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Processo n.º 49/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e são recorridos a sociedade C., Ld.ª e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 15 de dezembro de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 120/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso interposto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
1. Os recorrentes requerem a apreciação da “norma extraída do artigo 721.º, n.º 1 do C.P.C., conjugada com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3, todos do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não admitirem o recurso de revista para o S.T.J. do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” no incidente de habilitação da cessionária na ação executiva, mas permitindo já o mesmo recurso do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” executiva principal e por só esta pôr fim ao processo para efeitos da cessionária ocupar o lugar do exequente e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”.
Sucede, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa do artigo 721.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugado com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código. Dispondo aquele artigo que cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa, o tribunal recorrido concluiu, aplicando esta norma, que a espécie apropriada do recurso interposto não era de revista, uma vez que o “recurso relativo ao incidente de habilitação de cessionária não respeita ao mérito da causa executiva”.
2. Os recorrentes requerem também a apreciação das “normas extraídas dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o S.T.J. do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva, apenas permitindo o mesmo recurso do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” executivo principal e por só este pôr fim ao processo “para efeito da cessionária ocupar, no processo executivo, o lugar da exequente...” (como se escreve no Acórdão recorrido) e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”.
Sucede, porém, que o Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a), e 754.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugados com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código. Para decidir, no caso em apreço, que da decisão de 2.ª instância não cabia agravo, o tribunal recorrido aplicou a norma da parte final do n.º 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, que remete para o artigo 734.º, n.º 1, alínea a), concluindo que a decisão em recurso não punha termo ao processo, mas apenas ao incidente de habilitação».
3. Notificados da decisão sumária, vêm agora os recorrentes, «ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º e 666.º, n.º 2, do CPC, solicitar Esclarecimentos e Reforma da mesma e cautelarmente reclamar para a conferência», o que fizeram nos seguintes termos:
«1 – A Decisão sumária em apreço, com todo o respeito que é muito, muitíssimo, carece de fundamentação bastante para a podermos compreender em toda a sua extensão.
É que, sendo invocada a ratio decidendi do Tribunal recorrido, a decisão sumária não explicita qual a ratio decidendi a que efetivamente esse se reporta ou tomou.
Na verdade, lê-se na Decisão sumária da Exmª Conselheira Relatora, o que ela própria transcreve da fundamentação do Acórdão do Tribunal recorrido:
“Não pode conhecer-se do objeto do recurso interposto para este Supremo Tribunal.
Com efeito, a espécie apropriada do recurso interposto não é de revista, mas antes de agravo, pois o recurso relativo ao incidente de habilitação de cessionária não respeita ao mérito da causa executiva e só cabe recurso de revista do Acórdão da Relação que decida mérito da causa – art. 721, nº1, do C.P.C.
Das decisões relativas aos incidentes da instância, como é caso, cabe recurso de agravo – art. 739 do C.P.C.
Com efeito, a habilitação de cessionário, nos termos art. 376 do C.P.C., constitui, na sistemática do Capítulo III do Código do Processo Civil, um incidente da instância, como tal sendo tratado e designado, embora processado por apenso.
Como agravo não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 754, nº, 2, 1ª parte, do C.P.C., na redação do dec-lei 375-A/99, de 20 de setembro.
Não há lugar à aplicação da previsão da 2ª parte, do nº 2, do mesmo art. 754, desde logo porque no requerimento da interposição do recurso não foi indicado esse fundamento, como seria necessário indicar, sob pena indeferimento – art. 687, nº1, do C.P.C.
Também não concorre qualquer dos casos previstos no nº3, do citado art. 754.
Por um lado, não se verifica a situação do art. 678, n.º3, do C.P.C., já que o incidente do valor ficou definitivamente decidido pelo Acórdão da Relação, ao fixar, com trânsito em julgado, em 615.986,74 euros o valor do incidente da habilitação da cessionária.
A previsão do art. 678, nº3, só teria cabimento se a Relação tivesse fixado ao incidente da habilitação valor compreendido na alçada do mesmo Tribunal da Relação e os recorrentes pretendessem discutir, em novo recurso para o S.T.J., que o valor excedia a alçada do referido Tribunal.
Por outro lado, também não é aplicável a situação do art. 754, nº3, com referência ao art. 734, nº1, al. a), do C.P.C., pois a decisão em recurso “não põe termo ao processo”, mas ao incidente de habilitação, para efeito da cessionária ocupar, no processo executivo, o lugar da exequente, já que o processo principal, que é o de execução, prossegue seus termos.
Acresce que não se verifica qualquer inconstitucionalidade na interpretação das invocadas normas dos arts 721, nº1, 734, nº1, al. a), 754, nºs 1, 2 e 3, do C.P.C., por pretensa violação das garantias constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consignadas nos arts. 18 e 20 da Constituição da República Portuguesa.
Os recorrentes tiveram efetivo acesso ao direito e aos tribunais, pois já viram a sua pretensão apreciada em 1ª instância e reapreciada pela Relação, em um grau de recurso.
O duplo grau de recurso, em matéria cível, não se encontra consagrado como garantia constitucional.”
Foram estas as normas aplicadas, estando a elas subjacente a ratio decidendi que delas próprias decorre, cuja interpretação (a “dimensão interpretativa” efetivamente aplicada pelo Tribunal recorrido) entendemos e reputamos de inconstitucional, como consta e se pode observar do alegado no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal Constitucional e se reproduz:
(…)
Deste modo, não se alcança o motivo por que este Tribunal Constitucional entende não ter sido aplicada pelo Tribunal recorrido (o Supremo Tribunal de Justiça), “como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa” das normas que foram aplicadas pelo mesmo Tribunal.
E sendo assim ininteligível a Decisão ora em crise, encontrando-se pois eivada de obscuridade e ambiguidade, requer-se a V. Ex se digne esclarecer, nos termos do artigo 669, nº 1, alínea a) do C.P.C. (ex vi do artigo 69º da L.T.C.), que “dimensão interpretativa” das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada o Tribunal recorrido aplicou como razão de decidir, pois que a “dimensão interpretativa” das mesmas, no entender dos recorrentes, é diferente e é aquela que decorre do requerimento de interposição de recurso e como tal devem essas normas ser aplicadas; ou dito de outra maneira, a sua aplicação comporta, pelo menos, duas “dimensões interpretativas”: uma com o sentido em que o Tribunal recorrido as aplicou e que se reputa de inconstitucional; e outra que os recorrentes entendem compaginar-se com os princípios constitucionais, nomeadamente da igualdade processual entre as partes e do direito a um processo justo e equitativo.
Da leitura e compreensão da Decisão sumária fica, pois, sem se saber a “dimensão interpretativa” com que o Supremo Tribunal aplicou as normas em causa, como razão de decidir.
2 – Por outro lado, pretendem os recorrentes a reforma da Decisão quanto às custas fixadas, ao abrigo do disposto no artigo 669º, nº 1, alínea b) do C.P.C. (ex vi, igualmente, do artigo 69º da L.TC.).
Com efeito, entendeu a Conselheira Relatora condenar os recorrentes em custas, “fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) unidades de conta”.
Tal montante, incompreensivelmente, mostra-se exageradíssimo e desproporcionado.
Na verdade, dispõe o artigo 6º do referido Decreto-Lei nº 303/98 que:
“(…)
2 – Nas decisões sumárias a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n. 28/82, de 15 de novembro, a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 10 UC.
3 – Nos casos em que o tribunal não tome conhecimento do recurso, por falta de pressupostos da sua admissibilidade, a taxa de justiça é fixada entre 2 UC e 20 UC.”
E estatui, bem assim, o artigo 9º, nº 1 do mesmo diploma que “A taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em causa e a atividade contumaz do vencido.”
Ora, na visão dos recorrentes, a Decisão de que se reclama enferma de aleatoriedade na condenação em custas, viola as referidas normas legais e não explicita a razão de ser do valor fixado.
Tanto mais que, a Decisão proferida se limita a enunciar, genericamente, sem descer à profundidade do caso concreto e sem fundamento bastante, logo concluindo, sem mais, que o Tribunal recorrido “não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa” das normas cuja constitucionalidade foi suscitada.
Com o devido respeito, a Decisão tomada é eminentemente simples, simplista demais até, dela não se atinge qualquer complexidade; simplicidade que até decorre da letra do seu texto, todo ele praticamente composto de transcrições.
Por outro lado, a “relevância dos interesses em causa e a atividade contumaz do vencido” parecem afastados da ponderação aqui em causa, logo porque se está na presença de um processo que é um incidente processual, de diminuto interesse, do qual não decorre qualquer “atividade contumaz” dos recorrentes, a não ser que se pretenda afastar o direito que lhe assiste do recurso aos tribunais.
O que estará por detrás de tal condenação, além de injusto e não corresponder à realidade, deve ser afastado.
Pelo que, com o devido respeito, considerando a ausência de complexidade e de bastante fundamentação da Decisão sumária da Exmª Conselheira Relatora, e ainda ao que demais se explanou, o prudente arbítrio impõe que se pondere que a taxa de justiça seja fixada no mínimo legal (2 UC), por manifestamente adequado e proporcional.
(…)
Termos em que requer:
1- O esclarecimento da douta Decisão sumária proferida, de forma a aclarar as obscuridades e ambiguidades acima suscitadas;
2- Que a Decisão sumária proferida seja reformada quanto a custas, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (2 UC).
Caso assim não se entenda, e por mera cautela, desde já, por não se conformarem com a referida Decisão sumária, vêm os recorrentes RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, nos termos e com os seguintes
FUNDAMENTOS:
(…)
Como se disse, o Tribunal decidiu não conhecer do objeto do recurso por entender na decisão sumária que “não se pode dar verificado nos presentes autos” a “aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente”.
Com isto não se conformam os recorrentes, nos termos que se passam a expor.
Na verdade, como já se referiu, este Tribunal Constitucional limita-se a declarar que o recurso interposto não cumpre com o ajuizado requisito, sem nada mais dizer ou fundamentar.
Pelo que, desde logo, a Decisão singular ora em crise enferma do vício de nulidade, por falta de fundamentação (artigo 668º, nº 1, alínea b) do C.P.C.), que aqui expressamente se invoca.
E acontece que, as normas cuja inconstitucionalidade se suscitou foram efetivamente aplicadas como ratio decidendi ou fundamento jurídico da decisão recorrida e não sequer como mero adjuvante dessa decisão.
Ou seja, as normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver sindicada, em conjugação com os artigos 3º, nº 3 e 3º-A do C.P.C., foram aquelas que o Supremo Tribunal de Justiça aplicou, decisivamente, para efeitos de indeferir o recurso de revista interposto pelos recorrentes A. para aquele Tribunal.
Senão vejamos:
1 – Da inconstitucionalidade da norma extraída do artigo 721.º, n.º 1, conjugada com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n. 3, todos do C.P.C.
Como se pode sustentar que nenhuma “dimensão interpretativa” do artigo 721º, nº 1 (em conjugação com os artigos 3º, nº 3 e 3º-A) do C.P.C. foi aplicada como ratio decidendi da decisão recorrida e logo de seguida entender-se que “o tribunal recorrido concluiu, aplicando esta norma, que a espécie apropriada do recurso interposto não era de revista, uma vez que o “recurso relativo ao incidente de habilitação de cessionária não respeita ao mérito da causa executiva””?
Pois se foi a referida norma (o artigo 721º, nº 1) aplicada para afastar o direito de recurso dos aqui reclamantes, por se entender que não é admissível o recurso de revista, como pode ela deixar de ser havida como a ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal de Justiça?
A não ser, que se tenha entendido e tomado por lapso a redação do aludido artigo 721º, nº 1, na sua redação atual e não na redação que o Supremo Tribunal de Justiça a interpretou e aplicou, ou seja, a redação do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
O que os recorrentes questionam é, justamente, que o Acórdão da Relação proferido no incidente de habilitação conhece do “mérito da causa”, nos precisos termos e entendido o “mérito da causa”, como foi fundamentado no requerimento dos recorrentes e que, deste modo, a interpretação do S.T.J. da norma que aplicou se repercute nos seus direitos constitucionalmente consagrados.
2 – Da inconstitucionalidade das normas extraídas dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do C.P.C.
Mas os recorrentes não se limitaram a suscitar a inconstitucionalidade de uma das normas aplicadas como ratio decidendi da decisão recorrida do Supremo Tribunal de Justiça.
Invocam igualmente a inconstitucionalidade da interpretação que foi dada à norma extraída dos artigos 734º, nº 1, alínea a) e 754º, nºs 1 e 3 do C.P.C., conjugados com a dos artigos 3º-A e 3º, nº3 do C.P.C.
Ora, de novo se pergunta: como se pode sustentar que nenhuma “dimensão interpretativa” das referidas (em conjugação com os artigos 3º, nº 3 e 3º-A) do C.P.C. foi aplicada com ratio decidendi da decisão recorrida e logo de seguida entender-se que “o tribunal recorrido aplicou a norma da parte final do n.º 3 do artigo 754º do Código de Processo Civil, que remete para o artigo 734º, n.º 1, alínea a), concluindo que a decisão em recurso não punha termo ao processo, mas apenas ao incidente de habilitação”?
Pois se foram as referidas normas (os artigos 754º. nº 3 e 734º, nº 1, alínea a)) aplicadas para afastar o direito de recurso dos aqui reclamantes, por se entender também que não é admissível o recurso de agravo, como podem elas deixar de ser havidas como a ratio decidendi da decisão do Supremo Tribunal de Justiça?
O que os recorrentes questionam é, justamente, que o Acórdão da Relação proferido no incidente de habilitação “põe termo ao processo” executivo principal (e põe efetivamente, relativamente aos recorrentes, caso a sua Oposição seja julgada procedente no recurso interposto para o S.T.J.) e que, deste modo, a interpretação do S.T.J., no sentido em que aplicou as aludidas normas, se repercute nos seus direitos constitucionalmente consagrados.
Verifica-se, desde modo, que as normas em causa, no sentido em que foram interpretadas pelo S.T.J. e cuja inconstitucionalidade foi suscitada, foram efetivamente aplicadas como ratio decidendi da decisão recorrida.
3 – Ausência de despacho de convite aos recorrentes (artigo 75º-A, nºs 5 e 6, ex vi do artigo 78º-A, nº 2, todos da L.T.C.)
Acresce que, pese embora antevendo não conhecer do objeto do presente recurso, a Exm.ª Conselheira Relatora não proferiu qualquer despacho convite para o efeito de os recorrentes prestarem os esclarecimentos necessários, e isto ao arrepio das normas processuais aplicáveis e bem assim até do que decorre dos princípios antiformalistas “pro actione” e “in dubio profavoritate instanciae”.
Efetivamente, determina o nº 5 do artigo 75º-A da L.T.C. (aplicável ao Exame preliminar do Conselheiro Relator, por força do nº 2 do artigo 78º-A do mesmo diploma) que, “Se o requerimento de interposição de recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias”.
E acrescenta o nº 6 do artigo 75º-A que “O disposto nos números anteriores é aplicável pelo relator no Tribunal Constitucional, quando o juiz ou o relator que admitiu o recurso de constitucionalidade não tiver feito o convite referido no nº 5”.
Até por aqui se revela precipitada a Decisão sumária proferida, que deve se revogada e substituída por uma outra proferida em Conferência que admita o presente recurso de inconstitucionalidade e dele conheça.
4 – Dá-se aqui por reproduzido tudo o que acima foi referido quanto ao montante fixado na Decisão sumária reclamada, do que igualmente para a conferência se reclama, cautelarmente».
4. Notificados da reclamação, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, das normas constantes do respetivo requerimento de interposição.
1. Os reclamantes começam por solicitar esclarecimentos relativamente à decisão sumária, invocando o disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, do qual resulta, conjugadamente com o artigo 69.º da LTC, que os recorrentes podem pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão sumária contenha.
Os recorrentes alegam que da leitura da decisão não decorre qual a “dimensão interpretativa” com que o Supremo Tribunal aplicou as normas em causa, como razão de decidir, o que a torna ininteligível. Sem razão, uma vez que se afirma de forma clara que o tribunal recorrido não aplicou qualquer dimensão interpretativa dos preceitos legais convocados pelos recorrentes.
2. Ao abrigo do disposto no artigo 666.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os reclamantes requerem a reforma da decisão reclamada quanto a custas, o que decorre expressamente das disposições conjugadas dos artigos 669.º, n.º 1, alínea b), daquele Código e do artigo 69.º da LTC. Sem razão.
A taxa de justiça de 7 unidades de conta foi fixada de acordo com o Regime de Custas no Tribunal Constitucional, previsto no Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, e de acordo com o critério que este Tribunal vem seguindo de forma reiterada e uniforme em situações idênticas às dos presentes autos. A taxa foi fixada dentro dos limites estabelecidos no artigo 6.º, n.º 2 (entre 2 UC e 10 UC), com respeito pelos critérios constantes do artigo 9.º, n.º 1, segundo o qual a taxa de justiça é fixada tendo em atenção a complexidade e a natureza do processo e a relevância dos interesses em causa.
3. Os reclamantes vêm também arguir a nulidade da decisão sumária por falta de fundamentação, invocando o disposto nos artigos 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, nos termos do qual é nula a decisão quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que a justificam. Sem razão.
A decisão reclamada especifica o fundamento de direito que a justifica – o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC –, bem como o motivo pelo qual considerou que as normas cuja constitucionalidade os recorrentes pretendiam ver apreciada não foram aplicadas pelo Tribunal recorrido como ratio decidendi – o Supremo Tribunal de Justiça aplicou, num caso, a norma do artigo 721.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e, noutro, a norma da parte final do n.º 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil.
4. Os reclamantes argumentam que deveriam ter sido convidados para o efeito previsto no artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC. Sem razão, uma vez que os fundamentos da decisão sumária têm a ver com um dos requisitos do recurso interposto e não com um qualquer requisito do requerimento de interposição de recurso, com a diferença de o primeiro, diferentemente do segundo, já não ser sanável. O convite previsto no n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC “só é possível se a omissão for sanável, ou seja, se consistir numa falta do próprio requerimento, não tendo cabimento para o suprimento de falta de pressupostos de admissibilidade do recurso que seja insanável” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
5. Os recorrentes requereram a apreciação do artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugado com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código, interpretados no sentido “de não admitirem o recurso de revista para o S.T.J. do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” no incidente de habilitação da cessionária na ação executiva, mas permitindo já o mesmo recurso do Acórdão da Relação que conheça do “mérito da causa” executiva principal e por só esta pôr fim ao processo para efeitos da cessionária ocupar o lugar do exequente e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”. E na decisão reclamada conclui-se que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daquele artigo do Código de Processo Civil, uma vez que se limitou a aplicar a norma deste preceito, segundo a qual cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa.
Este Tribunal tem entendido, reiteradamente, que um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a “aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). No caso, os recorrentes requereram a apreciação do artigo 712.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redação anterior a 2007, conjugado com os artigos 3.º, n.º 3, e 3.º-A do mesmo Código, segundo certa interpretação, quando o tribunal recorrido havia aplicado o artigo 712.º, n.º 1. A norma deste preceito legal e não qualquer dimensão interpretativa do mesmo.
6. Os recorrentes requereram a apreciação das “normas extraídas dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a) e 754.º, n.os 1 e 3 do C.P.C., conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do C.P.C., quando interpretadas no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o S.T.J. do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva, apenas permitindo o mesmo recurso do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” executivo principal e por só este pôr fim ao processo “para efeito da cessionária ocupar, no processo executivo, o lugar da exequente...” (como se escreve no Acórdão recorrido) e não também para a hipótese de procedência do mérito da OPOSIÇÃO a essa habilitação, pondo consequentemente fim à causa executiva principal, relativamente a eles oponentes e por não poderem ser executados pela cessionária”. E na decisão reclamada conclui-se que o tribunal recorrido não aplicou, como razão de decidir, qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos do Código de Processo Civil, uma vez que se limitou a aplicar a norma da parte final do n.º 3 do artigo 754.º, que, por seu turno, remete para a norma do artigo 734.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
Como já se disse, este Tribunal tem entendido, reiteradamente, que um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a “aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, considerada esta norma na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação, mediatizada pela decisão recorrida” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). No caso, os recorrentes requereram a apreciação dos artigos 734.º, n.º 1, alínea a), e 754.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, conjugadas com a dos artigos 3.º-A e 3.º, n.º 3 do mesmo Código, segundo certa interpretação, quando o tribunal recorrido havia aplicado a parte final do n.º 3 do artigo 754.º do Código de Processo Civil. A norma deste preceito legal, que remete para a norma do artigo 734.º, n.º 1, alínea a), e não qualquer dimensão interpretativa daqueles artigos. Face ao teor da decisão recorrida, é até manifesto que não foi feita qualquer interpretação no sentido de não ser admitido o recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão da Relação que põe “termo ao processo” de habilitação do cessionário na ação executiva.
Em face de tudo o que ficou dito, há que confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 25 de setembro de 2012.- Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Rui Manuel Moura Ramos.