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Processo nº 69/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. S. e M. C. propuseram, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma acção
'emergente de contrato de trabalho', em processo sumário, contra A.,SA, na qual pediram a condenação da ré no pagamento do 'complemento ao subsídio de doença por eles auferido da Segurança Social' relativo ao tempo 'de baixa por doença' que indicaram, acrescido dos juros devidos. Invocaram, para o efeito, a al. a) do nº 1 da cláusula 68º do CCTV aplicável à Indústria do Barro Branco, que identificam, segundo a qual a ré 'está obrigada a pagar aos seus trabalhadores um complemento ao subsídio de doença por eles auferido da segurança social, em valor correspondente ao da diferença entre tal subsídio e o salário líquido, para além de trinta dias consecutivos de baixa e até ao limite de mais cento e oitenta dias'. Não obstante a oposição da ré, baseada na alegada 'inconstitucionalidade por violação do artº 63º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e' em
'nulidade, nos termos do artº 294º do Código Civil, por violar a disposição legal imperativa do artº 4º, nº 1, al. e) do Dec.-Lei 164-A/76, de 28 de Fevereiro (...)' (contestação) da cláusula referida, a acção foi julgada procedente. Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 2 de Janeiro de 2000, de fls. 119, negou provimento ao recurso. Para o que agora interessa, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que 'a cls. 68º do CCTV em causa não sofre de inconstitucionalidade material'. De novo recorreu a ré, agora para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que seja julgada inconstitucional a 'cla. 68º, do CCTV para a Indústria Cerâmica do Barro Branco, em violação do artº 63º nº 2 e 5, da Constituição da República Portuguesa'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82). .
2. Notificadas para o efeito, as partes vieram apresentar as suas alegações. Quanto à recorrente, concluiu da seguinte forma:
'A) cl. 68º do CCTV aplicável ao sector de actividade da R. (Indústria do Barro Branco) é materialmente inconstitucional por violação do artº 63º, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.). B) Consequentemente, os subsídios de doença foram instituídos com base numa cláusula que enferma de inconstitucionalidade e nulidade. C) A entrada em vigor artº 63º da C.R.P. introduziu no ordenamento jurídico português os Princípios Fundamentais do Direito à Segurança Social, os quais regem, entre outras coisas, as pensões de reforma, os subsídios de desemprego, invalidez e doença, ficou, pois, fora da iniciativa privada a possibilidade de criar sistemas de Segurança Social fora do âmbito e Instituições de Solidariedade não lucrativas. D) O que o legislador pretendeu assegurar foi que os fundos da segurança social, para pensões de reforma e para complemento de subsídios de doença, estivessem vinculados ao fim da solidariedade e que não estivessem sujeitos às vicissitudes de maior e menor perenidade das instituições privadas. E) São razões de Ordem Pública que não permitem a existência de Sistemas de Segurança Social paralelos que estabeleçam regalias complementares de Segurança Social, entre as quais se incluem, os complementos de subsídio de doença. F) É a realidade que se vivia e a que se assistia que levou o legislador a fazer sair o Dec. Lei nº 887/76. de 29 de Dezembro, o qual veio alterar artigos do Dec. Lei nº 164-A/76, estabelecendo na al. e) do nº 1 do artº 4º, a proibição de os Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho 'estabelecer e regular benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência'. G) Tendo o legislador, no nº3 do mesmo artigo, ressalvado a subsistência dos benefícios complementares fixado atendendo ao facto de uma vez que o Dec. Lei
164-A/76 era de 28 de Fevereiro, anterior, portanto, à entrada em vigor da C.R.P, sendo certo, por isso, que essa ressalva apenas abarca as situações jurídicas ocorridas antes do dia 25 de Abril de 1976, data em que os princípios constitucionais imperativos sobre esta matéria, entraram em vigor, sob pena de, em caso contrário, se estar a sancionar – sem qualquer efeito, aliás, tendo em conta o princípio da hierarquia das normas – dispositivos normativos materialmente inconstitucionais. H) Aliás, importa recordar aquilo que muitos esquecem por ignorância ou conveniência – é que não estamos perante direitos adquiridos, mas sim, diante expectativas cujo grau de jurisdicidade é assaz controverso, já que não é admissível o princípio da eternidade dos IRCT’s. I) Assim sendo, a cl. 68º do CCTV é um acto normativo – embora produto de um acordo entre partes colectivas – que padece de um vício material de violação do artº 63º, nºs 2 e 3 da C.R.P., (e, sucessivamente, do artº 4º nº 1 al. e) do Dec. Lei 164-A/76 de 28 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pelo Dec. lei 887/76 de 29 de Dezembro, e o artº 6º, nº 1 al. e) do Dec. Lei 519-C/79 de
29 de Dezembro), sendo, pois, nulo ‘ab initio’, não estando apto a produzir quaisquer efeitos. J) Não é possível apelar ao princípio do ‘favor laboratoris’ para afastar a aplicação de certas normas constitucionais. L) Aliás, no caso ‘sub judice’ e não nos abstraindo da verdadeira realidade e das consequências que advêm da admissibilidade da criação de benefícios complementares dos assegurados pelas instituições de previdência através de instrumentos de regulamentação colectiva, que, compromete ou pode vir a comprometer a própria subsistência futura dos agentes económicos, em nada favorecerá os trabalhadores, a longo ou mesmo a médio prazo, a admissibilidade dos complementos do subsídio de doença.' Por seu lado, os recorridos concluíram assim as suas alegações :
'1º - Contrariamente ao que sustenta a recorrente, a Cláusula 68º nº 1 alínea a) do C.C.T.V. para a Indústria do Barro Branco, em que os recorridos fundamentaram pretensão, julgada procedente por ambas as instâncias, não viola o artº 63 do C.R.P.;
2º - É que a referida norma, de carácter meramente programático, limita-se a estabelecer um esquema mínimo de Segurança Social a assegurar pelo Estado, dela não resultando, explicita ou implicitamente, a proibição do estabelecimento de esquemas de segurança complementares daquele e, muito menos, como é aqui o caso, por via de contratação colectiva, direito fundamental que, enquanto tal, apenas poderá ser restringido nos casos previstos na Constituição e limitando-se a restrição ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que não seria aqui o caso.'
3. De acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82, as partes foram notificadas do parecer de fls.165, com o seguinte conteúdo:
'1. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, 'se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias'. Ora verifica-se, neste caso, que constitui objecto do recurso a norma constante da al. a ) do nº 1 da cláusula 68º do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical, publicado pela primeira vez no Boletim do Ministério do Trabalho nº 23, vol. 43, de 15 de Dezembro de 1976, cujo texto, que não foi modificado pelas sucessivas alterações a que foi sujeito o referido contrato (embora constasse da al. a) do nº 1 do artigo 69º na sua versão originária), é o seguinte:
'1. A entidade patronal obriga-se a garantir aos trabalhadores os seguintes benefícios: a) Pagamento do complemento do subsídio de doença até ao valor do salário líquido para além de trinta dias consecutivos de baixa e até ao limite de mais cento e oitenta dias, sem prejuízo de procedimento mais favorável'. Este CCTV foi celebrado entre a Associação Portuguesa de Cerâmica, na qual a recorrente esteve filiada de 13 de Dezembro de 1975 a 1994 e diversas Federações e Sindicatos, entre os quais a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos e Similares. Ora os recorridos são sócios do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias da Cerâmica, Cimentos e Similares do Sul e Regiões Autónomas. Assim resulta da matéria de facto dada como provada pelo acórdão recorrido, segundo o qual 'está assente que às relações laborais entre os Autores e a Ré é aplicável o CCTV para o Sector do Barro Branco, face à filiação quer da Ré, quer dos autores, nas organizações subscritoras do mesmo'.
2. Tem havido divergências neste Tribunal quanto à questão de saber se cabe ou não na respectiva competência o julgamento da eventual inconstitucionalidade de normas constantes de instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho (cfr. os acórdãos nº 172/93, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 451 e segs. e nº 637/98, ainda inédito, cuja cópia se junta, num sentido, e o Acórdão nº 214/94, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 27º, pág. 1057 e segs., em sentido oposto). Se, todavia, ocorrer que a norma objecto do recurso seja aplicável ao litígio por força de uma Portaria de Extensão, nenhuma dúvida se tem colocado quanto a essa competência, pelos motivos indicados no acórdão nº 392/89 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13º, t. II, pág. 1035 e segs.). Isso não sucede, todavia, no caso presente. Assim, nos termos e pelos fundamentos constantes do Acórdão nº 172/93, considera-se que o Tribunal Constitucional não tem competência para conhecer do objecto do presente recurso. Notifiquem-se as partes para se pronunciarem, querendo, sobre o não conhecimento do objecto do recurso (citado nº 1 do artigo 704º do Código de Processo Civil).' Apenas respondeu a recorrente, louvando-se em particular no voto de vencido aposto ao acórdão nº 172/93 e concluindo que 'deve conhecer-se do objecto do recurso, sob pena de se praticar uma verdadeira denegação de justiça, com as legais consequências daí decorrentes' (resposta de fls. 174). Não acrescentou, porém, nenhum argumento que possa afastar a solução apontada no parecer transcrito.
Assim, nos termos e pelos fundamentos constantes do Acórdão nº 172/93, para os quais se remete, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 ucs. Lisboa, 22 de Novembro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito (vencido, como no acórdão nº 172/93) Luís Nunes de Almeida