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Proc.º n.º 565-A/2000.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal Central Administrativo e em que figuram, como recorrente, o Licº CS e, como recorrido, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, o relator, em 12 de Outubro de 2000, proferiu decisão sumária por intermédio da qual não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Tendo o recorrente deduzido incidente de suspeição do relator, incidente esse para cuja prova ofereceu a futura junção de 'certificados de participação-crime' que efectuara contra o relator e outros Juízes deste Tribunal, requerendo ainda que fosse reenviado o processo ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a fim de o mesmo decidir sobre 'a questão pré-judicial da desconformidade do exercício da função jurisdicional prevista no n.º 1 do art. 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional português, na situação de facto controvertida, ante o preceito' constante do nº 1 do artº 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o aludido relator, em 8 de Novembro de 2000, proferiu despacho com o seguinte teor:-
'No processo dito 565/2000, apenso aos presentes autos de incidente de suspeição, e no qual figura como recorrente o Licº CS, lavrou o relator decisão sumária por intermédio da qual não tomou conhecimento do objecto do recurso.
Veio agora aquele recorrente deduzir o vertente incidente, pois que - disse em síntese - o relator deverá ser considerado suspeito, atenta a ponderação segundo a qual ele é o mesmo que o do processo nº 1059/98 e, relativamente a ele e a outros Juízes, subscritores do Acórdão nº 401/2000 nele lavrado, foi apresentada pelo oponente denúncia criminal pelos crimes de denegação de justiça, prevaricação e, posteriormente, de infidelidade.
Para prova do incidente requereu que lhe fosse facultada a posterior apresentação de documentos comprovativos da citada denúncia criminal e que fosse solicitado ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a resolução da
‘questão pré-judicial da desconformidade do exercício da função jurisdicional prevista no n.º 1 do art. 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional português, na situação de facto controvertida’.
Para além do acima mencionado processo nº 1059/98, o ora oponente tem vindo a deduzir variados incidentes, de natureza semelhante à do presente, em vários processos que correm termos neste Tribunal e nos quais intervieram outros Juízes para além dos que tiveram intervenção do aludido processo nº 1059/98, sempre aduzindo fundamentação idêntica à agora utilizada, mas tocantemente a diversos Juízes que nesses processos figuram como relatores.
Nos termos do nº 3 do artº 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos Juízes.
Por outro lado, comanda-se no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil que, nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Não podendo o deduzido incidente, como é óbvio, ser decidido pelo relator, o que é certo é que se afigura como plausível que o Tribunal venha a decidir, ex vi do citado nº 3 do artº 127º, pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por
única finalidade a obtenção da impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte», e isso tendo em conta, por um lado, a circunstância, já acima referida, de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em outros processos e, por outro, a circunstância de se afigurar que a suspeição ora oposta não assentar em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência.
Neste contexto de plausibilidade, é igualmente plausível que o Tribunal, considerando o disposto na parte final do nº 3 do artº 130º do Código de Processo Civil, venha a considerar que o ora oponente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de administração de justiça, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé.
É, pois, em face desta figuração que, ponderando a plausibilidade de condenação do oponente como litigante de má fé, desde já e para os efeitos do disposto no nº 7 do artº 84º da dita Lei nº 28/82, se determina a sua audição por dois dias'.
Ao transcrito despacho respondeu o oponente, concluindo por dever este Tribunal, antes de tudo, 'consultar ... o Mais Alto Tribunal da União Europeia', só depois podendo, 'pelos seus membros legitimamente em funções' pronunciar-se 'sobre, inclusive, o artificioso sub-incidente presente'.
Nessa resposta, o Licº CS disse, inter alia, que o relator, ao não se considerar impedido, não assumiu um 'mínimo de dignidade pessoal e funcional, antes se permitindo, de novo, caluniar' o requerente, assim denunciando 'o baixo teor moral que o inspira' supondo, 'talvez -- sentindo-se sentado na cadeira do Poder --, que inquéritos-crime contra altos magistrados são chão que deu uvas, que em sede judicial -- já aconteceu! -- a esse conspícuo nível, é sempre possível provar que ‘dois e dois são cinco’, isto é: fazer a justiça ‘num oito’; acrescentou que 'face ao estatuído, conjugadamente, no n.º 1, al. d), do art.
23.º e no n.º 1 do art. 26.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e no n.º
1, als. b) e d), do art. 95.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, ao accionar os impulsos processuais do foro penal e, consequentemente, este do foro jusconstitucional-civil que, consabidamente, accionei, mais não fiz, pura e simplesmente que -- ... -- pugnar pelo saneamento do Tribunal Constitucional, procedendo por forma a que esse supremo dos supremos tribunais nacionais seja depurado dos juízes -- alegadamente, com prova bastante! -- perjuros e prevaricadores (denegadores de justiça)'; por fim, suscitou uma questão pré-judicial, cujo reenvio ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias requereu, questão essa consistente em saber se a 'norma conjugada da al. c) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 127.º do Código de Processo Civil português, interpretado no sentido -- ab-rogatório -- da sua inaplicabilidade no quadro de uma ordem jurisdicional -- como, v.g., a do tribunal constitucional português -- limitada em número de efectivos, é compatível com o direito processual fundamental ... a um processo equitativo, designada e concretamente, a um tribunal independente e imparcial'.
Cumpre decidir da arguida suspeição (nº 3 do artº 29º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro).
2. De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida acusação, pode levar as «partes» a opor-lhe suspeição.
De outra banda, o nº 3 do aludido artº 127º estatui que nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artº 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição
àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato que acima se efectuou - onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em outros processos, por forma a obter a suspeição de ainda de outros Juízes para além dos ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos - aponta inequivocamente para que, como se discorreu no despacho de fls. 11 e 12 e acima transcrito, é desiderato do oponente, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o mesmo oponente figura como «parte».
Não deixará, entretanto, de se por em relevo que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte».
Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos ter sido pautada exclusivamente, como, aliás, não poderia deixar de ser, por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Deverá, desta arte, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja
«parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
3. Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se - sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que, consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento corporizador do vertente pedido - improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Ponderando o que se veio de dizer e o que se consagra na parte final do nº 3 do artº 130º daquele diploma adjectivo, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do oponente, consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil a prossecução de um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, condena-se o mesmo, como litigante de má fé, em 10 unidades de conta.
Haverá também que anotar que o reenvio por último peticionado na resposta ao parecer do relator exarado em 8 de Novembro de 2000 não tem a mínima razão de ser, e isso, por entre o mais, pela simples razão de acordo com a qual este Tribunal não levou a efeito nenhuma decisão cujo suporte normativo fosse o da interpretação dos preceitos conjugados da alínea c) do nº 1 e do nº 2, ambos do artº 127º do Código de Processo Civil, por forma a que dela resultasse a sua inaplicabilidade a uma ordem jurisdicional que tenha um número pouco elevado de juízes.
Por último, e porque o Tribunal considera que as asserções utilizadas pelo oponente naquela resposta e de que acima se dá conta, indiciariamente e de modo objectivo, constituem ilícito de natureza criminal, por elas desejando os Juízes que compõem a presente formação exercitar queixa, determina-se a extracção de certidão de folhas 6 a 8, 10, 11, 16 a 19 e do vertente aresto, e a sua entrega ao Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste órgão de administração de justiça. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa