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Processo n.º 714/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. AM e sua mulher, AF, reclamam do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Novembro de 2000, que não admitiu o recurso, que eles interpuseram para este Tribunal, do despacho do mesmo Conselheiro relator, de 23 de Outubro de 2000, com vista a que seja apreciada a constitucionalidade
'do artigo 678º, n.º 4, do Código de Processo Civil na parte em que não admite recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, quanto à uniformização de jurisprudência'. No despacho de 23 de Outubro de 2000, o Conselheiro relator decidiu não poder tomar-se conhecimento do recurso de revista ampliada, que os ora reclamantes interpuseram do acórdão da Relação do Porto, de 15 de Novembro de 1999, com a alegação de que tal aresto se achava em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Janeiro de 1986. Neste acórdão de 15 de Novembro de 1999, a Relação do Porto confirmou a sentença da 1ª Instância, na parte em que, com fundamento na falta de pagamento de rendas, decretou a resolução do contrato de arrendamento, tendo por objecto o 2º andar do prédio urbano da Rua João das Regras, que tem os números de polícia
44/46 e está inscrito, sob o artigo 6.093, na matriz predial urbana da freguesia de Santo Ildefonso da cidade do Porto, do qual é proprietário AM, que, com sua mulher, AF, intentaram a correspondente acção de despejo.
A revista ampliada foi interposta pelos ora reclamantes ao abrigo do disposto nos artigos 678º, n.º 4, e 754º, n.º 2, do Código de Processo Civil. No Supremo Tribunal de Justiça, o MINISTÉRIO PÚBLICO, na vista a que se refere o artigo 732º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, pronunciou-se no sentido de que se não podia tomar conhecimento dessa revista, desde logo porque, como o acórdão da Relação era irrecorrível pelo facto de o valor da acção de despejo
(390.754$00) se conter na alçada da Relação, não se verificava o pressuposto enunciado no citado artigo 678º, n.º 4, consistente em não caber 'recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal'. O Conselheiro relator, depois de sobre este parecer mandar ouvir as partes, que nada disseram, julgou procedente a questão suscitada pelo Ministério Público; e, em consequência, decidiu, como já se disse, não tomar conhecimento do recurso, argumentando que ele era inadmissível, atento o valor da acção de despejo e
'dado o disposto nos artigos 784º, n.º 4, 732º-A e 732º-B' do Código de Processo Civil.
Neste Tribunal, o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO aqui em funções disse ser manifesta a improcedência da reclamação, já que – ao contrário do que sustentam os reclamantes – eles «tiveram plena oportunidade processual para suscitar a questão a que se reporta o recurso de constitucionalidade interposto: na verdade, foram os ora reclamantes notificados do parecer exarado pelo representante do Ministério Público, que incidia precisamente sobre a admissibilidade do recurso que aqueles haviam interposto para o Supremo Tribunal de Justiça; e, como é evidente, seria esse o momento processual idóneo e adequado para terem suscitado 'durante o processo', a questão de constitucionalidade que intempestivamente colocaram quanto à norma do artigo
678º, nº 4, do Código de Processo Civil».
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A reclamação só será de deferir, caso se verifiquem os pressupostos do recurso interposto pelo reclamantes, com vista a que seja apreciada a constitucionalidade 'do artigo 678º, n.º 4, do Código de Processo Civil na parte em que não admite recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, quanto à uniformização de jurisprudência', do despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Outubro de 2000, que decidiu não poder tomar-se conhecimento do recurso de revista ampliada, que os ora reclamantes interpuseram do acórdão da Relação do Porto, de 15 de Novembro de 1999, com a alegação de que tal aresto se achava em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 30 de Janeiro de 1986.
Vejamos, então.
No presente caso, começa por ignorar-se qual a alínea do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional em que os ora reclamantes fundaram o recurso que interpuseram para este Tribunal. Suposto, no entanto, que pretenderam fundar o recurso na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 70º (de facto: a decisão recorrida aplicou a norma constante do artigo 678º, n.º 4, do Código de Processo Civil, e os recorrentes dizem que ela
é inconstitucional e alegam não terem tido oportunidade processual de suscitar essa questão de inconstitucionalidade antes de proferida a decisão de que recorrem), a verdade é que, no caso, não se verificam os pressupostos que condicionam o conhecimento desse recurso. Na verdade, os recorrentes não suscitaram essa questão de inconstitucionalidade durante o processo, e não é caso de os dispensar de tal ónus, uma vez que a alegação de que não tiveram oportunidade processual para o fazer atempadamente não tem qualquer fundamento.
Para se ver que assim é, basta recordar o seguinte:
(a). os recorrentes interpuseram o recurso de revista alargada ao abrigo do artigo 678º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
(b). o Ministério Público, na vista, pronunciou-se no sentido de que se não podia tomar conhecimento do recurso, desde logo porque, como o acórdão da Relação era irrecorrível pelo facto de o valor da acção de despejo (390.754$00) se conter na alçada da Relação, não se verificava o pressuposto enunciado no citado artigo 678º, n.º 4, consistente em não caber 'recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal';
(c). o Conselheiro relator mandou ouvir os recorrentes sobre este parecer;
(d). os recorrentes nada disseram, designadamente sobre aquele artigo 678º, n.º
4, ser inconstitucional, se interpretado em termos de conduzir ao não conhecimento do recurso.
Ora, os recorrentes, caso pensassem que o referido artigo 678º, n.º 4, assim interpretado, era inconstitucional, podiam ter vindo dizer isso mesmo. Melhor: tinham o ónus de o fazer, pois bem sabiam que tal preceito ia ser aplicado para se decidir se o recurso era ou não cabível, podendo aquela interpretação vir a ser a adoptada.
A quanto se disse acresce que o despacho recorrido (o despacho do Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Outubro de 2000) nem sequer era recorrível ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Na verdade, os recursos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, só cabem de decisões de outros tribunais que já não admitam recurso ordinário (cf. o n.º 2 do citado artigo 70º). Ora, aquele despacho do Conselheiro relator admitia reclamação para a conferência (cf. artigo 700º, n.º
3, do Código de Processo Civil), e esta (a reclamação para a conferência) é equiparável a um recurso ordinário para o efeito da exaustão de tal tipo de recursos (cf. o mesmo artigo 70º, n.º 3).
4. Em conclusão: Não se verificando os pressupostos do recurso interposto – suposto, obviamente, que ele o foi ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do referido artigo 70º -, há que indeferir a reclamação.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação;
(b). condenar os reclamantes nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida