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Processo nº 320/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): S... Recorrido(s): Ministério Público
I. Relatório:
1. O recorrente interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Setembro de 1998, que rejeitou o recurso por si interposto do acórdão da 10ª Vara Criminal de Lisboa, que o absolveu do crime de consumo de estupefacientes (artigo 40º, nº 1) e o condenou na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21º, nº
1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade dos artigos 127º e 344º do Código de Processo Penal, 'na interpretação exarada no tribunal a quo que, perante a confissão do recorrente, relativamente à quantidade de estupefaciente que detinha no momento da detenção, viu desatendida tal confissão, apesar da inexistência de outros elementos que a pudessem contrariar'. E acrescentou que o tribunal recorrido 'não apreciou [...] criticamente as provas que [lhe] serviram [...] para formar a sua convicção', o que constitui violação do artigo 32º da Constituição.
Neste Tribunal, o relator convidou o recorrente a dar cabal cumprimento ao artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, indicando – para além da peça processual onde suscitou a questão da inconstitucionalidade – 'qual o sentido com que os artigos 127º e 344º do Código de Processo Penal foram interpretados
(e aplicados) pelo acórdão recorrido, que ele reputa inconstitucional, enunciando-o com clareza e precisão, por forma a que, se o Tribunal Constitucional vier a julgar essa interpretação inconstitucional, a possa enunciar na decisão com um sentido que os outros tribunais deles não podem extrair'. E convidou-o, bem assim, a indicar 'qual a norma ou a interpretação dela [neste último caso, observando o que se diz na alínea anterior], atinente à apreciação crítica das provas, que o tribunal recorrido aplicou e que ele considera inconstitucional'.
Na sua resposta, o recorrente disse que, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegou, na conclusão 4ª, que 'o tribunal a quo ao desatender, dentro do princípio da livre apreciação da prova – artigo 127º e 344º do Código de Processo Penal – que a confissão do recorrente não procedia, apesar da inexistência de outros elementos que a pudessem contrariar, invalidar, absolvendo o recorrente do crime previsto e punível pelo artigo 40º que havia confessado, praticou manifesta violação do artigo 32º da Lei Fundamental, sendo tal interpretação manifestamente inconstitucional e atentatória da defesa do recorrente'. E, depois de sublinhar que a confissão é a 'rainha das provas', mas que se desatendeu 'uma confissão espontânea clara', concluiu que 'a interpretação dada aos artigos 127º e 344º do Código de Processo Penal pelo tribunal colectivo da 1ª instância, na medida em que afastou, sem possuir quaisquer outros elementos de prova, a confissão do recorrente, é ostensiva e violadora do disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa'.
O relator proferiu, então, decisão sumária de não conhecimento do recurso, com fundamento em que as normas que o recorrente pretende nele ver apreciadas não foram aplicadas pela decisão recorrida com a interpretação acusada de inconstitucionalidade.
2. É desta decisão sumária que o recorrente, agora, reclama para a conferência, dizendo que 'o acórdão recorrido na interpretação dos artigos 127º e 344º do Código de Processo Penal desatendeu à produção da prova concreta e objectiva e, nomeadamente à confissão do recorrente, o que gera indefesa e violação do disposto no artigo 32º da Lei Fundamental, constituindo um erro colossal, pois que a confissão deveria gerar a aplicação de uma repreensão/multa/pena suspensa
[...] contrariamente à aplicação de uma pena de prisão efectiva e não consentânea com a verdade histórica dos factos'.
Significa isto que o recorrente reafirma ter confessado os factos de que era acusado. E acrescenta: 'desatendeu-se em 1ª instância uma confissão espontânea, clara, quer em sede de primeiro interrogatório, como se desatendeu em julgamento a confissão prestada livremente'.
O Ministério Público, ouvido, veio dizer que 'é por demais evidente que a decisão recorrida – a proferida em via de recurso pelo Supremo Tribunal de Justiça – não fez a interpretação normativa, alegadamente inconstitucional, suscitada pelo recorrente e que constitui objecto do recurso', 'o que conduz, como é evidente, à manifesta improcedência da presente reclamação e à inteira confirmação da decisão sumária proferida nos autos'.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Como decorre do que atrás se disse e se sublinhou na decisão sumária ora reclamada, o objecto do recurso é, assim, a 'interpretação dos artigos 127º e
344º do Código de Processo Penal', que acabou de se apontar; ou seja: uma interpretação segundo a qual o tribunal pode, 'sem possuir quaisquer outros elementos de prova', deixar de atribuir relevo à confissão do arguido.
Pois bem: Escreveu-se na decisão sumária: Interessa, então, saber se o acórdão recorrido aplicou tais normas com a interpretação apontada, pois é de aceitar que a sua inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, embora de forma um tanto confusa.
É que, só tendo as referidas normas sido aplicadas com essa interpretação, se pode conhecer do recurso interposto. A resposta à questão posta é, no entanto, negativa, pois o que, no acórdão recorrido, se disse a tal propósito, foi o seguinte: A decisão recorrida deu expressamente como provado que o arguido tinha em seu poder estupefacientes que destinava à venda a terceiros, mediante contra-partida económica de montante não apurado, e que o dinheiro e objectos apreendidos tinham sido por ele obtidos na sequência de anteriores transacções do produto, ao mesmo tempo que deu como não provado que o estupefaciente que lhe foi apreendido fosse por ele destinado ao seu consumo pessoal, e que nenhuma referência fez quanto à invocada confissão. Por isso, tudo o que por ele é alegado em relação àquela pretensa confissão e à hipotética necessidade de, a partir dela, se proceder ao enquadramento da sua conduta na figura criminal da posse para consumo, não possui o adequado suporte fáctico que permita considerar ser lícita a sua pretensão. Significa isto que o acórdão recorrido não deu como provado que o arguido tivesse feito qualquer confissão. E, por isso, também não deixou de lhe atribuir relevo. Não tendo as referidas normas sido aplicadas, com a interpretação acusada de inconstitucionalidade, falta um pressuposto do recurso interposto. Dele não pode, por isso, conhecer-se.
5. Em síntese: como resulta dos autos, nada permite concluir que o acórdão recorrido tenha aplicado as normas impugnadas – artigos 127º e 344º do Código de Processo Penal – com o sentido de que 'a confissão do recorrente não procedia, apesar da inexistência de outros elementos que a pudessem contrariar/invalidar'.
Há, assim, que não conhecer do recurso. E, por essa razão, deve confirmar-se a decisão sumária reclamada.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). confirmar a decisão sumária reclamada,
(b). e, em consequência, não conhecer do recurso;
(c). condenar o recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Julho de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida