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ACTAACTA
Aos oito de Julho de mil novecentos e noventa e nove, achando-se presentes o Exmº. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros Artur Maurício, Messias Bento, Guilherme da Fonseca, Vítor Nunes de Almeida, José de Sousa e Brito, Paulo Mota Pinto, Alberto Manuel Tavares da Costa, José Manuel Bravo Serra, Maria Fernanda Palma, Maria dos Prazeres Beleza, Luís Nunes de Almeida e Maria Helena de Brito, foram trazidos à conferência os presentes autos, organizados nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 109º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro.
Após debate e votação, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte
ACÓRDÃO Nº 454/99
I. Relatório.
1. Em 10 de Março do ano corrente, o Secretário-Geral do Partido Popular (CDS/PP), João Rebelo, veio comunicar ao Tribunal Constitucional
- tendo naturalmente em conta o disposto no nº 3 do artigo 3º da Lei nº 4/83, de
2 de Abril, com a redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto - que os membros da Comissão Directiva desse partido 'que desempenham cargos executivos' são, além dele próprio, o Presidente do partido, Paulo Portas, e o Vogal da mesma Comissão Telmo Correia. Posteriormente, e no seguimento de diligência verbal praticada pelo Secretário do Tribunal, veio o mesmo Secretário-Geral do CDS/PP, em novo ofício, de 30 de Março, esclarecer que, 'nos Estatutos do Partido, os dois cargos com carácter permanente e executivo são o do Presidente e do Secretário-Geral' e que 'a Comissão Directiva do Partido deliberou que para além destes dois cargos, também o vogal da Comissão Directiva, Senhor Dr. Telmo Correia pelas funções de assessor jurídico que desempenha no Partido, desempenha uma função executiva'.
Por seu turno, por ofício de 8 de Abril também do ano corrente, veio o Partido Ecologista 'Os Verdes' - em conformidade com a mesma disposição legal - comunicar ao Tribunal a composição da Comissão Executiva Nacional desse partido, eleita pelo respectivo Conselho Nacional em 13 de Julho de 1996 - mas logo acrescentando que 'a estrutura orgânica do Partido Ecologista
'Os Verdes' não prevê o cargo/órgão de Presidente ou Secretário-Geral' e que a Comissão Executiva Nacional em causa, na sua primeira reunião, realizada naquela mesma data, 'delegou a representação do partido em três dos seus membros
(Manuela Cunha, José Luís Ferreira e Isabel Castro)'. Assim sendo, solicita o Partido Ecologista 'Os Verdes' esclarecimento sobre se apenas estes três membros da sua Comissão Executiva Nacional, ou, diferente e mais amplamente, todos os membros dessa Comissão estão adstritos ao dever de apresentação da declaração de património e rendimentos, consignado na alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº
4/83, na redacção da Lei nº 25/95, já citadas.
Por último - e ainda para os efeitos dito nº 3 do artigo
3º da Lei nº 4/83 - veio o Secretário-Geral do Partido Social Democrata
(PPD/PSD), por ofício igualmente de 8 de Abril transacto, informar o Tribunal
'que os membros da Comissão Política Nacional que exercem funções executivas
[...] são, nos termos do artigo 26º dos Estatutos Nacionais do PSD, os membros da respectiva Comissão Permanente' (cujos nomes se indicam) - verificando-se que esse elenco inclui o Presidente e os Vice-Presidentes (estes, em número de seis) da dita Comissão Política Nacional e o Secretário-Geral do partido. Mais se informa que todos esses elementos da mencionada Comissão Permanente se encontravam, à data, já demissionários - o que é circunstância irrelevante para o que agora importa.
2. Face a estas comunicações, e à divergência de entendimento que aparentemente nelas se manifesta ou às interrogações que numa delas se fazem quanto ao âmbito subjectivo do dever de declaração estabelecido na mencionada alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83, ocorre ao Secretário do Tribunal a dúvida sobre 'a exacta extensão desse dever', pelo que apresentou a questão ao Presidente do Tribunal, atento o disposto no artigo
109º, nº 2, da respectiva Lei: prevê-se neste preceito, na verdade, que
'ocorrendo dúvida [...] sobre a existência, no caso, do dever de declaração, o Presidente submeterá a questão ao Tribunal, que decidirá em sessão plenária'.
3. Entretanto, em 25 de Maio transacto, já depois de formulada, pelo Secretário do Tribunal, a dúvida sobre a aplicação da lei, e de autuado, na sequência disso, o presente processo, veio o Secretário-Geral do Partido Social Democrata prestar nova informação, nos termos do nº 3 do artigo
3º da Lei nº 4/83, de quais os 'membros da [respectiva] Comissão Política Nacional que exercem funções executivas' - o que, como é óbvio, foi determinado pelo facto, geralmente conhecido, de haver ocorrido, medio tempore, a substituição, em Congresso do mesmo partido, desse e dos demais seus órgãos centrais.
Não há, nesta nova e mais recente comunicação do PPD/PSD, qualquer divergência em relação à anterior: a indicação constante dela
- que, mais uma vez, se diz fundada 'no artigo 26º dos Estatutos' - abrange, do mesmo modo, o Presidente e os seis Vice-Presidentes da Comissão Política Nacional e o Secretário-Geral do partido.
Seja como for, e por razões que são evidentes (já que ocorreu uma substituição de pessoas), entendeu-se que a apreciação a fazer e a decisão a tomar no presente processo devia abranger igualmente essa comunicação, pelo que se ordenou a sua junção aos autos.
4. Posto isto, importa resolver a dúvida que vem posta, tomando a decisão pertinente às situações concretas sub judicio.
II. Fundamentos.
5. A Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, ao proceder à revisão da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, sobre o 'controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos', entre outras modificações introduzidas a este diploma, alargou o elenco dos cargos cujos titulares são obrigados a apresentar, nos prazos nele estabelecidos, uma 'declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais'. Assim , nesse elenco passaram, a partir de então, a figurar também, inter alia, os 'membros dos órgãos permanentes de direcção nacional e das Regiões Autónomas dos partidos políticos, com funções executivas': é o que decorre da alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei (nessa nova redacção, da Lei nº 25/95), a qual diz que os mesmos são, para efeitos dela
(dessa Lei nº 4/83), 'equiparados a titulares de cargos políticos'.
É em torno do preciso entendimento a dar a este enunciado legal, pois, que ocorre a dúvida que ora importa esclarecer.
6. Ora, de um tal enunciado retiram-se logo as seguintes ilações, que não dão margem a qualquer dúvida: - em primeiro lugar, que o legislador não estendeu a obrigação de declaração em causa aos membros de todo e qualquer órgão partidário, mas apenas aos de órgãos nacionais ou regionais (isto
é, com competência para todo o território nacional ou para o de toda uma Região Autónoma); - depois, que tão pouco estendeu esse dever aos membros de todos os
órgãos nacionais ou regionais dos partidos políticos, mas unicamente aos de certos desses órgãos. Em compensação, já poderá oferecer alguma dúvida o saber quais exactamente os órgãos nacionais ou regionais abrangidos pelo enunciado legal.
Mas a verdade é que, ainda quanto a este ponto, se está perante um enunciado legal de cujos tópicos não deixam de poder extrair algumas seguras conclusões. Cifram-se esses tópicos nas referências: - ao carácter
'permanente' que hão-de ter os órgãos partidários incluídos na previsão legal; à sua natureza de órgãos de 'direcção'; - e às 'funções executivas' que devem exercer os respectivos membros.
Ora, deste conjunto de referências – que importa considerar em globo – já se infere, inquestionavelmente, que a lei não tem em vista os órgãos nacionais dos partidos políticos de alargada composição, reunindo apenas espaçadamente, com frequência (mais curta ou mais longa) e em períodos determinados, e detendo essencialmente uma competência 'deliberativa', sobretudo em matéria política; nem, tão-pouco, os seus órgãos com meras funções de 'controlo' interno; tem em vista, sim, os órgãos que asseguram continuada e quotidianamente a 'gestão' ou a 'direcção' do partido, tanto no plano político como no administrativo, de acordo com as orientações traçadas por aqueles outros
órgãos e dando-lhes execução.
Hão-de ser, naturalmente, os estatutos de cada partido a dizer, em concreto e para cada caso, quais serão esses órgãos. Mas uma análise comparada dos diferentes estatutos partidários não deixa, por sua vez, de fornecer a esse respeito, desde logo, uma pista de carácter genérico, que se revela de particular utilidade para aquela indagação concreta.
7. Com efeito - e se se tomarem em consideração, nomeadamente, os instrumentos estatutários dos quatro grandes partidos políticos portugueses – verifica-se que eles apresentam uma flagrante semelhança de estrutura organizatória. Assim, e no que respeita a órgãos colegiais, depara-se, em todos eles, com um primeiro nível, que é o do 'congresso' partidário, constituído por um muito elevado número de militantes, em regra com uma frequência só plurianual de reunião, e detendo, para além de competência eleitoral, a de (para usar o modo de dizer de um desses estatutos) 'exprimir ao mais alto nível a vontade colectiva do Partido' (designadamente, aprovando os estatutos, as declarações de princípio e o programa do partido, ou moções gerais de orientação política); depara-se, depois, com um segundo nível, que é o de um
órgão colegial de composição ainda muito alargada, com uma frequência de reunião que é, por via de regra, plurimensal, definido (utilizando agora as expressões de outros desses estatutos) como o 'órgão deliberativo entre congressos' ou
'responsável pelo desenvolvimento e execução da estratégia política do Partido definida em Congresso', e que assume denominações diferentes, como as de
'conselho nacional' (no PPD/PSD e no CDS/PP), 'comissão nacional' (no PS) ou
'comité central' (no PCP); vem, depois, um terceiro nível, que é o de órgãos colegiais de composição já mais reduzida, mas ultrapassando no mínimo, ainda assim, a das duas dezenas de membros, órgãos a que cabe o acompanhamento próximo da actividade do partido, sobretudo da sua actividade 'política', e por isso com uma frequência de reunião, em regra, mensal ou quinzenal: é assim que, a sua definição aparece, nos vários estatutos, como a do 'órgão de direcção política', ou de 'direcção política permanente' ou de 'concretização da linha política geral' do partido, sendo que também nesses estatutos assume denominações diversas, como as de 'comissão política' (no PS), 'comissão política nacional'
(no PPD/PSD e no CDS/PP) ou 'comissão política do comité central' (no PCP); finalmente, surge um quarto nível de órgãos colegiais, de composição bastante reduzida, aos quais cabe, justamente, assegurar 'sem solução de continuidade a representação do partido', ou 'o coeso e regular funcionamento da estrutura partidária' ou 'orientar e dirigir o trabalho diário' do partido (tudo fórmulas colhidas nos estatutos partidários que têm vindo a ser considerados, os quais, por vezes, acrescentam ser essa tarefa desempenhada 'por delegação' ou 'no
âmbito da competência' do órgão de nível anterior): também tais órgãos recebem denominações diversas nos diferentes partidos, como as de 'secretariado nacional' (no PS), 'comissão permanente nacional' (no PPD/PSD), 'comissão directiva' (no CDS/PP) ou 'secretariado do comité central' (no PCP)
Entretanto, a par destes órgãos colegiais, que repartem entre si as tarefas deliberativas e executivas da actividade partidária, em todos os estatutos tomados como referência se prevêem órgãos de controlo – seja um órgão de controlo da legalidade interna partidária, que toma as designações, respectivamente, de 'comissão' ou 'conselho nacional de jurisdição' (no PS e no CDS/PP), de 'conselho de jurisdição nacional' (no PPD/PSD) ou de 'comissão central de controlo' (no PCP), seja ainda, no PS e no CDS/PP, um órgão de fiscalização em matéria de gestão económica e financeira do partido, como é o caso, também respectivamente, da 'comissão nacional de fiscalização económica e financeira' e do 'conselho nacional de fiscalização'.
Por outro lado, não deixam os mesmos estatutos de prever a existência de órgãos unipessoais, ou de destacar, no âmbito de certos órgãos colegiais, a posição de determinados dos seus membros, atribuindo-lhes um papel e uma função específicos no conjunto da estrutura organizativa partidária: é assim que nos estatutos do PS se prevê o órgão 'secretário-geral' e se destaca o cargo de 'presidente do partido'; que nos estatutos do PPD/PSD se consideram especificamente, dentro da 'comissão política', os cargos de 'presidente da comissão política nacional' (equivalente ao de presidente do partido) e de
'secretário-geral'; que nos estatutos no CDS/PP se inclui igualmente o
'secretário-geral' na enumeração dos órgãos do partido e se destaca o cargo de
'presidente do partido'; e que os estatutos do PCP contemplam a possibilidade de o comité central eleger, dentro dos seus membros, um 'secretário-geral do partido' e um 'presidente do conselho nacional', definindo as suas atribuições.
Naturalmente que a articulação – quer orgânico-estrutural, quer funcional – entre estes diferentes órgãos não é idêntica em todos os partidos políticos tidos em conta; decerto também que, nomeadamente quanto aos órgãos colegiais, a origem e modo de designação dos seus membros, a sua composição e a sua competência não encontrarão uma completa e absoluta correspondência, em cada um dos níveis de colegialidade atrás considerados; e certo é, finalmente, que o tipo de funções reservados aos titulares de cargos ou órgãos unipessoais, previstos nos diferentes estatutos, também é diverso – sendo, nuns casos, um papel fundamentalmente
'representativo', noutros, de efectiva 'direcção' e 'gestão' política, e, noutros ainda, mais de carácter logístico-administrativo – e isso, para mais, sem que a esse respeito ocorra uma necessária coincidência entre as denominações adoptadas por cada partido.
Pese o que vem de dizer-se, certo é que a comparação da regulamentação estatutária dos partidos considerados – pelas semelhanças que acabam de evidenciar-se – ajuda indiscutivelmente a iluminar o sentido do enunciado da norma da alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83 e a determinar o seu alcance.
8. Na verdade, tomando em conta os resultados dessa comparação, já se deixa ver – e com isto, sem mais, se conclui – que apenas devem considerar-se abrangidos por tal preceito legal: – no tocante aos órgãos colegiais dos partidos políticos, os acima mencionados no quarto nível dos
órgãos de carácter deliberativo ou executivo (com exclusão, pois, dos órgãos, com a mesma natureza, situados nos restantes níveis, e dos meros órgãos de controlo); – e, no tocante aos órgãos unipessoais (ou a titulares de cargos que os estatutos destacam especialmente), aqueles que detêm uma efectiva competência de direcção, seja ela política, político-administrativa ou tão-só logístico-administrativa (com exclusão, pois, dos órgãos ou cargos de índole meramente 'representativa').
É que esses são os órgãos ou os cargos que realmente correspondem aos tópicos – atrás destacados – do texto legal em causa (a permanência de funcionamento dos órgãos, a sua natureza de órgãos directivos e as suas funções executivas) e preenchem a ideia ou o propósito da lei, que desse enunciado emerge, a saber, a de sujeitar à obrigação de apresentarem uma declaração de património e rendimentos aqueles que assumem, num partido político, a mais directa responsabilidade pela sua condução e direcção, incumbidos, como estão, de assegurá-la 'sem solução de continuidade', tanto nos seus aspectos políticos, como nos administrativos.
Mas que é assim, confirmam-no, quer uma consideração racional, quer uma consideração sistemática, do mesmo texto legal: a primeira consideração, porque seria obviamente desrazoável, atentos a justificação e os fins da regulamentação em presença, alargar mais o universo dos dirigentes partidários sujeitos à dita obrigação; a segunda, porque essa desrazoabilidade redobraria de ponto, quando se está perante um dever declaratório de frequência anual (como inequivocamente resulta, por seu turno, do disposto no nº 3 do artigo 2º da Lei nº 4/83, na redacção da Lei nº 25/95).
9. Posto isto – e revertendo às situações concretas em apreço – já fica esclarecido, evidentemente, que os órgãos do Partido Social Democrata (PPD/PSD) e do Partido Popular (CDS/PP) abrangidos pelo disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83 são, e são só, respectivamente, a comissão permanente nacional e a comissão directiva, sendo que logo por aí (uma vez que se trata de membros natos desses órgãos) já também o presidente (ou
'presidente da comissão política nacional') e o secretário-geral de ambos os partidos caem sob a alçada da mesma disposição legal.
Quanto ao Partido Ecologista 'Os Verdes' (PEV), o caso, visto à luz da análise comparativa atrás feita, não deixa de apresentar-se, prima facie, com alguma especificidade: e isso porque, contrariamente ao 'modelo' organizatório que de tal análise se extrai, os estatutos deste partido, por um lado, só prevêem três níveis de órgãos colegiais nacionais (a 'convenção nacional ecológica', que é um equivalente do 'congresso' de outros partidos, o 'conselho nacional' e a 'comissão executiva nacional'), enquanto, por outro lado, não instituem qualquer órgão unipessoal ou sequer dão destaque a qualquer cargo, dentro daqueles órgãos colegiais (nomeadamente os de 'presidente' ou
'secretário-geral' do partido').
É bom de ver, porém, que tal 'especificidade' só pode conduzir, no tocante à questão que ora importa, à conclusão de que o órgão do PEV que cai no âmbito da previsão legal em causa há-de ser, e só pode necessariamente ser, a comissão executiva nacional – um órgão, de resto, definido nos estatutos do partido (artigo 31º, nº 1) justamente como o seu
'órgão político permanente', com as inerentes tarefas, às quais acresce, também, a de 'assegurar a gestão administrativa' daquele (mesmo artigo, nº 3). Trata-se
– assim se julga – de uma conclusão que, por tão óbvia, não requer melhor ou mais alongada fundamentação.
10. Assentes as conclusões que antecedem, nem por isso, no entanto, ficam resolvidas todas as dúvidas que em concreto se suscitam no presente processo: é que, como resulta do que inicialmente se relatou, tais dúvidas, em rigor, respeitam, não tanto a saber quais os órgãos estatutários dos partidos em causa cobertos pelo preceito da alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83, quanto a saber se todos os membros desses órgãos são abrangidos pela mesma disposição (v. supra, nº 1).
Mas também é bom de ver que essa mais precisa dúvida só pode resolver-se por uma resposta afirmativa à interrogação em que se traduz.
É certo que a análise puramente gramatical do preceito em apreço - atenta a vírgula inserida no respectivo texto - permite, se é que não mesmo sugere, uma sua diferente leitura: uma leitura, por conseguinte, susceptível de suportar o entendimento que dele fez o Partido Popular ou o admitido (e, porventura, pretendido) pelo Partido Ecologista 'Os Verdes', nos ofícios, acima referidos, que remeteram a este Tribunal.
Simplesmente, semelhante análise não pode deixar de ceder perante outras considerações, e, desde logo, perante esta, que é decisiva: a de que a determinação do universo dos dirigentes partidários sujeitos à obrigação de apresentarem uma declaração anual de património e rendimentos há-de unicamente resultar, para cada partido, da conjugação da lei com o que os seus estatutos dispõem sobre a natureza e competências dos respectivos órgãos e dos titulares destes. O que significa que qualquer distribuição ou delegação
'interna' de tarefas, dentro de um determinado órgão partidário, não pode servir de critério para aquele efeito.
Só poderia, eventualmente, conceber-se alguma atenuação
à conclusão assim avançada, na hipótese de se estar diante de uma distribuição ou delegação de tarefas estabelecida nos próprios estatutos do partido. Mas, mesmo essa - a menos que com ela se haja pretendido instituir, afinal, uma implícita, mas efectiva, 'diferenciação' orgânica - haveria de ter-se por irrelevante, para o que agora importa. É que - e esta será uma segunda consideração a levar em conta - não faria qualquer sentido, à luz da teleologia da Lei nº 4/83 e da norma da alínea a) do nº 2 do seu artigo 4º, introduzir, no
âmbito da aplicação desta, o que, no fundo, seria uma quebra do 'princípio da colegialidade' do órgão partidário em causa, e da inerente responsabilidade colegial dos respectivos membros. Seria essa, por outras palavras, uma interpretação limitativa ou 'restritiva' do preceito, que a sua racionalidade não consente.
No caso, porém, pode inclusivamente prescindir-se desta segunda ordem de considerações para rejeitar o entendimento, e a aplicação, que do mesmo preceito fez o Partido Popular, ou que o Partido Ecologista 'Os Verdes' para ele aventa: é que a 'delegação' ou 'distribuição' de tarefas, que o primeiro operou no âmbito da sua 'comissão directiva' e, o segundo, no âmbito da sua 'comissão executiva nacional', nem sequer se acham previstas, ou são determinadas pelos correspondentes estatutos.
11. Não é apenas, todavia, a situação suscitada, quanto a esta última questão, pelos ofícios do CDS/PP e do PEV que importa esclarecer: também a que decorre dos ofícios do PPD/PSD carece de um esclarecimento, ao mesmo propósito.
É que, nesses ofícios (partindo-se provavelmente do mesmo entendimento gramatical da alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83 para que acabou de chamar-se a atenção), não vieram indicar-se ao Tribunal, de modo directo, os membros da 'comissão permanente nacional' do partido (v. supra, nº 9), mas antes (como oportunamente se deixou transcrito: v. supra, nºs 1 e 3) os 'membros da comissão política nacional que exercem funções executivas'. O facto, todavia, seria, em princípio, indiferente - já que, segundo o nº 2 do artigo 26º dos Estatutos do partido (justamente invocado nos seus ofícios) a
'comissão permanente nacional' vem a ser composta por determinados membros da
'comissão política nacional'. Só que, indicando-se nesses ofícios apenas o presidente e os vice-presidentes desta última comissão e o secretário-geral do partido (ut supra, nºs 1 e 3), deixou-se de fora o outro membro da 'comissão permanente', que, nos termos dessa disposição estatutária, é o presidente do Grupo Parlamentar.
Há, assim, que deixar claro que tão-pouco essa exclusão
é admissível, e isso pelas razões (em particular, pela última) acabadas de apontar. Na verdade, não se afigura que contra elas valha a circunstância (em que possivelmente se baseou tal exclusão) de se tratar, no caso, de uma
'inerência' (e não de um membro eleito em Congresso, como acontece com os outros componentes da comissão): não se vê, designadamente, que, quanto à competência, ao funcionamento e à responsabilidade dos membros da 'comissão permanente', os Estatutos do PSD retirem daí alguma consequência.
Dir-se-ia ainda, ex adverso, que, tratando-se do presidente do grupo parlamentar - e, portanto, de um deputado - a obrigação de apresentar a declaração de património e rendimentos já decorre logo da alínea d) do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 4/83, sendo antes neste outro preceito que deverá, pois, enquadrar-se. Mas o argumento não é probante, uma vez que também quanto a qualquer dos outros membros da 'comissão permanente' pode verificar-se
(e, com toda a probabilidade, se verificará) situação semelhante. O que teremos nessa ou nessas hipóteses, então, serão situações que caberá resolver com recurso ao disposto no nº 4 do artigo 2º da Lei (da Lei nº 4/83), ainda na redacção da Lei nº 25/95.
III. Decisão.
12. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 109º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, decide esclarecer que os deveres decorrentes do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 4º da Lei nº 4/83, de 2 de Abril, na redacção da Lei nº 25/95, de 18 de Agosto, impendem:
a) quanto ao Partido Popular (CDS/PP), sobre todos os membros da sua Comissão Directiva, e não apenas sobre os referidos no ofício do Secretário-Geral do mesmo Partido, de 10 de Março do ano corrente;
b) quanto ao Partido Ecologista 'Os Verdes' (PEV), sobre todos os membros da sua Comissão Executiva Nacional, referenciados no ofício do mesmo Partido, de 8 de Abril, também do ano corrente; c) quanto ao Partido Social Democrata (PPD/PSD), sobre todos os membros da sua Comissão Permanente Nacional, e não apenas sobre os referenciados nos ofícios do Secretário-Geral do mesmo Partido, de 8 de Abril e 25 de Maio, ainda do ano corrente.. Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa