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Procº nº 495/00
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. – LB notificado da decisão sumária proferida nos autos, pela qual se decidiu não tomar conhecimento do recurso, veio reclamar para a conferência, nos termos do nº3 do artigo 78ºA, da Lei do Tribunal Constitucional.
Alegou, como fundamento que releva para a reclamação, o seguinte:
'12º Os artigos 72º CPA e 144ºCPC (na versão vigente em 1995, altura dos factos) constituem a concretização do Estado de Direito na afirmação do direito de defesa em todos os procedimentos e processos de natureza monista.
13º Pelo contrário, o artigo 279º C.Civil é a concretização do estado de Direito na afirmação do direito de defesa em todos os procedimentos e processos de natureza dualista.
14º A troca de normas jurídicas sem razão material suficiente põe em causa o Estado de Direito, na vertente da segurança jurídica!
15º Pois, qualquer particular sabe que, face a um procedimento ou processo de natureza monista, aplicará o artigo 72º CPA ou 144º CPC, respectivamente.
16º Bem como, face a um procedimento ou processo de natureza dualista, aplicará o artigo 279º C.Civil.
17º Enquanto tais normativos estiverem em vigor, existe a segurança em todos os cidadãos sobre o direito a aplicar.
18º Quando, sem razão material bastante, se pretenda interpretar os artigos 72º CPA ou 144º CPC no sentido de permitirem a sua aplicação a procedimentos ou processos dualistas, ou o artigo 279º C. Civil a procedimentos ou processos monistas, viola-se a segurança jurídica, cai-se no arbítrio!
19º E viola-se o artigo 2º da Constituição!
20º Ou seja, a previsão da norma contida no artigo 279º C.Civil interpretada no sentido de autorizar a sua aplicação a procedimentos ou processos de natureza monista, viola o artigo 2º da Constituição'
Termina o reclamante pedindo a revogação da decisão sumária e a admissão do recurso interposto.
Não houve resposta da autoridade recorrida.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS
2. – Uma vez que a presente reclamação apenas visa a questão relativa ao artigo 279º do Código Civil, restringe-se a transcrição da decisão sumária à parte respeitante a esta norma.
Escreveu-se na decisão em reclamação o seguinte:
'Resta, finalmente, considerar a questão da inconstitucionalidade do artigo 279º do Código Civil (CC).
Neste caso, é manifesto que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade do artigo 279º do CC e que tal norma foi, de facto, aplicada tanto na decisão proferida em 14 de Dezembro de 1999 como na de 31 de Maio de 2000.
Porém, mesmo assim, entendo que não pode conhecer-se do recurso interposto, na parte em que tem o dito artigo 279 CC por objecto.
Na verdade, o recorrente não sustenta que a norma do artigo 279º do CC é inconstitucional, se interpretada no sentido de se contar o prazo de interposição de recursos continuadamente. O que o recorrente considera inconstitucional é a ‘utilização’ que é feita pelo acórdão da norma do artigo
279º do CC: de facto, é a aplicação pela decisão recorrida do princípio que decorre de tal norma (ou seja, do princípio segundo o qual o prazo de interposição do recurso – que é um prazo de dias – se conta de forma contínua) - aplicação que permitiu ao Tribunal de Contas tirar uma decisão de sentido contrário àquele que, no entender do recorrente, decorre do acórdão de 1996, e que devia manter-se intocável - que o recorrente tem por violadora da Constituição. Dizendo de outro modo : o que para o recorrente é inconstitucional não é o facto de o artigo 279º do CC mandar contar os prazos de forma contínua, mas a circunstância de essa norma ter sido aplicada no julgamento do caso. Mas, com dizer isto está a imputar-se a inconstitucionalidade à decisão do Tribunal de Contas de utilizar o artigo 279º do CC, e não à disciplina que neste normativo se contém.
Que a inconstitucionalidade é, efectivamente, imputada à decisão, resulta, sem margem para dúvidas, dos excertos transcritos supra no ponto 4. Na verdade, o recorrente considera que o novo acórdão assente no artigo
279º do CC, não só contraria o acórdão do mesmo Plenário de 21 de Junho de 1996 quanto à forma de contagem do prazo de recurso, como também viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito, o princípio da intangibilidade do caso julgado e o princípio de Justiça.
Aliás, não se descortina que tipo de interpretação poderia ter sido feita da norma do artigo 279º do CC, - que a decisão recorrida considerou aplicável ao caso - que fosse susceptível de violar aqueles princípios constitucionais.
É que, qualquer interpretação há-de observar as regras hermenêuticas e, por isso, há-de conter-se na letra e no espírito da norma. Mas, então, uma interpretação do artigo 279º do CC que fosse inconstitucional só poderia ser uma interpretação absurda. Talvez por isso é que o recorrente não enunciou o sentido do artigo 279º do CC que considera inconstitucional.
Também não é despiciendo considerar que o Tribunal recorrido entendeu que não se verificava, no caso, qualquer hipótese de existência de contradição de julgados. Ora, este aspecto, inteiramente situado no âmbito da definição do direito infraconstitucional, é da exclusiva competência do tribunal «a quo», tendo este Tribunal Constitucional que respeitar o que aí se decidiu.
Efectivamente, a questão essencial, tal como vem posta pelo recorrente, assenta na consideração de que o acórdão de 21 de Janeiro de
1996 considerou aplicável à contagem do prazo de recurso o artigo 72º do CPA e de que esta questão está abrangida pela eficácia de caso julgado daquela decisão de tal modo que a revogação do referido acórdão pelo acórdão do Tribunal Constitucional não a teria afectado. Nesta perspectiva - pondera o mesmo recorrente -, o acórdão do Tribunal de Contas de Dezembro de 1999 não poderia utilizar outra norma para proceder à contagem do prazo de recurso, uma vez assente o momento do seu início. Ainda nesse entendimento das coisas, a situação que se constata nos autos corresponde à existência de duas decisões de sentido contrário sobre a mesma questão concreta da relação processual. Ora, a esta questão não respeita, seguramente, o nº4 do artigo 684º do CPC, invocado pelo recorrente.
De qualquer modo, o Tribunal recorrido, no uso das suas competências próprias, decidiu que, com o acórdão de 1996, não se formou caso julgado quanto à utilização do artigo 72º do CPA e, por isso, o Plenário do Tribunal de Contas, ao reapreciar a questão da tempestividade do recurso dos autos, considerou-se em condições de utilizar outra norma para proceder à contagem do respectivo prazo. Ora - repete-se - esse julgamento não pode este Tribunal sindicar.
Para finalizar, reafirma-se de novo: a
‘inconstitucionalidade’ do artigo 279º do CC reporta-a o recorrente ao facto de a decisão a ter utilizado, e não à própria norma. Na verdade, o recorrente refere que o tribunal ao 'aplicar agora aquele preceito, revoga uma anterior decisão, que constitui caso julgado, que considerava aplicar antes o artigo 72º do CPA'.'
3. - LB fundamenta a reclamação apresentada no entendimento de que os artigos 72º do Código de Procedimento Administrativo
(CPA) e 144º do Código de Processo Civil (CPC) constituem a afirmação do direito de defesa em todos os procedimentos e processos de natureza monista enquanto que o artigo 279º do Código Civil(CC) constitui a afirmação do direito de defesa nos procedimentos e processos de natureza dualista, pelo que a aplicação desta norma
(artigo 279º CC) num processo de natureza monista – como é o caso dos autos – viola o princípio da segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2º da Constituição.
A reclamação não pode deixar de ser indeferida.
Com efeito, a argumentação nela expendida não só não é susceptível de contrariar o entendimento constante da decisão sumária reclamada, como até o confirma.
Na verdade, é agora manifesto que o reclamante não suscita qualquer questão de constitucionalidade normativa. De facto, o reclamante focaliza aquilo que designa por ‘questão de constitucionalidade’ na
'troca de normas jurídicas sem razão material suficiente'. Ora, se é a troca de normas jurídicas sem fundamento material bastante que põe em causa o princípio do Estado de direito na vertente da segurança jurídica, é manifesto que não se trata aqui de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Por um lado, a opção pelo julgador entre duas normas infra-constitucionais não constitui uma questão de constitucionalidade normativa que o Tribunal tenha competência para conhecer.
Por outro lado, ao colocar-se desta forma a ‘questão de constitucionalidade’, centralizada na utilização de uma norma de direito ordinário em vez de outra, que o reclamante considera mais adequada (além de ser matéria da exclusiva competência do tribunal recorrido), com esta impostação da questão o reclamante está ainda a imputar a eventual inconstitucionalidade não à norma ou a uma sua interpretação, mas antes à própria decisão, uma vez que é o facto de esta decisão ter utilizado o artigo 279ºCC em vez do artigo 72º do CPA que o reclamante contesta, ou seja, não aceita que a decisão recorrida tenha feito uso daquela norma em vez de recorrer ao artigo 72º CPA , pois o processo em causa é considerado pelo reclamante como monista.
Dir-se-á por último que da Constituição não resulta qualquer imposição de uma distinção entre procedimentos e processos monistas e procedimentos e processos dualistas, e, muito menos, a imposição de uma qualquer forma de contagem de prazos pré-ordenada ao tipo de processo, por isso a eventual utilização de uma norma própria de um destes tipos de processo ou procedimento noutro de diferente natureza pode constituir um eventual erro de julgamento, mas não integrará certamente uma questão de constitucionalidade.
Nestes termos, a presente reclamação tem de ser desatendida. III – DECISÃO
Por todo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada por LB, assim mantendo a decisão sumária proferida nos autos.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida