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Proc. nº 78/99 ACÓRDÃO Nº 574/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente H... e como recorrido o Ministério Público, a relatora proferiu decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 731 e ss.).
O recorrente reclamou da decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Antes da indicação dos fundamentos da reclamação, o reclamante afirmou que no primeiro parágrafo da decisão impugnada, quando se refere '21 300 000$00', deveria referir-se '2 130 000$00', requerendo, em consequência, a correcção do que reconheceu ser um manifesto lapso de escrita. No que respeita à reclamação, H... impugnou a decisão sumária unicamente na parte em que não conheceu o objecto do recurso em relação à norma do artigo 121º do Código Penal. Transcrevendo parte do ponto nº 4 da decisão (onde se sustenta que o acórdão recorrido não contém qualquer decisão surpresa relativa à norma em questão, nomeadamente porque o próprio recorrente configurou, nas alegações de recurso, a aplicação do nº 3 do artigo 121º do Código Penal, na redacção de 1995), o reclamante afirma que mencionou a aplicação do nº 3 do artigo 121º do Código Penal, e não a aplicação da alínea b) do nº 2 do mesmo preceito (terá querido mencionar o nº 1). Por outro lado, o reclamante afirma que o que efectivamente 'condena na aplicação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça' é a 'interpretação actualista da norma do nº 1 do artigo 120º do Código Penal - redacção de 1982 - em qualquer das respectivas alíneas, à qual o referido Tribunal procedeu no seu acórdão em apreço, ao referir que à norma da alínea c) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal de 1982 (...) corresponderia a da alínea b) do nº 1 do mesmo diploma revisto em 1995', correspondência que, na opinião do reclamante, não corresponde
à verdade. O reclamante demonstra tal interpretação actualista através da transcrição da passagem do aresto recorrido, onde se afirma que 'da conjugação das várias normas acima transcritas, resulta que todo o prazo decorrido desde
13.2.87 até 5.7.88 deixou de ter qualquer valor e começaria a partir desta
última data a correr novo prazo - artigos 120º, nº 3, do C.P. de 82 e 121º, nº
2, do C.P. 95'.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
2. Começando pela análise do alegado lapso de escrita, verifica-se que a fls. 731, na linha nove do primeiro parágrafo da decisão sumária reclamada, refere-se a 'quantia de 21 300 000$00'. No entanto, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Janeiro de 1998, a que então se fazia menção, o valor indicado foi o de '2 130 000$00'.
Ocorreu, assim, um manifesto lapso de escrita, que deverá ser corrigido, nos termos do artigo 667º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicável nos presentes autos por força do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional.
3. O reclamante impugnou a decisão sumária de fls. 731 na parte em que não tomou conhecimento do objecto do recurso interposto relativamente à norma do artigo 121º do Código Penal. Não está, portanto, em causa na presente reclamação a decisão de não conhecimento do objecto do recurso em relação às normas do artigo 117º, nº 1, alíneas b) e c), do Código Penal de 1982 [quando concatenado com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 118º do Código Penal revisto em 1995] e do artigo 465º do Código de Processo Penal de 1929.
Na decisão sumária não se tomou conhecimento do objecto do recurso em relação à norma contida no artigo 121º do Código Penal, em virtude de não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o processo (nem mesmo no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade), não se verificando, por outro lado, e ao contrário do que afirmou então o recorrente, uma daquelas situações excepcionais e anómalas em que o Tribunal Constitucional entende não ser exigível o cumprimento do ónus da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
Porém, o reclamante afirma que referiu efectivamente a aplicação do nº 3 do artigo 121º do Código Penal na versão de 1995, e não a para ele inesperada aplicação da alínea b) do nº 1 do mesmo preceito, e que o Supremo Tribunal de Justiça fez uma interpretação 'actualista' (na sua opinião inconstitucional) do artigo 120º, nº 1, alínea c), do Código Penal na versão originária, fazendo 'apelo' à alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código Penal na versão de 1995. Assim, pretende rebater uma eventual incompreensão da Relatora relativa à norma por si questionada que seria o pressuposto lógico falso do juízo de não conhecimento.
Ora, diferentemente do que o reclamante considera, no nº 4 da decisão sumária reclamada sustenta-se que a decisão então recorrida não foi objectivamente inesperada ou surpreendente, referindo-se, para o demonstrar, que se o recorrente pretendia impugnar, na perspectiva da constitucionalidade, uma qualquer dimensão normativa do artigo 121º, nº 1, alínea b), do Código Penal (ou a interpretação actualista do artigo 120º, nº 1, do Código Penal, na versão originária, como parece resultar da presente reclamação), com fundamento no carácter desfavorável do respectivo conteúdo (dimensão normativa que, como se referiu, nem mesmo no requerimento de recurso de constitucionalidade surgiu identificada de modo adequado), tinha o ónus de suscitar a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça antes da prolação da decisão recorrida, tal como fez em relação a outras normas. Na realidade, o reclamante já invocava expressamente, nas alegações de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, a aplicação do nº 3 do artigo 121º, questionando, concomitantemente, a aplicação de outros preceitos (artigo 118º do Código Penal, na redacção de 1995), sem aí questionar como problema de constitucionalidade a interpretação actualista do artigo 120º, nº 1, do Código Penal na redacção originária, ou do artigo 121º do Código Penal na redacção revista em 1995. Não tendo cumprido tal ónus, e não se tratando de uma decisão objectivamente imprevisível, concluiu-se pela não verificação do pressuposto processual do recurso interposto, consistente na suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa.
Esta conclusão, como se verifica, em nada é afectada pelas considerações do reclamante. Com efeito, não se averiguou na decisão sumária (na parte ora questionada) se o Supremo Tribunal de Justiça fez ou não uma dada interpretação normativa, mas sim se o recorrente impugnou ou não a interpretação alegadamente inconstitucional. Por outro lado, a referência ao trecho das alegações de recurso onde o recorrente afirma a aplicação do nº 3 do artigo 121º do Código Penal na redacção de 1995, assim como ao segmento onde se pondera a conformidade à Constituição da aplicação do artigo 118º do mesmo diploma (em detrimento do artigo 117º do Código Penal na versão de 1982), apenas visou demonstrar que a articulação do regime prescricional constante do Código Penal na versão de 1982 com o regime posterior à revisão de 1995 (questão, portanto, de aplicação da lei no tempo) podia ser considerada como questão de constitucionalidade pelo então recorrente, uma vez que este já ponderava, afinal, a aplicação do regime legal da prescrição num contexto de sucessão de leis no tempo. Nessa medida, a decisão constante do acórdão recorrido não foi objectivamente imprevisível.
Assim, há que concluir que a presente reclamação deve ser indeferida.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. corrigir o lapso de escrita constante da linha nove do primeiro parágrafo da decisão sumária de fls. 731 e ss., pelo que onde se lê '21 300
000$00' deve ler-se '2 130 000$00'; b. indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa