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Proc. nº 581/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – No recurso de constitucionalidade interposto por FS para este Tribunal foi proferida pelo relator decisão nos seguintes termos:
1 - FS, com os sinais dos autos intentou contra TA, S.A., acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum e sob a forma ordinária, pedindo a declaração de nulidade do despedimento de que fora alvo, com a consequente reintegração no seu posto de trabalho e a condenação da Ré no pagamento das retribuições que deveria ter auferido até à data da sentença.
A acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
O A. recorreu da sentença para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. 451 e segs,, negou provimento ao recurso.
De novo inconformado, o A. interpôs recurso de revista para o STJ.
O recurso não foi admitido por despacho de fls. 547, com fundamento na sua rextemporaneidade, ultrapassado que fora o prazo fixado no artigo 685º nº 1 do CPC.
Deste despacho o A reclamou para o presidente do STJ sustentando a tempestividade do recurso por ter sido interposto no prazo legal, considerando aplicável o disposto no artigo 75º nº 2 do Código de Processo do Trabalho (CPT) por força do nº 1 do artigo 724º do CPC.
Por despacho de fls. 564, a reclamação foi indeferida, confirmando-se a decisão reclamada.
Apresentou, então o A um requerimento em que pedia a 'reforma' do despacho de fls. 564 e subsidiariamente que recaísse, nos termos do artigo 732-A nº 2 do CPC, sobre a questão fundamental de direito subjacente àquele despacho, julgamento alargado 'com intervenção do Plenário das Secções Sociais do Supremo Tribunal de Justiça' para uniformização de jurisprudência.
Quanto ao primeiro pedido, sustentou o recorrente que se verifica um erro manifesto na determinação da norma aplicável ao caso, uma vez que, ao invés de se determinar a exclusiva aplicabilidade dos artigos 685º e 698º nº 2 do CPC se deveria ter admitido a aplicabilidade dos artigos 75º nº 2 e 76º nº 1 do CPT; a interpretação dos artigos 685º nº 1, 698º nº 2 e 724º nº 1 do CPC violaria o disposto no artigo 20º nºs 1 e 5 e 18º nºs 1 e 2 da CRP.
Quanto ao segundo pedido, o recorrente começou por sustentar a aplicabilidade do artigo 732º-A nº 2 do CPC ao caso das reclamações, defendendo que tese contrária faria enfermar a norma daquele artigo de inconstitucionalidade por violação dos artigos 2º, 9º alínea b), 13º nºs 1 e 2 e 18º nº 2 'por violar de forma desnecessária e desproporcional o direito à confiança na tendencial uniformidade da Jurisprudência, o princípio da autovinculação dos Tribunais às suas próprias decisões e o princípio da igualdade, na vertente da jurisdição acima referida'; a norma seria igualmente inconstitucional por violação do artigo 13º nº 1 da CRP
'uma vez que trata de forma desigual situações substancialmente idênticas (...)'
Alegou, ainda, quanto ao mesmo pedido, que o artigo 732º-A nº 2 do CPC é também inconstitucional por violação do artigo 20º nº 1 e 18º nºs 2 e 3 da CRP 'por atentar de forma desnecessária contra o núcleo essencial do Direito ao Recurso'; também o artigo 689º nº 2 do do CPC, quando interpretado no sentido de fazer excluir a aplicabilidade do artigo 732º-A nº 2 aos casos de oposição entre duas decisões de reclamações, seria, pelas mesmas razões, inconstitucional.
Por fim, o recorrente sustenta que se verificam os requisitos do recurso ampliado no que concerne à oposição com jurisprudência anteriormente firmada, citando como decisão-fundamento o despacho proferido na reclamação nº 105/98 e termina indicando o sentido em que deve ser decidida a invocada oposição.
O despacho recorrido, que indeferiu o pedido de reforma e não admitiu a revista ampliada, pronunciou-se, em síntese, nos seguintes termos:
- Não se verifica qualquer lapso na invocação dos artigos 685º e 698º do CPP;
- Não há qualquer violação dos preceitos constitucionais citados, sendo de salientar que o direito de acesso aos tribunais não garante sempre o duplo grau de jurisdição;
- A figura da revista ampliada pressupõe sempre a existência de decisões colegiais (acórdãos);
- A decisão proferida pelo Presidente do tribunal ad quem não é susceptível de recurso, pelo que jamais pode ser sufragada por acórdão.
- A decisão pretensamente em oposição com a proferida nos autos 'não tomou aberta posição quanto à problemática do regime aplicável ao recurso de revista laboral, tendo antes admitido ser controversa a questão e determinado a admissibilidade da revista – relativamente ao tribunal a quo. A situação acabada de retratar é assim notoriamente distinta da prevista nos citados artigos 732º-A e 732º-B, não fazendo por isso qualquer sentido o apelo à interpretação extensiva'.
Vejamos agora o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado pelo recorrente ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da lei nº 28/82
Nele pretende o recorrente que o Tribunal aprecie a constitucionalidade das seguintes normas:
a) Artigos 685º nº 1, 698º nº 2 e 724º nº 1, interpretados 'por forma a excluir a aplicabilidade dos prazos previstos nos artigos 75º nº 2 e 76º nº 1 do CPT
(...) em casos onde – existindo notória falta de clareza da lei e reconhecida divergência jurisprudencial – o recorrente tenha dado cumprimento a esses mesmos prazos, estando em causa a admissibilidade do recurso de revista laboral e, consequentemente, a preclusão do direito à mesma'
A inconstitucionalidade destas normas teria sido suscitada no pedido de reforma do despacho de fls. 564
b) Artigo 732º-A nº 2 do CPC, interpretado no sentido de não ser aplicável aos casos de oposição entre decisões de reclamações e também no sentido de 'não ser aplicável aos casos de oposição entre decisões judiciais, nos quais, a decisão-fundamento, manifestando assumidas dúvidas sobre a solução jurídica aplicável tendo em conta duas teses inicialmente equacionadas, acabe por decidir, optando por uma terceira, em sentido substancialmente contraditório relativamente à decisão recorrida'.
A inconstitucionalidade desta norma, com o primeiro sentido interpretativo fora suscitada pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso de revista alargada; com o segundo sentido, a inconstitucionalidade não fora suscitada, por se tratar de uma 'decisão surpresa'
c) Artigo 689º nº 2 do CPC, quando interpretado no sentido de fazer excluir a aplicabilidade do artigo 732º-A nº 2 do CPC aos casos de oposição entre duas decisões de reclamações
A inconstitucionalidade da norma teria sido suscitada no requerimento de interposição de recurso de revista alargada de fls. 564.
2 - A questão que, antes do mais, se coloca é a de saber se se mostram cumpridos os requisitos de admissibilidade do recurso relativamente a cada uma das normas cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal.
Para tanto é de fazer apelo à jurisprudência firme e pacífica que se formou no Tribunal Constitucional relativamente aos pressupostos que, numa primeira aparência, podem estar aqui em causa.
O primeiro reporta-se à exigência de a suscitação da questão de constitucionalidade pelo recorrente dever verificar-se 'durante o processo', tendo desde logo em conta que todas as inconstitucionalidades no caso suscitadas o foram no mesmo requerimento onde se formulava o pedido de reforma do despacho de fls. 564 e se interpunha um 'recurso de revista alargada'.
Cumpre, a propósito, transcrever este trecho paradigmático no Acórdão nº 418/98 in DR II Série de 20/7/98:
'Não procede a alegação de que a suscitação da questão de inconstitucionalidade feita no pedido de reforma da sentença ainda se pode , no caso, considerar feita durante o processo para efeitos da alínea b)) do nº 1 do artigo 70º da LTC. É certo que na sequência das alterações legislativas introduzidas ao Código de Processo Civil Pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, se alargaram os termos da possibilidade de reforma da sentença, permitindo-se hoje, inclusivamente, se verificados determinados pressupostos, a alteração da própria decisão de mérito. Só que (...) a possibilidade de reforma de sentença por parte do tribunal a quo depende da verificação dos respectivos pressupostos do instituto que, como decidiu, aliás, o próprio tribunal recorrido, no caso manifestamente se não verificam.
Nos termos do nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil só é possível a reforma da sentença designadamente em termos de permitir a alteração da decisão de mérito, quando (a) tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; ou (b) constem do processo documentos ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto não haja tomado em consideração. Ora é manifesto que nada disto se verifica no caso que é objecto dos autos. A eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos.'
Neste mesmo sentido decidiu, também, o Acórdão nº 364/200 (inédito).
Ora, no caso, e desde logo quanto ao primeiro grupo de normas, interpretado no sentido de ele não permitir a aplicação dos prazos previstos nos artigos 75º nº 2 e 76º nº 1 do CPT,é manifesto que o recorrente deveria ter suscitado a questão da sua inconstitucionalidade na reclamação deduzida contra o despacho de não recebimento do recurso onde logo se entendera que o prazo do recurso de revista era o previsto no CPC, sendo plausível que idêntica doutrina viesse a ser aplicada no despacho a proferir sobre a reclamação.
Por outro lado, a verdade é que aquela mesma doutrina não configurava, como alíás se decidiu, lapso manifesto na determinação da lei aplicável, construção que se revela, na sua aparência, como um instrumento para o recorrente suscitar a questão de inconstitucionalidade que não levantara em tempo oportuno.
Já o mesmo entendimento não é aplicável às normas cuja inconstitucionalidade o recorrente suscitou no requerimento de revista alargada.
É o caso da norma do artigo 734º-A nº 2 do CPC, com a referida primeira interpretação e o da norma do artigo 689º nº 2 do CPC com o mesmo sentido.
Simplesmente aqui depara-se outro obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso.
Com efeito, o recurso para o Tribunal Constitucional em fiscalização concreta de constitucionalidade tem uma função instrumental, o que implica que a sua decisão, designadamente no sentido da inconstitucionalidade da norma, se reflicta na decisão recorrida.
No caso, p. ex., o julgamento do recurso no sentido pretendido pelo recorrente haveria de implicar uma alteração da decisão recorrida, ou seja a admissão da requerida revista ampliada. Por outras palavras, as normas (ou uma sua interpretação) cuja inconstitucionalidade o recorrente argui teriam que constituir a razão do decidido no despacho impugnado, como o impõe o artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82.
Sucede, porém, que neste mesmo despacho e relativamente à verificação de outros pressupostos da revista ampliada (não já os respeitantes ao tipo de decisões – acórdãos – em causa) se diz que eles também se não verificam, compaginando o despacho então recorrido e a decisão invocada como fundamento, como se lê no trecho supra transcrito.
Quer isto dizer que, mesmo admitindo, na perspectiva de constitucionalidade, a exigência de uma revista ampliada quando estão em causa despachos proferidos sobre reclamações de não admissão de recurso, o pedido não obteria igualmente deferimento pela não verificação de outro pressuposto – há, naquele despacho, no fundo, uma outra e autónoma razão de decidir.
Nesta medida o recurso com tal objecto carece de utilidade
A verdade, contudo, é que o recorrente também questionou – embora apenas no requerimento de interposição do presente recurso - a constitucionalidade da norma do artigo 732º-A nº 2 do CPC, com o sentido que teria habilitado o despacho recorrido a dar como não verificado esse outro pressuposto. E daí que, a ter o Tribunal que conhecer desta inconstitucionalidade, soçobrasse o aludido fundamento de não conhecimento do objecto do recurso quanto às normas atrás citadas.
Mas também o Tribunal não pode conhecer da constitucionalidade daquela norma, ainda que, por mera hipótese de raciocínio, considere a decisão, como o recorrente a considerou, uma decisão-surpresa.
O recurso de constitucionalidade é no nosso ordenamento jurídico um recurso de normas e não de decisões judiciais – di-lo repetidamente o Tribunal Constitucional (cfr., entre muitos outros, o Acórdão nº 413/94, de 18 de Maio de
1994); o Tribunal Constitucional não sindica, pois, o modo como as decisões judiciais subsumem os factos ao direito.
Não se dispensa – e bem – o Tribunal de conhecer da constitucionalidade de normas, com a interpretação que lhes é dada nas decisões recorridas; a fronteira entre o que constitui interpretação e mera aplicação do direito aos factos não
é, no entanto, nítida.
Certo é que, no caso, o recorrente, ao questionar a 'interpretação' do artigo
732º-A nº 2 do CPC no sentido 'de não ser aplicável aos casos de oposição entre decisões jurídicas nos quais a decisão-fundamento, manifestando assumidas dúvidas sobre a solução jurídica aplicável tendo em conta duas teses inicialmente equacionadas, acabe por decidir, optando por uma terceira em sentido substancialmente contraditório relativamente à decisão recorrida' , não está a por em causa o 'conteúdo interpretativo' atribuído pelo julgador à norma daquele artigo, no sentido de, com ele, se ter definido um critério jurídico genérica e abstractamente aplicável a casos semelhantes, mas a reportar-se ao
'momento aplicativo da norma ao caso concreto' (cfr. Acórdão nº 205/99, de
7/4/99).
Este, pois, o fundamento por que o recurso com tal objecto também não é admissível.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, não se conhece do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
Vem agora o recorrente reclamar para a conferência da decisão transcrita, reclamação que, na parte que interessa, apresenta as seguintes conclusões:
'3ª- Pese embora o mandatário do Reclamante tivesse, à data da reclamação dirigida ao Exmo Presidente do STJ, conhecimento da divergência doutrinal e jurisprudencial acerca de qual o regime aplicável (ao nível dos prazos) na Revista Laboral, sempre defendeu e aplicou (com sucesso) o prazo previsto para as Apelações laborais, como deriva de certidão oportunamente junta aos autos. Acresce que:
4ª - O Reclamante, no Recurso de Revista Alargado que interpôs
(subsidiariamente) juntou certidão de 'decisão fundamento do Presidente do STJ, pelo qual se decidiu processo em que: O mandatário do ora Reclamante interveio (naquele caso na qualidade de Advogado do ali Reclamado); A questão foi (naquele caso) suscitada em sede de reclamação a propósito de entendimento inicial (do Juiz 'a quo'), segundo o qual o prazo aplicável às Revistas Laborais e não do regime expresso nos artigos 685º nº 1, 698º nº 2 e
724º nº 1 do C.P.Civil. O mandatário do ora Reclamante defendeu, na circunstância, a mesma posição que sempre aplicou e viu ser aceite: a da aplicabilidade do regime da Apelação laboral nos recursos de Revista Laboral. Naquele caso, a mesma questão de direito foi decidida pelo Presidente do STJ no sentido de que 'deverá na dúvida e em homenagem ao princípio da recorribilidade das decisões judiciais ('odiosa restringenda, favorabilia amplianda'), admitir a revista', ou seja em sentido diverso do adoptado nos presentes autos. Tudo conforme certidão junta aos presentes autos em 22 de Maio de 2000. Ou seja;
5ª - Na óptica do Reclamante era à data desnecessário e inoportuno suscitar a questão de constitucionalidade de uma eventual não aplicação das normas em causa interpretadas à luz do princípio da recorribilidade das decisões judiciais
('odiosa restringenda, favorabilia amplianda'), interpretação que havia, doutamente, sido anteriormente aplicada pelo Exmo Presidente do STJ, para o qual reclamava à data.
6ª - Ou seja, não era ao Reclamante previsível que a Reclamação viesse a ser decidida pelo Magistrado que não o Exmo Presidente do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ('in casu' pelo Exmo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça) e não lhe era exigível prever ainda que esse magistrado pudesse adoptar posição diversa daquela em face da mesma situação jurídica.
7ª - Pelo exposto, pese embora a decisão da reclamação dirigida ao Exmo Senhor Presidente do STJ tenha sido confirmativa (no sentido de rejeitar o interposto recurso), dever-se-á, excepcionalmente, tendo em conta o acima referido, entender que a mesma constituiu para o Reclamante uma 'decisão-supresa', a qual faz dispensar o cumprimento do ónus imposto no artigo 75º-A nº 2 in fine da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
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10ª - Assim, embora se reconheça que efectivamente o requerimento de reforma não
é, em regra, um instrumento processualmente adequado, considera-se que deverá existir uma excepção para os casos em que o erro na determinação da norma aplicável deriva das própria inconstitucionalidade da em causa na interpretação que lhe foi atribuída. De facto, em tais casos
11ª- O tribunal 'a quo' confrontado tal requerimento para reforma da sua sentença, pode e deve exercer o seu poder jurisdicional e pronunciar-se sobre a questão de inconstitucionalidade, independentemente de existir um efectivo erro manifesto ou sequer de existir qualquer erro. Assim, ao pronunciar-se sobre a questão, ao menos para a rejeitar, está a fornecer base para o recurso para o Tribunal Constitucional. Está a tomar posição sobre a questão da inconstitucionalidade, permitindo ao Tribunal Constitucional rever a posição adoptada.
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13ª - Ressalvado o devido respeito, no caso sub judice, o Tribunal Constitucional não pode conhecer da questão do erro para efeitos de decidir se o requerimento de reforma teve, ou não, um fundamento mínimo que permita aceitar como relevante a alegação da inconstitucionalidade naquele instrumento, a menods que conheça da questão de inconstitucionalidade que lhe está subjacente.
14ª - Ou seja, só apurando se a norma aplicada de forma alegadamente errónea é efectivamente inconstitucional poderá o Tribunal decidir da existência do erro ou não.
15ª - Desta forma, o conhecimento da questão de fundo é indissociável da decisão sobre a existência ou não dos pressupostos processuais do recurso, no caso, a alegação prévia da inconstitucionalidade.
16ª - Por conseguinte, nos casos específicos, em que o erro seja derivado da questão da inconstitucionalidade, deverá o Tribunal Constitucional proceder a uma apreciação sumária da questão e, se for caso disso, indeferir liminarmente aquelas que se revelem jurídico-constitucionalmente infundadas. Por outro lado:
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17ª - A douta decisão recorrida, ao analisar o fundamento para proceder à Requerida Reforma da Sentença entendeu que inexistia qualquer erro na determinação das normas aplicáveis, e, cumulativamente, considerou que não se vislumbrava 'a violação de qualquer dos referidos preceitos constitucionais, sendo de salientar a propósito que, pese embora vigore no nosso sistema jurídico o princípio da recorribilidade das decisões judiciais, o direito de acesso aos tribunais não implica sempre a inexistência de u duplo grau de jurisdição – posição esta várias vezes sustentada pelo Tribunal Constitucional e pela mais relevante doutrina'. Assim, considerando que:
18ª - Num sentido funcional, a necessidade de arguição da inconstitucionalidade
'durante o processo' se justifica por a mesma dever ser feita em momento em que o Tribunal 'a quo' ainda pudesse conhecer da questão, ou seja, por forma a que esse Tribunal possa ainda tomar posição sobre a alegada inconstitucionalidade.
19ª - Dever-se-á considerar que, existindo decisão directa sobre tal questão, deixa de existir fundamento para não conhecer do objecto do recurso, por o Tribunal Constitucional dispor de condições para reapreciar (em recurso) a constitucionalidade da interpretação aplicada pelo Tribunal 'a quo'.
20ª - Não se lê expressamente naquele despacho que inexiste contradição entre os julgados, desconhecendo o reclamante se a aparente ou implícita alusão a tal inexistência, configurou para o Tribunal 'a quo' uma razão determinante (leia-se autónoma) para rejeitar o recurso de Revista Alargada.
21ª - Nem sabe o reclamante se o Tribunal 'a quo', em face de uma eventual efectiva declaração da inconstitucionalidade dos artigos 732º-A nº. 2 do P. Civil e 689º nº. 2 do C. P. Civil, manterá, ou não, a não admissão do recurso. Por outro lado,
22ª - Acredita o reclamante que, em face de uma eventual declaração da inconstitucionalidade da interpretação em causa, o processo seguirá nos termos previstos no artigo 732º-B nº. 2 do CPC, ordenando-se ainda do mesmo com vista ao Ministério Público, para emissão de parecer sobre a questão que origina (ou não) a necessidade de uniformização da jurisprudência.
23ª - Só após a emissão de parecer pelo Ministério Público é que, em sede de exame preliminar, se verifica a admissibilidade do recurso e a existência de oposição entre os julgados.
24ª - Assim, a apreciação da questão da inconstitucionalidade das normas em causa afigura-se com utilidade e não depende do conhecimento e procedência prévia da arguição da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 732º-A nº. 2 do C. P. Civil (com o 2º sentido interpretativo). Não concedendo:
25ª - Caso assim não se entenda e, no entanto, se considere que se deve conhecer da questão da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 732º-A nº. 2 do C. P. Civil (com o 2º sentido interpretativo), o ora Reclamante mantém interesse na análise da constitucionalidade das normas em causa.
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27ª - O Recorrente, ora Reclamante, entende somente ter posto em causa a interpretação do normativo que consta do artigo 732º-A nº. 2 do C. P. Civil.
28ª - Daí que, o Recorrente tenha feito constar no requerimento de interposição do recurso, que: 'A mesma norma assim interpretada, é inconstitucional por derrogação do disposto nos artigos 2º, 9º alínea b) (Princípio do Estado de Direito), 13º nº. 1 e 18º nºs. 2 e 3 e 20º, todos da CRP (...)'. Por outro lado,
29ª - Mesmo que se entendesse que a arguição da inconstitucionalidade realizada pelo o ora Reclamante não cumpre de forma correcta, de um ponto de vista formal, as exigências da arguição da inconstitucionalidade da norma em causa, dever-se-á, ainda assim, entender (em homenagem ao princípio da recorribilidade das decisões judiciais) que o Recorrente teve a intenção de se reportar à interpretação aplicada na douta decisão recorrida, desejando fazer apreciar a constitucionalidade da mesma.
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31ª - A Doutrina actual sobre a interpretação sustenta que é impossível distinguir entre os dois momentos. Que por força da 'espiral hermenêutica', em que o intérprete circula entre os factos e a norma em sucessivas passagens até à obtenção da decisão final, interpretação e aplicação são um e o mesmo momento. Por conseguinte,
32ª - Embora no sistema constitucional português não exista um sistema de recurso de amparo, dirigido contra as decisões dos Tribunais 'a quo', na realidade o legislador acolheu um sistema que, embora literalmente se reporte a normas, na verdade acaba por incidir sobre interpretações destas. Logo, igualmente sobre a sua aplicação ao caso concreto, já que a norma só se encontra cabalmente interpretada uma vez confrontada com o caso concreto.
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Na sua resposta, a empresa recorrida pugna pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2 – Como se deixou transcrito, o primeiro fundamento de impugnação da decisão sumária traduz-se na alegação de que, relativamente aos artigos 685º nº 1, 698º nº 2 e 724º nº 1 do CPC, a interpretação que lhes foi dada pelo despacho que indeferiu a reclamação do despacho de não admissão do recurso interposto para o STJ, exarado a fls. 547, não era de todo esperada, constituindo a decisão, para ele, uma 'decisão surpresa' – estaria, assim, dispensado do ónus de alegação prévia da inconstitucionalidade que, só posteriormente, no pedido de reforma de tal decisão, veio a arguir.
Mas sem qualquer razão.
Na verdade, como se deixou dito na decisão sumária reclamada, com o despacho de fls. 547 o reclamante confrontava-se directamente com uma tese que ele bem sabia defendida por sectores da doutrina e da jurisprudência, tese essa que o reclamante considerava assente em normas que, interpretadas como o tinham sido, seriam inconstitucionais.
E não é o facto de o mandatário do reclamante ter já obtido sucesso com a tese por ele sustentada, nomeadamente em outras reclamações para o Presidente do STJ, que o dispensava do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade. Sem embargo de se dever ponderar a estratégia de defesa da parte sobre a qual recai o referido ónus, não são razões de ordem meramente subjectiva que podem tornar inexigível a alegação prévia da inconstitucionalidade – esta impõe-se objectivamente, como princípio, e só razões conexionadas com a própria decisão
(v.g. a sua singularidade no contexto jurisprudencial ou doutrinário, o que não era o caso pois a decisão em causa confirmava até a decisão então reclamada) poderão justificar a exoneração do mesmo ónus.
Em segundo lugar, o reclamante sustenta que àquele princípio se deve abrir a excepção quando o pedido de reforma assenta na inconstitucionalidade da norma
(ou sua interpretação) aplicada na decisão reformanda.
Mas, também aqui, sem razão.
Não abona desde logo a sua tese a jurisprudência deste Tribunal (que não se vê razão para abandonar) designadamente o que se decidiu no Acórdão nº 418/98, citado no despacho reclamado, onde claramente se diz que 'a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura (ressalvada alguma hipótese anómala e excepcional, como seja a da inexistência jurídica da norma) uma situação de manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou da qualificação jurídica dos factos'.
A este propósito, cabe salientar que nenhum dos dois acórdãos citados pelo reclamante – os Acórdãos nºs 364/2000 e 397/2000 – apoia a tese a tese do reclamante. Apenas no segundo se equaciona a questão, mas sem o compromisso de uma solução, sendo ainda certo que, na hipótese colocada, se configurava a inconstitucionalidade como 'patente'.
A circunstância de os tribunais estarem obrigados a recusar a aplicação de normas ilegais não transfigura o pedido de reforma previsto no artigo 669º nº 2 do CPC, como limitação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da sentença, sujeito aos requisitos que lhe são próprios, designadamente o que se refere ao 'manifesto lapso' do juiz na determinação da norma aplicável, situação que, no caso – e sem que se torne necessário apreciar a constitucionalidade das normas em causa – se não verifica.
Reside, aliás, aqui o erro do reclamante quando alega a 'incindibilidade entre o conhecimento da questão de fundo (inconstitucionalidade da norma) e da questão prévia da análise da existência de lapso manifesto na determinação da norma aplicável', pois do que trata é de saber se constitui lapso manifesto a aplicação pelo juiz de uma norma que o requerente considera inconstitucional e respondeu-se já, tal como na decisão sumária reclamada, que, no caso o não é, afastando-se implicitamente a verificação de uma 'situação anómala e excepcional', usando a linguagem do citado Acórdão nº 418/98.
Sustenta, depois, o reclamante que não é exigível o cumprimento do
ónus de alegação prévia quando a decisão em causa se pronuncia, ela própria sobre a questão de constitucionalidade.
A verdade, porém, é que se não vê na lei, em especial no artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82 qualquer apoio a esta tese – que, no seu limite, acabava por dispensar a alegação prévia da inconstitucionalidade, sempre que o tribunal ponderasse, sponte sua, a constitucionalidade da norma aplicada.
Sucede, ainda, que no despacho em causa – na parte em que aprecia o pedido de reforma – a apreciação da constitucionalidade das normas aplicadas surge já depois de o Presidente do STJ ter decidido que não se verificava qualquer lapso na invocação dos artigos 685º e 698º do CPC, resultando a sua aplicação de uma correcta aplicação da lei; ou seja, ela constitui, na economia da decisão, um excedente, no ponto em que a inexistência de qualquer lapso fazia desde logo soçobrar a pretensão de reforma.
Insurge-se também o reclamante quanto ao facto de, na decisão sumária, se ter entendido, agora a respeito do pedido de revista ampliada, que a apreciação da questão de constitucionalidade seria inútil, já que por outro fundamento – em si autónomo e suficiente – aquele fora indeferido.
E não há mais do que reiterar aqui o que então se deixou dito.
Esclarece-se, apenas, que, nos termos do artigo 732º-A nº 1 do CPC, compete ao Presidente do STJ julgar da necessidade ou conveniência da revista ampliada para uniformização de jurisprudência. Escreve, a propósito, Lopes do Rego ('Comentários ao Código de Processo Civil', p. 500) que o Presidente do STJ
'goza de amplos poderes para, em seu prudente arbítrio, determinar a intervenção do plenário das secções cíveis, sempre que tal se revele 'necessário' ou
'conveniente', na perspectiva da unidade da jurisprudência e da revisibilidade das correntes jurisprudenciais formadas', sendo 'insusceptível de impugnação a decisão do presidente do STJ que determine ou indefira a tramitação segundo o regime de revista ampliado'.
Quer isto dizer, no caso, que, verificado um outro fundamento da decisão de indeferimento alheio à questão de constitucionalidade em causa - e esse é incontestável quando no despacho recorrido se diz 'Acresce ainda, e como não poderia deixar de ser, por tudo quanto se acentuou no tocante à natureza da decisão que atenda a reclamação, que a decisão pretensamente em oposição com a proferida nestes autos, vd. Fls. 611-613, não tomou posição aberta quanto à problemática do regime aplicável ao recurso de revista laboral, tendo antes admitido ser controversa a a questão e determinado a admissibilidade da revista
– relativamente ao tribunal 'a quo' e que 'a situação acabada de retratar é assim notoriamente distinta da prevista nos citados artigos 732º-A e 732º-B, não fazendo por isso qualquer sentido o apelo à interpretação extensiva' – a decisão sobre a questão de constitucionalidade não teria implicações no julgado recorrido, enquanto julgado de indeferimento.
Por último, impugna o reclamante o decidido no que concerne ao entendimento de que ele não colocara uma questão de constitucionalidade da interpretação normativa, mas antes se reportara ao momento aplicativo da norma ao caso concreto.
Pese embora as doutas considerações do reclamante sobre a distinção entre interpretação e aplicação da norma – não ignoradas, de resto, na decisão reclamada – a verdade é que nesta se optou por um critério operativo dessa diferença e nele se fundou para concluir como concluíu.
Sobre este ponto e confirmando o que se julgou na decisão sumária, resta acrescentar que a tese do reclamante é de todo inaceitável no ponto em que acabaria por converter o recurso de constitucionalidade num recurso de amparo – como ele próprio, aliás, reconhece - que não é admitido no nosso ordenamento jurídico.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 12 de Dezembro de 2000 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa