enunciou ou pôs certa questão numa peça processual, não pode ele (o interessado) pretender que, antes da decisão, haveria de ter sido convidado a corrigir tal peça.
Assim, em qualquer caso, e por último, não colhe a arguição de inconstitucionalidade das normas do artigo 668º, nº 1, alínea d), com referência ao artigo 690º, nº 4, do Código de Processo Civil, no entendimento que lhe foi dado no caso, pelo acórdão do STA de 6 de Março de
1998, sub judicio. Na verdade, não se vê como tais normas, nesse entendimento, violem, seja o artigo 20º (direito de acesso aos tribunais), seja, muito menos, o artigo 205º, nº 1 (fundamentação das decisões judiciais), da Constituição. Ao cabo e ao resto, o que resulta do que vem de dizer-se é que, a ocorrer uma questão de inconstitucionalidade normativa no caso em apreço, ela sempre se situaria a montante desse segundo acórdão do STA, havendo que pô-la com referência ao acórdão de 4 de Novembro de 1997, e aos artigos 676º e 684º, nº 2,
2ª parte, do Código de Processo Civil: só que, tendo tal questão chegado a ser posta pelo recorrente, a verdade é que - como se viu - não o foi em termos de este Tribunal poder conhecer dela.
III – DECISÃO Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Não tomar conhecimento do recurso, quanto às normas dos artigos 676º, n.º 1, 684º, n.º 2, 2ª parte, 668º, n.º 1, alínea c), 668º, nº 1, alínea d), este, com referência ao artigo 110º, alínea c), da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, e ainda do artigo 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil; b. Negar provimento ao recurso, no tocante à norma do artigo 668º, nº 1, alínea d), com referência ao artigo 690º, nº 4, também do Código de Processo Civil, no entendimento que dessas normas foi acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Março de 1998, ora recorrido, acórdão que, assim, e nessa parte, se confirma. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC’s. Lisboa, 13 de Julho de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa