Imprimir acórdão
Proc. nº 759/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – MM, com os sinais dos autos, impugnou contenciosamente no Tribunal Central Administrativo o despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada que indeferiu o seu pedido de revisão da pensão de reforma nos termos do DL nº
134/97, de 31 de Maio, despacho esse a que atribuiu, entre outros, o vício de violação dos artigos 1º e 3º daquele diploma legal.
O TCA, pelo acórdão documentado a fls, 12 e segs, concedeu provimento ao recurso e anulou o acto recorrido por errada aplicação do artigo 1º do DL nº 134/97 – em contrário do decidido, o recorrente tinha a qualidade de deficiente das Forças Armadas nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 18º do DL nº 43/76, cabendo a sua pretensão na previsão legal do citado artigo 1º.
Interposto recurso pela entidade então recorrida, o STA, pelo acórdão documentado a fls. 23 e segs, revogou o acórdão recorrido, com fundamento em que o ora reclamante não poderia ser qualificado como deficiente das Forças Armadas nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do DL nº 43/76 'ou seja, como 'automaticamente deficiente' pois a sua condição de deficiente só lhe veio a ser reconhecida em momento muito posterior ao do início da vigência do DL
43/76'; e concluiu, nos seguintes termos:
'Desta forma e em contrário do entendimento acolhido na decisão ora impugnada, correcto foi o entendimento da entidade ora recorrente ao concluir da inaplicabilidade do artº 1º do DL 134/97, precisamente por o requerente se não enquadrar na previsão do nº 1 do artº 18º do DL 43/76, condição pressuposta de aplicação daquela norma'.
O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 1º do DL 134/97 (por manifesto lapso indica 'artº 1ª nº 1') que, segundo ele, violaria o princípio constitucional da igualdade.
O recurso não foi admitido no STA, nos seguintes termos:
'Uma vez que não foi aplicado o artº 1º do DL nº 134/97, não recebo o recurso para o TC interposto pelo requerimento de fls. 151'.
Na sua reclamação, o reclamante limita-se a sustentar, com utilidade, que 'não está correcta a interpretação do mui douto despacho pois foi aplicado o nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 134/97, ao não incluir o ora reclamante no grupo dos deficientes das Forças Armadas que não optaram pelo serviço activo, constante da norma, concluindo, por isso, pela inaplicabilidade do comando'.
O Exmo Magistrado do Ministério Público emite parecer no sentido do deferimento da reclamação nos seguintes termos:
'Na contra-alegação que apresentou, suscitou o recorrente – em termos procedimentalmente adequados – a questão da inconstitucionalidade de certa interpretação da norma constante do artº 1º nº 1 do DL nº 134/97, entendida como denegando ao interessado – deficiente com o grau o grau de incapacidade de 33% - a revisão da respectiva pensão de reforma extraordinária, com fundamento em a sua situação se não enquadrar na previsão constante do artº 18º nº 1 do DL nº
43/76; na sua óptica, tal interpretação 'restritiva' ou 'literal' da norma que integra o objecto do recurso interposto violaria o o princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição. E tal interpretação 'restritiva' (e excludente do interessado) foi efectivamente aplicada pelo STA à dirimição do caso , o que - a nosso ver - determina que se considerem preenchidos os pressupostos do recurso de fiscalização concreta. É que – no caso dos autos – a
'não aplicação' à actuação do recorrente da previsão normativa do artº 1º nº 1 do referido DL nº 134/97 não decorre de quaisquer razões ou motivos estruturalmente situados no plano da interpretação e aplicação do direito infraconstitucional – envolvendo antes implícita dirimição, em sentido desfavorável ao recorrente da questão de inconstitucionalidade normativa por ele suscitada. Aliás, em rigor, o que o recorrente realmente pretende é que – sobre a norma questionada – seja proferida 'decisão aditiva' ampliando, com base em alegada violação do princípio da igualdade, a previsão constante da 'letra' de tal preceito legal. Nestes termos – e por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto – somos de parecer que a presente reclamação deverá ser deferida'.
2 - Cumpre decidir.
Como se deixou relatado, o acórdão do STA recorrido emerge de um recurso contencioso em que o recorrente, ora reclamante, impugna um despacho do Chefe do Estado-Maior da Armada que indeferiu o pedido de revisão da pensão de reforma nos termos do DL nº 134/97, imputando ao acto recorrido, entre outros, o vício de violação do artigo 1º daquele diploma legal.
Dispõe este preceito o seguinte:
'Os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, são promovidos ao posto a que teriam ascendido, tendo por referência a carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudaram de situação, e que forma normalmente promovidos aos postos imediatos'.
O artigo 2º do mesmo Decreto-Lei estabelece que 'os militares nas condições referidas no artigo 1º passam a ter direito à pensão de reforma correspondente ao posto a que foram promovidos, e no escalão vencido à data de entrada em vigor do presente diploma'.
Por seu turno, o DL nº 43/76, que definiu a condição de DFA, dispõe no seu artigo 18º:
'O presente diploma é aplicável aos
1 – Cidadãos considerados automaticamente DFA: a. Os inválidos da 1ª Guerra Mundial de 1914-1918, e das campanhas ultramarinas anteriores; b. Os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei nº 44995, de 24 de Abril de 1963 e que pelo nº 18 da Portaria nº 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio; c. Os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº
210/73, de 9 de Maio.
2.-.........................................................................................................................' O artigo 1º do DL nº 134/97 faz, pois, depender a atribuição do direito à promoção (com reflexos na atribuição do direito a pensão de reforma), ao preenchimento de diversos requisitos, entre os quais o de se tratar de militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, reportando-se a norma às alíneas b) e c) do artigo 18º do DL nº 43/76 para expressar a que DFA se quer referir. Ou seja, podendo ela própria, reproduzir o que aquelas alíneas contemplam, a norma limita-se a remeter para elas. A técnica legislativa assim utilizada não põe obviamente em causa o facto de o conteúdo preceptivo das referidas alíneas fazer parte da fattispecie da norma do artigo 1º do DL nº
134/97.
Ora, o acórdão recorrido, ponderando aquele requisito e em contrário do decidido pelo acórdão do TCA, julga o acto contenciosamente impugnado conforme à lei, por o recorrente dever ser considerado DFA apenas ao abrigo do DL nº 43/76 e não dos diplomas citados nas referidas alíneas b) e c) do artigo 18º do DL nº 134/97.
Posição contrária era, também, a do recorrente que, em contra-alegações, no recurso interposto pelo Chefe do Estado-Maior da Armada para o STA, sustentara que devia ser considerado DFA ao abrigo do DL nº 210/73 – e, logo, por o seu caso se integrar no disposto no artigo 18º nº 1 alínea c) do DL nº 43/76, abrangido pela norma do artigo 1º do DL nº 134/97. E é, então, que aí defende que interpretação diversa – no sentido de ele não estar abrangido por esta
última norma apenas pela circunstância de a decisão de qualificação como DFA ter sido proferida após a entrada em vigor do DL nº 43/76 – violaria o princípio da igualdade.
Ora, quando o acórdão recorrido decide que o ora reclamante deve apenas ser considerado como DFA ao abrigo do DL nº 43/76 por ser o diploma em vigor à data em que é proferido o despacho qualificativo (sendo irrelevante a data do facto gerador da qualificação) e, logo, sem que o caso se pudesse integrar na situação prevista no artigo 18º nº 1 alíneas b) e c) do DL nº 43/76 e, consequentemente, no artigo 1º do DL nº 134/97, está, ao fim e ao cabo, a resolver a questão aplicando esta última norma no sentido que o recorrente considerava, e considera, violador do princípio constitucional da igualdade, ainda que directamente pela via da interpretação do artigo 18º nº 1 alíneas b) e c), que integra parte da previsão da mesma norma, ou seja, um dos requisitos exigíveis para o militar beneficiar dos direitos nela e no artigo 2º consignados.
Por outras palavras, o acórdão recorrido aplica a norma no sentido de ela não abranger os militares com incapacidade superior a 30% por doença adquirida em campanha anteriormente à entrada em vigor do DL nº 43/76 mas só qualificados como DFA na vigência deste diploma legal.
Em contrário do despacho reclamado foi, pois, aplicada a norma arguida de inconstitucionalidade, mostrando-se preenchidos os restantes requisitos de admissibilidade do recurso
3 – Decisão
Pelo exposto e em conclusão decide-se deferir a reclamação.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2001 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa